Artigo publicado na revista científica The Lancet aponta a diabete tipo 2, ou seja, aquela adquirida ao longo da vida, como um problema de saúde pública global; desigualdades sociais aceleram a crise, na medida em que três em cada quatro dos afetados viverão em países de baixa e de média renda. O estudo também traça uma perspectiva de que 1,3 bilhão de pessoas irão contrair a doença até 2050, com maior tendência para os jovens.
Maria Elizabeth Rossi, professora da Faculdade de Medicina da USP, endocrinologista do Hospital das Clínicas e chefe do Laboratório de Investigação Médica da FMUSP, ressalta a importância da contribuição do paciente com o tratamento e mudança de hábitos para um melhor resultado. “Diabete é a doença do século, porque tem opção terapêutica e tem opção de prevenção, mas isso implica acesso maior à informação no sentido de informar, chamar atenção e orientar”, considera a professora.
Fatores
De acordo com o estudo, a frequência de pessoas que foram diagnosticadas com a patologia aumentou em 100% nos últimos 30 anos e a perspectiva é de repetição dessa alta até 2050. Além do impacto no sistema de saúde apontado pela médica, a projeção é preocupante por se tratar de uma patologia que implica inúmeras incapacidades do organismo, comprometendo muito a qualidade de vida. “A diabete pode levar ao alto risco de doença cardiovascular, é a principal causa de cegueira em adultos e é uma das principais causas da necessidade de hemodiálise ou de transplante renal”, pontua Maria Elizabeth.
Esse cenário alarmante foi ocasionado por uma série de fatores e a professora chama a atenção para o quadro assintomático dos dez ou 15 primeiros anos da doença, que podem impactar o tratamento adequado, caso não sejam feitos exames de rotina. Assim, a professora estabelece um importante paralelo entre o estilo de vida e o desenvolvimento da patologia. “Por exemplo, a obesidade é o fator mais importante no desencadeamento da diabete e no Brasil tem-se observado um quadro muito parecido: nos últimos 20 anos, a frequência de obesidade na população dobrou e a frequência de diabete seguiu na mesma linha”, menciona a médica.
O perfil da dieta dos brasileiros também se relaciona com o aumento na frequência de casos, visto que, mesmo com o quadro de insegurança alimentar, grande parte da alimentação tem alto nível calórico, mas baixo valor nutricional. “Nosso prato preferido, que é o arroz, feijão, uma verdura e uma carne tem sido deixado de lado e substituído por alimentos açucarados que não cumprem essas necessidades nutricionais”, nota Maria Elizabeth.
Desigualdade e diabete
Um quadro social dos afetados ou mais vulneráveis à doença também é percebido pela professora, já que a dieta é muito influenciada pelo tempo disponível para o preparo da alimentação. Maria Elizabeth comenta que, por exemplo, aqueles que cumprem uma jornada de trabalho maior possuem menos tempo para o preparo de uma refeição mais adequada. Além disso, o próprio estresse de uma condição social mais vulnerável também pode contribuir para o desencadeamento da doença.
O estigma também se relaciona diretamente com o tratamento da diabete, já que, muitas vezes, a doença é vista como um empecilho e até mesmo um fator excludente do mercado de trabalho. “Muitos pacientes escondem que eles têm diabete porque eles têm receio de perder o emprego ou não vão buscar o atendimento médico, porque isso implica perder um dia de trabalho”, exemplifica a médica.
Além da maior dificuldade no acesso aos medicamentos e tratamentos pelos países de baixa renda, o nível de escolaridade também é visto como crucial para o enfrentamento da diabete. Segundo Maria Elizabeth, a maior disponibilidade de informações sobre a doença favorece uma melhor prevenção e combate à diabete.
Ações
Para o enfrentamento da patologia, a médica explica que cerca de 80% do tratamento parte da mudança de hábitos do paciente e a parte restante corresponde aos medicamentos. No Brasil, já é possível notar um grande suporte da saúde pública com medicamentos e do Sistema de Saúde Pública, apesar de não haver acesso a novas opções terapêuticas. Assim, a professora acredita que seja necessário um novo olhar para a educação da população sobre o assunto e, acima de tudo, sobre a possibilidade de prevenção à diabete.
FONTE: Jornal da USP