Casos de HIV vêm aumentando na população idosa

Wilson Jacob Filho comenta dados segundo os quais os casos do vírus nessa faixa etária aumentaram em 416% nos últimos dez anos; vida sexual ativa sem proteção pode estar entre os principais fatores

Segundo dados do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, os casos de HIV entre idosos aumentaram 416% ao longo dos últimos dez anos, resultando na representação da faixa etária entre os 60 anos ou mais em 4% das infecções com o vírus. A expansão da vida sexual mais ativa e a ausência do uso de camisinha podem estar entre os fatores para esse acréscimo, e o professor Wilson Jacob Filho, titular da Geriatria da Faculdade de Medicina da USP e diretor da Divisão de Geriatria do Hospital das Clínicas, explica mais profundamente esse fenômeno.

Fatores de amplificação

Para Jacob, um fator muito importante, que contribuiu para esse acréscimo no número de casos de HIV, foi o aumento populacional da parcela idosa, mudança que acompanhou a alta na expectativa de vida da população brasileira. “Nós temos que entender o que aconteceu com a população idosa, nestes últimos dez anos, para respeitar essa formulação dos dados. A população idosa do Brasil aumentou consideravelmente em dez anos, assim como a expectativa de vida média aumentou consideravelmente em dez anos, mesmo levando em conta as perdas da pandemia. Ou seja, nós temos muito mais idosos atualmente do que nos últimos dez anos”, explica o professor.A mudança comportamental dessa população também pode ter atuado como fator intensificador do problema, pois, segundo Jacob, a população idosa evoluiu de um estilo de vida de exclusão social para desenvolver uma crescente participação social, o que o expõe a faixa etária a maiores possibilidades de envolvimento romântico. “O idoso está cada vez mais incluído dentro do cenário das relações sociais. Obviamente isso também aumenta a possibilidade de relacionamentos afetivos, relacionamentos amorosos e relacionamentos sexuais, o que é uma recomendação do ponto de vista de saúde como um todo (…) Junto com esse aumento do relacionamento sexual existem os riscos das doenças sexualmente transmissíveis, ou infecções sexualmente transmissíveis, entre elas, a tão temerária contaminação pelo vírus do HIV. É uma decorrência da evolução epidemiológica, do relacionamento social esse aumento.”

Prevenção e tratamento

Jacob ressalta a importância do uso da proteção sexual, mais conhecida como camisinha, para a prevenção de doenças sexuais advindas de uma vida sexual ativa. Entretanto, ele relata uma certa resistência dessa população ao uso desse mecanismo. “Os contatos sexuais, sejam eles feitos da forma preferencial do casal, sem dúvida nenhuma, aumentam o risco de contaminação e, consequentemente, ele tem que ser previsto e assegurado para que nós possamos ter os benefícios sem ter os prejuízos. Sexo, para ser um fator agregador da saúde, tem que ser seguro. Em qualquer idade, em qualquer situação, com qualquer tipo de orientação sexual, ele, para ser suficientemente benéfico à saúde, tem que ser protegido, e as formas de proteção são disponíveis, são executáveis, não podem determinar um temor”, explica.

Além disso, o professor também ressalta a importância da inclusão de idosos nas campanhas de prevenção ao HIV, apostando na ampliação da prevenção à doença que, além de tudo, exige uma grande sensibilidade ao ser tratada, pois, segundo Jacob, o HIV ainda é erroneamente visto como um “deslize social”, principalmente quando relacionado aos idosos. “Demandam ao médico uma atitude muito cuidadosa, é dar a má notícia, é um dos atributos do médico, do profissional, em relação a um diagnóstico. Tem dificuldade em dizer ao cliente que ele tem um câncer, que ele tem uma doença de Alzheimer, mas a doença sexualmente transmissível traz uma conotação de deslize social muito grande, porque, como eu disse, muitas vezes o idoso é patrulhado pela família e consequentemente aquilo demonstra um potencial delito, que evidentemente é fruto de um comportamento social perfeitamente explicado e compreensível, não recomendável, obviamente, mas sem dúvida nenhuma tem que ser entendido e compreendido.”

FONTE: Jornal da USP

Nanotecnologia aumenta potencial terapêutico da curcumina

Benefícios anti-inflamatórios, antioxidantes e neuroprotetores estão entre potenciais aplicações medicinais da curcumina, mas ainda dependem de comprovação clínica

A cúrcuma é uma planta da família do Zingiberaceae (mesma família do gengibre), originária do continente asiático, utilizada como condimento e corante graças à sua forte cor amarelada. Ao lado do uso culinário, a planta é alvo de pesquisas em medicina devido ao seu principal composto bioativo, a curcumina, considerada anti-inflamatória e antioxidante. O potencial da curcumina para prevenir e tratar doenças, entretanto, esbarra na dificuldade de ela ser absorvida pelo organismo, fato que pode ser mudado pela nanotecnologia. Com as técnicas apropriadas é possível manipular a matéria em dimensões nanométricas – 1 metro dividido por 1 bilhão.

Caroline Bertoncini Silva, pesquisadora da Divisão de Nutrologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, é responsável por um estudo publicado na revista Antioxidants que revisou achados recentes de pesquisas sobre as propriedades da curcumina e as formas de intensificar essas ações no organismo humano. A pesquisadora informa que potenciais benefícios da curcumina vão das propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, passam pela neuroproteção, melhorando a função cerebral, os benefícios cardiovasculares e a saúde digestiva, chegando aos efeitos antitumorais.

O problema é que a biodisponibilidade (quantidade e velocidade com que chega à corrente sanguínea e tecidos) do composto bioativo é baixa, e formulações farmacêuticas e testes clínicos ainda estão em estágio inicial. “Embora os benefícios sejam promissores, são necessárias mais pesquisas para estabelecer as recomendações terapêuticas específicas. As perspectivas precisam ser confirmadas por estudos maiores e ensaios clínicos”, avalia Caroline Silva.

A boa notícia é que pelo menos a questão da biodisponibilidade pode estar resolvida com as nanoformulações – processo que utiliza nanotecnologia para reduzir o tamanho dos fármacos – de curcumina. Segundo as avaliações da pesquisadora, as fórmulas nanoestruturadas conferem o aprimoramento necessário para ampliar a biodisponibilidade e a bioatividade (atividade biológica) da curcumina e seus metabólitos.

Nanoformulação, resposta à baixa biodisponibilidade

“A baixa disponibilidade da curcumina em sua forma natural é um desafio e, para superá-la, diversas pesquisas estão investigando formulações para melhorá-la”, conta a pesquisadora, adiantando que parte da baixa absorção da curcumina se deve ao fato de ela ser uma molécula hidrofóbica, ou seja, que possui aversão à água e baixa solubilidade.

No entanto, as nanoformulações podem ser um caminho. Elas são estruturas criadas em escala molecular, através da nanotecnologia, para o preparo e o encapsulamento dos compostos bioativos. Esses sistemas asseguram a “liberação de medicamentos em escala nanométrica, a fim de melhorar a absorção e a eficácia de compostos bioativos como a curcumina”.

Um dos estudos analisados pelos pesquisadores identificou que uma das mais recentes dessas nanoformulações é capaz de aumentar em até 100 vezes a biodisponibilidade da curcumina no plasma. O trabalho revisou 11 nanoformulações de curcumina, testadas em estudos clínicos, responsáveis pelo aumento de nove a 185 vezes na biodisponibilidade do composto.

Associação de bioativos em nanoestruturas aumentam absorção

A curcumina possui propriedade antimicrobiana, combatendo o desenvolvimento de microrganismos, que também é potencializada pela nanoestrutura. Pelos resultados obtidos, Caroline Silva acredita que, em futuro próximo, será possível projetar essas nanoformulações para atingir microrganismos específicos que causam doença, principalmente na pele e no intestino.

Aliás, os estudos dos efeitos do consumo oral de nanoformulação de curcumina por ratos e camundongos constataram a melhora da absorção no intestino e da biodisponibilidade, além de melhorar a composição da microbiota intestinal, conjunto de microrganismos presentes no intestino que podem auxiliar no funcionamento de diversos processos.

Outro método para aumentar a biodisponibilidade da curcumina, analisado nesta revisão, foi a combinação com outros compostos bioativos, como a piperina, principal componente da pimenta-do-reino. Em um dos estudos clínicos, realizado em humanos saudáveis, os autores descobriram que 2 g de curcumina administrados concomitantemente com 20 mg de piperina indicaram promover um aumento de 2.000% na biodisponibilidade oral da curcumina.

Curcumina como medicamento

Ao analisar a relação da nanoformulação da curcumina com seu efeito anti-inflamatório e antiobesidade, resultados de diversas pesquisas realizadas com humanos e animais sugerem que essas nanoformulações podem ter efeitos interessantes para o tratamento da inflamação crônica em humanos.

Dados preliminares apontam que a curcumina poderia trazer benefícios para o cérebro, melhorando a função cognitiva e a memória, sendo avaliada no tratamento do Alzheimer, e para o coração, com potencial para ser um agente terapêutico em doenças cardiovasculares. Caroline ressalta que ainda não há estudos clínicos que demonstrem resultados sólidos sobre os efeitos curcumina no cérebro e no coração; mesmo assim, os avanços nas nanoestruturas de curcumina são um grande facilitador para a realização de mais pesquisas nessas áreas.

Também são necessários estudos mais conclusivos em relação à dosagem, mas pesquisas realizadas in vitro, em animais e em humanos têm demonstrado que a curcumina não é tóxica. As pesquisas realizadas em humanos demonstraram a faixa de consumo considerada segura, com doses entre 1.125 mg e 2.500 mg de curcumina diariamente. Outro estudo analisou o consumo de doses altas e diárias, de até 8 g de curcumina, durante três meses e não observou toxicidade relacionada ao bioativo.

Assim, a curcumina pode ser um bioativo importante na produção de medicamentos em um futuro próximo devido às nanoformulações. “A possibilidade de aumentar significativamente a biodisponibilidade da curmunina permite que essa substância atue de maneira mais eficaz em dose menor, possibilitando o uso como um medicamento direcionado”, afirma a pesquisadora.

Caroline acredita que, mais para frente, ela “pode ser importante no tratamento para doenças crônicas, como artrite reumatoide, diabete e doenças cardiovasculares, pois o efeito anti-inflamatório e antioxidante é potencializado”. Lembra ainda que, com as nanoformulações, a curcumina pode ser útil como neuroproteção nas doenças neurodegenerativas, além do potencial em tratamentos oncológicos, “pois estudos demonstram uma capacidade do bioativo em inibir as células tumorais”.

Mais informações: e-mail: bertoncinicaroline@usp.br com Caroline Bertoncini da Silva

*Estagiário sob supervisão de Rita Stella
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Grupo da USP mapeia variantes genéticas associadas ao câncer de pâncreas em pacientes brasileiros

O câncer de pâncreas entrou recentemente no rol das estatísticas divulgadas periodicamente pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca). Embora não esteja entre os tipos de câncer que ocorrem com mais frequência no Brasil, a alta letalidade faz dele uma das principais causas de morte pela doença no País e o diagnóstico tardio é um dos fatores que concorrem para essa situação.

“O que chama a atenção é a ausência de dados sobre a doença, não apenas no Brasil, mas na América Latina toda. Não há estudos sobre câncer de pâncreas com a população brasileira porque sua incidência é baixa em nosso país, se comparada a outros tumores, como de mama ou de pulmão. Entretanto, é o tipo com maior índice de fatalidade e mata muito rapidamente”, lamenta Lívia Munhoz Rodrigues, doutora em Oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

 

Os cientistas buscaram alterações em 113 genes de câncer, por meio do sequenciamento de DNA genômico – Foto: Wikipédia – Via FAPESP

Junto com uma equipe que reúne integrantes do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), do Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e Reabilitação da FMUSP e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), Lívia Rodrigues realizou um estudo pioneiro com 192 portadores de adenocarcinoma pancreático – o tipo mais comum de tumor no pâncreas – atendidos no Icesp pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os cientistas buscaram alterações em 113 genes de câncer (os chamados oncogenes, que podem causar a doença quando sofrem mutações ou são ativados de forma anormal) por meio do sequenciamento de DNA genômico. São variações (ou PGVs, sigla em inglês para variantes germinativas patogênicas) que as pessoas podem herdar dos seus ascendentes.

Descobriram que 6,25% da amostragem (12 pacientes) era portadora de PGVs em genes já reconhecidos como sendo de predisposição ao câncer de pâncreas, enquanto 13% (25 pacientes) eram portadores de PGVs em genes com associação limitada ou não previamente associados à doença.

“Não fizemos uma pré-seleção da amostragem por histórico familiar da doença, e esse é um dos diferenciais do nosso estudo. Além disso, foram incluídos pacientes nascidos em quase todas as regiões do País, exceto a Norte. Foram 123 pacientes nascidos no Sudeste; 55 no Nordeste; sete no Sul, quatro no Centro-Oeste e três estrangeiros.” A amostragem incluiu pacientes atendidos de 2018 a 2022.

O trabalho foi publicado recentemente na revista Scientific Reports e teve o apoio da Fapesp.

Novidades

“O mais interessante do nosso trabalho ter sido feito no Brasil foi avaliar uma população nunca antes estudada e encontrar alterações em genes ainda pouco associados ao câncer de pâncreas. Talvez estejam relacionados à doença, mas não podemos dizer com certeza, ainda. São necessários mais estudos”, adianta Maria Aparecida Azevedo Koike Folgueira, professora do Departamento de Radiologia e Oncologia da FMUSP.

Ela revela que, entre esses genes pouco associados à doença, há dois muito interessantes, que fazem a proteção do telômero, a extremidade dos cromossomos. “São dois genes que podem estar associados ao melanoma, não achamos nada ainda relativo ao câncer de pâncreas. Temos de ir mais a fundo.”

Panorama do câncer de pâncreas no Brasil, com destaque para fatores genéticos e de hábitos de vida que estão relacionados à doença – Gráfico: BioRender com dados do artigo

O artigo Prevalence of germline variants in Brazilian pancreatic carcinoma patients pode ser lido aqui.

*Da Agência Fapesp, adaptado para o Jornal da USP 

FONTE: Jornal da USP

Vírus poderá ser usado em tratamento contra bactéria que causa infecções hospitalares

Avançam estudos com vírus bacteriófagos, que podem ser aliados na luta contra infecções de tratamento difícil causadas pela bactéria “Pseudomonas aeruginosa”

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Biologia de Bactérias e Bacteriófagos (Cepid B3), sediado na USP, avançaram no estudo da fagoterapia, técnica que utiliza vírus específicos para tratar infecções bacterianas. Em um estudo publicado na revista Microbiology Spectrum, a equipe investigou a interação entre duas variedades desses vírus e a bactéria Pseudomonas aeruginosa, reconhecida por causar infecções graves em diferentes organismos – entre as principais causadoras de infecções hospitalares. Os resultados oferecem novas perspectivas para a aplicação da fagoterapia e reforçam o papel dessa alternativa terapêutica no combate às infecções bacterianas resistentes a antibióticos.

A bactéria Pseudomonas aeruginosa é responsável por uma série de infecções em plantas e animais. Em humanos, o tratamento mais comum para os quadros clínicos causados por ela, como infecções urinárias, de pele e pulmonares, depende do uso de antibióticos. No entanto, a crescente perda de sensibilidade dessa bactéria aos medicamentos disponíveis, somada à falta de novas opções terapêuticas, representa um grande desafio no manejo clínico. É nesse contexto que se torna vantajosa a adoção de terapias alternativas, como a fagoterapia — que utiliza vírus que infectam bactérias, os fagos, ou bacteriófagos, para inibir a sobrevivência e a multiplicação bacteriana.

“Os fagos têm a capacidade de evoluir, o que lhes permite se adaptar às estratégias de resistência das bactérias e possibilita uma solução para lidar com mutações nessas linhagens”, explica Layla Farage, uma das autoras do estudo e pesquisadora do Cepid B3, no Instituto de Química (IQ) da USP. “Além disso, essa terapia é bastante específica, atingindo apenas as bactérias causadoras da infecção, sem afetar os microrganismos, muitas vezes benéficos, da microbiota [conjunto de microrganismo que habitam um indivíduo]”, complementa a pesquisadora.

Para compreender os mecanismos que regem à interação entre essa espécie e dois tipos de bacteriófagos (ZC01 e ZC03), além de explorar o potencial terapêutico desses vírus, os pesquisadores aplicaram os fagos individualmente em larvas de traça-da-cera infectadas por Pseudomonas, avaliando o efeito do experimento na sobrevivência e na multiplicação da bactéria.

A equipe investigou quais proteínas são expressas pelos bacteriófagos durante a interação com a bactéria, visando a elucidar seu mecanismo de ação no combate ao microrganismo, e testou a estabilidade dos fagos em diferentes condições, incluindo variações de temperatura, acidez, exposição à luz ultravioleta e a presença do anestésico clorofórmio. “O objetivo do nosso grupo é entender profundamente como os fagos são, como funcionam e se relacionam com os hospedeiros e o meio ambiente, para que possamos, no futuro, contribuir com a aplicação segura da fagoterapia”, destaca Layla Farage.

 

Micrografias de transmissão eletrônica de partículas purificadas dos fagos ZC01 e ZC03 – Imagem Reprodução do artigo

Os resultados revelaram que a aplicação de ambos os fagos aumentou significativamente a sobrevivência das larvas infectadas. Os fagos apresentaram viabilidade em temperaturas de até 37°C, comum em um organismo humano saudável, e pH de 7,5, considerado ideal para fagos terapêuticos.

A análise genética desses vírus ainda apontou para a existência de uma proteína especial capaz degradar a parede celular bacteriana, ou seja, permitir que esses vírus atinjam o interior da Pseudomonas com mais facilidade. Esse achado pode direcionar o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas, uma vez que identifica os mecanismos pelos quais os vírus combatem as bactérias. “Acreditamos que o uso combinado desses fagos com antibióticos ou com outros fagos pode ter resultados bastante promissores em doenças crônicas ou resistentes causadas por essa bactéria”, observa a autora.

A pesquisa também identificou diferenças importantes na atuação dos vírus, que podem favorecer a criação de tratamentos ainda mais eficazes. Durante os testes, o ZC03 levou cerca de 50 minutos para eliminar a bactéria e gerou uma média de dez novos vírus a cada célula bacteriana infectada. Já o ZC01 apresentou um intervalo de aproximadamente 1 hora e 40 minutos entre a aplicação e a ação, mas resultou em 87 novos vírus por célula infectada. “A escolha entre os dois fagos depende de testes adicionais. Por exemplo, apesar de se propagar menos, o ZC03 teve um desempenho melhor nos ensaios in vivo e o tempo de infecção e propagação pode ser diferente in vitro”, explica Layla Farage.

As conclusões do estudo têm o potencial de impactar a saúde pública a longo prazo e de impulsionar o desenvolvimento científico no combate à resistência bacteriana aos antibióticos. “Os próximos passos incluem realizar ensaios laboratoriais e in vivo com coquetéis de diferentes fagos e antibióticos. Misturas diversificadas tendem a resultar em maior eficiência terapêutica”, prevê Layla. Ela conclui destacando o objetivo de desenvolver combinações mais estáveis e promissoras, além de explorar estratégias que ampliem o alcance da fagoterapia e avaliar suas implicações.

O estudo completo pode ser acessado neste link: Phages ZC01 and ZC03 require type-IV pilus for Pseudomonas aeruginosa infection and have a potential for therapeutic applications

Mais informações: layla@iq.usp.br, Instagram do Cepid B3: @cepidb3

*Bolsista Mídia Ciência Fapesp na comunicação do Cepid B3

FONTE: Jornal da USP

Treinamento resistido traz benefícios a pessoas com dor lombar desde a primeira sessão

Pesquisador da USP destaca o treinamento resistido como uma alternativa promissora para o manejo da dor lombar crônica

A dor lombar crônica é, atualmente, uma das principais causas de incapacidade no mundo. Caracterizada pela dor e desconforto na região inferior das costas, a condição afeta não somente a qualidade de vida, mas também a capacidade funcional de milhões de pessoas. Além de limitações nas tarefas diárias, a dor lombar crônica pode levar ao afastamento do trabalho e gerar consequências socioeconômicas relevantes.

O treinamento resistido – prática de exercícios para melhorar a resistência do corpo – é apontado por vários pesquisadores como uma das estratégias promissoras para mitigar os problemas causados pela condição. Em sua tese de doutorado, Eduardo Borges, sob orientação do professor Júlio Cerca Serrão, verificou o nível de influência desse tipo de treinamento na melhora da dor, da incapacidade funcional e na ativação neuromuscular dos pacientes.

Participaram do estudo 31 voluntários de ambos os sexos, com idade entre 20 e 59 anos. Essas pessoas foram divididas em dois grupos, sendo que o primeiro participou de uma sessão única de treinamento. O restante realizou um programa contínuo de oito semanas, com duas sessões semanais.

Os resultados apontaram para benefícios desde a primeira sessão de exercícios. Após as oito semanas de treinamento resistido de leve intensidade, os voluntários apresentaram melhoras na mobilidade do tronco e alterações importantes, como a redução da incapacidade funcional e da dor.

Treinamento resistido: um protocolo promissor

De forma geral, o treinamento resistido é focado em criar resistência ao corpo. O objetivo é treinar para que o corpo não fique tão cansado ou dolorido após exercícios básicos, mesmo da vida cotidiana, como caminhar e subir escadas. Tem como ideia principal a resistência progressiva, e normalmente é realizado com a utilização de pesos ou elásticos. Por ser de baixo impacto, o treinamento resistido pode ser indicado e adaptado para a maioria das pessoas.

Para verificar sua eficácia no tratamento da dor lombar crônica, Borges propôs investigar se esse tipo de treinamento seria capaz de reduzir a incapacidade funcional de moderada para leve.

Exercícios realizados na sessão aguda – Foto: Reprodução / Trabalho original, cedido pela pesquisador da EEFE

Na sessão aguda (sessão de exercícios praticados de forma isolada), foram realizados os exercícios terra com barra hexagonal, extensão lombar no banco romano e abdominal.

Exercícios realizados no protocolo de oito semanas – Foto: Reprodução / Trabalho original, cedido pela pesquisador da EEFE

Já no protocolo contínuo de oito semanas, somados aos exercícios da sessão aguda, também foram realizados os exercícios supino e remada em máquina. Os voluntários realizavam 3×10 repetições nos exercícios multiarticulares e 2×10 nos uniarticulares.

Benefícios desde a primeira sessão

Os resultados do estudo revelaram que o treinamento resistido de baixa intensidade reduziu a dor, a incapacidade funcional e aumentou a força máxima desde a primeira sessão. Após oito semanas, o grupo experimental apresentou alterações significativas quando comparado com o grupo de controle. Além de uma redução ainda maior dos índices mencionados, o grupo também mostrou redução de dor afetiva, aumento da resistência muscular e amplitude de movimento do tronco.

Mulheres tendem a sofrer mais com a dor lombar crônica do que homens – Foto: Freepik

O pesquisador concluiu que o protocolo de treinamento resistido proposto é eficaz para o tratamento de pessoas com dor lombar crônica inespecífica. “No entanto, os parâmetros eletromiográficos analisados por nós não respondem o porquê dos efeitos positivos encontrados” enfatiza.

O estudo intitulado Influência de um programa de treinamento resistido para pessoas com dor lombar em parâmetros associados à incapacidade funcional, dor e ativação neuromuscular está disponível no banco de teses da USP e pode ser acessado na íntegra clicando aqui.

*Da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE, sob supervisão de Paula Bassi. Adaptado para o Jornal da USP

Mais informações: e-mail comunicaeefe@usp.br

FONTE: Jornal da USP

Cientistas descobrem nova via de incorporação do selênio em proteínas

Selenoproteínas estão associadas à morte celular por ferroptose; em pesquisas futuras, novo entendimento poderá ser aplicado para utilizar a ferroptose com fins terapêuticos no câncer ou, por outro lado, inibir esse tipo de morte celular e tratar uma doença neurodegenerativa

O selênio é um micronutriente com enorme importância para a saúde humana. Suas funções biológicas são associadas às selenoproteínas, que possuem selenocisteína em sua estrutura. As selenoproteínas geralmente estão envolvidas em funções químicas importantes nas células, como as realizadas pela enzima antioxidante vital glutationa peroxidase 4 (GPX4). Esta enzima protege os lipídios das membranas e inibe a ferroptose, tipo de morte celular que envolve a participação do ferro. Assim, o metabolismo da selenocisteína é essencial para a manter a função celular e permitir a vida.

Em uma publicação recente na revista Molecular Cell, uma equipe internacional de pesquisadores anunciou a descoberta de uma nova via para o metabolismo da selenocisteína, mediada pela enzima antioxidante peroxiredoxina 6 (PRDX6). Eles também encontraram uma associação entre níveis elevados de PRDX6 e um subtipo altamente agressivo de neuroblastoma, câncer cerebral, sugerindo que esse mecanismo pode ser explorado para induzir a morte por ferroptose em células tumorais.

Segundo os autores, este estudo avança o entendimento do metabolismo da selenocisteína e da biossíntese de selenoproteínas, ao revelar uma nova função para a PRDX6. “Até recentemente, acreditava-se que existisse apenas uma via para o metabolismo da selenocisteína. No entanto, para uma célula, ter vias paralelas é importante, pois, se ocorre, por exemplo, uma mutação na selenocisteína liase, a produção de selenoproteínas seria interrompida, tornando a célula mais sensível à ferroptose,” explicou um dos autores, Alex Inague.

Câncer e doenças neurodegenerativas

O neuroblastoma é um tumor que se desenvolve a partir de células do sistema nervoso e afeta principalmente crianças menores de 10 anos. Sua forma mais agressiva é dependente de um receptor da selenoproteína P (LRP8) para supressão da ferroptose e proliferação. Considerando essa dependência, os pesquisadores investigaram o efeito da PRDX6 no neuroblastoma.

Para isso, eles usaram um modelo de xenoenxerto, implantando células de câncer de pacientes em animais para induzir o crescimento tumoral. Células modificadas foram então implantadas na glândula adrenal dos animais. Aqueles com deleção de PRDX6 e SCLY apresentaram tumores reduzidos e sobreviveram por mais tempo em comparação com os animais com as enzimas intactas. Isso sugere que, sem a PRDX6 e a SCLY, a via do selênio fica comprometida, levando à redução da expressão de GPX4 nas células tumorais, que se tornam mais suscetíveis à ferroptose.

No entanto, ainda é prematuro propor a inibição de PRDX6 como abordagem terapêutica. Segundo os autores, são necessários mais estudos para determinar se a PRDX6 poderia servir como alvo para o desenvolvimento de medicamentos.

Por outro lado, impedir a ferroptose também pode ter potencial terapêutico. “Evidências sugerem que a ferroptose pode contribuir para a morte de neurônios motores na esclerose lateral amiotrófica (ELA). Então, é uma via que, se entendermos como acontece, podemos prevenir essa morte por ferroptose. Há dois lados, podemos induzir a ferroptose para fins terapêuticos no câncer ou prevenir a ferroptose e tratar uma doença neurodegenerativa. Então, a gente tenta explorar em ambos os sentidos,” afirmou Sayuri Miyamoto.

A pesquisa foi liderada por José Pedro Friedmann Angeli, da University of Würzburg, na Alemanha; Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química (IQ) da USP e membro do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma); e Hamed Alborzinia, do Heidelberg Institute for Stem Cell Technology and Experimental Medicine e do German Cancer Research Center. Inague realizou a pesquisa durante seu doutorado no IQ, sob a supervisão de Miyamoto, e completou um estágio no laboratório de Angeli. O estudo também envolveu os pesquisadores do Redoxoma Flavia Meotti e Luis E.S. Netto, da USP, além de colaboradores da Alemanha, Estados Unidos e Espanha.

Para saber mais, acesse o texto completo no site do Cepid Redoxoma.

*Da Assessoria de Comunicação do Cepid Redoxoma

FONTE: Jornal da USP

Queda de idosos é responsável por 10% das emergências hospitalares

Você sabia que a queda é a segunda causa de morte em idosos? De acordo com o Ministério da Saúde, em dez anos – de 2013 a 2023 – o aumento foi de quase 100%. Aqui no Brasil 10 mil pessoas com mais de 60 anos morrem por ano em decorrência de um tombo.

Recentemente fomos surpreendidos com um grande número de pessoas famosas, com mais de 60 anos, que foram vítimas de tombos e consequentes internações. Apesar da surpresa, isso é muito mais comum do que se possa imaginar: ainda segundo dados do Ministério da Saúde, 70% dos idosos sofrem algum tipo de acidente dentro de casa. Rosa Yuka Sato Chubaci, professora de Gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, explica que a queda pode ocorrer em qualquer momento da vida, mas, com o avançar dos anos, os idosos são as principais vítimas e os motivos são diversos, desde a falta de mobilidade até problemas de visão.

Os locais dos tombos são variados: escadas, telhados, lajes desprotegidas, além de quedas da própria altura, quando a pessoa desaba subitamente quando está em pé e sem apoio, mas o primeiro lugar continua sendo o banheiro, nele é onde ocorre o maior número de acidentes, e não apenas com os mais velhos, também acontece com os mais jovens. O tombo pode se dar quando a pessoa se senta ou levanta do vaso sanitário, por exemplo. A parte do corpo mais machucada é a cabeça, quase 14% dos que caíram foram hospitalizados por causa disso. “O piso molhado e escorregadio, a locomoção com dificuldade, normalmente arrastando os pés, são alguns dos motivos para as quedas”, explica a geriatra.

Emergência hospitalar

Ainda que na maioria das vezes não leve à morte instantânea, a queda de idosos é a razão de aproximadamente 10% das emergências hospitalares. A situação é mais complicada do que possa parecer, já que após a alta hospitalar o quadro do idoso dificilmente volta ao normal. Muitas vezes há restrição de mobilidade, ficando restrito ao uso de cadeira de rodas, bengala ou andador, dificuldade para realizar atividades do cotidiano, perda cognitiva, isolamento e até depressão.

A casa precisa ser adaptada para a terceira idade. Itens e lugares de risco devem ser evitados, como degraus, tapetes, camas altas e móveis com cantos. Rosa explica que “a instalação de barras de apoio, corrimão, portas largas e fáceis de abrir, assim como janelas, ajudam o dia a dia das pessoas com mais de 60 anos.

Quando o assunto são as ruas das cidades, o cuidado deve ser redobrado, principalmente com as calçadas. A especialista em envelhecimento diz que o Brasil não tem calçadas adequadas para a mobilidade na terceira idade. “A importância de existirem políticas públicas para ajudar os brasileiros que estiverem nessa faixa etária é de extrema importância e vão desde atividades culturais e esportivas até casas de convivência”, afirma.

A Universidade de São Paulo tem o Programa 60 +, criado há 30 anos por iniciativa da professora Eclea Bosi, seu principal objetivo sendo o de possibilitar ao idoso o aprofundamento de conhecimentos em áreas de seu interesse. Atendendo aos critérios da ONU e Unesco, prioriza-se a idade a partir de 60 anos.

FONTE: Jornal da USP

Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos exigem cautela antes de ser prescritos

Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos (MPI) têm se tornado uma preocupação crescente no mundo da medicina. Lincoln Marques, farmacêutico clínico e doutorando da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, explica que esses medicamentos, listados pela Sociedade Norte-Americana de Geriatria desde 1991, são atualizados a cada três anos e trazem riscos específicos para pacientes idosos. “Devemos ficar atentos à idade do paciente e saber se os medicamentos vão trazer mais risco do que benefício. A lista traz aqueles medicamentos que podem trazer mais risco para os pacientes que têm acima de 65 anos”, afirma.

Esses medicamentos incluem aqueles que podem provocar reações adversas significativas, dependendo do grupo do paciente, seja devido ao envelhecimento ou a alterações metabólicas. O especialista destaca que, embora muitos remédios sejam amplamente usados e considerados seguros, a idade avançada e o uso prolongado podem aumentar os riscos, exigindo uma avaliação cuidadosa antes da prescrição.

Consequências de cada medicamento

Além dos efeitos dos MPI, Marques fala sobre a importância da relação risco-benefício na medicina. A escolha de um medicamento não depende apenas de seu potencial para aliviar sintomas, mas também dos efeitos adversos e do perfil do paciente. “Quem prescreve é geralmente o médico, mas a avaliação, principalmente em hospitais, é feita também pelo farmacêutico. Ele também pode estar fazendo análise desse risco-benefício”, pontua.

Ele ainda informa que, na indústria, geralmente os testes desses medicamentos são feitos com pacientes saudáveis, e complementa: “Isso deixa de fora grupos vulneráveis, que seriam as crianças, as gestantes e também os idosos. E aí essa lista sempre traz, a cada três anos, os artigos e estudos que vão sendo publicados em outras populações, para saber que tipos de reações os pacientes estão tendo e, a partir disso, trazer quais são os potencialmente inapropriados”. Segundo o farmacêutico, os medicamentos da parte neurológica, como os para insônia, estão entre os que exigem mais atenção.

Situações específicas dos pacientes

A lista de MPI também é uma referência internacional e amplamente usada no Brasil. O doutorando observa que, com o avanço da idade, aumenta-se o número de medicamentos usados por um paciente, o que pode trazer riscos de interações medicamentosas. “Quando a pessoa vai envelhecendo, alguns desses medicamentos deixam de funcionar da forma mais adequada e quando nós vamos fazer a análise do uso desses medicamentos temos que fazer não só a partir das interações medicamentosas, mas também outras coisas, que seja a reação adversa ou saber se a pessoa tem uma função cognitiva, se ela vai estar sendo prejudicada através desses medicamentos ou não”, comenta.

Marques explica que alguns medicamentos, como os utilizados para colesterol, para terem uma maior efetividade, possuem um prognóstico de vida mais curto, de até no máximo dois anos. “Então, não teria necessidade de adicionar esse medicamento, de manter ele, já que não vai ter tanto benefício assim. Vai trazer mais risco, por exemplo, para os rins do paciente. Eles podem prejudicar. E aí, nós, a equipe de farmácia, em conjunto com a equipe médica, conversamos para conseguir tirar esse medicamento”, afirma.

Além da vigilância com medicamentos específicos, o farmacêutico destaca a importância da personalização do tratamento, considerando fatores como função cognitiva e capacidade de metabolização, que podem ser diferentes em pacientes idosos. Marques reforça que nem todos os medicamentos listados como MPI são proibidos, mas exigem monitoramento rigoroso.

O especialista também reforça a contraindicação da automedicação, sendo necessária a procura da orientação de um profissional adequado. “Mas nem todo médico, nem todo prescritor tem conhecimento dessa lista. Às vezes, ele acaba prescrevendo o medicamento. Por isso que é sempre bom o farmacêutico estar dando uma olhada, porque nós somos treinados para individualizar cada tratamento para cada paciente”, conclui.

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Tratamento contra hipertensão pode diminuir o risco de demência

Pesquisadores brasileiros que participaram da análise de pacientes em 15 países destacam potencial do programa de acompanhamento de diabete e hipertensão do SUS na prevenção da demência

Idosos que fazem tratamento com medicação para hipertensão têm menor risco de desenvolver demência do que aqueles que não se tratam. A conclusão é de uma análise que reuniu os dados de 17 estudos populacionais, abrangendo 34.519 participantes em 15 países, feita pelos cientistas do Cohort Studies of Memory in an International Consortium (Cosmic), grupo que estuda fatores de risco, proteção e biomarcadores do envelhecimento cognitivo e demência. O artigo com os resultados do trabalho foi publicado pela revista científica Neurology em 14 de agosto.

O Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) participou da pesquisa com o estudo populacional São Paulo Ageing & Health Study (SPAH), realizado com pessoas acima de 65 anos, o qual apontou que em 26,3% dos pacientes a hipertensão não era tratada. Os pesquisadores do IPq destacam o potencial do programa de acompanhamento de diabete e hipertensão do Sistema Único de Saúde (SUS), o Hiperdia, para demonstrar à população brasileira a importância da prevenção dessas doenças, como também da demência.

“A multimorbidade, ou seja, ter várias doenças crônicas ao mesmo tempo, é um problema de saúde cada vez mais frequente no Brasil e no mundo.

 Ela dificulta o tratamento, piora a qualidade de vida e aumenta o número de mortes prematuras”, afirma ao Jornal da USP a pesquisadora Marcia Scazufca, do IPq, uma das integrantes do grupo que elaborou o artigo.

“A hipertensão arterial sistêmica [HAS] ou ‘pressão alta’, além de ser a doença crônica mais prevalente entre adultos e idosos, é o fator de risco modificável mais importante para outras comorbidades, como distúrbios cardiovasculares e demência”.

Diante da inconsistência dos resultados, os pesquisadores associados ao Cosmic realizaram uma análise que combinou dados de 17 estudos populacionais, abrangendo 34.519 participantes residentes nos 15 países do consórcio (Estados Unidos, Brasil, Austrália, China, Coreia, Singapura, República Centro Africana, República do Congo, Nigéria, Alemanha, Espanha, Itália, França, Suécia e Grécia).

Prevenção

“O critério para a análise foi não ter demência na inclusão do estudo e ter diagnóstico confiável de hipertensão”, descreve a pesquisadora. “A avaliação de demência foi realizada pelo menos duas vezes, no começo e no seguimento do estudo, em média 4,4 anos após a análise inicial.”

Considerando todos os estudos, a maioria (58,4%) dos participantes eram mulheres e a idade média foi de 72,5 anos. “Como esperado, a prevalência de hipertensão foi alta, considerando todos os 17 estudos, chegando a 60,1%, cerca de dois terços dos participantes. As pessoas analisadas foram divididas em três grupos: 35,5% eram saudáveis, 50,3% tinham hipertensão e recebiam tratamento, 9,8% não se tratavam e 4,4% tinham diagnóstico inconclusivo”, relata Marcia Scazufca. “Participantes com hipertensão que não faziam tratamento com medicações anti-hipertensivas tiveram aproximadamente 42% maior risco de ter demência quando comparados a idosos que tinham hipertensão e recebiam tratamento. Este resultado foi observado para participantes de qualquer idade a partir dos 60 anos.”

A pesquisadora salienta que o estudo brasileiro de base populacional (SPAH) faz parte da análise feita pelo consórcio Cosmic, e contribuiu para as análises apresentadas no artigo. “O trabalho incluiu 2.072 pessoas com 65 anos ou mais, residentes em áreas de baixa renda da região oeste de São Paulo, algumas muito próximas do campus da USP na Cidade Universitária”, descreve. “Entre os participantes, 60,6% eram mulheres, aproximadamente 70% tinham entre 65 e 74 anos, 50% tinham renda de um e meio salário mínimo e 90% apresentavam até três anos de escolaridade.”

A prevalência de hipertensão no grupo de idosos analisado foi de 80,4% e, entre eles, aproximadamente três quartos faziam tratamento com medicação hipertensiva. “No entanto, um quarto dos idosos com hipertensão não fazia tratamento, que o artigo sugere como um dos muitos fatores ao longo da vida que aumentam o risco do desenvolvimento da demência”, destaca a pesquisadora. “Educar a população e os profissionais de saúde sobre as vantagens do tratamento da hipertensão, entre eles a prevenção da demência, é fundamental para melhorar a oferta e adesão aos tratamentos.”

A demência é uma doença crônica progressiva que ainda não tem tratamento. “A prevenção dos seus fatores de risco ainda é a melhor forma de prevenir ou retardar o seu início”, observa. “Apesar de uma minoria dos participantes do SPAH (26,3%) não estarem recebendo tratamento para hipertensão, eles estavam mais expostos a um fator de risco que poderia ser prevenido.”

“A educação em saúde, parte importante do Hiperdia, pode informar a população sobre a relevância do tratamento da hipertensão também para a prevenção da demência, além de outras doenças crônicas”, aponta. Para a pesquisadora, a educação em saúde é o primeiro passo para a população e os profissionais de saúde entenderem e aderirem a intervenções baseadas em evidências. “A principal mensagem deste artigo é que o tratamento da hipertensão é importante para a prevenção da demência em todas as fases da vida”, conclui a pesquisadora do IPq.

O estudo SPAH recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Wellcome Trust, instituição de apoio à pesquisa do Reino Unido. Os pesquisadores responsáveis pelo trabalho são Marcia Scazufca, Paulo Rossi Menezes, da FMUSP, e Homero Pinto Valada, da FMUSP e do IPq.

Mais informações: scazufca@usp.br, com Marcia Scazufca

FONTE: Jornal da USP

Treino físico pode recuperar funções do fígado em idosos

Combinação de exercícios aeróbicos e de força restaurou a expressão do gene Bmal1 que estava diminuída no fígado de camundongos idosos

Uma pesquisa recente, publicada na revista científica Life Sciences, mostra que, em camundongos idosos, além de força, coordenação e equilíbrio, a rotina de exercício físico melhora a sensibilidade à glicose e restaura a expressão do gene Bmal1, uma das proteínas mais importantes do ciclo circadiano (o “relógio biológico”). No fígado, ela controla a glicose, o colesterol e o metabolismo dos ácidos graxos.

O estudo, conduzido em animais, reuniu pesquisadores das três universidades públicas paulistas, USP, Unesp e Unicamp, além da norte-americana Tufts University (Massachusetts), para analisar os efeitos do envelhecimento e do exercício físico nos genes e proteínas do fígado envolvidos no ciclo circadiano, que tende a ficar menos eficiente com a idade avançada.

Ao falar sobre o ritmo circadiano, Ana Paula Pinto, pesquisadora que atua junto ao professor Adelino Sanchez Ramos da Silva, da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, explica que se trata de uma espécie de relógio localizado no cérebro que regula diversas funções do corpo durante as 24 horas do dia. Esse relógio responde aos períodos de luz e de escuridão, ajustando temperatura corporal, sono e secreções hormonais, entre outras funções. Nos idosos, esse sistema pode se alterar oferecendo “risco aumentado de doenças como a hipertensão, que é a pressão alta, e diabete”.

Como resultado mais expressivo da pesquisa, a equipe verificou que o envelhecimento diminuiu os níveis do gene Bmal1, que, depois, foram restaurados pelo treinamento físico. O que significa dizer, argumenta Ana Paula, que a atividade física contribui para a regulação adequada do ritmo circadiano, ajustando as funções biológicas do fígado. Outro ponto de destaque do trabalho foi verificar que o exercício físico pode evitar a degeneração das células hepáticas, prevenindo doenças do envelhecimento, como diabete, por exemplo.

O fígado é um órgão central do metabolismo e a Bmal1 “uma das proteínas mais importantes do ciclo circadiano que, no fígado, regula genes responsáveis pelo controle da glicose, síntese de colesterol e metabolismo dos ácidos graxos”, continua a pesquisadora, destacando que a Bmal1 se junta com outra proteína, chamada Clock, para formar “um complexo que se liga ao DNA e ativa a transcrição de outros genes que regulam o ritmo circadiano, que é controlado por genes ‘relógio’ e suas proteínas associadas”. A ativação desses genes e proteínas regula atividades biológicas responsáveis por diversas funções metabólicas, como sono e fome.

Recuperação de proteínas e células degeneradas

Os pesquisadores escolheram o exercício físico combinado (atividade aeróbica e de força) para o treinamento dos animais de laboratório: idosos com 24 meses de vida. O motivo, explica Ana Paula, é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que os adultos com 65 anos ou mais realizem, semanalmente, 150 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada ou 75 minutos de intensidade vigorosa, bem como dois ou mais dias de atividade de fortalecimento muscular.

Experimentos mostraram que camundongos idosos treinados aumentaram força, coordenação e equilíbrio, melhoraram a sensibilidade à glicose e restauraram os níveis da Bmal1 e dos fatores de transcrição mitocondrial – Gráfico cedido por: Ana Paula Pinto

 

Foram utilizados camundongos idosos (24 meses) e camundongos jovens (6 meses), todos divididos em dois grupos, os sedentários e aqueles que passaram pelo protocolo de treinamento combinado: três dias de exercícios aeróbios (corrida na esteira) e dois dias de exercício de força (subir escada com peso). O treino foi semanal e aplicado por três semanas seguidas.

Ao final do experimento, o fígado dos animais foi removido e submetido a múltiplas análises que identificaram a expressão de genes e proteínas específicas. Além disso, para efeito de comparação, foram analisados também dados públicos de um conjunto de fígados humanos de diversas idades e condições clínicas. Os cientistas analisaram também um modelo experimental de camundongos knockout Bmal1 (animais sem a presença desse gene).

Entre os resultados, a equipe de pesquisadores verificou que os camundongos idosos sedentários apresentaram menor força, coordenação e equilíbrio, bem como diminuição da proteína Bmal1 e presença de células hepáticas degeneradas. Já os idosos treinados aumentaram força, coordenação e equilíbrio, melhoraram a sensibilidade à glicose e restauraram os níveis da Bmal1 e dos fatores de transcrição mitocondrial (genes e proteínas para avaliar a função e integridade das mitocôndrias, fonte de energia celular).

A análise dos mesmos indicadores nos dados humanos mostrou forte relação com doenças hepáticas específicas, não apenas com o envelhecimento. Segundo Ana Paula, provavelmente as alterações observadas nos órgãos dos animais, provocadas pelos exercícios físicos, podem depender de treinamento de longo prazo.

Prevenção de doenças hepáticas

O envelhecimento está associado a grandes alterações estruturais no funcionamento do fígado, como as da homeostase das células do órgão, isto é, às mudanças nos processos fisiológicos coordenados e ajustados pelo fígado ao longo do dia, processos estes responsáveis pelo funcionamento normal do organismo.

O estudo mostra efeitos benéficos da prática de atividade física para o fígado, reduzindo a gordura hepática, contribuindo para o controle glicêmico e para a redução dos danos celulares e das disfunções fisiológicas causadas pelo envelhecimento.

Desta forma, a pesquisadora diz que o treinamento físico combinado representa um fator de prevenção de doenças do fígado, como a esteatose hepática, também conhecida como doença hepática gordurosa ou gordura no fígado. A manutenção da boa saúde do fígado é fundamental para o funcionamento do organismo como um todo, afinal, esse órgão desempenha diversas funções no corpo (como citado acima).

Restauração de parte da força perdida com a idade

A prática de exercícios físicos é, sabidamente, importante para manter uma vida saudável em todas as idades. Para idosos, a OMS recomenda prática de, pelo menos, 150 a 300 minutos semanais de atividade aeróbica moderada ou 75 a 150 minutos semanais, de aeróbica intensa, como forma de ajudar a evitar diversos problemas de saúde, entre elas, doenças cardíacas, obesidade e diabete.

Ana Paula lembra ainda que, de acordo com inúmeros estudos, os exercícios beneficiam a performance física dos idosos: equilíbrio, coordenação motora e força, por exemplo, confirmando que a atividade física é capaz de restaurar parte da força perdida por conta do envelhecimento. Os exercícios de resistência podem recuperar parte da massa muscular esquelética que é perdida com a idade, promovendo qualidade de vida, maior longevidade e independência. Como exemplo desse impacto na melhora da condição física, Ana Paula lembra da redução do número de quedas, uma das principais razões das fraturas ósseas em idosos.

Nos laboratórios da EEFERP, o estudo foi desenvolvido pela equipe do professor Silva, com destaque para Ana Paula e seu colega de pós-doutorado, o pesquisador Vitor Rosetto Munõz, que investiga as alterações metabólicas no processo de envelhecimento e as relações com o exercício físico.

Mais informações: anapp_5@usp.br, com Ana Paula Pinto

*Estagiário sob orientação de Rita Stella

FONTE: Jornal da USP