Estudo identifica moléculas “desreguladas” no diabetes e no câncer de mama

Artigo de revisão analisou microRNAs desregulados em pacientes com diabetes tipo 2 e suas associações com a progressão do câncer de mama

O diabetes tipo 2 (DT2) é um distúrbio metabólico que afeta cerca de 25 milhões de pessoas na América do Sul e cerca de 387 milhões no mundo, com projeção de atingir 592 milhões de indivíduos até 2035. Embora diversas pesquisas já associem o DT2 a uma maior predisposição de desenvolvimento de vários tipos de câncer, os mecanismos celulares e moleculares específicos que ligam estas duas condições permanecem desconhecidos.

Pesquisadores da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP realizaram uma revisão de literatura sobre a conexão do diabetes tipo 2 com o câncer de mama em nível molecular, especialmente por meio dos microRNAs (miRNAs). Como essas moléculas regulam diversos processos biológicos, o estudo buscou compreender como sua desregulação em indivíduos diabéticos pode sinalizar e até contribuir para o desenvolvimento do câncer.

“Realizamos uma análise abrangente da expressão de miRNAs, levando à criação de um diagrama de Venn. O diagrama revelou 52 miRNAs desregulados no diabetes tipo 2 e 46 miRNAs desregulados no câncer de mama. Curiosamente, nove miRNAs foram identificados como sobrepostos em ambas as condições”, afirmam os pesquisadores no artigo, publicado no World Journal of Diabetes.

Os nove microRNAs “sobrepostos” – que estavam desregulados tanto no diabetes tipo 2 quanto no câncer de mama – desempenham um papel importante na regulação de processos biológicos, como a proliferação celular e a progressão do câncer. O estudo destaca a relevância dos microRNAs para melhorar o prognóstico do câncer de mama em pacientes diabéticos, apontando para o desenvolvimento de terapias gênicas específicas que possam aumentar a eficácia dos tratamentos tradicionais e prolongar a expectativa de vida.

No entanto, os cientistas ponderam: é crucial reconhecer que estudos futuros são essenciais para compreender completamente os papéis diferenciados e bidirecionais dessas moléculas na complexa interação diabetes-câncer.

Perfil molecular das doenças

Diagrama mostrou sobreposição de miRNAs desregulados tanto no diabetes tipo 2 quanto no câncer de mama – Imagem: Extraído do artigo

Diabetes tipo 2

Na diabetes tipo 2, há um aumento constante dos níveis de glicose no sangue, causado pela resistência à insulina. Isso acontece porque os tecidos do corpo, como o fígado, os músculos e o tecido adiposo, não respondem adequadamente a esse hormônio. Trata-se de uma doença complexa, cujas causas envolvem diversas partes do organismo.

Na área genética, estudos de associação genômica de grande escala identificaram mais de 500 locais no genoma relacionados à diabetes tipo 2. Essa descoberta sugere que a genética tem um papel fundamental tanto na produção de insulina quanto na progressão da doença. Exames clínicos encontraram diversos microRNAs desregulados em indivíduos com diabetes tipo 2 ou em estágios pré-diabéticos.

Um estudo, por exemplo, observou o comportamento do microRNA-126 em indivíduos saudáveis, diabéticos e pré-diabéticos, concluindo que havia reduções significativas dessa molécula nos pacientes com a doença. O miRNA-126 está associado à regulação do endotélio, uma camada celular que controla a pressão arterial e protege os vasos sanguíneos. Quando os níveis dessa molécula estão reduzidos ocorre uma disfunção endotelial, o que pode contribuir para o desenvolvimento de complicações vasculares em pessoas com diabetes tipo 2, como AVC, aneurismas e doenças cardíacas.

Outra pesquisa encontrou níveis elevados do microRNA-375 em pessoas com diabetes tipo 2 – uma molécula que afeta diretamente o pâncreas, especialmente as células responsáveis pela secreção de insulina. A secreção de insulina é o processo pelo qual esse hormônio é liberado pelas células pancreáticas, permitindo o controle da glicose. Quando o miRNA-375 está superexpresso, a liberação de insulina é comprometida, causando a resistência à insulina e a hiperglicemia (aumento contínuo do açúcar no sangue).

Câncer de mama

Já o câncer de mama se origina com a multiplicação desordenada de células anormais na mama, que se tornam células cancerígenas e formam tumores malignos capazes de invadir outros órgãos. Essa enfermidade apresenta uma grande diversidade no nível celular e genético, o que orienta o uso de diferentes estratégias de tratamento para aumentar sua eficácia e minimizar os efeitos colaterais.

As pesquisas genéticas buscam compreender o papel dos microRNAs nessas “marcas do câncer”, investigando as modificações na expressão genética e como essas moléculas ativam ou silenciam genes durante o desenvolvimento do câncer de mama.

O microRNA-145, por exemplo, impede a divisão celular descontrolada e previne comportamentos celulares que podem levar ao câncer, reduzindo o crescimento de células tumorais. No câncer de mama, estudos evidenciaram uma baixa expressão dessa molécula em pacientes acometidos pela doença. Ou seja, ao comparar tecidos mamários saudáveis e cancerígenos, os níveis de miRNA-145 eram significativamente menores nos tecidos não sadios, o que favorece a evolução e a disseminação do câncer.

Pesquisas também apontam o microRNA-10b como um biomarcador relevante, já que ele atua na regulação de genes ligados ao desenvolvimento e à migração celular.

Em experimentos com células de câncer de mama observou-se que o miRNA-10b apresenta níveis elevados nas células metastáticas – aquelas com capacidade de se espalhar pelo corpo humano. Isto é, sua desregulação estimula o avanço da doença, o que torna o miRNA-10b um biomarcador importante para prever a agressividade e a progressão do câncer de mama.

MicroRNAs como biomarcadores

A identificação dos nove microRNAs compartilhados entre a diabetes tipo 2 e o câncer de mama reforçam o potencial dessas moléculas para contribuir com a progressão da diabetes tipo 2 e para o desenvolvimento do câncer de mama em pacientes diabéticos.

Quando um indivíduo desenvolve diabetes, a desregulação de seus miRNAs afeta processos biológicos importantes e provoca alterações significativas. Consequentemente, a superexpressão ou a redução dessas moléculas pode contribuir para o surgimento do câncer de mama nesse paciente, já que foram encontradas vias afetadas comuns em ambas as doenças.

Para os pesquisadores, além de atuarem como biomarcadores dos níveis de expressão no organismo, os microRNAs podem auxiliar tanto em tratamentos tradicionais quanto em terapias genéticas mais específicas. Essas possibilidades beneficiam os pacientes com abordagens mais eficazes e com menos efeitos colaterais, contribuindo para o aumento da expectativa de vida de pessoas com diabetes tipo 2 e câncer de mama.

O estudo Dysregulated microRNAs in type 2 diabetes and breast cancer: Potential associated molecular mechanisms está disponível neste link.

*Estagiária sob supervisão de Paula Bassi, da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE.
Adaptado por Tabita Said

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Fonte: Jornal da USP