Molécula inédita que poderia inibir a progressão de leucemia passa por testes

Em fase de experimentos no laboratório, novo composto foi capaz de eliminar células cancerosas e impedir sua multiplicação em mais de 20 modelos celulares de cânceres do sangue

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP testaram uma nova molécula capaz de inibir a progressão do ciclo celular da leucemia — câncer sanguíneo causado pela reprodução descontrolada dos glóbulos brancos na medula óssea. O estudo, publicado na revista Toxicology in Vitro, mostrou que o novo composto foi eficaz em combater as células leucêmicas sem apresentar toxicidade nas saudáveis.

Inédita, a molécula C2E1 foi sintetizada pelo grupo de pesquisa liderado pelo cientista Fernando Coelho, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp), e funciona como inibidora da tubulina, uma proteína que constitui os microtúbulos. Componentes do citoesqueleto celular, essas estruturas têm um papel fundamental no processo de mitose — divisão em que são formadas duas células a partir de uma —, pois atuam na distribuição do material genético entre a célula “original” e a que está sendo formada. Dessa forma, ao inibir a tubulina, o composto interrompe a multiplicação das células cancerosas, impedindo o avanço da leucemia.

“O meu trabalho já envolvia o estudo dos esqueletos dos microtúbulos como alvo farmacológico para leucemia. Quando recebemos esse composto do professor Coelho, que sugeriu uma possível interação com a tubulina, resolvemos elucidar esse mecanismo e entender seus efeitos celulares e moleculares”, conta o doutorando Hugo Passos Vicari, primeiro autor do estudo. Os testes, realizados in vitro (em laboratório), com células cultivadas fora de organismos vivos, mostraram que a molécula foi eficaz em eliminar as células cancerosas e impedir sua proliferação em 21 dos 25 modelos celulares testados. Além disso, o estudo confirmou a não-toxicidade em células saudáveis do sangue, o que sugere um potencial para menos efeitos colaterais em um possível fármaco no futuro.

Segundo Vicari, o estudo envolveu diferentes testes, expondo células de leucemia aos compostos. “A princípio, verificamos se o composto apresentava o efeito tóxico capaz de matar as células, chamado de citotoxicidade. Depois, observamos se ocorreu de fato a morte celular. Por último, constatamos se houve interrupção no ciclo de divisão celular, processo que chamamos de catástrofe mitótica”, relata. Foram testados diversos modelos celulares com características distintas. Nesse sentido, pôde-se observar a efetividade do composto em diversas variações da doença, da leucemia linfoblástica aguda, mais comum em crianças e jovens adultos, à leucemia mieloide aguda, mais comum em adultos a partir dos 60 anos. Medicamentos são ainda mais importantes para essa última faixa etária, inelegível para transplante de medula óssea, a única cura para a leucemia.

Teixo-do-pacífico, árvore nativa da costa oeste da América do Norte, matéria-prima de um dos medicamentos usados no tratamento da leucemia -Foto: Reprodução do artigo/ICB-USP

Terapias combinadas

Compostos que têm como alvo a tubulina já são usados no tratamento de diversas formas de câncer desde os anos 1940. Apesar do histórico de sucesso, a busca por alternativas é constante, uma vez que a adequação a cada medicamento pode variar de acordo com o paciente. “Ainda que a tubulina seja um bom alvo, com efetividade comprovada, os fármacos disponíveis nem sempre garantem uma terapia completa: é comum que pacientes desenvolvam resistência aos medicamentos meses ou até anos depois, como em casos em que um tumor retorna”, explica João Agostinho Machado-Neto, professor do Departamento de Farmacologia do ICB e coordenador do estudo. “Por isso, terapias combinando mais de uma opção são interessantes: quando o paciente adquire resistência a um composto, inicia-se o tratamento com outro”, acrescenta.

Nesse contexto, a nova molécula testada se mostrou uma opção eficaz, já que os pesquisadores verificaram sua efetividade em modelos celulares que já eram resistentes aos inibidores conhecidos. “O local de ligação do C2E1 na tubulina é diferente de outros, como o dos medicamentos Vincristina e do Paclitaxel, por exemplo. Por se ligar a um sítio diferente, o novo composto não apresenta a mesma resistência que os anteriores”, explica Vicari.

O Instituto Nacional do Câncer (Inca), responsável pelas estatísticas sobre câncer no Brasil, estima cerca de 11 mil pacientes que poderiam se beneficiar de novos tratamentos, sobretudo em casos de recaída. “Existem muitos tratamentos que são ótimos, mas tratam de tipos específicos de leucemia. Nosso tratamento poderia ser aplicado em contextos em que outros não cabem”, aponta Machado-Neto.

Células leucêmicas

 

Células leucêmicas tratadas com C2E1(primeira imagem) e do grupo controle (segunda imagem); as células tratadas com o novo composto apresentam cromossomos condensados (estruturas que contêm o DNA e são fundamentais para divisão correta do material genético) e mitoses aberrantes nas células de leucemia – Imagens: Reprodução do artigo

 

Outra vantagem do novo inibidor é o fato de ele ser de fácil síntese em laboratório. O mesmo não vale para os já citados componentes da Vincristina, extraídos das vincas, e do Paclitaxel, extraídos do teixo-do-pacífico, árvore conhecida por seu crescimento lento. Quando foram descobertos, esses compostos só podiam ser obtidos por meio de suas plantas de origem, processo lento e trabalhoso. “Para se obter a quantidade necessária de Paclitaxel, como parte do primeiro ensaio clínico com o composto na época, foram derrubadas milhares de árvores centenárias”, conta Machado-Neto. Hoje ambas as substâncias já podem ser semi-sintetizadas por cientistas, processo que, apesar de mais rápido, ainda depende parcialmente das plantas de origem, ao contrário da C2E1, 100% sintetizável em laboratório.

Segundo a dupla, o próximo passo do trabalho seria o teste em modelos animais para verificar se os resultados se mantêm em sistemas mais complexos ou apresentam toxicidade em órgãos não previstos. Essa etapa levará de dois a cinco anos. Só então a molécula será avaliada em ensaios clínicos, que levam em média mais dois ou três anos. “Além da leucemia, temos interesse em investigar outros tipos de câncer tratados com inibidores de microtúbulos, como os cânceres de mama e de cólon. Também estamos otimistas com a possibilidade de modificar o composto, aumentando sua potência e diminuindo as doses necessárias para os efeitos terapêuticos, bem como potenciais efeitos adversos”, diz Machado-Neto.

O trabalho tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Mais informações: e-mail comunicacao@icb.usp.br

FONTE: Jornal da USP

O mundo moderno e a insônia

A Anvisa aprovou recentemente um aumento do controle para medicamentos com o princípio ativo zolpidem. Com isso, qualquer medicamento contendo a fórmula deverá ser prescrito por meio de Notificação de Receita B (azul), a famosa tarja preta. O remédio é um entre tantos procurados para lidar com a insônia. Clonazepam, diazepam, zopiclone, alprazolam, se você conhece algum desses nomes, provavelmente está tendo ou já teve dificuldades para dormir. Problemas com o sono se tornaram rotineiros para uma grande parcela da população no mundo inteiro. Seja demorando para pegar no sono, acordando diversas vezes durante a noite ou levantando pela manhã com a sensação forte de continuar cansado, as dificuldades têm levado as pessoas a procurar medicamentos que auxiliam na hora de pregar os olhos.

Antigos medicamentos

A insônia é um problema com o qual o ser humano lida desde antes de Cristo. Considerado o pai da medicina, Hipócrates observou a relação entre estados depressivos e dificuldades com o sono desde sua época, cerca de 400 anos a.C. Foi apenas em 1832, no entanto, que foi descoberto o primeiro hipnótico inaugurando a classe dos indutores de sono. O hidrato de cloral era conveniente, pois substituiu a morfina e era de manejo mais simples, podendo ser administrado por via oral. A substância deixava o paciente dependente e gerava insuficiência hepática, cardíaca e renal.

O próximo grande passo foi a descoberta dos barbitúricos, uma classe de compostos derivados do ácido barbitúrico. Um deles, o ácido dietilbarbitúrico, tinha efeito quase instantâneo. Ação rápida, indutor do sono, sedativo, relaxante muscular, anticonvulsivo e ansiolítico, de 1936 até 1952 a produção do remédio cresceu em mais de 400% nos EUA. Menos de dez anos depois, em 1960, Nova York registrava cerca de 200 mortes ao ano por conta dos abusos da substância. Entre os mortos pelo uso abusivo dos barbitúricos estão o músico Jimi Hendrix e Marilyn Monroe. Durante o século 20, ocorreram diversos picos de produção e venda desses comprimidos. Em 1978, por exemplo, foram vendidos mais de 2 bilhões de comprimidos de diazepam, da classe dos benzodiazepínicos.

Evolução dos remédios

Os avanços nos medicamentos para dormir nos trouxe até as chamadas drogas Z, que são a alternativa mais procurada nos dias de hoje. As drogas Z são os chamados hipnóticos e têm uma ação mais refinada no corpo, produzindo menos efeitos colaterais e passando menos tempo no corpo, agindo de forma mais eficiente. No entanto, também apresentam alto risco de gerar dependência.

“Quando o zolpidem e o restante das drogas Z começaram a ser propagandeados, assim como os remédios mais antigos, se dizia que ele não ofereceria o risco da dependência e os colaterais. No entanto, hoje já se sabe que não é o caso. Todas essas drogas de ação rápida levam ao abuso e à dependência em boa parte dos usuários”, explica Cláudia Moreno, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Abuso

De 2018 para 2020, o número de caixas de zolpidem vendidas cresceu em 71% no Brasil. Atualmente, se vende mais de 20 milhões de comprimidos ao ano. Também cresceram os relatos sobre o uso abusivo da droga, com relatos de pessoas que chegaram a tomar mais de 60 comprimidos por dia. “Esse aumento tem diversas razões. As indústrias farmacêuticas aperfeiçoaram os medicamentos de forma que começaram a ser produzidos medicamentos com menores efeitos colaterais, com uma ação um pouco mais rápida e a principal diferença que é de interesse do paciente é que ele tem uma ação curta. Então o que acontece: eu passo a dormir rapidamente, em cerca de 15 minutos, e quando eu acordo eu não vou ter aquele efeito, digamos, de uma ressaca. É o sonho de todo mundo hoje em dia. Uma droga como essa gera um aumento da tolerância, demanda doses cada vez mais altas e leva a pessoa ao vício, e seu uso prolongado é extremamente danoso”, explica a professora.

Ela conta que as receitas desse medicamento devem ter a extensão de no máximo um mês. “Na verdade é um medicamento que você deve usar no máximo em até quatro semanas, salvo exceções prescritas pelos médicos. A ideia é não usar mais do que um mês esse medicamento e as pessoas estão usando indiscriminadamente.”

Vida moderna

Entre os motivos para o aumento do uso desses compostos no Brasil nos últimos anos, ela cita o ritmo acelerado da vida cotidiana. “Acho que são vários motivos, mas o principal deles é que a gente vive numa sociedade que força as pessoas a trabalharem cada vez mais. Isso acaba gerando uma falta de tempo. Hoje, as pessoas têm que trabalhar mais do que oito horas por dia, dependendo da profissão chega a 12, 14 horas por dia, as pessoas pegam um trânsito muito congestionado para chegar em casa, levam por vezes uma ou duas horas para ir e para voltar. Chegam em casa e ainda preparam a comida para comer minimamente saudável, ainda tem que cuidar da casa, cuidar dos filhos. Enfim, o dia não tem mais do que 24 horas; então de onde as pessoas roubam o tempo para fazer tudo isso e ainda fazer exercício, correr, ir para a academia? Elas acabam tirando o tempo dos horários de sono, isso acaba acontecendo cada vez mais em sociedades industrializadas. Quanto mais urbanizadas maior se rouba o tempo do sono. As pessoas ainda acham que dormir é perda de tempo, é como se fosse um círculo vicioso”, detalha.

Para Cláudia Moreno, os problemas relacionados ao sono e abuso de medicamentos já são uma questão de saúde pública. “O primeiro ponto é: muitas pessoas têm problemas de sono e não procuram ajuda especializada. E o sono já é uma questão de saúde pública. A outra coisa é a automedicação indiscriminada de drogas do sono, que é outra questão de saúde pública. Existem muitos casos de pessoas que estão dependentes dessas drogas, que precisam de internamento e acompanhamento 24 horas para fazer o desmame do medicamento, pois a interrupção abrupta da medicação pode levar até a convulsões, são pessoas que estão há anos tomando altas doses de algo que deveria ser uma medicação pontual; isso, além de tudo, gera um alto custo para o sistema público de saúde”, alerta.

*Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Andar ao menos 7.500 passos por dia ajuda a reduzir sintomas de asma

Caminhar pelo menos 7.500 passos diários pode contribuir para o controle da asma moderada ou severa em adultos. É o que indica um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), publicado recentemente no The Journal of Allergy and Clinical Immunology: In Practice.

O trabalho, selecionado pelos editores da revista científica como artigo que modifica a prática clínica, sugere que as recomendações médicas e as políticas públicas concentrem esforços no incentivo ao aumento da prática de atividade física, em vez de focar na redução de períodos de sedentarismo. Apesar de popularmente serem considerados hábitos excludentes, a prática de atividade física e o comportamento sedentário podem ocorrer de forma concomitante. Isso porque a pessoa pode ser sedentária (ficar mais que 8 horas trabalhando sentada) e ser fisicamente ativa (realizar atividades moderadas durante, pelo menos, 150 minutos semanais).

 “Na maioria das vezes, as pessoas mesclam as duas situações: realizam atividade física três vezes por semana, por uma hora, mas trabalham o dia inteiro sentadas em um escritório”, explica Celso Ricardo Fernandes de Carvalho, professor de Fisioterapia Respiratória e Fisiologia do Exercício do curso de Fisioterapia da FMUSP e orientador do estudo. “Isso significa que elas são ativas, mas também sedentárias, ou seja, exibem os dois comportamentos ao mesmo tempo.”

A literatura científica já indicava que tanto a atividade física quanto o sedentarismo podem modular os sintomas da asma – entre eles dificuldade para respirar, respiração rápida e curta e tosse seca – mas ainda faltavam estudos aprofundados sobre seu impacto real, de modo que o tratamento da doença, que afeta cerca de 6,4 milhões de brasileiros, se mantém majoritariamente medicamentoso.

O objetivo deste trabalho, que teve apoio da Fapesp, foi investigar mais a fundo essa relação, considerando a variedade de comportamentos relacionados.

Durante o estudo, os pesquisadores analisaram dados de 426 pessoas das cidades de São Paulo e Londrina com asma moderada a grave. Foram incluídas avaliações de atividade física e tempo de sedentarismo (actigrafia), de controle clínico da asma (Asthma Control Questionnaire – ACQ) e de qualidade de vida (Asthma Quality of Life Questionnaire). Também foram investigados sintomas de ansiedade e depressão (Hospital Anxiety and Depression Scale) e dados antropométricos e de função pulmonar. Os participantes foram divididos em quatro grupos: ativo/sedentário, ativo/não sedentário, inativo/sedentário e inativo/não sedentário.

“Observamos que, quanto mais atividade física a pessoa com asma realiza, melhor é o controle de sua doença”, conta Fabiano Francisco de Lima, pesquisador da FMUSP e primeiro autor do trabalho. Mais especificamente, quem caminhava pelo menos 7.500 passos durante o dia apresentou melhores pontuações na avaliação de controle clínico da doença, independentemente de também apresentar comportamento sedentário – aliás, tempo sedentário e obesidade não apresentaram correlação com a redução de sintomas. Verificou-se também que isso independia de medicação e função pulmonar. A porcentagem de pacientes com asma controlada foi maior nos grupos ativo/sedentário (43,9%) e ativo/não sedentário (43,8%) do que nos grupos inativo/sedentário (25,4%) e inativo/não sedentário (23,9%).

Os resultados sugerem ainda que fatores emocionais, como ansiedade e depressão, também dificultam o controle da doença.

Novas perspectivas

Embora a prática de atividade física por pessoas com asma já seja recomendada por profissionais de saúde, o tema ainda é visto com receio por parte da população. Isso porque as pessoas com asma sofrem a contração dos músculos das vias aéreas durante as crises.

“O costume de evitar que crianças e adultos pratiquem exercícios por conta da doença precisa começar a ser quebrado”, diz Lima. “Esse estudo contribui para isso ao sugerir a caminhada, atividade simples e sem custo agregado, e vai além, ao oferecer uma espécie de ‘nota de corte’, uma indicação da quantidade real de atividade física que o paciente deveria fazer – 7.500 passos por dia.”

De acordo com o pesquisador, outra recomendação importante seria que profissionais de saúde passassem a adotar um olhar mais direcionado para sintomas de ansiedade como estratégia de controlar a asma.

Também participaram do estudo pesquisadores do Laboratório de Pesquisa em Fisioterapia Pulmonar da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

O artigo Physical Activity and Sedentary Behavior as Treatable Traits for Clinical Control in Moderate-to-Severe Asthma pode ser lido em: https://www.jaci-inpractice.org/article/S2213-2198(24)00274-5/abstract#%20.

*Da Agência Fapesp

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Novo remédio para Alzheimer é luz no fim do túnel, mas não é a salvação

O Donanemab foi aprovado em fases iniciais nos EUA e traz novidades positivas, mas Orestes Forlenza adverte que, embora promissor, é indicado apenas para certos casos

Droga que retarda progressão do Alzheimer é eficaz, de acordo com painel da FDA, órgão federal sanitário dos Estados Unidos. Os consultores da agência norte-americana votaram unanimemente a favor da eficácia do Donanemab, que retarda a progressão da doença em 60% nos estágios iniciais. O comitê considerou que os benefícios superam os riscos, abrindo caminho para a decisão final do órgão dos Estados Unidos. O professor Orestes Forlenza, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, considera o medicamento uma “luz no fim do túnel” para o tratamento de Alzheimer – doença esta que tem sido um grande desafio para os pesquisadores e que ainda não tem cura. Por outro lado, Forlenza faz uma série de ressalvas sobre o medicamento, como custo, efeitos colaterais e benefícios modestos.

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O Donanemab é uma das drogas que integram uma nova classe de medicamentos que têm como objetivo tentar retardar ou até mesmo impedir a progressão do processo patológico da doença de Alzheimer. É uma droga que está em estudo já há alguns anos, tanto que a publicação dos resultados é recente. A proposta dessa nova classe, segundo o médico da USP, “é a formulação de anticorpos monoclonais, que são anticorpos prontos para a remoção do beta amiloide (peptídeo ao qual a origem do Alzheimer é atribuída)”. Ele complementa: “Evidentemente, a administração desses anticorpos é complicada. Tem que ser feita por via infusional e são estudos bastante complexos”. É importante ressaltar que as primeiras drogas testadas dessa classe fracassaram; são várias drogas com uma proposta muito parecida, mas que foram interrompidas.

O Donanemab passa a ser, portanto, a droga mais recente e, por hora, a mais promissora. Como comentado pelo professor, o intuito da droga é retirar o peptídeo amiloide, que “é uma clivagem anormal de uma proteína neuronal, exercendo um efeito tóxico e uma cascata de eventos que levam à neurodegeneração”, explica ele. Retirando a amiloide do cérebro, a consequência seria uma atenuação dos sintomas da doença.

Contrapontos

Ainda que os resultados da pesquisa sejam os mais promissores atualmente, “os resultados não foram tão bons como se esperava. O benefício clínico é pequeno, embora a remoção do amiloide ocorra”, afirma Forlenza. Ele diz que é praticamente consensual na comunidade científica que o peptídeo é a causa do Alzheimer, então a expectativa era de que os efeitos do medicamento fossem melhores.

Ele ressalta também que o Donanemab é indicado apenas em casos bem iniciais da doença. “Essa droga não vai servir para todos os pacientes, porque o benefício clínico está atrelado a um momento muito específico da trajetória da progressão dessa doença e é praticamente certo que não haverá benefício, se o quadro já estiver instaurado, é tarde demais”, diz Forlenza. Os benefícios estariam restritos apenas ao longo do curso da doença.

Por esse motivo, ele diz que é absolutamente vital que o medicamento seja indicado sob critérios rigorosos, pois, caso fuja deles, o efeito positivo não ocorrerá, com o risco ainda de efeitos colaterais negativos. Além disso, o medicamento não pode ser gasto de qualquer maneira: a utilização dele custa US$ 60 mil por ano, aproximadamente R$ 320 mil. Com isso em mente, ele comenta que o Donanemab, se aprovado, será restrito a um grupo pequeno de pessoas.

FONTE: Jornal da USP

Tratamento contra câncer de cérebro modifica a forma como o DNA tumoral se comporta

Ao analisar um dos maiores grupos de amostras de pacientes com glioma da literatura científica, pesquisadores da USP observaram alterações em genes relacionados à agressividade do câncer após quimio e radioterapia. Descoberta pode orientar mudanças nas abordagens terapêuticas

Estudo publicado na revista Cancer Research revela que os tratamentos comumente usados no combate ao glioma – um dos tipos mais comuns de câncer no cérebro – podem alterar a forma como o DNA tumoral se comporta e sua agressividade. Segundo os autores, a descoberta pode representar um primeiro passo para modificações na abordagem terapêutica atual.

Os gliomas representam cerca de 42% de todos os tumores cerebrais, incluindo os benignos, e 77% dos malignos, ou seja, aqueles agressivos e incuráveis, de acordo com dados do A. C. Camargo Cancer Center. A incidência da doença, que é rara em crianças, aumenta com a idade, sendo mais comum em pessoas entre 75 e 84 anos.

Uma das características mais relevantes para a classificação da agressividade e gravidade desse tipo de tumor nos pacientes são as chamadas alterações epigenômicas, ou seja, processos bioquímicos que modificam o padrão de expressão dos genes, como a metilação do DNA (adição de um grupo metil à molécula). Tal fato foi constatado anteriormente, em 2016, pelo mesmo grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP que assina o novo artigo.

A pesquisa foi conduzida no Laboratório de Epigênomica do Câncer na FCFRP da USP – Foto: Arquivo pessoal dos pesquisadores

“Observamos nos pacientes com tumores de baixo grau que receberam tratamento uma alteração epigenética que deixou esses tumores parecidos com tumores de alto grau, que são muito mais agressivos; parece então haver uma associação entre o tratamento e as alterações no DNA desses pacientes”, explica Tathiane Malta, primeira autora do estudo e coordenadora do Laboratório de Epigenômica do Câncer da FCFRP da USP. “Agora, precisamos confirmar se essas alterações epigenéticas estão envolvidas na progressão para tumores mais agressivos.”

No estudo atual, realizado no âmbito de um Auxílio à Pesquisa Jovem Pesquisador da Fapesp, os cientistas avaliaram a evolução epigenética dos gliomas em resposta à pressão terapêutica, analisando os resultados de amostras de 132 pacientes. Os dados incluíam informações tanto sobre o tumor primário quanto sobre o recorrente após o tratamento, o que permitiu uma melhor comparação. Trata-se do maior grupo de glioma longitudinal já registrado na literatura científica.

Diversos aspectos relacionados a alterações no epigenoma puderam ser observados, como a maior proliferação de células tumorais, o aumento de células vasculares no tumor e mudanças no microambiente tumoral. No entanto, um se destacou: pacientes IDH1 mutantes (com melhor prognóstico inicial) que foram tratados com quimioterapia ou radioterapia apresentaram maior alteração no epigenoma tumoral.

“Vimos que esses gliomas apresentam níveis iniciais elevados de metilação do DNA, que são progressivamente reduzidos quando há recorrência da doença após a quimio ou radioterapia, e se tornam mais agressivos”, conta Malta. “Já o epigenoma dos pacientes IDH selvagem – os inicialmente mais agressivos – são mais estáveis, com níveis relativamente baixos de metilação, ou seja, nesse caso, os tumores primários são bastante parecidos com os recorrentes, inclusive porque já se encontravam em um grau máximo de agressividade.”

“Isso quer dizer que o tratamento, de alguma forma, modifica esse tumor, e essa mudança está associada à agressividade.”

Mudanças na abordagem terapêutica

De acordo com Malta, ao demonstrar que a regulação epigenética está associada com a progressão do câncer, o trabalho contribui para o melhor entendimento da biologia tumoral e, consequentemente, abre espaço para novas abordagens terapêuticas com esse direcionamento.

Os próximos passos para entender a implicação da descoberta e avaliar seu real impacto no tratamento dos gliomas devem incluir, em um primeiro momento, a realização de tratamentos in vitro em linhagens de tumores e, na sequência, em modelos in vivo para confirmar os resultados já obtidos.

“Como nesse estudo nos baseamos em uma coorte retrospectiva, com dados coletados de muitas instituições e manejos clínicos que passaram por alterações ao longo do tempo, é preciso considerar a presença de diversos vieses.”

O artigo The epigenetic evolution of glioma is determined by the IDH1 mutation status and treatment regimen pode ser lido em: https://aacrjournals.org/cancerres/article/84/5/741/734933/The-Epigenetic-Evolution-of-Glioma-Is-Determined.

*Da Agência Fapesp

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Metabolismo do colesterol apresenta respostas distintas à cirurgia bariátrica

Pesquisadores do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) demonstraram que o metabolismo do colesterol apresenta respostas diferentes à cirurgia bariátrica e metabólica do tipo derivação gástrica em Y de Roux. E identificaram que um tipo de gordura que compõe as membranas das células, os esfingolipídios, podem ser peças-chave para entender melhor as mudanças que acontecem no organismo após a cirurgia.

No total, 23 mulheres foram submetidas à derivação gástrica em Y de Roux, também conhecida como bypass ou cirurgia de capella. A técnica consiste em, primeiro, dividir o estômago e conectar a uma parte do intestino que também foi separada e, em seguida, conectar a parte do intestino ainda ligada ao segundo segmento do estômago, na outra parte do intestino, gerando um formato semelhante à letra Y.

A cirurgia, além de gerar perda de peso, tem resultados positivos no controle de doenças como a diabete, podendo levar até mesmo à remissão. No entanto, para o metabolismo dos lipídios – como são conhecidos os processos envolvidos na produção e decomposição das gorduras no organismo –, as alterações ainda são heterogêneas e pouco conhecidas.

“O divisor de águas foi justamente a gente ter observado que as pacientes apresentam respostas diferentes ao procedimento”, explica Gabriela Lemos, pesquisadora do Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo – LIM/35, e autora do estudo. As pacientes foram acompanhadas desde o pré-operatório até três meses depois do procedimento; elas foram divididas em dois grupos com base na melhora do perfil lipídico, através de um modelo não supervisionado de separação de grupos.

Já sobre os esfingolipídios, os pesquisadores observaram que a cirurgia provoca alterações significativas, mas elas não são homogêneas em todas as pacientes. “Observamos também que a melhora no metabolismo do colesterol se correlaciona com alterações específicas em algumas espécies de esfingolipídios”, conta Dan Waitzberg, professor associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP e orientador do trabalho. A ideia de estudar as alterações que ocorrem nos esfingolipídios com o metabolismo do colesterol após a cirurgia surgiu a partir de evidências na literatura que apontam para uma participação deles na regulação do colesterol e de achados anteriores entre pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.

Ilustração do resultado final da cirurgia bariátrica, ou metabólica, em Y de Roux – Imagem: Donato Gerardo Terrone, Luigi Lepanto, Jean-Sébastien Billiard, Damien Olivié, Jessica Murphy-Lavallée, Franck Vandenbroucke & An Tang – Wikimedia Commons

Cirurgia bariátrica e o metabolismo do colesterol

O diferencial do estudo é que, ao observarem as respostas metabólicas, os pesquisadores perceberam que a separação das pacientes com diferentes respostas poderia ser fundamental para entender os mecanismos que envolvem a melhora do quadro. De acordo com Waitzberg, até o momento, as pesquisas mostravam que “os pacientes [submetidos à derivação gástrica de Y de Roux] tendem a apresentar redução do colesterol total, mas observam-se alterações distintas nos subtipos do colesterol [LDL, HDL e VLDL]”.

Com a divisão em agrupamentos, os pesquisadores puderam identificar que, nas pacientes que apresentaram melhora significativa do perfil lipídico, a redução na expressão de alguns esfingolipídios pode fornecer uma base científica para compreender os mecanismos que fazem com que a cirurgia promova uma melhora no perfil do colesterol. E também para o desenvolvimento de novas terapias, mais específicas.

Alterações independentes da perda de peso

A pesquisa demonstrou que a heterogeneidade dos resultados no perfil lipídico das pacientes é independente de fatores como perda de peso, melhoria do metabolismo de glicose e remissão da diabete.

“[O estudo] acende a luz para mecanismos distintos na regulação do colesterol, e que não estão relacionados à perda de peso. Hoje, se o paciente tem dislipidemia [aumento no nível de gordura no sangue], a primeira recomendação é a mudança na alimentação, prática de atividade física, perda de peso. Mas a gente viu que tem pacientes que, mesmo com a mudança na alimentação e perda de peso, não vão melhorar”, afirma Gabriela.

Além de considerar a perda de peso e o metabolismo da glicose, os pesquisadores investigaram se as diferenças seriam afetadas por medicamentos, e também não encontraram associações à melhora no metabolismo do colesterol.

Entretanto, Gabriela Lemos destaca que “o número de pacientes é pequeno” e, por ser um fator limitante do estudo, pode ter gerado a falta de associação; por isso são necessárias mais investigações incluindo outras populações antes de generalizar os resultados. “Além disso, outros fatores não explorados, como a composição da microbiota intestinal e a expressão gênica nos grupos, também podem ter influenciado”, completa Waitzberg.

Nutrients 2024 Travel Award

Gabriela Lemos recebeu o prêmio Nutrients 2024 Travel Award, da revista científica Nutrients, pela pesquisa sobre o metabolismo do colesterol após a cirurgia bariátrica. Como premiação, além do reconhecimento, a pesquisadora recebeu incentivo para apresentar o trabalho no congresso Espen 2024, em Milão, Itália, e a cortesia da publicação na revista.

O Nutrients Travel Award premia, todos os anos, doutorandos e pós-doutorandos com pesquisas na área de nutrição, proporcionando apoio financeiro para que os pesquisadores que venceram a edição possam participar de uma conferência internacional da área. Para a pesquisadora, além do reconhecimento, o prêmio traz motivação e visibilidade para o tema.

Waitzberg, como orientador, declara que a razão da premiação é o fato da pesquisa “contemplar análises e informações inéditas acerca de um tema recorrente e de extremo interesse em saúde pública”, e a autora ressalta a importância da inovação do projeto: “Há muito tempo se estuda o metabolismo do colesterol e, apesar de muitos trabalhos nessa área de metabolismo lipídico, a gente não tem muita inovação nos termos de atividade enzimática, de mecanismos de ação e terapias”.

Mais informações: Gabriela Lemos, e-mail gabrielalemos@usp.br; Dan Waitzberg, e-mail dan.waitzberg@gmail.com

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Aterosclerose pode ocorrer antes da menopausa, mas exercícios previnem

Envelhecimento e estilo de vida tendem a potencializar o desenvolvimento da aterosclerose, mas estudo com camundongos mostrou o papel do sistema nervoso na doença, bem como o efeito protetivo do treinamento físico

Em mulheres, existe um consenso de que o risco maior para doenças do coração começa após a menopausa, quando o corpo para de produzir os hormônios sexuais, que tem função cardioprotetora. Mas, de acordo com pesquisa do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o risco já existe antes desse período.

Os pesquisadores analisaram fêmeas de camundongos com aterosclerose – uma disfunção gerada pelo acúmulo de colesterol nas artérias e veias, formando placas de gordura que atrapalham a passagem do sangue – e descobriram que os efeitos da doença surgem antes da senescência reprodutiva, que compreende o período em que a produção dos hormônios sexuais em mulheres começa a cair.

No entanto, ao exporem um dos grupos com a doença à prática de atividade física, foi observada melhora nos efeitos que o envelhecimento provocava na aterosclerose, com aumento de quantidade de antioxidantes e anti-inflamatórios. “Demonstramos o importante papel do sistema nervoso na aterosclerose, bem como o efeito protetivo do treinamento físico na doença”, descreve Nascimento.

Os animais e o protocolo de atividade física

As fêmeas de camundongo usadas no estudo têm uma alteração genética que inativa a apoliproteína E, que tem grande importância na captação do colesterol na corrente sanguínea. Sem a ação da apoliproteína E, acontece o acúmulo do colesterol na parede das artérias e veias das camundongos fêmeas, mimetizando a aterosclerose nos animais.

Para observar os efeitos da atividade física no envelhecimento e na aterosclerose, os camundongos foram divididos em grupos de meia-idade que praticavam ou não atividade física. Um terceiro grupo, usado para comparar os resultados, era composto por animais jovens.

Os três grupos foram adaptados para um teste de esforço máximo, que consiste em treinamento físico em esteira. Os treinamentos do grupo ativo fisicamente eram de intensidade moderada, uma hora por dia, cinco dias na semana, por seis semanas. Todos os grupos eram submetidos a um teste de esforço, que avalia a capacidade cardíaca.

“O grupo meia-idade que permaneceu sedentário durante todo o protocolo apresentou efeitos negativos decorrentes do envelhecimento na aterosclerose, como piores desfechos cardiovasculares e menor atuação de mecanismos de controle. Em contraponto ao grupo meia-idade treinado”, conta Nascimento, que completa dizendo que os parâmetros vistos nas fêmeas de camundongo que praticavam o treinamento eram mais semelhantes aos dos animais jovens.

Aterosclerose e envelhecimento

Na aterosclerose, “o envelhecimento e o estilo de vida tendem a potencializar o desenvolvimento da disfunção”, diz Nascimento, completando que “é consenso que essa população [fêmeas após a menopausa] tende a apresentar maior adiposidade corporal e disfunções metabólicas”.

Além disso, “no início da senescência reprodutiva há um declínio de proteção de agentes antioxidantes na doença, o que pode ser um dos mecanismos envolvidos com os prejuízos de função cardíaca nessa população”, explica.

O processo de envelhecimento também piora a atuação dos barorreceptores, sensores que regulam a pressão arterial. Localizados na principal artéria do corpo, a aorta, ao identificarem uma alteração, esses receptores geram uma resposta de controle para que a pressão aumente ou diminua. No entanto, “a aterosclerose gera aumento da espessura da aorta, e esta modificação pode estar associada a uma menor capacidade deste receptor se adaptar”, expõe o pesquisador, uma vez que o mecanismo dos barorreceptores se baseia em seu estiramento.

Atividade física como agente atenuante

Diagrama do Protocolo: O protocolo utilizou o kit ELISA para determinar a presença de TNFα, Interleucina-6 e Interleucina-10. O teste tem como base o princípio da ligação antígeno-anticorpo.

 

A pesquisa evidencia que “o treinamento físico conseguiu atenuar as disfunções cardiovasculares e a redução de atuação dos mecanismos de controle”. A prática de atividade física entre as fêmeas de camundongo levou uma proteína antioxidante, a superóxido desmutase, a manter sua atividade, e também à produção da interleucina 10, substância produzida pelo sistema imunológico e que tem ação anti-inflamatória.

Com a produção e a liberação desses componentes, a ação dos barorreceptores e a ação de outros componentes do sistema nervoso autônomo – aquele que funciona de forma independente à nossa vontade – que respondem à atividade física gerando respostas anti-inflamatórias, a resposta do organismo à aterosclerose pode melhorar. “O treinamento físico melhora a atuação de mecanismos de controle. Desta forma, acreditamos que as melhorias podem ter sido geradas por um aumento na capacidade de atuação destes sistemas em conjunto”, descreve.

Mais informações: Bruno Nascimento, e-mail brunonascimentoc@gmail.com

FONTE: Jornal da USP

Musculação e consumo de proteínas são fundamentais para evitar perda de massa muscular

Especialistas comentam a importância de manter hábitos saudáveis durante a vida para evitar grandes transtornos ao corpo em situações adversas de saúde

A reserva muscular adquirida por um indivíduo ao longo da vida é essencial para a superação de traumas, cirurgias e recuperação de doenças, como no caso do ator Kayky Brito, vítima de atropelamento em setembro de 2023, em que os médicos afirmaram que sua rotina de atividade física e musculação foi fundamental no processo de recuperação. Guilherme Peixoto da Fonseca, professor da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da Universidade de São Paulo, discorre sobre a importância da musculação para a construção de reserva muscular e para a prevenção da perda de músculos.

Segundo o especialista, a condição que causa perda progressiva e generalizada de massa muscular recebe o nome de sarcopenia. Ele conta que a sarcopenia pode ser dividida em primária, a qual costuma ser mais natural e atinge geralmente os idosos, e a secundária, que acontece como resultado de condições inadequadas, como sedentarismo, doenças ou acidentes. Além da quantidade de músculos perdida com a sarcopenia, Fonseca reforça que esse transtorno afeta a força e a função dessas estruturas.

Conforme o professor, o corpo humano está em um constante processo de perda e ganho de massa muscular, em que a construção é obtida a partir de processos anabólicos de síntese, que aumentam a massa muscular, e a degradação é resultado dos processos catabólicos, ou seja, de redução dessas estruturas. “Durante a manutenção da massa muscular, estamos nesse equilíbrio constante entre o que está sendo sintetizado e o que está sendo degradado. Ao longo da vida, pode ocorrer um desequilíbrio, que reduz a síntese e, por consequência, aumenta a degradação, resultando numa redução da massa muscular, ou seja, a sarcopenia”, conta.

Construção de músculos

Fonseca explica que cada indivíduo gradualmente aumenta sua massa muscular e atinge o pico por volta dos 40 anos, momento em que começa uma pequena redução dessa massa. A partir dos 60 anos, segundo ele, a diminuição torna-se mais acentuada e, por isso, é necessário o acúmulo dessa massa magra durante toda a vida, pois o tecido muscular é muito plástico e se altera rapidamente.

De acordo com o docente, se uma pessoa consegue atingir o máximo de reserva muscular de acordo com seu ambiente fisiológico, seu corpo responderá melhor a situações de estresse físico. Ele explica que, do ponto de vista energético, os músculos consomem muita energia, portanto são utilizados como fontes de nutrientes para a recuperação de pacientes em situações adversas.

“Essa reserva muscular vai ser muito importante em algum momento da vida em que uma pessoa tem uma condição clínica desfavorável, como uma imobilização, hospitalização, um quadro agudo ou um procedimento cirúrgico. Esse acúmulo vai fazer com que o paciente se recupere melhor, porque os nutrientes necessários para sua reabilitação, em boa parte, vêm da parte muscular”, diz.

Doenças e diagnóstico

Conforme Tiago Fernandes, também professor da EEFE, a ferramenta mais recomendada atualmente para o diagnóstico da sarcopenia é a sugerida pelo consenso europeu, European Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP), publicado em 2019, no qual se enfatiza o comprometimento da força muscular como componente principal do quadro. Ele enfatiza que não existem, até o momento, marcadores ou exames laboratoriais para diagnosticar a doença.

De acordo com o docente, a perda da massa muscular pode ser encontrada em diversas doenças, sendo elas tanto crônico-degenerativas, tais como obesidade, diabete e a insuficiência cardíaca, quanto a oncológica, a aids e as distrofias musculares de origem neurogênica. Ele afirma que essa perda é considerada um preditor independentemente de mortalidade. “Portanto, o estado geral de doença que envolve perda de peso marcante e perda de massa muscular leva ao quadro que chamamos de caquexia. A caquexia costuma ser sinal de alguma doença, como câncer, aids ou insuficiência cardíaca; e os sintomas incluem perda de peso, perda de massa muscular, falta de apetite, fadiga e diminuição de força”, afirma Fernandes.

Assim como complementa Guilherme Fonseca, além de ser resultado de algumas enfermidades, a própria sarcopenia pode provocar doenças, como a diabete tipo 2. Segundo ele, o tecido muscular é responsável por consumir grande parte da glicose circulante, então, conforme um paciente tem reduzida a sua massa muscular, tem menos tecido para consumir a glicose presente.

“Portanto, a glicose começa a se acumular na corrente sanguínea, que vai elevar a glicemia e pode desenvolver um quadro de pré-diabete e, futuramente, pode evoluir para o diagnóstico de fato da doença. Apesar da redução de massa muscular aumentar a incidência de diabete tipo 2, tem-se evidências que o inverso também é verdadeiro, pois o indivíduo que tem diabete pode desenvolver mais facilmente a sarcopenia”, relata Fonseca.

Síntese de tecido muscular

Os especialistas afirmam que a construção de massa muscular para prevenção da sarcopenia e as doenças decorrentes desse quadro clínico pode ser realizada principalmente por duas práticas: a musculação e a alimentação rica em proteínas. Fernandes comenta que a combinação dessas duas práticas contribui para uma reserva de massa muscular e óssea no futuro, garantindo autonomia, mobilidade, melhora da imunidade e redução no risco de diversas doenças. “Além disso, quando os músculos estão fortes e ativos, eles exercem mais tensão nos ossos durante a atividade física, o que estimula a produção de novo tecido ósseo”, informa.

Para Guilherme Fonseca, a atividade física mais recomendada para a construção desse tecido é o treinamento resistido, popularmente conhecido como musculação, no qual é fundamental incluir exercícios com os grandes grupos musculares: peitoral, costas, membros inferiores, quadríceps, parte posterior da coxa, glúteos e tronco.

“Essa resistência pode ser gerada por máquinas, elásticos e o próprio peso corporal, numa frequência de duas a três vezes por semana. Já a parte do consumo de proteínas pode ser feita via alimentação ou suplementação. Se uma pessoa come muito pouco de manhã, tenta aumentar um pouco esse consumo no almoço e na janta. Então, a associação treinamento de força e consumo de proteína é essencial”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Fragmentos tóxicos de proteínas no cérebro podem ser marcadores de Alzheimer em vida

Biomarcador ajudaria no monitoramento da doença de Alzheimer, para a qual não há um marcador único que possa fornecer um diagnóstico definitivo em vida

Tauopatias são doenças neurodegenerativas associadas a depósitos anormais de uma proteína chamada tau no cérebro, com alta mortalidade e sem cura. O tipo mais comum de tauopatia é a doença de Alzheimer e, atualmente, não há um biomarcador que identifique a doença com precisão no paciente em vida. O diagnóstico é feito em entrevista com o paciente, avaliação neuropsicológica e por exclusão de outras doenças em exames de sangue e imagem.

Trabalho de cientistas da USP e da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos, avalia o uso de fragmentos da proteína nos líquidos cerebrais como biomarcador para diagnóstico em vida e monitoramento de Alzheimer e doenças similares.

Os resultados do trabalho são relatados em artigo publicado pela revista científica Acta Neuropathologica Communications. “A doença de Alzheimer afeta milhões de pessoas no mundo, entretanto, existem outras tauopatias mais raras, incluindo a encefalopatia traumática crônica que afeta atletas e a paralisia supranuclear progressiva”, afirmam Lea Grinberg, professora da UCSF e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), e Liara Rizzi, pós-doutoranda da Unicamp, autoras do artigo.

“Um estudo prévio feito pelo nosso grupo de pesquisa identificou no tecido cerebral humano após a morte que o número de neurônios que acumulam tau clivada por caspase, que é neurotóxica, é similar ao número de neurônios que acumulam tau fosforilada, ou fosfo-tau, a alteração mais estudada em doenças neurodegenerativas”, relatam as pesquisadoras. As caspases são um grupo de proteases, enzimas que dividem proteínas, comumente associadas a inflamação e morte celular (apoptose), e que participam da quebra da proteína tau (proteólise).

Mecanismos patológicos induzidos pela proteína tau fragmentada pelas caspases, grupo de proteases, enzimas que dividem proteínas, comumente associadas a inflamação e morte celular – Ilustração: Reprodução do artigo

“A proteína tau pode sofrer clivagem por várias caspases, incluindo as dos tipos 1, 2, 3, 6, 7 e 8, no entanto, a sobreposição é de apenas 45%”, apontam Lea Grinberg e Liara Rizzi. “Isso sugere que estudos baseados somente em fosfo-tau não identificam completamente a patologia da proteína tau e que, em casos de divisão pelas caspases, ela é parcialmente distinta e complementar a da fosfo-tau”.

Diagnóstico em vida

De acordo com as cientistas, estudos sobre formas de tau divididas pelas caspases no líquido cefalorraquidiano e no soro do cérebro são limitados, mas as descobertas emergentes mostram-se promissoras, sublinhando a necessidade de uma exploração mais profunda. “Essas pesquisas mostram que a detecção de fragmentos neurotóxicos de tau oferecem uma oportunidade para diagnóstico in vivo e monitoramento de doenças neurodegenerativas”, ressaltam.

Locais onde a proteína tau pode ser divididas pelas caspases (linhas vermelhas); grupo de pesquisa desenvolveu ensaio químico para detecção de tau truncada por caspase no liquor do cérebro – Ilustração: Reprodução do artigo

“Dessa forma, dada a abundância de tau dividida pela caspase-6 na doença de Alzheimer e a escassez em tauopatias 4R, como a paralisia supranuclear progressiva, vale a pena testar se um ensaio com esse tipo de tau tem melhor desempenho na sua identificação do que os baseados em fosfo-tau”, apontam Lea Grinberg e Liara Rizzi. “Provavelmente, a aplicação mais pertinente é a identificação de patologia não associada a fosfo-tau na doença de Alzheimer.”

As pesquisadoras acrescentam que a detecção de tau dividida por caspase in vivo pode ser extremamente significativa tanto para fins diagnósticos quanto terapêuticos. “Nosso grupo desenvolveu um ensaio químico para detecção de tau truncada por caspase no líquor do cérebro, que agora está em testes com amostras clínicas.”

O estudo contou também com a participação dos pesquisadores Lea Julio, Rojas-Martinez e Michelle Arkin, do Memory and Aging Center da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF). A primeira autora do artigo é Liara Rizzi, pós-doutoranda da Unicamp, que teve parte de sua bolsa para fazer pesquisas na UCSF financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mais informações: e-mails lea.grinberg@ucsf.edu, com Lea Grinberg, e Liara.Rizzi@ucsf.edu, com Liara Rizzi

FONTE: Jornal da USP

Estudo clínico busca recrutar voluntárias para pesquisa sobre distúrbios gastrointestinais

A Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo está produzindo um estudo clínico que irá avaliar o uso de probióticos em mulheres com constipação, diarreia e síndrome do intestino irritável, distúrbios do eixo intestino-cérebro, com uma conexão bidirecional do intestino com o cérebro. De acordo com Ilana Marques, pesquisadora do Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo da FMUSP, esses distúrbios estão associados a fatores relacionados ao estilo de vida e ao estresse, o que explica um aumento dos casos na população brasileira após a pandemia.

A pesquisadora explica que, além dos fatores associados à qualidade de vida, a síndrome do intestino irritável, considerada uma das doenças funcionais mais comuns dos distúrbios crônicos intestinais, também tem uma forte relação hormonal, que atinge majoritariamente a população feminina. “Então, a maior presença de hormônios como estrogênio, progesterona, pode afetar a motilidade intestinal, além de afetar na sensibilidade do trato gastrointestinal; fatores como estresse, ansiedade, depressão, também têm uma maior associação com o sexo feminino”, complementa.

“Normalmente isso é negligenciado, ou muitas vezes é normalizado, então a paciente acha normal ter sintomas gastrointestinais há mais de seis meses ou ter alteração do padrão evacuatório, então, ter uma constipação de somente ir ao banheiro uma vez por semana, e isso não é normal. Isso deve ser investigado e a paciente deve buscar ajuda”, afirma.

Sobre o estudo

Ilana comenta que, a fim de analisar se as condições das mulheres com constipação ou diarreia funcional e síndrome do intestino irritável podem ser beneficiadas por suplementação probiótica — microrganismos benéficos que modificam o ambiente intestinal. O estudo irá contar com 80 voluntárias mulheres, que irão receber, por 12 semanas, a suplementação de um probiótico específico ou de um placebo.

Com um acompanhamento durante as semanas do estudo, a pesquisadora comenta: “Essas pacientes irão fazer um exame de microbiota intestinal no começo e um no final do estudo, e nós queremos entender se o probiótico modificou sintomas gastrointestinais, como dor abdominal, se mudou qualidade de vida, hábito intestinal e microbiota intestinal. Esses são os principais objetivos do nosso estudo”.

Com uma conexão do sistema intestinal com o cérebro, a especialista afirma que há comunicação e impacto da microbiota — microrganismos que colonizam o trato gastrointestinal — com o cérebro. “Esses microrganismos podem produzir neurotransmissores, produzir toxinas e aumentar o nível de estresse, aumentar agitação e ansiedade. É uma área que mostra a conexão desses dois locais, intestino e cérebro, e nós buscamos entender mais disso no estudo”, adiciona.

Sobre os critérios de inclusão da pesquisa, Ilana explica que podem participar mulheres, entre 18 e 60 anos, que tenham constipação, diarreia ou síndrome do intestino irritável — que pode ser reconhecido pelo sintoma de dor abdominal — há mais de seis meses e que residam em São Paulo ou Região Metropolitana, contanto que não tenham feito uso de antibiótico nos últimos três meses e que não tenham outra condição clínica ou doença associada que acabe alterando o perfil intestinal.

Com os exames de microbiota intestinal e o ressarcimento das visitas presenciais inclusos, detalhes e informações sobre o estudo clínico realizado pela FMUSP podem ser encontrados pelo Instagram (metanutri.fmusp) ou e-mail (metanutri.recrutamento@gmail.com).

FONTE: Jornal da USP