Proteína klotho combate neuroinflamações e o envelhecimento

Uma pesquisa do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP demonstrou, pela primeira vez, o efeito anti-inflamatório e neuroprotetor da proteína klotho em neurônios de camundongos recém-nascidos. Essa molécula age tanto no conjunto de células que protegem os neurônios, reduzindo a toxicidade do meio, quanto inibindo a atuação das substâncias inflamatórias liberadas.

É difícil avaliar como todos esses agentes atuam em um animal vivo, mas são correlações que sugerem um possível vínculo de causalidade. O modelo revela uma ação pontual, mas existe uma conexão muito grande entre a klotho e a prevenção de doenças neurodegenerativas. Para serem produzidos medicamentos baseados nesses estudos, entretanto, é necessário avaliar também a atuação da proteína no longo prazo e seus possíveis efeitos colaterais.

A klotho é uma molécula que pode ser encontrada tanto em volta das membranas celulares quanto em forma solúvel, como no sangue. Ela é comumente associada ao rim: os ossos liberam um hormônio cujos receptores das células do rim se juntam à proteína. Essa interação libera a vitamina D.

Estudos mais recentes indicam também que a molécula tem um papel importante no sistema nervoso central, sendo que a falta dela está relacionada ao envelhecimento dos neurônios. A descoberta desse mecanismo foi documentada em 1997. Desde então, a função da proteína no cérebro ainda não foi totalmente compreendida, mas sabe-se que a injeção dela em animais já apresentou bons resultados. Por isso, ela é tida como uma espécie de “elixir da juventude”, na medida em que alimenta e protege os neurônios das adversidades do tempo. Caso estudos futuros confirmem o seu papel na produção de novos neurônios, ela poderá ser usada como um suporte para evitar doenças neurodegenerativas e psiquiátricas.

“A klotho se constitui numa proteína com uma perspectiva muito promissora de ter um efeito interessante em processos degenerativos ou em doenças neurológicas e neuropsiquiátricas cujo componente inflamatório é um fator que tem um papel muito importante. Hoje a gente sabe que [a falta dela] está envolvida na depressão, na psicose e em uma série de transtornos”, aponta ao Jornal da USP o professor do ICB Cristoforo Scavone, coordenador do estudo.

Autores do artigo Neuroprotective action of α‑klotho against lipopolissacarídeo‑activated glia conditioned medium in primary neuronal culture, Vinicius Nakao e Caio Henrique Mazucanti, ex-alunos da pós-graduação do ICB, inicialmente procuraram entender se a proteína realmente tinha a capacidade de proteger as células do cérebro de doenças neurodegenerativas. Para isso, as células que protegem e interagem com os neurônios, cultivadas em frascos, foram provocadas com lipopolissacarídeos na presença e na ausência da klotho. Os lipopolissacarídeos são componentes das paredes das células de bactérias gram-negativas que provocam uma rápida resposta do sistema imunológico, causando inflamação das células.

Feito isso, as substâncias liberadas foram recolhidas e adicionadas aos frascos que continham somente neurônios. Neste experimento, os cientistas constataram que foram liberadas mais moléculas inflamatórias que provocam a morte de neurônios quando as demais células do sistema nervoso não eram tratadas com a klotho. Isso é importante porque a presença de uma inflamação crônica é justamente a resposta imunológica exagerada responsável pela degeneração dos neurônios. Sem a inflamação, há menor chance de desenvolver doenças como Alzheimer e Parkinson, que ocorrem em geral em idosos.

Na segunda etapa, tentou-se verificar se esse resultado ocorria por conta da interação da proteína com as células que revestem os neurônios ou se a molécula estudada também interagia diretamente com o meio produzido. Para isso, foram coletadas as substâncias inflamatórias na ausência da klotho e adicionadas aos neurônios. A molécula, dessa vez, foi adicionada somente nessa fase, ao mesmo tempo em que deixava de ser adicionada em um outro recipiente idêntico para que fossem comparados. Com isso, concluiu-se que a klotho também protegia os neurônios da toxicidade produzida pelo meio.

Sabe-se que os exercícios físicos e a boa alimentação estimulam a produção de neurônios, fortalecendo a saúde de uma maneira geral. Ocorre que, no envelhecimento, há uma inflamação sistêmica crônica e é esse fator que está associado aos déficits cognitivos e às doenças neurológicas. Por isso, quando produzida em quantidades suficientes, a klotho tem um efeito protetor contra essas doenças e alguns tipos de lesões cerebrais.

Envelhecimento

Durante sua carreira, o professor Cristoforo Scavone, do ICB, se interessou por estudar as bases moleculares associadas às doenças neurodegenerativas, procurando entender por que essas doenças ocorrem no envelhecimento e por que algumas pessoas conseguem envelhecer de forma mais saudável.

Junto à professora Regina Markus, ele estudou o envelhecimento através de marcadores observados em laboratório. Nesse percurso, notou-se que os pacientes de diálise tinham um déficit cognitivo e que havia alguns sinais característicos nas amostras de sangue dessas pessoas, como o estresse oxidativo. A partir dessa pista, ele passou a fazer testes em animais.

Scavone procurou modelos que pudessem estar associados ao envelhecimento, passando a estudar a proteína klotho. Na época, fez um estudo relacionando a doença renal crônica com o desenvolvimento de déficit cognitivo associado à neuroinflamação e constatou que essa proteína estava em menor concentração nesses casos. Isso tinha correlação com o aparecimento desses déficits, como perda de memória e demência.

Ao longo dos anos, constatou-se que o ácido glutâmico e a modulação da insulina provocam liberação de klotho do neurônio, que, por sua vez, estimula a formação de lactato astrocitário. O lactato, por sua vez, pode ser usado pelas células neuronais como substrato metabólico.

Alguns processos fisiológicos e patológicos dificultam a produção da klotho, como doenças do envelhecimento e danos renais. Ratos com hipertensão espontânea, cujo rim foi removido ou com diabete tipo 1, por exemplo, tiveram a produção da proteína diminuída, o que leva a aumentar a toxicidade no organismo.

Antienvelhecimento

A klotho é uma proteína antienvelhecimento que protege as células renais, inibindo a produção de citocinas inflamatórias, uma resposta imunológica nociva, e a formação de necrose tumoral.

Evidências sugerem que a molécula está associada às membranas das células dos rins. As formas solúveis da proteína, porém, podem ser encontradas em fluidos como o sangue, a urina e o líquido presente no cérebro.

Existem estudos que mostram a ação protetora da klotho em células renais. O trabalho publicado teve como objetivo avaliar os efeitos da molécula em células cerebrais de camundongos isoladas. O meio condicionado foi usado para induzir à morte dos neurônios e avaliar se a molécula estudada poderia reverter o efeito.

As células utilizadas foram colhidas de animais recém-nascidos, menos resistentes que células tumorais produzidas artificialmente, que são utilizadas em outros estudos. Por meio delas, é possível observar uma situação fisiológica normal, não alterada. Quando células tumorais são usadas, há mudanças genéticas e alterações nas respostas.

O procedimento foi realizado seguindo as diretrizes Animal Research: Reporting of In Vivo Experiments (Arrive), que se assemelham ao Princípio Ético em Pesquisa Animal adotado pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Concea) e foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal (CEEA) do ICB.

Os neurônios foram mantidos por duas semanas em um suplemento de meio neurobasal. Passados quinze dias, as células foram tratadas com proteínas klotho sintetizadas.

Mais informações: e-mail criscavone@usp.br, com Cristoforo Scavone

Texto: Ivan Conterno
Arte: Guilherme Castro

FONTE: Jornal da USP

Pequena proteína reduz níveis de açúcar, gera patente e pode ser aliada no combate à diabete

Sintetizado a partir de substância produzida no sangue, o peptídeo Ric4 reduz níveis de açúcar no organismo, e, futuramente, poderá ser usado em medicamentos para controle da diabete

Uma pequena proteína cuja origem são as células do corpo humano pode ter um grande papel no controle da diabete. Em pesquisa com participação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, cientistas descobriram que o peptídeo Ric4, sintetizado a partir de uma proteína produzida pelas células sanguíneas, aumentou a sensibilidade à insulina e reduziu a glicemia, ou seja, o nível de açúcar no sangue. Os estudos sobre a estrutura e as propriedades do Ric4, realizados em animais, geraram uma patente que, no futuro, poderá dar origem a medicamentos para tratar a diabete, e que sirvam de alternativa à terapia com insulina.

Os resultados do trabalho são mostrados em artigo publicado no site da revista científica Pharmaceuticals, no último dia 16 de dezembro. A diabete tipo 2 acontece quando o corpo desenvolve resistência à insulina, responsável por processar o açúcar no organismo e levá-lo às células, o que aumenta a concentração de açúcar na corrente sanguínea.

“Há alguns anos, nosso laboratório desenvolveu um teste em modelo animal que encontrou alterações em um grupo de peptídeos intracelulares (InPeps), que são pequenas proteínas produzidas no interior das células, normalmente a partir de proteínas maiores”, explica ao Jornal da USP o professor Emer Ferro, do ICB, coordenador do estudo. “Os animais testados apresentaram maior sensibilidade à insulina e, consequentemente, maior captação de glicose e glicemia reduzida. Nossa hipótese era de que isso aconteceu devido às alterações nos níveis de InPeps.”

Emer Suavinho Ferro – Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

Em seguida, os pesquisadores sintetizaram quimicamente em laboratório quatro peptídeos, que foram denominados Ric1, Ric2 e Ric3 e Ric4. “O Ric 1 e o Ric2 foram identificados no músculo gastrocnêmio (batata da perna) e são derivados da proteína troponina I; o Ric3 foi encontrado no tecido adiposo epididimal (na região do púbis), produzido a partir da proteína de ligação acil-CoA, e o Ric4 é derivado da subunidade alfa da hemoglobina, proteína existente no sangue”, descreve o professor. “Nosso objetivo foi identificar se algum desses peptídeos poderia reproduzir farmacologicamente a maior sensibilidade à insulina e à glicemia reduzida observada nos animais.”

Captação de Glicose

“Caso isso acontecesse, poderíamos identificar um novo peptídeo que poderia ser usado no tratamento de pacientes diagnosticados com pré-diabete ou diabete tipo 2, que possuem elevados níveis de glicose e não respondem à insulina”, relata Ferro. “Foram realizados testes de viabilidade celular em cultura de células, de avaliação do efeito dos peptídeos nos níveis de expressão de proteínas específicas (Western Blotting), de estabilidade enzimática, de expressão gênica (PCR), de captação de glicose em tecidos animais e culturas de células de camundongos, e de tolerância e transporte de glicose, em células e modelos animais.”

Pesquisas sobre a estrutura e as propriedades do peptídeo Ric4 e seus derivados geraram uma patente que pode ser aproveitada futuramente na pesquisa e criação de  novos medicamentos para tratar a diabete tipo 2, e que sirvam de alternativa à terapia com insulina; na imagem, profissional da saúde medindo glicose de paciente – Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

A pesquisa verificou que dois derivados do peptídeo Ric4 (Ric4-2 e Ric4-15) possuem ação hipoglicemiante, isto é, induzem a captação de glicose e reduzem a glicemia em animais após administração oral. “As análises sugerem que o peptídeo se liga ao receptor de insulina para induzir a captação de glicose, de forma independente da insulina, esta última também um peptídeo, aumentando sua sensibilidade”, aponta o professor do ICB. “Modificações estruturais do Ric4 natural, que geraram o Ric4-2 e o Ric4-15, reduziram sua degradação por enzimas digestivas, sem prejudicar a ação farmacológica. Em resumo, peptídeos como o Ric4 podem exercer ação similar à insulina e podem ser úteis no tratamento de pacientes com diabete tipo 2.”

De acordo com Ferro, apesar da significância biológica e farmacológica, as possíveis aplicações clínicas do Ric4 ainda merecem mais investigações. “O estudo indica que pacientes com pré-diabete ou diabete tipo 2, que têm hiperglicemia resistente à insulina, poderiam ser tratados com Ric4 ou com seus análogos, Ric4-2 e Ric4-15. Porém, ensaios adicionais precisam ser realizados para avaliar a potência do peptídeo em reduzir a glicemia de portadores de diabete tipo 2”, destaca Ferro. “Nosso trabalho reforça a perspectiva que os peptídeos podem manter sua atividade farmacológica após administração oral, ‘quebrando’ o dogma que dentro do corpo eles são imediatamente degradados por enzimas digestivas.”

Além da publicação do artigo, um pedido de patente do peptídeo Ric4 foi depositado junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pela Agência USP de Inovação (Auspin) e pela INOVA, Agência de Inovação da Unicamp. “Embora o pedido tenha sido depositado em maio de 2018, nenhuma empresa até o momento se interessou em licenciar a patente do Ric4 para desenvolvimento de um fármaco alternativo à insulina para o tratamento da diabete tipo 2”, conclui o professor.

O trabalho teve a participação dos pesquisadores Renée Silva, Ricardo Llanos, Rosangela Eichler e do professor Emer Ferro, do Departamento de Farmacologia do ICB,  do pesquisador Thiago Oliveira e do professor William Festuccia, do Departamento de Fisiologia do ICB, e do professor Fabio Gozzo, do Instituto de Química da Unicamp.

Mais informações: e-mail eferro@usp.br, com o professor Emer Ferro

Por: Júlio Bernardes

Arte: Ana Júlia

FONTE: Jornal da USP