Estudo identifica moléculas “desreguladas” no diabetes e no câncer de mama

Artigo de revisão analisou microRNAs desregulados em pacientes com diabetes tipo 2 e suas associações com a progressão do câncer de mama

O diabetes tipo 2 (DT2) é um distúrbio metabólico que afeta cerca de 25 milhões de pessoas na América do Sul e cerca de 387 milhões no mundo, com projeção de atingir 592 milhões de indivíduos até 2035. Embora diversas pesquisas já associem o DT2 a uma maior predisposição de desenvolvimento de vários tipos de câncer, os mecanismos celulares e moleculares específicos que ligam estas duas condições permanecem desconhecidos.

Pesquisadores da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP realizaram uma revisão de literatura sobre a conexão do diabetes tipo 2 com o câncer de mama em nível molecular, especialmente por meio dos microRNAs (miRNAs). Como essas moléculas regulam diversos processos biológicos, o estudo buscou compreender como sua desregulação em indivíduos diabéticos pode sinalizar e até contribuir para o desenvolvimento do câncer.

“Realizamos uma análise abrangente da expressão de miRNAs, levando à criação de um diagrama de Venn. O diagrama revelou 52 miRNAs desregulados no diabetes tipo 2 e 46 miRNAs desregulados no câncer de mama. Curiosamente, nove miRNAs foram identificados como sobrepostos em ambas as condições”, afirmam os pesquisadores no artigo, publicado no World Journal of Diabetes.

Os nove microRNAs “sobrepostos” – que estavam desregulados tanto no diabetes tipo 2 quanto no câncer de mama – desempenham um papel importante na regulação de processos biológicos, como a proliferação celular e a progressão do câncer. O estudo destaca a relevância dos microRNAs para melhorar o prognóstico do câncer de mama em pacientes diabéticos, apontando para o desenvolvimento de terapias gênicas específicas que possam aumentar a eficácia dos tratamentos tradicionais e prolongar a expectativa de vida.

No entanto, os cientistas ponderam: é crucial reconhecer que estudos futuros são essenciais para compreender completamente os papéis diferenciados e bidirecionais dessas moléculas na complexa interação diabetes-câncer.

Perfil molecular das doenças

Diagrama mostrou sobreposição de miRNAs desregulados tanto no diabetes tipo 2 quanto no câncer de mama – Imagem: Extraído do artigo

Diabetes tipo 2

Na diabetes tipo 2, há um aumento constante dos níveis de glicose no sangue, causado pela resistência à insulina. Isso acontece porque os tecidos do corpo, como o fígado, os músculos e o tecido adiposo, não respondem adequadamente a esse hormônio. Trata-se de uma doença complexa, cujas causas envolvem diversas partes do organismo.

Na área genética, estudos de associação genômica de grande escala identificaram mais de 500 locais no genoma relacionados à diabetes tipo 2. Essa descoberta sugere que a genética tem um papel fundamental tanto na produção de insulina quanto na progressão da doença. Exames clínicos encontraram diversos microRNAs desregulados em indivíduos com diabetes tipo 2 ou em estágios pré-diabéticos.

Um estudo, por exemplo, observou o comportamento do microRNA-126 em indivíduos saudáveis, diabéticos e pré-diabéticos, concluindo que havia reduções significativas dessa molécula nos pacientes com a doença. O miRNA-126 está associado à regulação do endotélio, uma camada celular que controla a pressão arterial e protege os vasos sanguíneos. Quando os níveis dessa molécula estão reduzidos ocorre uma disfunção endotelial, o que pode contribuir para o desenvolvimento de complicações vasculares em pessoas com diabetes tipo 2, como AVC, aneurismas e doenças cardíacas.

Outra pesquisa encontrou níveis elevados do microRNA-375 em pessoas com diabetes tipo 2 – uma molécula que afeta diretamente o pâncreas, especialmente as células responsáveis pela secreção de insulina. A secreção de insulina é o processo pelo qual esse hormônio é liberado pelas células pancreáticas, permitindo o controle da glicose. Quando o miRNA-375 está superexpresso, a liberação de insulina é comprometida, causando a resistência à insulina e a hiperglicemia (aumento contínuo do açúcar no sangue).

Câncer de mama

Já o câncer de mama se origina com a multiplicação desordenada de células anormais na mama, que se tornam células cancerígenas e formam tumores malignos capazes de invadir outros órgãos. Essa enfermidade apresenta uma grande diversidade no nível celular e genético, o que orienta o uso de diferentes estratégias de tratamento para aumentar sua eficácia e minimizar os efeitos colaterais.

As pesquisas genéticas buscam compreender o papel dos microRNAs nessas “marcas do câncer”, investigando as modificações na expressão genética e como essas moléculas ativam ou silenciam genes durante o desenvolvimento do câncer de mama.

O microRNA-145, por exemplo, impede a divisão celular descontrolada e previne comportamentos celulares que podem levar ao câncer, reduzindo o crescimento de células tumorais. No câncer de mama, estudos evidenciaram uma baixa expressão dessa molécula em pacientes acometidos pela doença. Ou seja, ao comparar tecidos mamários saudáveis e cancerígenos, os níveis de miRNA-145 eram significativamente menores nos tecidos não sadios, o que favorece a evolução e a disseminação do câncer.

Pesquisas também apontam o microRNA-10b como um biomarcador relevante, já que ele atua na regulação de genes ligados ao desenvolvimento e à migração celular.

Em experimentos com células de câncer de mama observou-se que o miRNA-10b apresenta níveis elevados nas células metastáticas – aquelas com capacidade de se espalhar pelo corpo humano. Isto é, sua desregulação estimula o avanço da doença, o que torna o miRNA-10b um biomarcador importante para prever a agressividade e a progressão do câncer de mama.

MicroRNAs como biomarcadores

A identificação dos nove microRNAs compartilhados entre a diabetes tipo 2 e o câncer de mama reforçam o potencial dessas moléculas para contribuir com a progressão da diabetes tipo 2 e para o desenvolvimento do câncer de mama em pacientes diabéticos.

Quando um indivíduo desenvolve diabetes, a desregulação de seus miRNAs afeta processos biológicos importantes e provoca alterações significativas. Consequentemente, a superexpressão ou a redução dessas moléculas pode contribuir para o surgimento do câncer de mama nesse paciente, já que foram encontradas vias afetadas comuns em ambas as doenças.

Para os pesquisadores, além de atuarem como biomarcadores dos níveis de expressão no organismo, os microRNAs podem auxiliar tanto em tratamentos tradicionais quanto em terapias genéticas mais específicas. Essas possibilidades beneficiam os pacientes com abordagens mais eficazes e com menos efeitos colaterais, contribuindo para o aumento da expectativa de vida de pessoas com diabetes tipo 2 e câncer de mama.

O estudo Dysregulated microRNAs in type 2 diabetes and breast cancer: Potential associated molecular mechanisms está disponível neste link.

*Estagiária sob supervisão de Paula Bassi, da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE.
Adaptado por Tabita Said

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Fonte: Jornal da USP

Nova abordagem acelera o diagnóstico de demência em hospitais

A princípio, fala-se em esquecimentos sutis: palavras que escapam à memória, compromissos esquecidos e tarefas inacabadas. Com o tempo, afazeres do dia a dia — como vestir-se, preparar refeições ou transitar pela cidade — tornam-se inviáveis. É assim que, pouco a pouco, manifesta-se a demência, termo genérico usado para caracterizar a perda progressiva do desempenho cognitivo e comportamental, causada por doenças degenerativas como o Alzheimer.

Essas doenças, porém, nem sempre são fáceis de identificar, especialmente no ambiente hospitalar onde pode haver fatores confundidores. Em busca de métodos que contornem a lacuna nos diagnósticos, pesquisadores do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) quiseram medir a eficiência de técnicas existentes para a detecção de demência no ambiente hospitalar.

A Escala Clínica de Avaliação de Demência — ou Clinical Dementia Rating (CDR), em inglês — é objeto de foco na pesquisa, mas desta vez repaginada. Comumente feito através de entrevistas com ambos os pacientes e informantes (sejam familiares, cuidadores ou pessoas próximas), o instrumento passou por um processo de validação baseado somente neste último, ou seja, diagnosticar a doença tendo como apoio apenas aqueles próximos do enfermo. Em entrevista ao Jornal da USP, Márlon Aliberti, pós-doutorando da FMUSP e um dos autores do artigo, indica que, além de qualificar a precisão, parte do objetivo era comparar sua performance ao padrão de diagnóstico da condição.

Os desafios

O Ministério da Saúde estima que, somente no Brasil, sejam cerca de 2,78 milhões de pessoas com 60 anos ou mais vivendo com demência. À medida que o País envelhece, a realidade aflige: apesar de estudos indicarem que a região da América Latina e Caribe é a de maior prevalência da doença no globo, grande parte desses casos não é diagnosticada.

Em um cenário ideal, a avaliação do estado cognitivo que comprova o quadro clínico de demência envolve uma série de etapas. Aliberti explica que, em clínicas, o médico de referência tem acesso a uma gama completa de informações sobre o paciente para atestar o declínio neurológico. Entre anamneses, conversas com informantes e exames neurológicos, o ambiente clínico dispõe de uma ferramenta a qual hospitais não têm: tempo.

O senso de emergência é maior quando o idoso dá entrada na ala do pronto-socorro. Como muitos não são diagnosticados, diferenciar o que é manifestação do problema agudo do que é demência se torna uma tarefa complexa. “Na hora que eu vou fazer os testes de memória, o paciente pode ir mal tanto porque ele está com dor, com infecção ou pela demência”, revela o pesquisador.

O processo ainda sofre de outros dilemas, como o risco de pessoas com 60 anos ou mais desenvolverem delirium. Segundo ele, a síndrome “é um estado de confusão mental aguda que causa mudança repentina na consciência” e é ocasionada por infecções, doenças graves e até mesmo desidratação. Sendo ela um efeito colateral que se apresenta mais em idosos, as possibilidades de diagnósticos se tornam múltiplas.

Como resposta, a solução foi pensar em táticas que retirassem os pacientes da equação. O novo modelo da Escala Clínica de Avaliação de Demência, baseado apenas em informantes, foi adotado em 43 hospitais no Brasil, Angola, Chile, Colômbia e Portugal, todos envolvidos com o Projeto Change. A iniciativa, que aborda novos modelos de cuidado para o idoso, avaliou a condição de pacientes com mais de 65 anos entre outubro e dezembro de 2023. No entanto, dos 43, apenas cinco hospitais foram usados na amostra da pesquisa — com um total de 65 pacientes.

Nos hospitais, até 40% dos idosos podem ter demência, mas quase metade não é diagnosticada – Imagem: Arquivo pessoal

À semelhança das diretrizes originais foram aferidos os níveis de memória, orientação, resolução de problemas, assuntos comunitários, passatempos e cuidados pessoais.

Alternativa diagnóstica

O método provou ser preciso na identificação de problemas cognitivos em idosos hospitalizados. Antes de ser aplicado, 70% das ocorrências não estavam documentadas nos registros médicos. O estudo também confirmou que a escala poderia reduzir pela metade o número de casos não diagnosticados, com falsos positivos mínimos (1%).

“Ninguém tinha percebido [os sintomas de demência]. A família não sabia, o médico e a equipe médica não sabiam. O que confirma a nossa preocupação original de que esse trabalho é importante” – Márlon Aliberti

Aliberti expressa que, por isso, é possível entendê-lo como uma boa alternativa ao modelo padrão de diagnóstico, o IQCODE-16 — um questionário de 16 perguntas respondidas por informantes. Segundo ele, apesar de ser este o parâmetro mais confiável na detecção de demência, o recurso tem a fraqueza de não graduá-la. “Demência não é uma só questão de ter ou não. Fala-se, principalmente, em estágios, o leve, o moderado e o grave”, comenta.

Um ganho da escala CDR é a capacidade de avaliar em qual etapa se encontra a doença. Ideal para diagnosticar casos precoces, a ferramenta mostrou um cuidado hospitalar mais direcionado e, em particular, conciso. Enquanto o questionário IQCODE-16 leva 90 minutos para ser aplicado, o objeto da pesquisa demora, em média, 15 a 20 minutos. Ainda que não seja o tempo ideal para ocasiões de emergência, ele representa uma redução significativa quando comparada ao método de referência.

Para Aliberti, no entanto, a real limitação da técnica se encontra na rigidez no perfil dos informantes. “Não pode ser qualquer um. Tem que ser um acompanhante que conheça bem o paciente, que convive diariamente com ele há pelo menos seis meses.” Foram esses os critérios usados pelo grupo — e recomendados por especialistas — que resultaram em um sistema um pouco melhor que o IQCODE-16.

Ganhos concretos

Os resultados do estudo trazem à tona a importância do diagnóstico precoce e eficaz. O tratamento muda com a descoberta da demência. “A maneira que você trata alguém com, por exemplo, pneumonia e demência é diferente, porque essa pessoa não pode ter alta e ir sozinha para casa”, enfatiza o médico. A perda da memória desencadeia desafios no cuidado, uma vez que é difícil que eles se lembrem de tarefas como tomar os remédios ou seguir as instruções dadas pelo médico.

Em tempos de crescimento de casos na América Latina, Aliberti considera o cuidado humanizado um ganho ainda mais expressivo.“[Isso abre espaço para] discutir com a família até que ponto intervir, se vale a pena ir para a UTI ou não. Quer dizer, é a oportunidade de você ter um diálogo melhor com o familiar e com seu paciente”, destaca.

O artigo Pulling Back the Curtain on Hospital Dementia Detection: Validation of the Informant-Based Clinical Dementia Rating descrevendo os resultados pode ser acessado neste link.

Mais informações: maliberti@usp.br, com Márlon Romero Aliberti

*Estagiária com orientação de Luiza Caires

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Fonte: Jornal da USP

Pesquisa investiga impactos da radioterapia no cérebro de pacientes com câncer

Ressonância magnética revela alterações pós-radioterapia, como maior difusão de líquidos pelos tecidos; estudo não contraindica tratamento, mas achados podem orientar proteção de áreas sensíveis

Apesar de imprescindível para o tratamento de muitos tumores, a radioterapia pode lesar tecidos saudáveis. Preocupadas com a qualidade de vida daqueles que cada vez mais sobrevivem à doença, pesquisadoras da USP em Ribeirão Preto decidiram avaliar os impactos da radiação no cérebro e verificaram que, antes das perdas de volume e espessura cortical (camada que envolve o cérebro), há um aumento da difusão de líquidos entre os tecidos.

Para além de analisar como a radiação pode prejudicar tecidos saudáveis, uma vez que não se questiona a radioterapia como tratamento, o objetivo do estudo foi obter informações para proteger estruturas sensíveis, garante a pesquisadora Érika Joselyn Ludeña Maza, que trabalha sob orientação da professora Renata Ferranti Leoni do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Para as pesquisadoras, essa circulação mais fluida da água pelas regiões afetadas com a radiação pode ser útil ao planejamento da terapia.

Segundo Érika, já se conhecia a ação da radioterapia sobre a espessura cortical (camada que recobre o cérebro) e sobre o hipocampo (controle da aprendizagem, memória e emoções), obtida em pesquisa com carcinoma nasofaríngeo (região do nariz e da boca).

Assim, ela decidiu concentrar sua investigação em portadores de glioma (tumor que se origina nas células gliais, fundamentais para o sistema nervoso central) e analisar, além das estruturas cerebrais, como estava a difusão de líquidos entre os tecidos.

As pesquisadoras avaliaram imagens de ressonância magnética de 42 pessoas entre 19 e 66 anos em tratamento no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP). Analisaram imagens anteriores à radioterapia pós-operatória e aquelas feitas até oito meses após a radiação, para um grupo de 25 pacientes (grupo A), e entre nove e 16 meses após a radioterapia para um grupo de 13 pacientes (grupo B). A diferença de tempo entre as imagens serviu para avaliar os efeitos a curto prazo da radiação no grupo A e os de longo prazo no grupo B.

“Se existe uma região com mais células, a difusão é mais restrita, se as células vão morrendo, existe mais espaço para a água se difundir”, afirma Renata, informando que o aumento da difusão da água nos tecidos cerebrais indica a perda das células, uma atrofia daquele local, o que significa que o volume dos tecidos saudáveis diminuiu.

A redução do volume das estruturas cerebrais é explicada pela perda de neurônios e, “acredita-se que essa perda seja efeito indireto da radiação que altera a permeabilidade dos vasos sanguíneos, favorecendo a chegada de toxinas e aumento da inflamação na região irradiada, continua a professora. Como a difusão da água depende da estrutura cerebral (axônios e neurônios), “se algo acontece a essas estruturas, o fluxo da água muda de direção”.

Mas essa alteração não foi observada em todos os pacientes do estudo. As pesquisadoras afirmam que “alguns pacientes vão ter uma atrofia maior e algumas regiões vão ter uma alteração na difusão de água maior que outras”. Esses aspectos, segundo Érika, são multifatoriais e sofrem influência da idade dos pacientes, “sugerindo que pessoas mais velhas podem ser mais suscetíveis”, da dosagem de radiação, pois “os danos são maiores quando a dose é maior em determinada região”, e do tempo entre a finalização da radioterapia e a realização da ressonância magnética.

Porém, ao analisarem os efeitos mais precoces e os mais tardios, viram que “algumas alterações aparecem primeiro e outras aparecem depois de meses ou anos”, comenta Érika, adiantando que a mudança na difusão da água foi observada antes do aparecimento da atrofia e da perda de volume cerebral. “Pode ser que esse seja um biomarcador precoce, algo para se olhar logo depois da radioterapia”, acrescenta a professora Renata.

Planejamento radioterápico para proteção de áreas sensíveis

Como forma de tentar mitigar os efeitos negativos da radiação nos tecidos saudáveis, equipes de saúde já realizam planejamento prévio e a proteção dessas regiões durante o procedimento. Com a evolução da radioterapia, “a primeira coisa a se pensar é o planejamento; se o médico, o radioterapeuta e o físico médico conseguem fazer um planejamento que consiga proteger essas regiões, já é interessante”, afirma Renata.

Quanto aos tratamentos de gliomas, a professora informa que, para alguns casos, já existe forma de proteção da região do hipocampo (sede da memória). “A nossa ideia foi ver se existem outras regiões que também seriam importantes, e vimos algumas próximas ao hipocampo, o que indica que a região do lobo temporal é crítica, então se o planejamento puder ser feito protegendo essas regiões é ótimo.”

As regiões mais sensíveis, de acordo com o estudo, são os lobos frontal e temporal (além do próprio hipocampo). São estruturas que sofrem naturalmente com atrofia, perda de volume e espessura cortical no envelhecimento saudável, podendo facilitar o desenvolvimento do Alzheimer na população idosa.

A pesquisa confirma que existem outras partes do cérebro, além do hipocampo, que precisam de um cuidado mais específico durante o planejamento radioterápico, pois os danos podem levar a uma piora na qualidade de vida dos pacientes após o tratamento do glioma. Porém, dependendo do grau da doença, “os pacientes podem ter sequelas por conta do tratamento”, dizem as pesquisadoras, adiantando que “em momento algum o estudo aponta a não realização da radioterapia”.

Estudos recentes sugerem que o uso de anti-inflamatórios pode minimizar os danos. “Se um dos efeitos da radiação é aumentar a neuroinflamação, então o uso de anti-inflamatórios específicos poderia prevenir esses impactos”, afirmam.

No entanto, a proteção não deve ser mais importante do que o tratamento. Tanto Érika quanto Renata enfatizam a necessidade de combater a doença, até porque na radioterapia existe o princípio de que “a radiação tem que ser tão baixa quanto razoavelmente possível”, lembra Érika, afirmando que dessa forma os pacientes não recebem quantidades desnecessárias de radiação.

Os resultados desse estudo podem ser conferidos no artigo publicado em março de 2025 na revista Journal of Neuro-Oncology.

Mais informações: leonirf@usp.br, com a professora Renata Leoni

*Estagiária sob supervisão de Rita Stella

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Tecnologia vestível assegura recuperação total de lesão de joelho

Lesões no joelho são comuns em atletas: os jogadores de futebol, por exemplo, frequentemente sofrem com a ruptura do ligamento cruzado anterior (LCA). O problema, como verificado agora, é que a recuperação da cirurgia de reconstrução deste ligamento não depende somente de tempo, mas do restabelecimento da capacidade biomecânica (habilidade de suportar forças e cargas sem sofrer danos) do movimento. O achado, publicado em abril deste ano em artigo da Knee Surgery, Sports Traumatology,  Arthroscopy, vem de estudos do educador físico João Belleboni Marques realizados durante o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Segundo o orientador da pesquisa, o professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP Paulo Roberto Santiago, o ligamento cruzado anterior é uma estrutura essencial do joelho para a estabilidade, principalmente durante movimentos de giro e mudança de direção. A preocupação dos especialistas com a recuperação biomecânica desses movimentos se deve ao fato de que mudanças dessas estruturas podem causar lesões em outras, como os meniscos e a cartilagem.

Assim, os pesquisadores decidiram analisar a qualidade desses movimentos, o que só foi possível graças à tecnologia vestível, dispositivo capaz de rastrear frequência cardíaca, padrões de sono e atividade física.

Entre os resultados,  os pesquisadores verificaram que o atleta com o LCA operado consegue executar movimento de mudança de direção em tempo similar ao atleta que nunca passou pelo problema, mas com déficits biomecânicos (limitações do movimento) e estratégias de movimentos compensatórios (ajustes ao realizar um padrão de movimento).

O achado, afirma o professor Santiago, traz mudança fundamental na análise da recuperação de um atleta com esse tipo de lesão, pois, “além do tempo de recuperação pós-cirúrgico, outros fatores como a avaliação biomecânica do movimento são igualmente ou mais importantes”.

Quanto ao uso da tecnologia vestível, o pesquisador acredita que os sensores e dispositivos acoplados ao corpo podem revolucionar os parâmetros de avaliação da saúde e do desempenho de atletas, já que conseguem “identificar padrões e tendências imperceptíveis ao olho humano, permitindo intervenções preventivas, antes que lesões ocorram”.

Teste de mudança de direção em “L”, realizado com os sensores vestíveis, mede, além do tempo, as estratégias de compensação e força aplicadas pelos atletas – Foto: Reprodução/ Artigo

Reaprendizagem motora eficiente para evitar lesões

A pesquisa contou com a participação 26 atletas profissionais de futebol masculino que atuam na Qatar Stars League, primeira divisão do futebol catari. Dez desses jogadores possuíam histórico de reconstrução cirúrgica do LCA, enquanto os outros 16 atletas não possuíam lesão nos membros inferiores no momento do estudo, e portanto, foram designados como grupo controle.

Para avaliar a qualidade do movimento de cada atleta foi solicitado que realizassem uma corrida de 20 metros e uma mudança abrupta de direção em 90°, ou seja, em “L”, utilizando trajes com sensores na pelve, laterais das coxas, canelas e no pé, apropriados para medir os ângulos de flexão das articulações do quadril, joelho e tornozelo. Além disso, os jogadores usaram palmilhas capazes de identificar a força vertical aplicada durante a atividade.

Com a experimentação, verificaram que a diferença na performance dos dois grupos de atletas não foi o tempo de execução do movimento e sim a mudança na angulação do tornozelo e do joelho, caracterizados como déficits biomecânicos, e na força aplicada nos membros inferiores daqueles que tinham o LCA operado.

O professor Santiago explica que a mecânica do movimento é fundamental para avaliar a recuperação de um atleta, que não deve ficar apenas na capacidade de realizar o exercício. “O verdadeiro desafio reside na capacidade do atleta de realizar uma reaprendizagem motora eficiente, adaptando-se à sua nova realidade estrutural.”

O risco dos déficits mecânicos observados nos atletas após a recuperação inicial e a cicatrização do tecido é que, em resposta, “o corpo desenvolve estratégias de movimento compensatório, ou seja, adaptações que permitem a continuidade funcional apesar das limitações”, afirma o pesquisador. A situação é problemática por aumentar a probabilidade de novas lesões, já que propiciam transferência de carga para o lado não lesionado, gerando maior estresse nas estruturas, exigem maior gasto energético, provocando fadiga precoce, além de reduzir a estabilização em movimentos rápidos e inesperados.

Atletas que operaram o joelho utilizam estratégias compensatórias para manter o mesmo tempo de execução de corrida em “L” – Foto: Reprodução/ Artigo

Fronteira da medicina esportiva e reabilitação

A tecnologia vestível funciona como uma ferramenta informativa, capaz de colher dados do indivíduo analisado. A possibilidade de uma análise mais precisa e completa do desempenho de um atleta “tem potencial para revolucionar a análise de performance esportiva, é substancial e já começa a se materializar”, afirma o professor.

Dispositivos de tecnologia vestível mais sofisticados são encontrados apenas em experimentação científica. “A transição destes recursos avançados do laboratório para a clínica representa uma das fronteiras mais promissoras na medicina esportiva moderna e ciências da reabilitação”, assegura Santiago.

Nesse contexto, as perspectivas de futuro são promissoras para a área. “A conexão entre tecnologia vestível e inteligência artificial é animadora, pois ilustra um sistema que não apenas coleta dados, mas os interpreta e fornece orientações práticas em tempo real”, finaliza Santiago.

Mais informações: e-mail paulosantiago@usp.br, com o professor Paulo Roberto Pereira Santiago

*Estagiário sob orientação de Rita Stella

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP