A escoliose é uma doença caracterizada por um desvio progressivo na coluna lombar, que atinge milhões de pessoas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 4% da população é acometida por essa doença no mundo. No Brasil, são 6 milhões de pessoas, especialmente adolescentes do sexo feminino.
Em junho é celebrado o Dia Mundial da Escoliose; para conscientizar sobre a importância do diagnóstico e tratamento precoce, ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição Alexandre Fogaça, especialista em coluna do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas da FMUSP, comenta as causas e cuidados com a doença.
Fogaça explica que existem vários tipos de escoliose, como a congênita, em que a pessoa já nasce com essa deformidade. O principal tipo, entretanto, é a escoliose idiopática, sem causas conhecidas. “Não é nada que ela faça ou deixa de fazer que está causando aquilo”, afirma, ao dizer que não há relação entre a postura ou no fato de a pessoa ficar muito tempo em frente ao computador ou usando o celular.
Segundo o médico, quando o quadro de escoliose progride, ele causa uma deformidade que pode diminuir o espaço que seria ocupado por um dos pulmões, o que causa dificuldades para respirar. O funcionamento do estômago e do intestino também pode ser prejudicado. Nos casos mais graves, a medula é afetada e pode acarretar em problemas neurológicos como dor e dormência.
Diagnóstico precoce
Com o diagnóstico precoce e o tratamento, “o maior objetivo é não deixar essa curva progredir e chegar nos graus que podem causar problemas complicados”, diz Fogaça. Ele conta que normalmente quem percebe as deformidades são os pais e os professores, especialmente os de atividades físicas. Assimetrias nos ombros e cintura são sinais de curvatura na coluna que podem indicar um quadro de escoliose.
Nos graus mais leves, o tratamento pode ser feito com exercícios e o uso de um colete. Nos casos mais graves, entretanto, é necessária a intervenção cirúrgica. Segundo Fogaça, o grau de complexidade dessas cirurgias é menor quanto mais cedo o problema for identificado e tratado, também por isso a importância do diagnóstico precoce.
Essas cirurgias, de acordo com o especialista, “são grandes, mas hoje têm uma taxa de sucesso enorme e corrigem a deformidade e impedem que ela progrida”. O mais comum é que uma haste fixada na coluna seja utilizada para corrigir essa deformidade e fixar as vértebras na posição adequada. A recuperação pode durar até um ano, “mas depois disso é vida normal”, destaca Fogaça.
Ele reforça as orientações aos pais e professores, que devem estar atentos: “Se perceber essa deformidade na coluna da criança no começo de sua adolescência, ela deve ser encaminhada para a atenção médica, normalmente um ortopedista. Será feita uma radiografia para medir o tamanho dessa deformidade e instituir o tratamento mais precoce possível, para que tenha mais chance de funcionar e, se for o caso de uma cirurgia, que consiga operar com um grau pequeno, em que ela é menos complicada”.
A frutose vinda de produtos ultraprocessados aumenta o risco de associação entre o ácido úrico e a doença. A pesquisa, realizada na Faculdade de Medicina, usou dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto, uma coorte (acompanhamento de longo prazo) em andamento no País.
Pesquisa desenvolvida pela Faculdade de Medicina (FMUSP) mostrou que há uma associação importante entre o aumento dos níveis de ácido úrico sérico e a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA). A DHGNA é causada pelo acúmulo progressivo de gordura no fígado e não pelo consumo excessivo de álcool. Nos últimos anos, evidências clínicas sugerem que o ácido úrico elevado frequentemente está associado ao desenvolvimento ou progressão da DHGNA. Altos índices de ácido úrico podem levar ao desenvolvimento de resistência à insulina (RI).
Outro dado importante trazido pelo estudo mostra que o consumo elevado de frutose – vinda de produtos ultraprocessados – pode aumentar o risco de associação entre o ácido úrico e a DHGNA, tanto para homens quanto para mulheres.
Os resultados integram a tese de doutorado da nutricionista Clara Freiberg, defendida em janeiro de 2021. A partir desses achados, a pesquisadora sugere que a investigação prática da função hepática deva fazer parte do protocolo dos exames de rotina.
Do total da amostra estudada (10.597 pessoas), a pesquisa encontrou uma prevalência de DHGNA de 38,5% (44,9% em homens e 34% em mulheres). Quando comparados a outros países, como Estados Unidos (34%), Índia (29%) e Coreia do Sul (26%), esse número parece bem elevado.
“Quando falamos de frutose estamos nos referindo àquela industrializada, presente em alimentos ultraprocessados, e não ao consumo da fruta propriamente dita”, esclarece Clara Freiberg, nutricionista autora do estudo.
A ingestão de frutose tem sido associada à progressão da doença devido ao seu potencial de aumentar os níveis de ácido úrico no sangue. Ela está presente em muitos produtos ultraprocessados na forma de xarope de milho enriquecido com frutose. Estudos estimam que a frutose tem sua absorção aumentada em quase 30% quando associada a soluções com esse tipo de carboidrato.
“Quando falamos de frutose estamos nos referindo àquela industrializada, presente em alimentos ultraprocessados, e não ao consumo da fruta propriamente dita”
Elsa-Brasil
Para realizar a pesquisa, a nutricionista utilizou os dados provenientes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), uma coorte (acompanhamento de longo prazo) de servidores públicos de todo o Brasil, iniciada em 2008, e que conta com cerca 15 mil participantes, com idade entre 36 e 74 anos.
A amostra final para a pesquisa foi composta de 10.597 participantes (4.309 homens e 6.288 mulheres) que preencheram os critérios para diagnóstico de DHGNA (exames antropométricos, clínicos, bioquímicos e ultrassonografia, para avaliar a presença da doença).
Todos os participantes foram classificados em quintis dos níveis de ácido úrico sérico para a análise de todas as variáveis, sendo o primeiro quintil (Q1) referente aos valores mais baixos e o último quintil (Q5) aos valores mais elevados. Quintil é o termo usado para um conjunto de dados que é dividido em cinco partes iguais.
As análises mostraram que não houve diferença entre os quintis quanto à idade, etnia e renda. Participantes com maior nível de ácido úrico apresentaram menor nível de escolaridade e maior prevalência de IMC (índice de massa corporal, calculado pelo peso da pessoa dividido pela altura dela ao quadrado). Também apresentaram mais hipertensão, diabete, níveis de enzimas do fígado altos, eram inativos fisicamente e tinham esteatose hepática de leve a grave. Além disso, possuíam maior média de circunferência da cintura, de HOMA-IR (marcador de que avalia se o paciente tem resistência à insulina), de enzimas hepáticas, colesterol total, LDL e triglicerídeos.
A circunferência da cintura deve ser tratada com atenção porque a deposição de tecido adiposo, que é a gordura localizada no abdômen, está associada ao aumento da mortalidade geral. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a medida da cintura não ultrapasse 102 centímetros (cm) nos homens e 88 cm nas mulheres.
Quanto ao nível de ácido úrico, 965 mulheres (15%) e 1.122 homens (26%) eram hiperuricêmicos (níveis altos de ácido úrico). Verificou-se também que 45% dos homens e 34% das mulheres apresentaram algum nível de DHGNA. A prevalência da doença hepática tendeu a aumentar à medida que se elevavam os níveis de ácido úrico sérico.
Foto: Reprodução/Wikimedia Commons
Não houve diferenças de idade, etnia e renda entre os homens com alto consumo de frutose quando comparados aos participantes normouricêmicos (com níveis normais de ácido úrico) e hiperuricêmicos.
As mulheres hiperuricêmicas com maior consumo de frutose têm chance aumentada de apresentar DHGNA. Para os homens, a chance de hiperuricêmicos com consumo elevado de frutose apresentarem a doença foi maior do que aqueles com consumo adequado de frutose. “Com esses resultados, acho importante que a investigação prática da função hepática deva fazer parte do protocolo dos exames de rotina”, sugere Clara.
Ainda de acordo com a pesquisadora, os profissionais de saúde precisam ser mais claros ao orientar os pacientes sobre o controle do sal, do açúcar e da frutose, por exemplo. “As pessoas precisam entender que altos níveis de frutose nem sempre estão associados a um consumo excessivo de frutas.”
“Com esses resultados, acho importante que a investigação prática da função hepática deva fazer parte do protocolo dos exames de rotina”, sugere Clara.
A doença
A doença hepática gordurosa não alcoólica vem se tornando uma das principais causas de doença hepática crônica no mundo. Sobrepeso, diabete, má nutrição, perda brusca de peso e sedentarismo estão entre os fatores de risco para o aparecimento da doença.
Há evidências de que a pressão alta, resistência à insulina, níveis elevados de colesterol e triglicérides estão diretamente associados ao excesso de gordura no fígado.
A patologia geralmente é assintomática e pode atingir um estágio avançado antes de ser diagnosticada. Desconforto no quadrante superior direito, fadiga e letargia foram relatados em até 50% dos pacientes mas, muitas vezes, a DHGNA é diagnosticada após a realização de exames de rotina.
Estudos mostram que, entre os pacientes com esteatose hepática simples, 12% a 40% desenvolverão NASH (forma mais avançada da doença hepática gordurosa não alcoólica) com fibrose precoce após oito a 13 anos. Desses, aproximadamente 15% desenvolverão cirrose e/ou evidência de descompensação hepática no mesmo período. Cerca de 7% das pessoas com cirrose compensada associada à DHGNA vão evoluir para câncer no fígado dentro de dez anos, enquanto 50% exigirão um transplante ou morrerão de causa relacionada ao fígado.
“Minha população estudada foi de adultos e idosos, mas seria importante avaliar o consumo de frutose em crianças e adolescentes”, explica. “A oferta de ultraprocessados é enorme para esse público. Na cantina da escola, por exemplo, refrigerante e água têm o mesmo preço.”
Foto: Reprodução/HCV-Trials
Jovens e adolescentes na mira
Clara contou ao Jornal da USP que o trabalho dela abriu várias outras possibilidades de estudo. “Minha população estudada foi de adultos e idosos, mas seria importante avaliar o consumo de frutose em crianças e adolescentes”, explica. “A oferta de ultraprocessados é enorme para esse público. Na cantina da escola, por exemplo, refrigerante e água têm o mesmo preço.”
Outro exemplo seria o acompanhamento mais próximo da dieta de alguns pacientes para verificar se há a mesma resposta clínica.
O Elsa-Brasil é um estudo iniciado em 2008, que investiga, na população brasileira, a incidência e fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares (acidente vascular cerebral, hipertensão, arteriosclerose, infarto, entre outras) e doenças associadas. São 15 mil participantes, de várias regiões do País, com idade entre 35 e 74 anos. No próximo mês de agosto eles serão novamente convocados para entrevistas e exames que identifiquem uma possível evolução dos fatores de risco para essas doenças – que são consideradas a principal causa de mortalidade no Brasil e no mundo.
Veja, neste link, outras pesquisas realizadas pelo Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil).
Estudos indicam que sete horas de sono por noite é uma média ideal na meia-idade e na velhice e pessoas que dormem por pouco tempo ou longos períodos podem apresentar piora no bem-estar geral e mais sintomas de ansiedade e depressão. Para falar sobre o assunto, o Jornal da USP no Ar 1ª Edição entrevistou Andrea Toscanini, médica clínica do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e da equipe Laboratório do Sono do instituto.
Andrea atenta para o fato de que a privação do sono é mais estudada que o excesso dele e destaca que ambos os casos não são benéficos. “Dormir, por exemplo, nove horas ou mais, não tem um efeito benéfico”, complementa. Há correlação entre o sono e o desenvolvimento de doenças degenerativas, como o Alzheimer, e alterações metabólicas também acompanham a falta de sono. No entanto, é importante salientar que, para o desenvolvimento dessas enfermidades, a prática de se dormir mais ou menos precisa ocorrer há muitos anos.
Influência cultural
Para ela, a prática de se dormir pouco possui influências culturais vinculadas à produtividade. Por isso, para a prática do bom sono, é necessário, nas palavras dela, “lavar nosso preconceito em relação a dormir bem”, para depois organizar o seu dia, reservando oito horas de sono e 30 minutos para o adormecimento, e finalmente nos acostumando a uma dinâmica mais saudável.
A importância do sono está no processo de limpeza dos metabólitos de reações químicas e produtos proteicos, que só acontece no momento de descanso. Essa limpeza ocorre na segunda fase do sono, quando nos encontramos em sono profundo.
A médica finaliza dizendo que um aliado na prática do bom sono é o profissional especialista, área relativamente nova, mas que foca em questões pontuais. Ela expõe ainda que há a necessidade da implementação do estudo do sono na base dos cursos de medicina, por essa ser uma questão permeante em outras áreas médicas, justamente porque distúrbios do sono são extremamente prevalentes, afetando mais da metade da população do Brasil e do mundo.
Em testes no laboratório, a combinação do canabidiol ultrapuro com o antibiótico polimixina B teve atividade antibacteriana contra superbactérias resistentes inclusive ao antibiótico isolado.
Um estudo das Faculdades de Ciências Farmacêuticas (FCFRP) e de Medicina (FMRP), ambas da USP em Ribeirão Preto, da Unesp em Araraquara e do Instituto Ramón y Cajal de Investigación Sanitaria, da Espanha, demonstrou o efeito antibacteriano sinérgico do canabidiol (CBD) em combinação com a polimixina B, antibiótico já utilizado nos hospitais para o tratamento de infecções hospitalares graves. Os resultados preliminares foram obtidos em testes laboratoriais e publicados no artigoPotential cannabidiol (CBD) repurposing as antibacterial and promising therapy of CBD plus polymyxin B (PB) against PB-resistant gram-negative bacilli em abril, na revista Scientific Reports.
“Nossos achados demonstraram que a combinação do canabidiol ultrapuro com o antibiótico polimixina B teve atividade antibacteriana contra superbactérias como a Klebsiella pneumoniae, extremamente resistente a antibióticos, e que pode causar infecções graves em pessoas hospitalizadas como pneumonia, infecções no sangue e meningite. De modo surpreendente, os resultados foram promissores contra bactérias que também eram resistentes à polimixina B, ou seja, para aquelas em que o antibiótico sozinho não tem atividade”, explica Leonardo Neves de Andrade, professor da FCFRP, biomédico e coordenador do estudo.
Os pesquisadores também observaram que o canabidiol sozinho foi antibacteriano contra bactérias como: Staphylococcus, que pode causar de faringite a endocardite; Enterococcus, que pode afetar o aparelho digestivo e urinário; Streptococcus, que pode provocar faringite, escarlatina, febre reumática, até pneumonia e meningite; Micrococcus, que afeta o equilíbrio da microbiota da pele; Rhodococcus sp., relacionada com infecções respiratórias; Mycobacterium sp., Neisseria sp. e Moraxella sp., que podem causar infecções nas vias aéreas e são sexualmente transmissíveis.
“Utilizamos diferentes metodologias que contribuíram para o entendimento de conceitos microbiológicos sobre a atividade antibacteriana da combinação do CBD com a polimixina B. Sugerimos que os canabinoides sejam mais explorados pela ciência por meio de novas formulações farmacêuticas, ensaios pré-clínicos e testes clínicos em seres humanos, visando ao reposicionamento do canabidiol como novo antibiótico”, ressalta Andrade.
O artigo é resultado dos estudos de mestrado da farmacêutica Nathália de Lima Martins Abichabki sob orientação do professor Andrade no Programa de Pós-Graduação em Biociências e Biotecnologia da FCFRP. Além da FMRP, houve colaboração da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unesp em Araraquara e do Hospital Universitario Ramón y Cajal / Instituto Ramón y Cajal de Investigación Sanitaria (IRYCIS) de Madri-Espanha.
O canabidiol (CBD) é uma substância extraída da planta Cannabis sativa que não possui efeito psicoativo. “O canabidiol já tem sido associado a múltiplas e potenciais atividades biológicas, especialmente ansiolítica, antipsicótica, anti-inflamatória, analgésica e neuroprotetora em casos de epilepsia, transtornos de ansiedade, distúrbios do sono, Parkinson e esquizofrenia”, explica José Alexandre Crippa, professor da FMRP, médico psiquiatra e um dos autores do estudo.
Resistência bacteriana e a importância de novos tratamentos
A resistência bacteriana à ação dos antibióticos atualmente disponíveis tem como resultado o aumento da dificuldade em tratar doenças infecciosas já conhecidas, causando um prolongamento da infecção, incapacidade e até morte.
“Considerando as implicações sanitárias, sociais e econômicas da crescente resistência bacteriana, a OMS chama a atenção para a pesquisa, descoberta e desenvolvimento de novos antibióticos contra patógenos multidroga-resistentes ou extensivamente droga-resistentes”, explica Fernando Bellissimo Rodrigues, professor da FMRP, médico infectologista e um dos autores do estudo.
Ainda de acordo com o especialista, a comunidade científica investiga diversas substâncias, incluindo produtos naturais. “Existem infecções hospitalares causadas por bactérias extremamente resistentes a praticamente todas as opções terapêuticas disponíveis no mercado. Dessa forma, o canabidiol surge como uma promessa, pois já tem uso licenciado e já demonstrou ser seguro para outras indicações clínicas. Os próximos passos envolvem os testes pré-clínicos e clínicos futuros em seres humanos, para avaliar se os resultados obtidos in vitro serão confirmados”, explica Bellissimo Rodrigues.
Em estudo conduzido em ratos, pesquisadores do Departamento de Neurologia da Universidade de Berna, na Suíça, identificaram como o cérebro faz a triagem das emoções durante o sono.
Todos sabemos que uma boa noite de sono é essencial para manter nosso corpo e mente em bom estado. Mas como exatamente dormir afeta nossas emoções e memórias ainda é assunto de investigação por cientistas.
Em um estudo publicado na revista Science, pesquisadores do Departamento de Neurologia da Universidade de Berna, na Suíça, identificaram, em ratos, como o cérebro faz a triagem das emoções durante o sono. Os cientistas analisaram especificamente a fase do sono em que nós sonhamos. De acordo com o trabalho, é nesse momento que o cérebro consolida o armazenamento de emoções positivas ao mesmo tempo em ele amortece a consolidação das negativas.
Para o professor Alan Luiz Eckeli, do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, estudos como esse são mais uma peça do quebra-cabeça que busca compreender o processo complexo que envolve a retenção de memórias. “Essa retenção está relacionada a diversas áreas anatômicas, por isso, é importante sabermos de que maneira a consolidação da memória é mediada pelo processo biológico de sono”, destaca ele.
Especialista em Medicina do Sono, Eckeli explica que o estudo dos pesquisadores suíços se concentrou especificamente no sono de movimento rápido dos olhos, o sono REM. “Ele é um estado de sono único durante o qual a maioria dos sonhos ocorre em conjunto com conteúdos emocionais intensos”, reforça. Como e por que essas emoções são ativadas é que não está claro.
Durante o trabalho, os pesquisadores primeiro condicionaram os camundongos a reconhecer estímulos auditivos associados à segurança e outros associados ao perigo, também chamados de estímulos aversivos. A atividade dos neurônios no cérebro de camundongos foi então registrada durante os ciclos de sono vigília. Foi então que eles conseguiram mapear diferentes áreas e determinar como as memórias emocionais são transformadas durante o sono REM.
“O sono REM possui bastante conteúdo onírico, que envolve realismo fantástico, vários personagens, e isso gera curiosidade, mas todos os tipos de sono são importantes”, aponta o professor ao destacar que observar, fisiologicamente, como o sono influencia os gastos energéticos e metabólicos é alvo de diversos estudos da área.
Para compreender melhor o resultado do estudo europeu, é preciso lembrar que os neurônios são compostos de um corpo celular (que chamamos de “soma”) que integra informações provenientes dos dendritos (as entradas) e envia sinais para outros neurônios por meio de seus axônios (as saídas). Os resultados obtidos pela pesquisa mostraram que os somas celulares são mantidos em silêncio enquanto seus dendritos são ativados.
O professor esclarece que, de forma simplificada, o que se descobriu é que o cérebro favorece a discriminação de segurança versus perigo nos dendritos, mas bloqueia a reação exagerada à emoção, em particular ao perigo.
A partir da descoberta feita em ratos, futuramente, será possível aplicá-la em humanos, moderando o sono “até mesmo farmacologicamente. E essa modulação poderá ser utilizada para tratar condições clínicas como transtornos pós-traumáticos ou mesmo algo mais simples, como casos de transtorno do pesadelo, por exemplo”, finaliza Eckeli.
Segundo Giovanni Guido Cerri, na era da saúde digital, a tecnologia, como a IA(Inteligência Artificial), já são responsáveis por aumentar a rapidez e precisão de diversos diagnósticos, mas não podem substituir a avaliação de exames pelos médicos
Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, o professor Giovanni Guido Cerri, presidente do Conselho de Inovação e do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, elucida os principais pontos envolvendo o equilíbrio entre inovação e humanismo na medicina digital.
Para ele, no decorrer das últimas duas décadas, a tecnologia apresentou um papel fundamental para que o homem pudesse viver mais e melhor. Mas, em alguns casos, ela se colocou acima da relação existente no contato humano, já que a “formação do médico se transformou numa formação muito técnica e muitas vezes foi deixado de lado os aspectos humanísticos, a importante relação médico paciente”.
Por exemplo, os algoritmos de Inteligência Artificial ajudam médicos a fazer um diagnóstico mais preciso e também melhoram a produtividade do profissional em questão. Por um lado, isso configura um cenário de aliança entre o médico e a máquina, resultando em uma maior segurança do paciente. Por outro, Cerri destaca que isso pode estar sujeito a padrões de regulação, ampliando uma série de problemas, preconceitos e outros vieses.
Relação médico paciente
A inserção de ferramentas tecnológicas contribuiu em diversas formas para o avanço da medicina. “Com uma grande aceleração da tecnologia, não podemos esquecer da importante relação médico paciente que se constrói. Muitas vezes, uma relação de confiança é necessária para que o tratamento possa ser realizado com a eficácia esperada”, comenta o professor.
Esse cenário surge com a pandemia, período em que a telemedicina originou um novo tipo de relação que, para Cerri, necessita de uma ética adequada para as teleconsultas, a fim de se evitar um crescimento desordenado. Por fim, a utilização da tecnologia deve ir em benefício do paciente, sem prejudicar a relação entre ele e o médico, tomando cuidado para que essa incorporação tecnológica seja utilizada de forma adequada e segura: “Dessa segurança, nós temos que procurar dar ao paciente em questão esse equilíbrio entre o ser humano e a máquina”.
A fase pré-universitária pode ser muito difícil e desgastante para os estudantes, assim como a busca por um novo emprego através de concursos públicos. Esse período de estudos costuma ser muito estressante devido ao volume de conteúdo e de informações a que o estudante é submetido. Por esse motivo, é muito comum as pessoas buscarem aumentar sua concentração e grau de absorção de informações através do consumo de medicamentos para tratar transtornos de déficit de atenção. Um levantamento feito com 12 neurologistas pelo jornal O Estado de S. Paulo apontou que houve um aumento nos últimos dois anos entre 70% e 100% no pedido de receita de psicoestimulantes por parte dos jovens.
Antônio Serafim, diretor do Serviço de Psicologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica que “vários fatores podem levar as pessoas as buscarem recursos, mecanismos para lidar com o desempenho e a melhora de determinados aspectos. Um deles é o uso de medicação, principalmente os estimulantes ou psicoestimulantes como a Ritalina, para melhorar a concentração e o desempenho acadêmico”. Mas o que leva uma pessoa a buscar esse artifício? Na opinião do professor Serafim, “você pode ter de fato pessoas que estão em uma pressão, sob uma determinada condição, como o preparatório para vestibular, concurso, e sentem uma sobrecarga para melhorar o desempenho, passando a fazer uso desses recursos para ampliar essa capacidade de raciocínio, de concentração e memorização. Já as pessoas mais competitivas também, porque elas buscam ser melhor que as outras por uma necessidade psicológica. E existem aqueles que se sentem incapazes, insuficientes, mesmo sem procurarem um atendimento adequado, e acabam usando esses recursos”.
Dependência
O uso desses medicamentos controlados inicialmente é eficiente. Essas substâncias têm um efeito no sistema nervoso central, melhorando a conectividade, conexão neuronal e desempenho. A pessoa fica mais atenta, mais rápida no processo. No entanto, o uso pode levar a uma dependência, como destaca o doutor Serafim. Ele explica que essa dependência pode ser química ou psicológica. A pessoa acaba associando seu bem-estar e seu sucesso ao uso dessa medicação, recorrendo ao seu uso sempre que se sente insegura. Para definir como tratar e lidar com essa situação, é necessário verificar a intensidade e a frequência do uso dessa substância. Muitas vezes o usuário perde a noção e a capacidade de entender que esse recurso vem sendo prejudicial, levando à dependência.
O psiquiatra explica que “jovens na fase pré-universitária, alunos de cursos que têm um nível de exigência muito grande, como, por exemplo, o de medicina, com cargas horárias muito longas, e adultos em uma sociedade que vive o imediatismo com soluções rápidas e muitas vezes mágicas, buscam esses recursos”. Ao se identificar esse tipo de comportamento, o ideal é procurar uma ajuda profissional médica e psicológica.
Pela primeira vez, um estudo holandês detectou a presença de microplásticos no sangue humano, que chega até o organismo através do consumo de alimentos embalados e da inalação do ar
O impacto do plástico como poluidor já é um assunto recorrente em pautas ambientais, mas a presença do componente no organismo humano vem ganhando cada vez mais relevância. Pela primeira vez, um estudo holandês detectou a presença de microplástico no sangue humano, que chega até o organismo através do consumo de alimentos embalados e de carnes de animais contaminados, além da inalação do ar e da água que bebemos, por conta da poluição do material no meio ambiente. A análise é do hematologista José Roberto Ortega Júnior, do Curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP.
Em estudo internacional, publicado recentemente, foram coletadas 22 amostras de sangue de doadores anônimos, todos adultos saudáveis, e a presença do microplástico foi detectada em 17 amostras, ou seja, 80% dos participantes.
E, no início deste ano, pesquisadores da USP apresentaram resultados de pesquisa que também identificou a presença do material no organismo humano, desta vez no tecido pulmonar, com 20 casos analisados e 13 tecidos contaminados.
Nos dois estudos, os tipos de plásticos encontrados foram os mais consumidos mundialmente, como o polipropileno, polietileno e o PET, usados na fabricação de embalagens plásticas, sacolas de mercado e garrafas plásticas. As partículas encontradas variaram entre 1,6 a 5,5 micrômetros.
Impactos na saúde
Identificado recentemente, o impacto na saúde causado pela presença do microplástico no organismo “ainda é uma pergunta a ser respondida pela ciência”, conta Ortega. O hematologista conta que algumas testagens em animais já foram concluídas, mas ainda não é possível definir as consequências à saúde humana.
Estudos iniciais, baseados em estudos de modelos de cultura celular, mostram que a presença de microplásticos do nylon no tecido pulmonar pode afetar o desenvolvimento de células tronco pulmonares, prejudicando pulmões em desenvolvimento e a cicatrização das vias aéreas, diz Luís Fernando Amato, pós-graduando e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, autor da pesquisa brasileira.
Consumo consciente
De acordo com Amato, o consumo consciente de materiais como plásticos é a melhor solução a curto prazo, evitando utilizações desnecessárias e de uso único como copos, canudos e sacolas plásticas de mercado, por exemplo. “O uso do plástico na sociedade é inevitável, mas filtrar esse consumo em situações de necessidades reais, evitando desperdícios e descartes irregulares, pode ser a chave para uma melhora no cenário de poluição pelo plástico, seja no meio ambiente ou no organismo humano”, enfatiza Amato.
O trauma naturalmente causado por uma pandemia acaba por deixar muitas pessoas preocupadas quando veem, logo em seguida, alertas sobre o surgimento de uma doença em locais onde antes ela não era detectada. É o que ocorreu após notícias de que humanos se contaminaram com a chamada varíola dos macacos, doença que é endêmica em países africanos. Mas sua disseminação para países não endêmicos, como na Europa e nos Estados Unidos, causou apreensão. Até agora, existem mais de 200 casos confirmados ou suspeitos em cerca de 20 países onde o vírus não circulava anteriormente.
Diante dessa situação, a Agência Brasil consultou fontes e especialistas para elucidarem eventuais dúvidas sobre o que é a varíola dos macacos, bem como sobre sintomas, riscos, formas de contágio e sobre o histórico dessa doença que recentemente tem causado tanta preocupação nas pessoas.
Médico infectologista do Hospital Universitário de Brasúlia (UnB), André Bon trata de tranquilizar os mais preocupados. “De maneira pouco frequente essa doença é grave. A maior gravidade foi observada em casos de surtos na África, onde a população tinha um percentual de pacientes desnutridos e uma população com HIV descontrolado bastante importante”, explica o especialista.
Segundo ele, no início dos anos 2000 houve um surto da doença nos Estados Unidos. “O número de óbitos foi zero, mostrando que, talvez, com uma assistência adequada, identificação precoce e manejo adequado em uma população saudável, não tenhamos grandes repercussões em termos de gravidade”.
O grupo que corre maior risco são as crianças. Quando a contaminação abrange grávidas, o risco de complicações é maior, podendo chegar a varíola congênita ou até mesmo à morte do bebê.
Uma publicação do Instituto Butantan ajuda a esclarecer e detalhar o que vem a ser a varíola dos macacos. De acordo com o material, a varíola dos macacos é uma “zoonose silvestre” que, apesar de em geral ocorrer em florestas africanas, teve também relatos de ocorrência na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e, mais recentemente, na Argentina.
Histórico e ocorrências
A varíola dos macacos foi descoberta pela primeira vez em 1958, quando dois surtos de uma doença semelhante à varíola ocorreram em colônias de macacos mantidos para pesquisa. O primeiro caso humano dessa variante foi registrado em 1970 no |Congo. Posteriormente, foi relatada em humanos em outros países da África Central e Ocidental.
“A varíola dos macacos ressurgiu na Nigéria em 2017, após mais de 40 anos sem casos relatados. Desde então, houve mais de 450 casos relatados no país africano e, pelo menos, oito casos exportados internacionalmente”, complementa a publicação recentemente divulgada pelo instituto.
Segundo o instituto, entre 2018 e 2021 foram relatados sete casos de varíola dos macacos no Reino Unido, principalmente em pessoas com histórico de viagens para países endêmicos. “Mas somente este ano, nove casos já foram confirmados, seis deles sem relação com viagens”.
Portugal confirmou mais de 20 casos de varíola dos macacos – REUTERS/Dado Ruvic
Casos recentes
Portugal confirmou mais de 20 casos, enquanto a Espanha relatou pelo menos 30. Há também pelo menos um caso confirmado nos Estados Unidos, no Canadá, na Alemanha, na Bélgica, na França e na Austrália, segundo a imprensa e os governos locais, conforme informado pelo Butantan.
“Neste possível surto de 2022, o primeiro caso foi identificado na Inglaterra em um homem que desenvolveu lesões na pele em 5 de maio, foi internado em um hospital de Londres, depois transferido para um centro especializado em doenças infecciosas até a varíola dos macacos ser confirmada em 12 de maio. Outro caso havia desenvolvido as mesmas lesões na pele em 30 de abril, e a doença foi confirmada em 13 de maio”, informou o Butantan.
Mais quatro casos foram confirmados pelo governo britânico no dia 15 de maio, e, no dia 18, mais dois casos foram informados – nenhum deles envolvendo alguém que tivesse viajado ou tido contado com pessoas que viajaram, o que indica possível transmissão comunitária da doença.
Dois tipos
De acordo com o instituto, esse tipo de varíola é causada por um vírus que infecta macacos, mas que incidentalmente pode contaminar humanos. “Existem dois tipos de vírus da varíola dos macacos: o da África Ocidental e o da Bacia do Congo (África Central). Embora a infecção pelo vírus da varíola dos macacos na África Ocidental às vezes leve a doenças graves em alguns indivíduos, a doença geralmente é autolimitada (que não exige tratamento)”, explica o instituto.
André Bon descreve essa varíola como uma “doença febril” aguda, que ocorre de forma parecida à da varíola humana. “O paciente pode ter febre, dor no corpo e, dias depois, apresentar manchas, pápulas [pequenas lesões sólidas que aparecem na pele] que evoluem para vesículas [bolha contendo líquido no interior] ate formar pústulas [bolinhas com pus] e crostas [formação a partir de líquido seroso, pus ou sangue seco]”.
De acordo com o Butantan, é comum também dor de cabeça, nos músculos e nas costas. As lesões na pele se desenvolvem inicialmente no rosto para, depois, se espalhar para outras partes do corpo, inclusive genitais. “Parecem as lesões da catapora ou da sífilis, até formarem uma crosta, que depois cai”, detalha. Casos mais leves podem passar despercebidos e representar um risco de transmissão de pessoa para pessoa.
Varíolas dos macacos causa pequenas lesões na pele – CDC/BRIAN W.J. MAHY
Transmissão e prevenção
No geral, a varíola dos macacos pode ser transmitida pelo contato com gotículas exaladas por alguém infectado (humano ou animal) ou pelo contato com as lesões na pele causadas pela doença ou por materiais contaminados, como roupas e lençóis, informa o Butantan. Uma medida para evitar a exposição ao vírus é a higienização das mãos com água e sabão ou álcool gel.
O médico infectologista do HUB diz que a principal forma de prevenção dessa doença – enquanto ainda apresenta “poucos casos no mundo” e está “sem necessidade de alarde” – tem como protagonistas autoridades de saúde. “Elas precisam estar em alerta para a identificação de casos, isolamento desses casos e para o rastreamento dos contatos”, disse.
“Obviamente a utilização de máscaras, como temos feitos por causa da covid-19 por ser doença de transição respiratória por gotículas e evitar contato com lesões infectadas é o mais importante nesse contexto”, enfatiza Bon ao explicar que a varíola dos macacos é menos transmissível do que a versão comum.
O Butantan ressalta que residentes e viajantes de países endêmicos devem evitar o contato com animais doentes (vivos ou mortos) que possam abrigar o vírus da varíola dos macacos (roedores, marsupiais e primatas). Devem também “abster-se de comer ou manusear caça selvagem”.
O período de incubação da varíola dos macacos costuma ser de seis a 13 dias, mas pode variar de cinco a 21 dias, conforme relato do Butantan. Por isso pessoas infectadas precisam ficar isoladas e em observação por 21 dias.
Vacinas
André Bon explica que as vacinas contra varíola comum protegem também contra a varíola dos macacos. Ele, no entanto, destaca que não há vacinas disponíveis no mercado neste momento.
“Há apenas cepas guardadas para se for necessário voltarem a ser reproduzidas. Vale lembrar que a forma como a vacina da varíola era feita antigamente não é mais utilizada no mundo. Era uma metodologia um pouco mais antiga e atrasada. Hoje temos formas mais tecnológicas e seguras de se fazer a vacina, caso venha a ser necessário”, disse o médico infectologista.
Bon descarta a imediata necessidade de vacina no atual momento, uma vez que não há número de casos que justifiquem pressa. “O importante agora é fazer a observação de casos suspeitos”, disse.
O Butantan confirma que a vacinação contra a varíola comum tem se mostrado bastante eficiente contra a varíola dos macacos. “Embora uma vacina (MVA-BN) e um tratamento específico (tecovirimat) tenham sido aprovados para a varíola, em 2019 e 2022, respectivamente, essas contramedidas ainda não estão amplamente disponíveis”.
“Populações em todo o mundo com idade inferior a 40 ou 50 anos não tomam mais a vacina, cuja proteção era oferecida por programas anteriores de vacinação contra a varíola, porque estas campanhas foram descontinuadas”, informou o instituto.
Por Pedro Peduzzi – Repórter da Agência Brasil – Brasília
Pessoas com obesidade têm uma pressão mais alta aplicada aos pés, com potenciais prejuízos para a sensibilidade nas solas e, consequentemente, para o equilíbrio. Uma pesquisa realizada na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP avaliou mulheres com obesidade mórbida e indicou que, de fato, elas tinham diminuída a sensibilidade tátil em diferentes regiões das solas dos pés, afetando assim a postura estável do corpo. Essa condição está associada a riscos de quedas, à falta de autonomia e limitações para realização de tarefas diárias.
No estudo, os pesquisadores identificaram algumas regiões dos pés que sofrem mais deterioração sensorial do que outras e que esta condição está associada à obesidade extrema. Os cientistas avaliaram a sensibilidade das solas dos pés de 26 mulheres, sendo metade com obesidade mórbida (índice de massa corpórea – IMC – acima de 40 kg/m2) e a outra metade com peso considerado saudável (IMC entre 18,5 e 24,9). O índice de massa corporal é determinado pela divisão do peso da pessoa pela sua altura ao quadrado. As participantes foram selecionadas na fila de espera para cirurgia bariátrica, no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
Dos nove pontos avaliados, o maior déficit de sensibilidade encontrado entre os dois grupos foi de 76%, sob o arco lateral do mediopé (ponto 7 da figura abaixo).
Regiões da sola dos pés com mais e menos sensibilidade
O pé humano é composto de três arcos plantares: dois arcos longitudinais (medial e lateral) e um arco transversal anterior, estruturas que contribuem para uma melhor estabilidade do corpo. Os arcos possuem funções essenciais de biomecânica e o de impulsionar o corpo para frente em tarefas de movimento. Como uma mola, também suportam o peso e absorvem o choque que é produzido na locomoção cotidiana como caminhar e correr.
“O mapeamento detalhado das regiões da sola dos pés mais comprometidas do ponto de vista de sensibilidade ratifica estudos anteriores que mostravam que pessoas obesas possuem mais pressão sob os pés e têm dificuldades em manter o equilíbrio postural”, explica ao Jornal da USP o autor da pesquisa, Ferreira Bueno. E justamente onde os pés sofrem mais pressão é que foram detectados os baixos índices de sensibilidade, completa.
Mecanorreceptores
Para que ocorra uma postura estável do corpo, explica Bueno, é necessário que haja interação do sistema neural e musculoesquelético, incluindo relações biomecânicas. E uma das hipóteses levantadas pelo estudo e que levaria à instabilidade corporal em pessoas obesas está relacionada aos mecanorreceptores (receptores plantares) das solas dos pés. Eles têm a função de levar ao sistema nervoso central informações sobre a interação da região plantar e a superfície de contato dos pés.
Pessoas obesas sofrem maiores pressões sob os pés (o contato plantar) para a realização de tarefas cotidianas e apresentam menores níveis de sensibilidade tátil. “Informações sensoriais do mecanismo de receptores da pele podem ser afetadas pelo aumento prolongado da pressão nas solas dos pés provocado pela obesidade”, relata Bueno.
O estudo fez um mapa detalhado das regiões de maior e menor déficit de sensibilidade na sola dos pés de mulheres obesas, incluindo dedos, cabeças dos metatarsos, arcos interno e lateral do mediopé e calcanhar, usando um instrumento que mede o nível de sensibilidade da pele denominado monofilamentos de Semmes-Weinstein.
Foto cedida pelo pesquisador
Os resultados observados nas comparações intergrupos por região das solas dos pés indicaram menor sensibilidade para o grupo que tinha obesidade mórbida sobre as cabeças do quinto e terceiro metatarsos (pontos 4 e 5 da figura), arcos lateral (ponto 7 da figura) e interno (ponto 8 da figura) do mediopé e calcanhar (ponto 9 da figura).
A menor diferença entre os grupos obesas e não obesas foi observada no hálux/dedão, 18% (ponto 3 da figura), e a maior diferença foi sob o arco lateral do mediopé, 76% (ponto 7 da figura). Segundo o estudo, uma deterioração sensorial acima de 50% em várias regiões da superfície plantar pode ter implicações funcionais para a pessoa e afetar sua capacidade de manter o equilíbrio corporal estável.
Segundo o professor Teixeira, a relação entre a sensibilidade de diferentes regiões do pé e alterações no controle postural de pessoas com obesidade mórbida representava uma lacuna na literatura.
“O achado mais importante foi a identificação de algumas regiões dos pés que sofrem mais deterioração sensorial do que outras e que esta condição está associada à obesidade extrema.”
Os pesquisadores explicam que a amostra envolveu apenas mulheres, no entanto, um perfil semelhante de pressão mecânica nas regiões da sola do pé quando em pé foi observado entre homens e mulheres, sugerindo que as conclusões podem se aplicar a ambos os sexos.
“Embora não seja um ponto avaliado no estudo, a falta de sensibilidade nas solas dos pés é reversível desde que haja redução de peso, revertendo também os déficits de equilíbrio”, diz Teixeira. “Esse é um efeito que tem sido mostrado em estudos, indicando que a redução acentuada de peso corporal, por diferentes procedimentos, leva ao restabelecimento tanto da sensibilidade tátil das solas dos pés quando da estabilidade do equilíbrio em postura ereta quieta”, completa.
Mais informações: com o professor Luis Augusto Teixeira (orientador da pesquisa), e-mail lateixei@usp.br, e com Jair Wesley Ferreira Bueno (autor da pesquisa), e-mail jwesleybueno@usp.br
Crescimento da obesidade mórbida no Brasil
O número de brasileiros com idade entre 25 e 44 anos classificados com obesidade mórbida passou de 0,9% para 2,1% entre 2006 e 2017, de acordo com estudo de pesquisadores da UFMG.
A obesidade mórbida é uma condição mais prevalente em mulheres e adultos de menor escolaridade. Mas, de acordo com a pesquisa, o aumento ocorreu em todos os gêneros, níveis de escolaridade e regiões do Brasil. O maior aumento foi verificado em mulheres que vivem nas capitais Belo Horizonte, Campo Grande, Rio de Janeiro e Teresina.
Além de estar associado a doenças crônicas (hipertensão, acidente vascular cerebral, diabete e elevação dos triglicerídeos), o excesso de peso afeta o equilíbrio postural, que é a falta de capacidade de manter o centro de massa corporal dentro dos limites de base de apoio (os pés).