Saúde mental vulnerável? Conheça o portal InspirAção

Criado por pesquisadoras da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, site InspirAção tem conteúdos baseados em estudos científicos

Entender as angústias e sofrimentos que sentimos, ajudar quem está passando por depressão ou mesmo profissionais interessados em informações científicas sobre saúde mental. O site InspirAção traz conteúdos sobre cuidado, apoio e bem-estar para a vida. As informações são baseadas em pesquisas e artigos publicados ou reunidos por especialistas da USP.

“A ideia foi criar um propósito diferente das postagens que tem na internet. Não só para quem precisa da ajuda, mas também para quem quer ajudar”, explica Kelly Graziani, professora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.

Ela coordenou a criação do site desenvolvido em parceria entre o Centro de Educação em Prevenção e Posvenção do Suicídio (CEPS) e o Laboratório de Estudos e Pesquisa em Prevenção e Posvenção do Suicídio (LEPS), ambos da USP.

A plataforma conta com artigos de pesquisadores e professores envolvidos com a área de estudos da saúde mental. Há espaço para a publicação de histórias que inspiram e dão apoio à jornada de cuidados. O acesso a leituras dos textos e ensaios científicos é aberto. Mas, para publicar ou realizar enquetes (sempre de maneira anônima para dar segurança), é necessário fazer um cadastro.

“É uma produção de conteúdo e organização da participação social também. Damos segurança para quem vai postar alguma história. E tudo que criamos no site passa pela análise de especialistas, para evitar os ‘conteúdos pró-suicidas’”, comenta Aline Conceição, pesquisadora da USP e colaboradora do InspirAção.

O público tem acesso a cartilhas e e-books com orientações para profissionais e para pessoas da comunidade que queiram ajudar de alguma maneira. Há ainda vídeos, filmes e notícias sobre prevenção ao suicídio.

Camila Corrêa, pesquisadora da USP e colaboradora no projeto, destaca que é preciso ter respeito, cuidado e responsabilidade para lidar com a dor do outro. “Entender o suicídio no âmbito social e desestigmatizar como ele é visto hoje. O que fazemos no InspirAção é conhecimento teórico e científico alinhado ao conhecimento prático.”

Nos próximos meses, será lançado o Plano de Gestão de CriseUma ferramenta individual para a própria pessoa, amigos e familiares identificarem sensores que levam a crises.

A pessoa será atendida no momento em que tiver uma crise que pode desencadear uma situação suicida. Pelo site, serão respondidas questões que foram formuladas através de conhecimentos da literatura médica. No final, serão oferecidos nomes e telefones de profissionais do sistema de saúde e também atividades de psicoeducação. Quem buscar a ajuda não precisará se identificar.

Bruna Marques, aluna de Enfermagem da USP, colabora com o projeto e explica como é feita a escolha da informação disponível no site. “Cada participante pesquisa uma temática. Depois, dividimos com o grupo e discutimos. É um conhecimento científico para ter contato com a plataforma.”

Sabe o que é posvenção?

Farol é o logo do site, com a metáfora de ser um direcionamento de um novo caminho

Cuidar de quem perdeu alguém. Esse é o papel da posvenção. No site, o público também tem acesso a informações sobre o acolhimento de quem perdeu alguém através do suicídio.

Segundo a professora Kelly, o termo ainda é pouco usado aqui no Brasil. Mas tem que ser mais difundido. “A proposta é auxiliar no luto pós-suicídio. É uma dor extremamente complicada. As pessoas sentem muito e pensam que não se pode fazer mais nada. Mas é o contrário.”

Existe um risco nessa situação de gerar problemas de saúde mental para o núcleo de pessoas da família e de amigos. “A posvenção vem para recomeçar. Para ajudar a redescobrir uma vivência mais saudável para elas. E tem que ser de uma maneira humanizada e acessível”, conta a professora da EERP.

O InspirAção envolve pesquisadoras de doutorado e mestrado, além da graduação. O site foi construído com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Divulgar, aprender e entender

A estudante de Enfermagem da USP Isabelle Wengler e a pesquisadora da USP Larissa Castelo participam da divulgação da plataforma. Elas contam que, no Instagram do InspirAção, há tutoriais para explicar o cadastro e o login do site. “É mais acessível. Tivemos algumas devolutivas de alguns grupos, no sentido de ver as diferentes faixas etárias demonstrando interesse e curiosidade para acessar o conteúdo.”

A escolha da internet como principal canal de comunicação foi feita a partir de monitoramentos feitos no Laboratório de Estudos e Pesquisa em Prevenção e Posvenção do Suicídio. Eles identificaram blogs e postagens nas redes sociais de pessoas com quadros de depressão e conteúdo sobre o assunto.

No entanto, as informações contêm uma série de elementos negativos, como o estigma em relação à doença e a falta de um apoio real no mundo virtual.

“Fizemos estudos no Twitter, por exemplo. Vimos postagens de riscos e o comportamento suicida, muitas vezes. Essas postagens ganham uma potencialização no ambiente virtual, gerando um novo conteúdo nocivo a quem lê”, conta a professora Kelly.

Segundo a colaboradora Danielle Maria Nogueira, entre junho e setembro, foram mais de 4 mil acessos ao InspirAção de locais como São Paulo, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Japão e  Portugal. “A intenção é essa: criar multiplicadores envolvidos com a prevenção. E o site, para nós da academia, é de ampliar o horizonte. Chegar até a comunidade.”

Você pode seguir o InspirAção no Instagram: @inspiracaoleps, no Twitter do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Prevenção e Posvenção do Suicídio (LEPS), no Facebook ou entrar em contato através do e-mail cepsusp@gmail.com do Centro de Educação em Prevenção e Posvenção do Suicídio (CEPS).

Por Pedro Ezequiel

FONTE: Jornal da USP

Palhaços que atuam em hospitais ajudam na recuperação

Artigo publicado no The British Medical Journal mostra que a interação com palhaços durante a internação ajuda a amenizar os sintomas de doenças crônicas e agudas em crianças e adolescentes

Durante o processo de hospitalização de um paciente pediátrico, muitos sintomas psicológicos podem afetar o processo de recuperação, entre eles a ansiedade. Um estudo pioneiro, realizado por pesquisadores da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, avaliou a eficácia da presença dos palhaços na melhora de crianças hospitalizadas, tanto por doenças crônicas, quanto agudas. A medida não farmacológica se mostrou eficiente em reduzir o conjunto de sintomas apresentados durante a hospitalização e  positivo para a recuperação dos pacientes.

O artigo Efectiveness of hospital clowns for symptom management in paediatrics: systematic review of randomised and non-randomised controlled trials foi publicado no influente periódico inglês The British Medical Journal e seus resultados têm sido observados no mundo todo. A publicação faz parte da tese de doutorado do pesquisador Luís Carlos Lopes Júnior, defendida em 2017.

O trabalho teve orientação da professora Regina Aparecida Garcia de Lima e contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“A pesquisa buscou identificar medidas não farmacológicas para qualificar o cuidado em saúde”, diz ao Jornal da USP a professora Regina Aparecida Garcia. Durante a hospitalização de  pacientes pediátricos há um contexto de ruptura do convívio social e todas as questões fisiológicas e patológicas que estão ligadas ao processo, ressaltam os pesquisadores. Nesse contexto, os palhaços auxiliam no processo de recuperação das crianças, tornando-o mais ameno, tanto para os próprios pacientes quanto para os pais e a equipe médica.

“Essas questões humanas são importantes como forma de qualificar o cuidado”, explica  Luis Carlos. Até então, as revisões sobre a eficiência da intervenção dos palhaços eram focadas na análise de estudos sobre as condições agudas — doenças com o curso acelerado — que levavam o paciente a ser internado. A análise tanto das condições agudas, como crônicas — condições de saúde de curso mais ou menos longo ou permanente que exigem respostas e ações contínuas — é um dos diferenciais que o artigo traz.

O estudo traz uma revisão sistemática da literatura sobre os palhaços que se apresentam em hospitais como medida não farmacológica para auxiliar no tratamento de crianças e adolescentes. No total, foram analisados 24 estudos sobre o tema, sendo 13 ensaios clínicos randomizados e 11 estudos experimentais não randomizados.

Efeitos positivos nos pacientes

Os resultados indicaram que a interação com os palhaços — tanto em procedimentos médicos, cirurgias, como em internações em decorrência de condições crônicas — ajuda no manejo de sintomas, durante a hospitalização. A presença dos palhaços foi benéfica para controlar sintomas em relação ao grupo controle, que não estava recebendo nada além do tratamento convencional dos hospitais. O estudo ratifica que palhaços melhoram o bem-estar psicológico e as respostas emocionais das crianças e adolescentes tanto para condições agudas quanto para condições crônicas.

Crianças com doenças crônicas têm contato frequente com o hospital, por isso ele precisa ser um ambiente que ajude a desenvolver o paciente, ressaltam os pesquisadores. “Há uma série de medidas que podem ser aplicadas nos hospitais para que este não seja só um lugar de dor e sofrimento, mas um local que promove o desenvolvimento das pessoas”, destaca Regina.

Resultados com palhaços

Para a revisão, os pesquisadores decidiram analisar estudos que haviam sido realizados sobre palhaços que atuam em hospital. Para a escolha de material foram incluídas as principais bases de dados na área:  PsycInfo, Medline, Cochrane Library, Medline, ISI of Knowledge, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Science Direct, Scopus, American, Cumulative Index to Nursing e Allied Health Literature, and Latin American and Caribbean Health Sciences Literature.

“Nós excluímos todos os estudos que, em uma hierarquia de evidências, foram mal classificados e colocamos os de classificação mais alta”, informa Luís. Além disso, os pesquisadores fizeram uma seleção metódica de palavras-chave para encontrar os melhores resultados nos buscadores. Em cada base de dados foram considerados estudos controlados, sinônimos e combinações. Cada base tem uma especificidade grande porque a forma de domínio é distinta em cada uma.

Na busca, os cientistas encontraram 136 estudos sobre o tema e então os critérios de inclusão e exclusão foram aplicados. “Os artigos precisavam atender a alguns critérios de inclusão como abordar crianças e adolescentes que foram admitidos no hospital tanto por condição aguda ou crônica”, elucida Luís. Foram removidas 91 pesquisas, 85 delas não se relacionavam com o tema da análise e seis não estavam dentro dos delineamentos estabelecidos. Restaram 31 estudos que foram lidos, na íntegra, pelos pesquisadores e sete deles foram excluídos. Assim, 24 estudos entraram para a revisão sistemática, com uma população total de 1.612 crianças e adolescentes. Ansiedade foi o sintoma mais estudado, sendo o foco de 13 pesquisas, seguida de dor, descrita em nove.

O artigo se destaca por uma série de motivos, um deles é que analisa o conjunto de sintomas dos pacientes ao invés de focar em apenas um deles. Outro ponto de destaque é a metodologia de prevenção sobre risco de viés nos estudos analisados. Para cada um dos delineamentos escolhidos — estudos randomizados e não randomizados — uma ferramenta diferente de análise de viés foi utilizada.

Para os randomizados, os pesquisadores utilizaram a ferramenta Risk of Bias 2 (RoB 2) e para os não randomizados, a Risk of Bias Tool to Assess Non-randomized Studies (ROBINS-I). “Esse foi um ponto elogiado no nosso trabalho, pois as outras revisões utilizaram a mesma ferramenta para as duas categorias”, conta Luís. O estudo também foi revisado por dois revisores independentes.

Mais informações:
e-mail: lopesjr.lc@gmail.com,
Luís Carlos Lopes Júnior

Por Beatriz Azevedo

FONTE: Jornal da USP

Estudo descreve os mecanismos moleculares da disfunção erétil por consumo de álcool

Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP descreve os mecanismos moleculares responsáveis pela disfunção erétil desencadeada pelo consumo excessivo de álcool. O estudo realizado pelo professor Carlos Renato Tirapelli, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, mostrou que o álcool afeta a circulação sanguínea do corpo cavernoso, músculo do pênis que se dilata ou contrai conforme o órgão recebe estímulos. Para ficar ereto, os vasos sanguíneos no corpo cavernoso precisam estar dilatados, permitindo maior circulação de sangue. Porém, com o álcool presente no organismo, os vasos se contraem mais, o que reduz o fluxo sanguíneo e impede a ereção do pênis. Os resultados da pesquisa estão em artigo da European Journal of Pharmacology.

A relação entre o etanol e a disfunção erétil não é novidade, uma vez que já vem sendo descrita na literatura científica há bastante tempo. Pesquisadores da Universidade de Hong Kong descreveram os efeitos prejudiciais do álcool na ereção em 2007.

Entretanto, diz o professor, “essa é a primeira vez que um estudo foca nos mecanismos moleculares responsáveis pela disfunção erétil desencadeada pelo consumo excessivo de álcool”.

A disfunção erétil é um problema muito comum entre os homens. Dentre os brasileiros, cerca de 16 milhões sofrem da condição, principalmente homens acima de 40 anos. Mas, independentemente da idade, fatores como estresse, depressão e baixa autoestima podem desencadear o problema de impotência sexual. E, ainda, a impotência sexual pode ser um indicador de doenças cardíacas no futuro. Já se sabe também que o consumo excessivo de álcool pode contribuir significativamente para a disfunção erétil. A pesquisa da USP ajuda a mostrar como isso ocorre.

Prejudica a vasodilatação

No estudo, o corpo cavernoso foi analisado in vitro (em células no laboratório) e em ratos. O professor Tirapelli conta que um grupo de cobaias recebeu, diariamente, uma solução com 20% de teor alcoólico, durante seis semanas. “Ao final desse período percebeu-se que o músculo do pênis se contraía mais que o normal, indicando que o consumo frequente de álcool prejudica a vasodilatação do órgão.”

O exagero nas bebidas alcoólicas prejudica a dilatação dos vasos sanguíneos do órgão que, por sua vez, pode resultar em disfunção erétil – Foto: Wikipédia

 

Segundo o professor Tirapelli, os resultados mostraram que o consumo regular de álcool desencadeia o estresse oxidativo no corpo cavernoso, provocando menor produção de óxido nítrico (NO), molécula presente no organismo que contribui para a vasodilatação. Assim, o pesquisador administrou um antioxidante em outro grupo de ratos tratados com a solução contendo álcool. “Esse grupo não sofreu os efeitos do estresse oxidativo e, com isso, não houve prejuízos na vasodilatação do pênis. Assim, é possível afirmar que o etanol pode ser considerado um fator que prejudica a vasodilatação do corpo cavernoso e predispõe o indivíduo a desenvolver disfunção erétil.”

Degradação dos neurônios

Fazendo analogia com os seres humanos, diz o professor, “dependendo da quantidade de álcool consumida numa festa, por exemplo, independentemente da bebida ser destilada ou não, o corpo cavernoso fica contraído até que o álcool seja eliminado da corrente sanguínea”. O professor ainda lembra que, devido ao consumo crônico de álcool, o indivíduo pode desenvolver a neuropatia, uma doença que causa a lesão e degradação dos neurônios. “Durante o estudo, o grupo de animais tratado apenas com a solução de álcool apresentou uma resposta menor aos estímulos neurais. Esse resultado aponta o prejuízo aos neurônios causado pelo consumo da solução de álcool.”

“O mais recomendável seria evitar as bebidas alcoólicas. O problema é que o álcool é uma droga lícita acessível a grande parte da população. E não é só isso, a população em geral acredita que os efeitos do álcool se limitam a algumas horas após seu consumo, o que não é verídico.”

Mais informações: e-mail crtirapelli@eerp.usp.br, com o professor Carlos Renato Tirapelli

FONTE: Jornal da USP