Grupo da USP mapeia variantes genéticas associadas ao câncer de pâncreas em pacientes brasileiros

O câncer de pâncreas entrou recentemente no rol das estatísticas divulgadas periodicamente pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca). Embora não esteja entre os tipos de câncer que ocorrem com mais frequência no Brasil, a alta letalidade faz dele uma das principais causas de morte pela doença no País e o diagnóstico tardio é um dos fatores que concorrem para essa situação.

“O que chama a atenção é a ausência de dados sobre a doença, não apenas no Brasil, mas na América Latina toda. Não há estudos sobre câncer de pâncreas com a população brasileira porque sua incidência é baixa em nosso país, se comparada a outros tumores, como de mama ou de pulmão. Entretanto, é o tipo com maior índice de fatalidade e mata muito rapidamente”, lamenta Lívia Munhoz Rodrigues, doutora em Oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

 

Os cientistas buscaram alterações em 113 genes de câncer, por meio do sequenciamento de DNA genômico - Foto: Wikipédia - Via FAPESP

Os cientistas buscaram alterações em 113 genes de câncer, por meio do sequenciamento de DNA genômico – Foto: Wikipédia – Via FAPESP

Junto com uma equipe que reúne integrantes do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), do Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e Reabilitação da FMUSP e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), Lívia Rodrigues realizou um estudo pioneiro com 192 portadores de adenocarcinoma pancreático – o tipo mais comum de tumor no pâncreas – atendidos no Icesp pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os cientistas buscaram alterações em 113 genes de câncer (os chamados oncogenes, que podem causar a doença quando sofrem mutações ou são ativados de forma anormal) por meio do sequenciamento de DNA genômico. São variações (ou PGVs, sigla em inglês para variantes germinativas patogênicas) que as pessoas podem herdar dos seus ascendentes.

Descobriram que 6,25% da amostragem (12 pacientes) era portadora de PGVs em genes já reconhecidos como sendo de predisposição ao câncer de pâncreas, enquanto 13% (25 pacientes) eram portadores de PGVs em genes com associação limitada ou não previamente associados à doença.

“Não fizemos uma pré-seleção da amostragem por histórico familiar da doença, e esse é um dos diferenciais do nosso estudo. Além disso, foram incluídos pacientes nascidos em quase todas as regiões do País, exceto a Norte. Foram 123 pacientes nascidos no Sudeste; 55 no Nordeste; sete no Sul, quatro no Centro-Oeste e três estrangeiros.” A amostragem incluiu pacientes atendidos de 2018 a 2022.

O trabalho foi publicado recentemente na revista Scientific Reports e teve o apoio da Fapesp.

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“O mais interessante do nosso trabalho ter sido feito no Brasil foi avaliar uma população nunca antes estudada e encontrar alterações em genes ainda pouco associados ao câncer de pâncreas. Talvez estejam relacionados à doença, mas não podemos dizer com certeza, ainda. São necessários mais estudos”, adianta Maria Aparecida Azevedo Koike Folgueira, professora do Departamento de Radiologia e Oncologia da FMUSP.

Ela revela que, entre esses genes pouco associados à doença, há dois muito interessantes, que fazem a proteção do telômero, a extremidade dos cromossomos. “São dois genes que podem estar associados ao melanoma, não achamos nada ainda relativo ao câncer de pâncreas. Temos de ir mais a fundo.”

Panorama do câncer de pâncreas no Brasil, com destaque para fatores genéticos e de hábitos de vida que estão relacionados à doença – Gráfico: BioRender com dados do artigo

O artigo Prevalence of germline variants in Brazilian pancreatic carcinoma patients pode ser lido aqui.

*Da Agência Fapesp, adaptado para o Jornal da USP 

FONTE: Jornal da USP

Vírus poderá ser usado em tratamento contra bactéria que causa infecções hospitalares

Avançam estudos com vírus bacteriófagos, que podem ser aliados na luta contra infecções de tratamento difícil causadas pela bactéria “Pseudomonas aeruginosa”

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Biologia de Bactérias e Bacteriófagos (Cepid B3), sediado na USP, avançaram no estudo da fagoterapia, técnica que utiliza vírus específicos para tratar infecções bacterianas. Em um estudo publicado na revista Microbiology Spectrum, a equipe investigou a interação entre duas variedades desses vírus e a bactéria Pseudomonas aeruginosa, reconhecida por causar infecções graves em diferentes organismos – entre as principais causadoras de infecções hospitalares. Os resultados oferecem novas perspectivas para a aplicação da fagoterapia e reforçam o papel dessa alternativa terapêutica no combate às infecções bacterianas resistentes a antibióticos.

A bactéria Pseudomonas aeruginosa é responsável por uma série de infecções em plantas e animais. Em humanos, o tratamento mais comum para os quadros clínicos causados por ela, como infecções urinárias, de pele e pulmonares, depende do uso de antibióticos. No entanto, a crescente perda de sensibilidade dessa bactéria aos medicamentos disponíveis, somada à falta de novas opções terapêuticas, representa um grande desafio no manejo clínico. É nesse contexto que se torna vantajosa a adoção de terapias alternativas, como a fagoterapia — que utiliza vírus que infectam bactérias, os fagos, ou bacteriófagos, para inibir a sobrevivência e a multiplicação bacteriana.

“Os fagos têm a capacidade de evoluir, o que lhes permite se adaptar às estratégias de resistência das bactérias e possibilita uma solução para lidar com mutações nessas linhagens”, explica Layla Farage, uma das autoras do estudo e pesquisadora do Cepid B3, no Instituto de Química (IQ) da USP. “Além disso, essa terapia é bastante específica, atingindo apenas as bactérias causadoras da infecção, sem afetar os microrganismos, muitas vezes benéficos, da microbiota [conjunto de microrganismo que habitam um indivíduo]”, complementa a pesquisadora.

Para compreender os mecanismos que regem à interação entre essa espécie e dois tipos de bacteriófagos (ZC01 e ZC03), além de explorar o potencial terapêutico desses vírus, os pesquisadores aplicaram os fagos individualmente em larvas de traça-da-cera infectadas por Pseudomonas, avaliando o efeito do experimento na sobrevivência e na multiplicação da bactéria.

A equipe investigou quais proteínas são expressas pelos bacteriófagos durante a interação com a bactéria, visando a elucidar seu mecanismo de ação no combate ao microrganismo, e testou a estabilidade dos fagos em diferentes condições, incluindo variações de temperatura, acidez, exposição à luz ultravioleta e a presença do anestésico clorofórmio. “O objetivo do nosso grupo é entender profundamente como os fagos são, como funcionam e se relacionam com os hospedeiros e o meio ambiente, para que possamos, no futuro, contribuir com a aplicação segura da fagoterapia”, destaca Layla Farage.

 

Micrografias de transmissão eletrônica de partículas purificadas dos fagos ZC01 e ZC03 – Imagem Reprodução do artigo

Os resultados revelaram que a aplicação de ambos os fagos aumentou significativamente a sobrevivência das larvas infectadas. Os fagos apresentaram viabilidade em temperaturas de até 37°C, comum em um organismo humano saudável, e pH de 7,5, considerado ideal para fagos terapêuticos.

A análise genética desses vírus ainda apontou para a existência de uma proteína especial capaz degradar a parede celular bacteriana, ou seja, permitir que esses vírus atinjam o interior da Pseudomonas com mais facilidade. Esse achado pode direcionar o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas, uma vez que identifica os mecanismos pelos quais os vírus combatem as bactérias. “Acreditamos que o uso combinado desses fagos com antibióticos ou com outros fagos pode ter resultados bastante promissores em doenças crônicas ou resistentes causadas por essa bactéria”, observa a autora.

A pesquisa também identificou diferenças importantes na atuação dos vírus, que podem favorecer a criação de tratamentos ainda mais eficazes. Durante os testes, o ZC03 levou cerca de 50 minutos para eliminar a bactéria e gerou uma média de dez novos vírus a cada célula bacteriana infectada. Já o ZC01 apresentou um intervalo de aproximadamente 1 hora e 40 minutos entre a aplicação e a ação, mas resultou em 87 novos vírus por célula infectada. “A escolha entre os dois fagos depende de testes adicionais. Por exemplo, apesar de se propagar menos, o ZC03 teve um desempenho melhor nos ensaios in vivo e o tempo de infecção e propagação pode ser diferente in vitro”, explica Layla Farage.

As conclusões do estudo têm o potencial de impactar a saúde pública a longo prazo e de impulsionar o desenvolvimento científico no combate à resistência bacteriana aos antibióticos. “Os próximos passos incluem realizar ensaios laboratoriais e in vivo com coquetéis de diferentes fagos e antibióticos. Misturas diversificadas tendem a resultar em maior eficiência terapêutica”, prevê Layla. Ela conclui destacando o objetivo de desenvolver combinações mais estáveis e promissoras, além de explorar estratégias que ampliem o alcance da fagoterapia e avaliar suas implicações.

O estudo completo pode ser acessado neste link: Phages ZC01 and ZC03 require type-IV pilus for Pseudomonas aeruginosa infection and have a potential for therapeutic applications

Mais informações: layla@iq.usp.br, Instagram do Cepid B3: @cepidb3

*Bolsista Mídia Ciência Fapesp na comunicação do Cepid B3

FONTE: Jornal da USP

Treinamento resistido traz benefícios a pessoas com dor lombar desde a primeira sessão

Pesquisador da USP destaca o treinamento resistido como uma alternativa promissora para o manejo da dor lombar crônica

A dor lombar crônica é, atualmente, uma das principais causas de incapacidade no mundo. Caracterizada pela dor e desconforto na região inferior das costas, a condição afeta não somente a qualidade de vida, mas também a capacidade funcional de milhões de pessoas. Além de limitações nas tarefas diárias, a dor lombar crônica pode levar ao afastamento do trabalho e gerar consequências socioeconômicas relevantes.

O treinamento resistido – prática de exercícios para melhorar a resistência do corpo – é apontado por vários pesquisadores como uma das estratégias promissoras para mitigar os problemas causados pela condição. Em sua tese de doutorado, Eduardo Borges, sob orientação do professor Júlio Cerca Serrão, verificou o nível de influência desse tipo de treinamento na melhora da dor, da incapacidade funcional e na ativação neuromuscular dos pacientes.

Participaram do estudo 31 voluntários de ambos os sexos, com idade entre 20 e 59 anos. Essas pessoas foram divididas em dois grupos, sendo que o primeiro participou de uma sessão única de treinamento. O restante realizou um programa contínuo de oito semanas, com duas sessões semanais.

Os resultados apontaram para benefícios desde a primeira sessão de exercícios. Após as oito semanas de treinamento resistido de leve intensidade, os voluntários apresentaram melhoras na mobilidade do tronco e alterações importantes, como a redução da incapacidade funcional e da dor.

Treinamento resistido: um protocolo promissor

De forma geral, o treinamento resistido é focado em criar resistência ao corpo. O objetivo é treinar para que o corpo não fique tão cansado ou dolorido após exercícios básicos, mesmo da vida cotidiana, como caminhar e subir escadas. Tem como ideia principal a resistência progressiva, e normalmente é realizado com a utilização de pesos ou elásticos. Por ser de baixo impacto, o treinamento resistido pode ser indicado e adaptado para a maioria das pessoas.

Para verificar sua eficácia no tratamento da dor lombar crônica, Borges propôs investigar se esse tipo de treinamento seria capaz de reduzir a incapacidade funcional de moderada para leve.

Exercícios realizados na sessão aguda – Foto: Reprodução / Trabalho original, cedido pela pesquisador da EEFE

Na sessão aguda (sessão de exercícios praticados de forma isolada), foram realizados os exercícios terra com barra hexagonal, extensão lombar no banco romano e abdominal.

Exercícios realizados no protocolo de oito semanas – Foto: Reprodução / Trabalho original, cedido pela pesquisador da EEFE

Já no protocolo contínuo de oito semanas, somados aos exercícios da sessão aguda, também foram realizados os exercícios supino e remada em máquina. Os voluntários realizavam 3×10 repetições nos exercícios multiarticulares e 2×10 nos uniarticulares.

Benefícios desde a primeira sessão

Os resultados do estudo revelaram que o treinamento resistido de baixa intensidade reduziu a dor, a incapacidade funcional e aumentou a força máxima desde a primeira sessão. Após oito semanas, o grupo experimental apresentou alterações significativas quando comparado com o grupo de controle. Além de uma redução ainda maior dos índices mencionados, o grupo também mostrou redução de dor afetiva, aumento da resistência muscular e amplitude de movimento do tronco.

Mulheres tendem a sofrer mais com a dor lombar crônica do que homens – Foto: Freepik

O pesquisador concluiu que o protocolo de treinamento resistido proposto é eficaz para o tratamento de pessoas com dor lombar crônica inespecífica. “No entanto, os parâmetros eletromiográficos analisados por nós não respondem o porquê dos efeitos positivos encontrados” enfatiza.

O estudo intitulado Influência de um programa de treinamento resistido para pessoas com dor lombar em parâmetros associados à incapacidade funcional, dor e ativação neuromuscular está disponível no banco de teses da USP e pode ser acessado na íntegra clicando aqui.

*Da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE, sob supervisão de Paula Bassi. Adaptado para o Jornal da USP

Mais informações: e-mail comunicaeefe@usp.br

FONTE: Jornal da USP

Cientistas descobrem nova via de incorporação do selênio em proteínas

Selenoproteínas estão associadas à morte celular por ferroptose; em pesquisas futuras, novo entendimento poderá ser aplicado para utilizar a ferroptose com fins terapêuticos no câncer ou, por outro lado, inibir esse tipo de morte celular e tratar uma doença neurodegenerativa

O selênio é um micronutriente com enorme importância para a saúde humana. Suas funções biológicas são associadas às selenoproteínas, que possuem selenocisteína em sua estrutura. As selenoproteínas geralmente estão envolvidas em funções químicas importantes nas células, como as realizadas pela enzima antioxidante vital glutationa peroxidase 4 (GPX4). Esta enzima protege os lipídios das membranas e inibe a ferroptose, tipo de morte celular que envolve a participação do ferro. Assim, o metabolismo da selenocisteína é essencial para a manter a função celular e permitir a vida.

Em uma publicação recente na revista Molecular Cell, uma equipe internacional de pesquisadores anunciou a descoberta de uma nova via para o metabolismo da selenocisteína, mediada pela enzima antioxidante peroxiredoxina 6 (PRDX6). Eles também encontraram uma associação entre níveis elevados de PRDX6 e um subtipo altamente agressivo de neuroblastoma, câncer cerebral, sugerindo que esse mecanismo pode ser explorado para induzir a morte por ferroptose em células tumorais.

Segundo os autores, este estudo avança o entendimento do metabolismo da selenocisteína e da biossíntese de selenoproteínas, ao revelar uma nova função para a PRDX6. “Até recentemente, acreditava-se que existisse apenas uma via para o metabolismo da selenocisteína. No entanto, para uma célula, ter vias paralelas é importante, pois, se ocorre, por exemplo, uma mutação na selenocisteína liase, a produção de selenoproteínas seria interrompida, tornando a célula mais sensível à ferroptose,” explicou um dos autores, Alex Inague.

Câncer e doenças neurodegenerativas

O neuroblastoma é um tumor que se desenvolve a partir de células do sistema nervoso e afeta principalmente crianças menores de 10 anos. Sua forma mais agressiva é dependente de um receptor da selenoproteína P (LRP8) para supressão da ferroptose e proliferação. Considerando essa dependência, os pesquisadores investigaram o efeito da PRDX6 no neuroblastoma.

Para isso, eles usaram um modelo de xenoenxerto, implantando células de câncer de pacientes em animais para induzir o crescimento tumoral. Células modificadas foram então implantadas na glândula adrenal dos animais. Aqueles com deleção de PRDX6 e SCLY apresentaram tumores reduzidos e sobreviveram por mais tempo em comparação com os animais com as enzimas intactas. Isso sugere que, sem a PRDX6 e a SCLY, a via do selênio fica comprometida, levando à redução da expressão de GPX4 nas células tumorais, que se tornam mais suscetíveis à ferroptose.

No entanto, ainda é prematuro propor a inibição de PRDX6 como abordagem terapêutica. Segundo os autores, são necessários mais estudos para determinar se a PRDX6 poderia servir como alvo para o desenvolvimento de medicamentos.

Por outro lado, impedir a ferroptose também pode ter potencial terapêutico. “Evidências sugerem que a ferroptose pode contribuir para a morte de neurônios motores na esclerose lateral amiotrófica (ELA). Então, é uma via que, se entendermos como acontece, podemos prevenir essa morte por ferroptose. Há dois lados, podemos induzir a ferroptose para fins terapêuticos no câncer ou prevenir a ferroptose e tratar uma doença neurodegenerativa. Então, a gente tenta explorar em ambos os sentidos,” afirmou Sayuri Miyamoto.

A pesquisa foi liderada por José Pedro Friedmann Angeli, da University of Würzburg, na Alemanha; Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química (IQ) da USP e membro do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma); e Hamed Alborzinia, do Heidelberg Institute for Stem Cell Technology and Experimental Medicine e do German Cancer Research Center. Inague realizou a pesquisa durante seu doutorado no IQ, sob a supervisão de Miyamoto, e completou um estágio no laboratório de Angeli. O estudo também envolveu os pesquisadores do Redoxoma Flavia Meotti e Luis E.S. Netto, da USP, além de colaboradores da Alemanha, Estados Unidos e Espanha.

Para saber mais, acesse o texto completo no site do Cepid Redoxoma.

*Da Assessoria de Comunicação do Cepid Redoxoma

FONTE: Jornal da USP