“Relógios cerebrais” indicam que envelhecimento neurológico é maior na América Latina

Método usa dados de ressonância magnética funcional e eletroencefalografia para calcular diferença entre idade cerebral e cronológica, associada a risco de doenças neurodegenerativas

Um grupo de 75 pesquisadores de instituições de 15 países identificaram que desigualdades socioeconômicas, poluição e disparidades de saúde estão associados a uma maior idade cerebral, especialmente nas populações da América Latina e Caribe. A pesquisa, que teve a colaboração da USP, usou o método dos “relógios cerebrais” (do inglês, “brain clocks”) para calcular, com base em dados de eletroencefalograma (EEG) e ressonância magnética funcional (RMf) de mais de 5 mil pacientes, a discrepância com a idade cronológica. Os fatores apontados pelo estudo podem levar a um envelhecimento cerebral acelerado e risco aumentado de doenças neurodegenerativas.

Os resultados da pesquisa são apresentados em artigo publicado no site Nature Medicine, do último dia 26 de agosto. “Especificamente, o estudo buscou quantificar a lacuna de idade cerebral, medindo as discrepâncias com a idade cronológica dos participantes, a fim de entender melhor a saúde do cérebro”, explica ao Jornal da USP a neuropsicóloga Maira Okada de Oliveira, uma das pesquisadoras que assinam o artigo, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Foram analisados pacientes na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, Cuba, China, Estados Unidos, Escócia, França, Grécia Inglaterra, Irlanda, Itália e Turquia.

O estudo analisou a diversidade e as disparidades no envelhecimento cerebral e na demência em populações geograficamente diversas, usando o conceito de “relógios cerebrais”. “Os ‘relógios cerebrais’ servem como indicadores da saúde cerebral e podem refletir os efeitos de vários fatores, incluindo genética, estilo de vida e influências ambientais no envelhecimento”, relata a pesquisadora.

“O trabalho explorou a influência da diversidade, investigando como fatores geográficos, socioeconômicos, sociodemográficos, sexos e neurodegeneração afetam a lacuna de idade cerebral, especialmente em países da América Latina e do Caribe (LAC) em comparação com países de fora da região”, aponta Maira. “Também criou uma arquitetura de ‘deep learning’ que usa interações de alta ordem entre dados de ressonância magnética funcional (RMf) e eletroencefalograma (EEG) para prever lacunas e ser sensível aos impactos da diversidade”.

“Deep learning” é um tipo de aprendizado de máquina que usa algoritmos para processar e interpretar dados em profundidade. “Esse modelo foi desenvolvido para capturar a diversidade e as disparidades no envelhecimento cerebral e na demência em populações geograficamente diversas”, diz a pesquisadora da USP. “O estudo sugere que, ao integrar dados de diferentes regiões e contextos socioeconômicos, é possível criar ferramentas mais inclusivas e acessíveis para avaliar a saúde cerebral”.

Gráfico mostra como os pesquisadores elaboraram os “relógios cerebrais” baseados em exames de Eletroencefalograma (EEG) e Ressonância Magnética Funcional (RMf) na América Latina e Caribe (LAC) e em outros países fora da região.

 

Fatores de risco

De acordo com a neuropsicóloga, os pesquisadores identificaram fatores de risco associados ao comprometimento cognitivo leve (CCL), à doença de Alzheimer (DA) e à variante comportamental da demência frontotemporal (vcDFT), contribuindo para a caracterização e identificação da disseminação dos processos das doenças. “Esses objetivos visam não apenas aumentar a compreensão do envelhecimento cerebral, mas também fornecer ferramentas que possam ser utilizadas em contextos clínicos para melhorar a detecção e o manejo de doenças neurocognitivas”.

O estudo analisou 5.306 participantes, dos quais 2.953 passaram por ressonância magnética funcional (RMf) e 2.353 por eletroencefalografia (EEG), incluindo 3.509 pessoas saudáveis, 517 com CCL, 828 com DA e 463 com vcDFT. “A pesquisa verificou várias questões, entre elas a lacuna de idade cerebral, calculando a partir dos dados de RMf e EEG, a discrepância com a idade cronológica dos participantes”, descreve Maira. “A aplicação do modelo indica que os participantes da América Latina e Caribe apresentaram idades cerebrais mais velhas em comparação com os de outras regiões”.

“O estudo sugere que desigualdades socioeconômicas, poluição e disparidades de saúde estavam associados a lacunas de idade cerebral aumentadas, especialmente nas populações LAC”, salienta a neuropsicóloga. “Esses fatores podem contribuir para um envelhecimento cerebral acelerado e maior risco de doenças neurodegenerativas”.

Segundo Maira Okada de Oliveira, os pesquisadores recomendam que futuros trabalhos deveriam incluir mais variáveis, como identidade de gênero, status socioeconômico e estratificação étnica, para enriquecer a compreensão do envelhecimento cerebral em populações diversas. “A pesquisa sugere que, ao integrar dados de diferentes regiões e contextos socioeconômicos, é possível criar ferramentas mais inclusivas e acessíveis para avaliar a saúde cerebral”, afirma. “O uso de EEG, que é portátil e mais acessível em comparação com técnicas de imagem como RMf, facilitaria a implementação do modelo em ambientes clínicos, especialmente em regiões com recursos limitados”.

“No futuro, os modelos de lacunas de idade cerebral poderão ser utilizados para estabelecer protocolos globais para o envelhecimento e os transtornos neurocognitivos, permitindo uma abordagem mais personalizada no tratamento e na prevenção dessas condições”, ressalta a pesquisadora. “Essas estratégias contribuirão para a implementação prática dos ‘relógios cerebrais’ na clínica, melhorando a detecção precoce e o manejo de doenças neurodegenerativas”.

O artigo tem como primeiro autor Sebastian Moguilner, da Universidad Adolfo Ibañez (Chile), além de pesquisadores da Universidad de San Andrés (Argentina) e do Massachusetts General Hospital and Harvard Medical School (Estados Unidos). Na USP, o pesquisador principal foi o neurologista Leonel Takada, médico assistente do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FMUSP). Também participaram Renato Anghinah e Luís Almeida Manfrinati, do Centro de Referência em Distúrbios Cognitivos (Ceredic) do HC.

Mais informações: email maira.okada@gmail.com, com Maira Okada de Oliveira

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Chumbo é encontrado no leite humano e associado a problemas no desenvolvimento de bebês

Estudo avaliou a contaminação por metais no leite humano e sua associação com o desenvolvimento neuropsicológico em crianças de três a 16 meses

Estudo desenvolvido pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em parceria com outras instituições mostrou que há contaminação por chumbo no leite humano e ela pode estar associada ao atraso no desenvolvimento da linguagem de bebês.

O leite humano continua a ser o mais recomendado para alimentação no início da primeira infância, mas a contaminação ambiental de quem amamenta – a que provém do ambiente, seja ar, água ou alimento – é um alerta aos governantes sobre os riscos da poluição por diversas atividades humanas.

A pesquisa, feita com 185 bebês da cidade de São Paulo, investigou a presença de metais no alimento e  possível relação com problemas no neurodesenvolvimento. Os pesquisadores puderam identificar arsênio, mercúrio e chumbo no leite, mas focaram as avaliações na presença de chumbo e seus impactos para o desenvolvimento. Muito utilizado na indústria siderúrgica, no agronegócio em fertilizantes e emitido por carros e queimadas, o chumbo contamina e polui os solos, as reservas de água e o ar. O metal pesado não desempenha processo fisiológico algum no organismo humano. Ao invés disso, ele é conhecido amplamente como neurotóxico, devido à sua capacidade de passar pela barreira hematoencefálica, estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sistema nervoso central e o sangue.

“[A contaminação] pode comprometer principalmente os astrócitos, que são células de suporte aos neurônios que fornecem tanto estrutura quanto energia. Quando não estão funcionando bem, como no caso de mitocôndrias comprometidas e metabolismo de gorduras alterado pela substituição de cálcio por chumbo, o neurônio funciona de forma diferente. Ele também altera a liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica, como acetilcolina, GABA [ácido gama-aminobutírico] e glutamato”, explica Nathalia Ferrazzo Naspolini, nutricionista que realiza pós-doutorado no ICB e é a primeira autora do artigo.

A fenda sináptica é o espaço entre o terminal de um neurônio pré-sináptico (terminação do axônio) e a membrana de outro neurônio pós-sináptico (dendritos) ou uma célula-alvo. Esse espaço contém fluído extracelular, moléculas e íons importantes para o processo de comunicação entre neurônios (processo conhecido como sinapse), como os citados por Nathália.

Essa alteração nos níveis desses neurotransmissores na fenda sináptica pode levar a um declínio na habilidade linguística e de cognição”, detalha.

O método Bayley-III utilizado pelo estudo avalia marcos de desenvolvimento, como engatinhar ou balbuciar – Foto: Reprodução/Freepik

Avaliação do atraso na linguagem

A pesquisa realizou o teste Bayley-III para avaliação dos marcos de desenvolvimento, aplicado por psicólogos do Projeto Germina, uma iniciativa colaborativa sem fins lucrativos composta de 15 grupos de pesquisa de diferentes áreas do conhecimento da USP que estuda o desenvolvimento e a primeira infância. Eles avaliaram o desenvolvimento dos bebês em três períodos diferentes: o primeiro com 3 meses, o segundo entre 5 e 9 meses e o terceiro entre 10 e 16 meses, e constatou-se um atraso no desenvolvimento da linguagem relacionado ao leite contaminado.

“A criança com certo número de meses já deve sentar, já deve engatinhar. Existem esses marcos, e eles vão verificando isso a cada seis meses. O que testamos foi o Bayley-III, que avaliou domínios de cognição, linguagem, memória e capacidade motora. O único afetado foi o de linguagem. Por exemplo, em uma criança muito pequena, isso pode se manifestar como o início tardio do balbucio, que é um primeiro passo no processo de linguagem. Conforme a criança cresce, ela começa a fazer mais coisas, e isso vai mudando com o tempo”, detalha a pesquisadora.

Nathalia Naspolini ainda chama a atenção para o fato de que a maioria dos voluntários que participou do estudo é de média para alta renda. “Se nessas pessoas encontramos contaminação, em pessoas de baixa renda, que são mais expostas à contaminação ambiental, poderíamos encontrar níveis mais altos”, preocupa-se.

“Aqui [no Hospital das Clínicas da USP] encontramos que 30% das amostras tinham níveis [de chumbo] detectados, enquanto em estudo da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizado com amostras de pessoas de baixa renda, mais de 90% do material estava contaminado”, conta a pesquisadora que fez seu doutorado na Fiocruz, no Rio de Janeiro, também com a avaliação da exposição a poluentes ambientais, mas durante o período perinatal e na microbiota dos nascidos.

 

Alimentação com leite humano é o mais recomendado por profissionais da saúde para desenvolvimento na primeira infância – Foto: Reprodução/Freepik

Proteger o desenvolvimento infantil

Apesar dos resultados, a orientadora da pesquisa e professora do ICB, Carla Taddei, destaca que “não podemos afirmar que o leite humano é ruim”. Sua linha de pesquisa é toda baseada em microbiota humana e ela busca, junto com Nathália, mecanismos de defesa desses bebês em exposição a partir dessas bactérias.

“Já sabemos pela literatura que existe um processo chamado biorremediação, em que, por exemplo, bactérias são usadas para recuperar um ambiente contaminado, como uma lagoa com problemas ambientais. O metabolismo bacteriano ajuda a limpar a lagoa, restaurando o ecossistema. Isso é algo muito conhecido na ciência, na pecuária e na agricultura”, explica a professora.

Se esse processo ocorre na natureza, é provável que também aconteça no ser humano. Alguns estudos em animais mostram que, ao tratar o animal com probióticos, como o lactobacilo, é possível remover metais do organismo. Embora isso ainda seja pouco discutido na prática humana, pois seria complicado testar a contaminação em humanos, é uma observação que Carla pôde fazer nos seus vários anos pesquisando microbiota.

“Embora encontremos leite humano contaminado, será que a microbiota do bebê não está agindo para oferecer uma proteção biológica, evitando níveis maiores de contaminação? Ainda precisamos de muitos estudos para responder a isso, mas também devemos explorar a possibilidade de distribuir probióticos para essas populações mais afetadas, se comprovado esse processo”, conclui.

O artigo Lead contamination in human milk affects infants’ language trajectory: results from a prospective cohort study foi publicado na revista Frontiers in Public Health.

Mais informações: e-mail nfnaspolini@gmail.com, com Nathalia Ferrazzo Naspolini.

*Estagiário com orientação de Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP

Estimulação transcraniana melhora sintomas do Alzheimer

De acordo com o Relatório Nacional sobre Demências, ao menos 2 milhões de pessoas com mais de 60 anos vivem com algum tipo de demência no Brasil, condição que não tem cura. O Alzheimer está entre as formas mais comuns em mais velhos, causando alterações na memória, na personalidade e em habilidades essenciais, como as visuais e espaciais.

Como uma alternativa não invasiva de tratamento, pesquisadores do Instituto de Medicina Física e Reabilitação (IMREA) em parceria com o Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) utilizaram a estimulação de pulso transcraniana (EPT) e observaram melhoras comportamentais e de sintomas neuropsiquiátricos nos pacientes.

A estimulação de pulso transcraniana utiliza ondas de choque, feita de maneira difusa por todo o crânio para atingir todas as regiões do cérebro. “A onda de choque é uma onda sonora especial e focalizada, com um pico de pressão que atinge até cinco centímetros de profundidade nos tecidos”, conta Gilson Shinzato, médico fisiatra e primeiro autor da pesquisa. A técnica já é utilizada há algumas décadas em outras áreas da medicina, e tem benefícios como vasodilatação – em que os vasos sanguíneos se “abrem”, melhorando a passagem do sangue –, ação anti-inflamatória e estímulo à regeneração de tecidos. Neste estudo exploratório, as aplicações de EPT foram feitas em todo o crânio, de forma difusa, buscando contemplar todas as regiões do cérebro.

Os pacientes que receberam a intervenção tiveram melhora nos sintomas neuropsiquiátricos, como delírios, alucinações e irritabilidade; nos sintomas cognitivos, como perda de memória; e nos sintomas comportamentais, como paranoia, comportamentos repetitivos e perambulação.

Todos esses sintomas foram avaliados através de questionários, que mediam também a independência do paciente e sobrecarga dos cuidadores. No Questionário de Inventário Neuropsiquiátrico, NPI-Q, que avaliou os sintomas neuropsiquiátricos, houve uma redução de 23 pontos nos primeiros 30 dias, de uma escala que vai de 0 a 144, demonstrando a evolução dos pacientes.

 

Demonstração de aplicação de EPT em manequim, com profissional acompanhando os locais atingidos através de tela – Foto: Disponibilizada pelo pesquisador

Aplicação da estimulação de pulso transcraniana

Os dez pacientes que receberam a intervenção tinham acima de 50 anos e a doença de Alzheimer provável e possível segundo critérios diagnósticos. “A diferença entre um e outro é a quantidade de lesão vascular [nas células do cérebro]. Na doença ‘provável’ você espera que tenha pouquíssima lesão vascular, e na ‘possível’ você já admite que tenha um pouco mais de conteúdo de lesão vascular”, explica Orestes Forlenza, professor do IPq e co-autor da pesquisa.

Ao serem submetidos à EPT, era necessária a aplicação de um gel comum, como o de ultrassom, sobre cabeça do paciente, que passava por “uma varredura lenta no cérebro todo ao longo de meia hora. Os pacientes faziam dez sessões e, ao final, eram submetidos de novo aos questionários”, diz Shinzato, que completa destacando que o tratamento é indolor.

As sessões eram realizadas duas vezes na semana, com duração de 30 minutos e com a presença dos acompanhantes dos pacientes. Os questionários de avaliação foram reaplicados um, três e seis meses depois das aplicações. No artigo, constam os resultados encontrados para um e três meses após as sessões, dos dez pacientes incluídos na publicação.

A pesquisa ainda é inicial, e foi feita com uma amostra pequena de pacientes, mas deve progredir. “O estudo entra agora numa nova fase randomizada [com amostra de pacientes selecionada de modo aleatório] e controlada com placebo em 45 pacientes, mantendo o rigor científico, com o cegamento [não se sabe em qual dos pacientes é aplicado o tratamento ou o placebo] dos avaliadores, pacientes e acompanhantes, para sedimentar as evidências que já tivemos”, relata Shinzato. A aplicação do placebo acontece de forma idêntica, mas sem a emissão das ondas de choque.

Após as avaliações, os indivíduos que receberam o placebo também serão convocados para receber o tratamento com EPT.

 

A tela do dispositivo demonstra a aplicação difusa por todo o cérebro dos pacientes – Foto: Disponibilizada pelo pesquisador

Melhora comportamental

Como detalha Forlenza, a doença de Alzheimer tem início na formação hipocampal, região relacionada aos processos de aprendizado e memória. “Ela se espalha depois para outras regiões do sistema límbico e acaba acometendo de uma maneira mais difusa o neocórtex [região responsável pela linguagem e pensamento lógico], e leva progressivamente à perda de funções cognitivas”, explica o professor.

“Nós já sabíamos que o estímulo cerebral poderia ser uma ferramenta interessante, que poderia nos ajudar a entender melhor esse declínio cognitivo, e também diminuir a sua velocidade”, relata Linamara Battistella, professora da FMUSP e co-autora da pesquisa. “Não era nova a questão da neuromodulação cerebral [técnicas que atuam no sistema nervoso e estimulam o funcionamento das vias neurais] por diferentes mecanismos”, completa. Mas, diferente de outros métodos de neuromodulação, que costumam ser estacionários – em que é necessário precisão na posição do equipamento e do paciente para atingir a área desejada – a aplicação do EPT contemplou todo o crânio dos pacientes.

“Além da aplicação difusa, escolhemos uma estratégia de concentrar energia em áreas relacionadas à conectividade geral do cérebro, e em outras relacionadas ao comportamento, regulação e estabilidade de humor”, diz Shinzato.

“A impressão é que o método realmente entrega um benefício, que é mais evidente nos sintomas comportamentais [como comportamentos repetitivos, paranoia e perambulação], o que é interessante, porque é uma das demandas menos atendidas nessa área”, destaca Forlenza. “Essa estimulação feita a partir da onda de choque poderia se colocar como uma alternativa bastante entusiasmante”, completa Battistella.

O Brasil, assim como outros países do mundo, espera um aumento de sua população de idosos nos próximos anos. “A gente vê uma população que envelhece e, claro, espera que todo mundo envelheça com qualidade de vida, no entanto, as condições crônicas de saúde, o próprio estilo de vida acaba condicionando ao aparecimento do declínio cognitivo”, reflete Battistella.

Por isso, a professora destaca que uma pesquisa voltada ao tratamento da doença de Alzheimer atende a um desafio mundial: o de construir uma lógica de cuidados, garantindo qualidade de vida para os pacientes e suas famílias. Forlenza acredita que a EPT pode funcionar como uma terapia conjunta ao que já é utilizado atualmente, promovendo uma boa sobrevida aos pacientes.

“Às vezes, não é possível impedir a evolução. Apesar dos tratamentos, a doença ainda progride”, diz Forlenza. Mas o professor lembra que atenuar a progressão pode transformar a trajetória do paciente, deixando mais suportável também para a família, tentando “promover o máximo possível a capacidade funcional e a capacidade de aproveitar a vida dessas pessoas”, finaliza.

Mais informações: e-mail g.shinzato@hc.fm.usp.br, com Gilson Shinzato

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz e Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP

Médico publica livro sobre os limites éticos da inteligência artificial na área da saúde

O uso de Inteligência Artificial na criação de produtos de saúde demanda uma regulação específica em que transparência, responsabilidade, segurança e eficácia são elementos centrais

A percepção do físico Stephen Hawking de que a inteligência artificial “será a melhor ou a pior coisa que já aconteceu à humanidade” resume as esperanças e preocupações que vêm com a transformação tecnológica em curso. De algoritmos que ajudam os médicos a fazer diagnósticos até a predição de quais tratamentos podem funcionar melhor com um determinado paciente, a saúde é talvez um dos mais promissores campos para a IA, mas parâmetros regulatórios se fazem urgentes.

Publicado pela Abeto, selo de não ficção do Grupo Aboio, o livro Inteligência Artificial e Saúde: Conexões éticas e regulatórias discute fundamentos e diretrizes para uma regulação da inteligência artificial (IA) na área. A obra é baseada na pesquisa de doutorado do autor, Daniel Dourado, médico, advogado e pesquisador no Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da USP. “É totalmente diferente entrar no mercado de saúde e entrar no mercado de tecnologia”, afirma Dourado. “O estado tem obrigação de regular produtos que estão na saúde”.

Por essa obrigação, ele lembra que “se o produto é para uso clínico, passa a ser um dispositivo médico, um produto de saúde; e a saúde tem fundamentos próprios”. Assim, estabelece três desses fundamentos: a privacidade dos que alimentam os dados usados para treinar a IA, a ética específica para o desenvolvimento desses produtos (uma mistura de ética para IA e bioética) e os direitos humanos que estabelecem a saúde como direito fundamental.

“Se você quiser pegar três pedaços de madeira, emendar com um prego, serrar e colocar para vender como uma cadeira, você pode, mas se você fala que ela alivia dor nas costas, dor lombar, vai ter que registrar esse produto”, exemplifica.

Para cumprir esses fundamentos, por sua vez, ele elenca três elementos centrais para pensá-los: a transparência de como os dados da IA são utilizados, a responsabilidade no uso dos dados, além de, principalmente, segurança e eficácia dos produtos. Dentro desse último, ele propõe o conceito de equidade ou justiça, pela preocupação dos modelos desenvolvidos, por seus vieses “só acertarem para homem branco ou [norte] americano”, ou seja, não serem seguros para outras populações.

Avanço das discussões

O uso de IA na saúde avança no mundo todo e tem resultados promissores para a análise de exames e predição de doenças hereditárias. Apesar disso, o desenvolvimento de regulação específica para área ainda caminha a passos curtos. Esse atraso tem levado a discussões recentes no mundo, principalmente na Inglaterra, sobre a criação de sandboxes.

O conceito de sandbox é um teste em que a equipe vai avaliar o sistema com os dados que possui em situações reais, mas sem alterar a conduta dos profissionais de saúde. “Por exemplo, se o modelo sugere uma dose diferente de medicamento, o profissional é informado, mas não precisa seguir a recomendação; ele apenas observa o que o modelo indica e, com o tempo, esses dados são comparados para avaliar se o sistema é seguro e se poderia ser usado na prática”, explica Daniel Dourado.

Ele ressalta que a criação desses modelos evita ações judiciais que poderiam atrasar ou complicar a regulação desses produtos. Ele afirma que “é muito melhor ter uma regulação que se faz pelo debate da sociedade e é fundamentada no direito administrativo” do que por ações judiciais fundamentadas em casos particulares.

Mais informações: e-mail dadourado@gmail.com, com Daniel Dourado. O livro está disponível para compra no site da editora

*Estagiário com orientação de Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP

Ultraprocessados são fonte de proteína na alimentação de vegetarianos estritos

Estudo mostra que vegetarianos estritos consomem níveis adequados de proteína – e mesmo com ultraprocessados, ingerem mais alimentos in natura que a população em geral

O veganismo é um estilo de vida em que a pessoa não consome nenhum produto de origem animal, inclusive roupas e produtos de beleza testados em animais, por exemplo. Quando se fala exclusivamente de alimentação, a dieta recebe o nome de vegetarianismo estrito. Nesses casos, existe uma grande preocupação em relação à quantidade de proteína ingerida. A pesquisa conduzida pelo Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), coordenada pelo professor Hamilton Roschel, mostrou que a quantidade de proteína consumida por vegetarianos estritos é adequada, mas se apoia no consumo de alimentos ultraprocessados.

Entre os mais de 500 participantes do estudo, a mediana do consumo de proteína foi de 1,12 gramas por quilo de peso corporal, valor que atinge e supera a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 0,8 a 1,0 grama de proteína por quilo de peso corporal. No entanto, para atingir a recomendação de ingestão proteica, os vegetarianos estritos recorrem a alimentos ultraprocessados, em particular, à proteína texturizada de soja – que passa por uma etapa chamada extrusão, por isso é considerada ultraprocessada – e aos suplementos proteicos à base de proteína vegetal.

A pesquisa também analisou se vegetarianos estritos ingerem quantidades adequadas de aminoácidos essenciais – moléculas que formam as proteínas, mas que não são produzidas pelo corpo e têm funções específicas no metabolismo. Assim como no caso das proteínas, a adequação foi superior a 90%.

As dietas dos participantes foram analisadas com base em diários alimentares. Enquanto o recordatório alimentar é preenchido por um nutricionista, como uma entrevista, o diário é preenchido individualmente com relatos das refeições em medidas caseiras, mas também passa pela conferência de um nutricionista. Os participantes tiveram acesso a instruções para registrarem os alimentos de forma padronizada. O trabalho contou com pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, e da FMUSP.

Nível de processamento na dieta vegetariana estrita

Mesmo dependendo do consumo de ultraprocessados para atingir a quantidade adequada de proteína ingerida, 66% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vêm de alimentos in natura, alimentos que não sofrem alteração para serem consumidos, e minimamente processados – que passaram apenas por processos que não envolvem adição de sal, gordura, açúcar ou outras substâncias.

A porcentagem de calorias vindas de ultraprocessados na dieta dos participantes do estudo é de 13%. “Esses indivíduos comem menos ultraprocessados e consequentemente mais alimentos in natura e minimamente processados que a população em geral. Então, esse é um achado interessante, porque mostra que as premissas de uma boa dieta à base de plantas estão sendo seguidas”, diz Roschel.

Em comparação com os dados encontrados para a população geral no Brasil, os vegetarianos estritos têm 22% a mais de calorias da dieta vindas de alimentos in natura, e 10% a menos vindos de ultraprocessados.

Além disso, apesar de alimentos como a proteína texturizada de soja serem classificados como ultraprocessados, devido aos processos a que são submetidos e suas composições, alguns pesquisadores afirmam que eles se diferem dos ultraprocessados conhecidos pelos malefícios à saúde, já que não têm adição de sal, açúcar e gordura. “Apesar de se enquadrarem na mesma categoria, em termos de qualidade nutricional, é razoável assumir que uma proteína texturizada de soja não pode ser comparada a um pacote de salgadinho, por exemplo. Mesmo dentro da classificação de ultraprocessados, há nuances que precisam ser consideradas”, pondera o docente. A ideia não é consenso entre os cientistas, e já foi objeto de debate.

Roschel lembra que os resultados encontrados no trabalho em momento nenhum vão contra a classificação Nova – que divide os alimentos em in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. “A Nova é absolutamente fantástica em termos de saúde pública”, ressalta o pesquisador. Ele acredita porém, que existem nuances dentro da classificação que merecem consideração.

Calorias vindas de alimentos in natura

Vegetarianos estritos: 66,5%
População geral: 44,9%

Calorias vindas de alimentos ultraprocessados

Vegetarianos estritos: 13,2%
População geral: 23,7%

Aumento da variedade de ultraprocessados

O mercado de ultraprocessados cresce em variedade, e os alimentos voltados ao vegetarianismo estrito não são exceção, relata Roschel. Mas, ao contrário da proteína texturizada de soja e do suplemento proteico, boa parte desses alimentos que têm ganho espaço nos mercados são ricos em açúcar, gorduras saturadas e sal, ao mesmo tempo que são baixos em fibras. Ou seja, são alimentos que trazem prejuízo à saúde.

Na França, de acordo com uma pesquisa realizada em 2021, 39% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vinham de alimentos ultraprocessados com baixa qualidade nutricional. “Esse [aumento do consumo de ultraprocessados] é o medo. Para eles [indústria alimentícia] começarem a fazer opções veganas para atender esse público com a mesma baixíssima qualidade nutricional, basta que enxerguem isso como um mercado interessante”, relata Roschel sobre as perspectivas no Brasil.

Para o pesquisador, o resultado do trabalho mostra a importância de uma análise de contexto. “É um alerta de que a gente precisa de uma melhor educação nutricional do indivíduo que adere a uma dieta plant-based [baseada em plantas, vegetariana estrita]. É também um alerta para políticas públicas de regulação do mercado e para a indústria, que precisa entender a sua responsabilidade na elaboração de alimentos de melhor qualidade nutricional”, finaliza.

Participaram do estudo os pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição da EEFE/FMUSP e do Centro de Medicina do Estilo de Vida da FMUSP: Alice Erwig Leitão, Gabriel Esteves, Bruna Mazzolani, Fabiana Smaira, Martin Santini, Heloísa Santo André, Bruno Gualano e Hamilton Roschel.

Mais informações: e-mail hars@usp.br, com Hamilton Roschel

*Estagiária sob supervisão de Luiza Caires
**Estagiário sob supervisão de Simone Gomes

FONTE: Jornal da USP

Mudanças hormonais na menopausa podem provocar problemas cardíacos

As doenças cardiovasculares em mulheres já ultrapassam as estatísticas de câncer de mama e de útero. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, um terço das mortes no mundo são causados pelo problemas, representando 23 mil óbitos de mulheres por dia.

Incidência no Brasil

No Brasil, a cardiopatia em mulheres pode representar 30% das causas de mortes, sendo a maior taxa da América Latina. Os problemas cardíacos aumentam por várias razões, mas estão principalmente relacionados a mudanças hormonais e seus efeitos no organismo.

“O estrógeno tem um fator protetor do sistema cardiovascular. Ele ajuda a manter os vasos sanguíneos flexíveis e favorece os fatores protetores do sistema cardiovascular. Com a menopausa há um aumento de colesterol, dos triglicérides, levando a chamada dislipidemia, aumento da pressão arterial, aumento do peso e redistribuição das gorduras. A gordura se acumula na região abdominal, que sabidamente tem maior risco de doença cardiovascular. Além disso, na menopausa pode levar a uma diminuição na sensibilidade e insulina aumentando o risco de desenvolver diabete do tipo 2; inflamação e estresse oxidativos também então associados à menopausa, levando então à progressão da doença aterosclerótica”, destaca Walquíria Samuel Ávila, coordenadora do Programa de Cardiopatia, Gravidez e Aconselhamento Reprodutivo do Incor – Instituto do Coração do Estado de São Paulo.

Nessa fase da vida, destaca a médica, as mulheres na menopausa apresentam fatores de risco e mudanças de estilo de vida pior: como sedentarismo, dieta inadequada, aumento de stress, e todos os fatores combinados explicam por que a menopausa é um período crítico para a saúde cardiovascular das mulheres.

Check-up e sintomas

Os cuidados quando uma mulher apresenta fatores de risco como história familiar, é hipertensa, diabética, obesa, essas avaliações devem ser a partir de 30 anos de idade e deve ser obrigatória na pré-menopausa 40, 50 anos e na menopausa, após 50 anos de idade. Walquíria destaca que “independentemente da idade, é importante que todas as mulheres façam o check-up médico regular, incluindo exames de colesterol, glicose, pressão arterial e outros indicadores da saúde cardiovascular bem conhecidos”.

As mulheres podem apresentar sintomas diferentes dos homens durante um evento cardiovascular, por este motivo é importante reconhecer os sintomas. Muitas vezes as mulheres subestimam a gravidade de seus sintomas, podendo atribuir a condições menos graves como estresse ou problemas digestivos. Além disso, às vezes o sintoma de um ataque cardíaco pode ser uma dor forte nas costas, uma dor na mandíbula ou até mesmo no abdômen superior.

Os principais problemas cardíacos que podem acometer as mulheres são: primeiro a hipertensão, pressão alta, diabete, a dislipidemia que alterações de colesterol, a obesidade, doenças renais crônicas, apneia obstrutiva do sono, doenças inflamatórias e autoimunes como artrite reumatoide e lúpus, sedentarismo, história familiar estresse crônico, uso excessivo de álcool e tabagismo. Esses são fatores que podem, além da menopausa, levar a doença cardiovascular e a outros problemas que podem desencadear eventos cardíacos além do climatério.

Exames

Diversos exames podem ajudar a detectar problemas cardíacos. “Entre os mais comuns o inicial é conhecer os seus números medindo sua pressão arterial, o perfil lipídico, saber os números seus valores LDL, HDL e colesterol, a glicemia, hemoglobina glicada, um eletrocardiograma, um ecocardiograma, um teste de esforço para quem faz atividade física e daí para frente. Existem vários exames que vão surgir de acordo com a indicação médica para cada paciente.”

O problema é tão sério que, buscando evitar problemas cardiovasculares, o Incor conta com um programa que começou em 2019 chamado Mulher, Cuide do Coração. Nesse trabalho de prevenção é realizada uma abordagem multidisciplinar, multifacetada que pode incluir a mudança de estilo de vida, medicamentos e intervenções. A dieta do Mediterrâneo, redução de sal, limitação de gordura saturadas e trans, aumento de fibras, atividade física, não só exercício aeróbico, mas o treinamento de força de resistência, controle de peso, evitar fumo, moderar o álcool e o tratamento medicamentoso que vai servir para cada tipo de paciente, para cada tipo de situação clínica, que deve ser considerada nos seus check-ups periódicos, aconselha a coordenadora do Programa de Cardiopatia, Gravidez e Aconselhamento Reprodutivo do Incor.

FONTE: Jornal da USP

Sarcopenia e fragilidade exigem atenção nos idosos

Condições que afetam principalmente idosos já foram confundidas no passado, e precisam de tratamento multidisciplinar

Um estudo feito na Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP buscou reunir os principais trabalhos da área da saúde que envolvem a sarcopenia – declínio da massa e função dos músculos ligados aos ossos – e a fragilidade muscular para discutir estratégias de tratamento para os dois quadros, especialmente em pacientes com doenças cardiovasculares. O artigo liderado por Guilherme Fonseca traz os insights mais recentes sobre os mecanismos biológicos que são a base do problema e conclui que ainda é preciso investir na formulação de um plano de enfrentamento mais eficaz dessas condições – que podem estar relacionadas com diversas doenças crônicas, mas são reversíveis com a intervenção precoce.

A chamada sarcopenia primária é a que se desenvolve durante o envelhecimento sem nenhuma outra causa específica identificada. Mas o problema também pode estar associado a alguma enfermidade, como câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. A fragilidade, por sua vez, muitas vezes era confundida com ela quando feita uma análise superficial, que não compreende todos os aspectos que devem ser avaliados. Atualmente, entende-se que a sarcopenia é a parte diretamente física da fragilidade, que é definida como um conceito maior. “Nós discutimos a fragilidade de uma forma mais ampla, porque engloba as partes física, cognitiva, psicológica e emocional. [O conceito] foi ganhando componentes que estabeleceram que ela não afeta apenas o físico do indivíduo, mas também a capacidade de reagir a adaptações internas e estresse externo, e a incapacidade do organismo de enfrentá-los o determina como frágil”, explica Guilherme Fonseca.

O gráfico descreve os mecanismos biológicos do desenvolvimento da fragilidade e sarcopenia, suas doenças associadas e potencial tratamento por intervenção terapêutica – Fonte: Reprodução do artigo (traduzido)

“A sarcopenia e a fragilidade podem ser entendidas como uma via de mão dupla para as outras doenças”, aponta. Ou seja, por serem condições comuns na velhice, o paciente pode desenvolver problemas cardiovasculares antes delas, mas o contrário também é possível. Isso pode acontecer com o diabete mellitus: caso primeiro venha o diabete, a dificuldade em captar glicose pela célula pode levar a uma diminuição de nutrientes que reduz a massa muscular e pode levar à sarcopenia. Mas se houver a condição muscular prévia, como o tecido atingido é o que consome mais glicose, sua degradação acarreta em diminuição do consumo da molécula, o que aumenta os níveis da glicemia e leva a um quadro de pré-diabete, podendo evoluir para diabete.

Tratamento multidisciplinar

Como prevenção das duas condições, o mais indicado é a prática de exercício físico. Para a sarcopenia, o mais apontado é o treinamento de força. Para a fragilidade, ele também se aplica, mas adicionando exercícios aeróbicos, nos quais é possível manter uma intensidade mais baixa durante um período prolongado. O treino deve ser feito de duas a três vezes por semana, envolvendo os grandes grupos musculares, como membros superiores, inferiores e músculos do tronco, abdominais e torácicos.

Cada sessão deve ter de oito a dez exercícios, exigindo em torno de 60 a 80% de contração voluntária máxima. Já para os aeróbicos, como caminhadas, corridas e natação, a frequência pode ser aumentada para cinco vezes na semana, com duração de 30 a 60 minutos, com intensidade também moderada”, orienta Guilherme Fonseca.

A ingestão calórica deve ser aumentada para que corresponda tanto ao gasto necessário do corpo diariamente, como consumo de energia extra que as práticas de exercícios irão gerar. Sobre os nutrientes, a dieta deve ser rica em proteínas para o maior fortalecimento muscular, “a recomendação atual para a população geral é de 0,8 g de proteína por quilo de peso. Mas os pacientes com sarcopenia precisam de mais, chegando a 1,5 g por quilo de peso. E para a ingestão calórica, 30 kcal por quilo de peso”, recomenda o pesquisador.

O tratamento multidisciplinar se faz necessário tendo em vista a possibilidade dessas condições serem acompanhadas por doenças crônicas. O profissional de educação física cuidando dos treinos, o nutricionista sendo responsável pelo cuidado com a ingestão calórica e de nutrientes, psicólogos para a parte emocional e cognitiva, terapeuta ocupacional para as atividades diárias e, dependendo do grau da fragilidade, o acompanhamento do fisioterapeuta também é necessário. Esse tratamento não deve incluir a parte farmacológica, já que até agora não existe comprovação científica para a aplicação de medicamentos efetivos contra a sarcopenia. A prescrição de hormônios anabólicos, como a testosterona, tampouco é recomendada.

O médico entra na parte clínica, tratando as doenças bases que vêm acompanhando a sarcopenia, como diabetes e pressão alta. “Deve deixar o indivíduo no estado compensado, para ele não descompensar, a pressão dele não ficar subindo e descendo, assim como glicemia também”, detalha o autor.

Apesar das recomendações, ainda é deficitária a bibliografia sobre a sarcopenia, e há a necessidade de pesquisas que apontem quais são os mecanismos que levarão ao desenvolvimento da condição, que poderá causar fragilidade em pacientes com doenças cardiovasculares. “Mais estudos precisam demonstrar qual é a melhor forma de tratamento, estabelecendo diretrizes para profissionais da educação física no preparo físico, de nutricionistas na reparação nutricional e principalmente na parte farmacológica, que ainda é pouco desenvolvida e precisa de um aporte científico e legal para ser utilizada”, alerta Guilherme Fonseca.

O artigo foi publicado na revista científica Cardiovascular Research, e está disponível neste link.

Mais informações: e-mail guilhermefonseca@usp.br, com Guilherme Fonseca

O mundo moderno e a insônia

A Anvisa aprovou recentemente um aumento do controle para medicamentos com o princípio ativo zolpidem. Com isso, qualquer medicamento contendo a fórmula deverá ser prescrito por meio de Notificação de Receita B (azul), a famosa tarja preta. O remédio é um entre tantos procurados para lidar com a insônia. Clonazepam, diazepam, zopiclone, alprazolam, se você conhece algum desses nomes, provavelmente está tendo ou já teve dificuldades para dormir. Problemas com o sono se tornaram rotineiros para uma grande parcela da população no mundo inteiro. Seja demorando para pegar no sono, acordando diversas vezes durante a noite ou levantando pela manhã com a sensação forte de continuar cansado, as dificuldades têm levado as pessoas a procurar medicamentos que auxiliam na hora de pregar os olhos.

Antigos medicamentos

A insônia é um problema com o qual o ser humano lida desde antes de Cristo. Considerado o pai da medicina, Hipócrates observou a relação entre estados depressivos e dificuldades com o sono desde sua época, cerca de 400 anos a.C. Foi apenas em 1832, no entanto, que foi descoberto o primeiro hipnótico inaugurando a classe dos indutores de sono. O hidrato de cloral era conveniente, pois substituiu a morfina e era de manejo mais simples, podendo ser administrado por via oral. A substância deixava o paciente dependente e gerava insuficiência hepática, cardíaca e renal.

O próximo grande passo foi a descoberta dos barbitúricos, uma classe de compostos derivados do ácido barbitúrico. Um deles, o ácido dietilbarbitúrico, tinha efeito quase instantâneo. Ação rápida, indutor do sono, sedativo, relaxante muscular, anticonvulsivo e ansiolítico, de 1936 até 1952 a produção do remédio cresceu em mais de 400% nos EUA. Menos de dez anos depois, em 1960, Nova York registrava cerca de 200 mortes ao ano por conta dos abusos da substância. Entre os mortos pelo uso abusivo dos barbitúricos estão o músico Jimi Hendrix e Marilyn Monroe. Durante o século 20, ocorreram diversos picos de produção e venda desses comprimidos. Em 1978, por exemplo, foram vendidos mais de 2 bilhões de comprimidos de diazepam, da classe dos benzodiazepínicos.

Evolução dos remédios

Os avanços nos medicamentos para dormir nos trouxe até as chamadas drogas Z, que são a alternativa mais procurada nos dias de hoje. As drogas Z são os chamados hipnóticos e têm uma ação mais refinada no corpo, produzindo menos efeitos colaterais e passando menos tempo no corpo, agindo de forma mais eficiente. No entanto, também apresentam alto risco de gerar dependência.

“Quando o zolpidem e o restante das drogas Z começaram a ser propagandeados, assim como os remédios mais antigos, se dizia que ele não ofereceria o risco da dependência e os colaterais. No entanto, hoje já se sabe que não é o caso. Todas essas drogas de ação rápida levam ao abuso e à dependência em boa parte dos usuários”, explica Cláudia Moreno, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Abuso

De 2018 para 2020, o número de caixas de zolpidem vendidas cresceu em 71% no Brasil. Atualmente, se vende mais de 20 milhões de comprimidos ao ano. Também cresceram os relatos sobre o uso abusivo da droga, com relatos de pessoas que chegaram a tomar mais de 60 comprimidos por dia. “Esse aumento tem diversas razões. As indústrias farmacêuticas aperfeiçoaram os medicamentos de forma que começaram a ser produzidos medicamentos com menores efeitos colaterais, com uma ação um pouco mais rápida e a principal diferença que é de interesse do paciente é que ele tem uma ação curta. Então o que acontece: eu passo a dormir rapidamente, em cerca de 15 minutos, e quando eu acordo eu não vou ter aquele efeito, digamos, de uma ressaca. É o sonho de todo mundo hoje em dia. Uma droga como essa gera um aumento da tolerância, demanda doses cada vez mais altas e leva a pessoa ao vício, e seu uso prolongado é extremamente danoso”, explica a professora.

Ela conta que as receitas desse medicamento devem ter a extensão de no máximo um mês. “Na verdade é um medicamento que você deve usar no máximo em até quatro semanas, salvo exceções prescritas pelos médicos. A ideia é não usar mais do que um mês esse medicamento e as pessoas estão usando indiscriminadamente.”

Vida moderna

Entre os motivos para o aumento do uso desses compostos no Brasil nos últimos anos, ela cita o ritmo acelerado da vida cotidiana. “Acho que são vários motivos, mas o principal deles é que a gente vive numa sociedade que força as pessoas a trabalharem cada vez mais. Isso acaba gerando uma falta de tempo. Hoje, as pessoas têm que trabalhar mais do que oito horas por dia, dependendo da profissão chega a 12, 14 horas por dia, as pessoas pegam um trânsito muito congestionado para chegar em casa, levam por vezes uma ou duas horas para ir e para voltar. Chegam em casa e ainda preparam a comida para comer minimamente saudável, ainda tem que cuidar da casa, cuidar dos filhos. Enfim, o dia não tem mais do que 24 horas; então de onde as pessoas roubam o tempo para fazer tudo isso e ainda fazer exercício, correr, ir para a academia? Elas acabam tirando o tempo dos horários de sono, isso acaba acontecendo cada vez mais em sociedades industrializadas. Quanto mais urbanizadas maior se rouba o tempo do sono. As pessoas ainda acham que dormir é perda de tempo, é como se fosse um círculo vicioso”, detalha.

Para Cláudia Moreno, os problemas relacionados ao sono e abuso de medicamentos já são uma questão de saúde pública. “O primeiro ponto é: muitas pessoas têm problemas de sono e não procuram ajuda especializada. E o sono já é uma questão de saúde pública. A outra coisa é a automedicação indiscriminada de drogas do sono, que é outra questão de saúde pública. Existem muitos casos de pessoas que estão dependentes dessas drogas, que precisam de internamento e acompanhamento 24 horas para fazer o desmame do medicamento, pois a interrupção abrupta da medicação pode levar até a convulsões, são pessoas que estão há anos tomando altas doses de algo que deveria ser uma medicação pontual; isso, além de tudo, gera um alto custo para o sistema público de saúde”, alerta.

*Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Andar ao menos 7.500 passos por dia ajuda a reduzir sintomas de asma

Caminhar pelo menos 7.500 passos diários pode contribuir para o controle da asma moderada ou severa em adultos. É o que indica um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), publicado recentemente no The Journal of Allergy and Clinical Immunology: In Practice.

O trabalho, selecionado pelos editores da revista científica como artigo que modifica a prática clínica, sugere que as recomendações médicas e as políticas públicas concentrem esforços no incentivo ao aumento da prática de atividade física, em vez de focar na redução de períodos de sedentarismo. Apesar de popularmente serem considerados hábitos excludentes, a prática de atividade física e o comportamento sedentário podem ocorrer de forma concomitante. Isso porque a pessoa pode ser sedentária (ficar mais que 8 horas trabalhando sentada) e ser fisicamente ativa (realizar atividades moderadas durante, pelo menos, 150 minutos semanais).

 “Na maioria das vezes, as pessoas mesclam as duas situações: realizam atividade física três vezes por semana, por uma hora, mas trabalham o dia inteiro sentadas em um escritório”, explica Celso Ricardo Fernandes de Carvalho, professor de Fisioterapia Respiratória e Fisiologia do Exercício do curso de Fisioterapia da FMUSP e orientador do estudo. “Isso significa que elas são ativas, mas também sedentárias, ou seja, exibem os dois comportamentos ao mesmo tempo.”

A literatura científica já indicava que tanto a atividade física quanto o sedentarismo podem modular os sintomas da asma – entre eles dificuldade para respirar, respiração rápida e curta e tosse seca – mas ainda faltavam estudos aprofundados sobre seu impacto real, de modo que o tratamento da doença, que afeta cerca de 6,4 milhões de brasileiros, se mantém majoritariamente medicamentoso.

O objetivo deste trabalho, que teve apoio da Fapesp, foi investigar mais a fundo essa relação, considerando a variedade de comportamentos relacionados.

Durante o estudo, os pesquisadores analisaram dados de 426 pessoas das cidades de São Paulo e Londrina com asma moderada a grave. Foram incluídas avaliações de atividade física e tempo de sedentarismo (actigrafia), de controle clínico da asma (Asthma Control Questionnaire – ACQ) e de qualidade de vida (Asthma Quality of Life Questionnaire). Também foram investigados sintomas de ansiedade e depressão (Hospital Anxiety and Depression Scale) e dados antropométricos e de função pulmonar. Os participantes foram divididos em quatro grupos: ativo/sedentário, ativo/não sedentário, inativo/sedentário e inativo/não sedentário.

“Observamos que, quanto mais atividade física a pessoa com asma realiza, melhor é o controle de sua doença”, conta Fabiano Francisco de Lima, pesquisador da FMUSP e primeiro autor do trabalho. Mais especificamente, quem caminhava pelo menos 7.500 passos durante o dia apresentou melhores pontuações na avaliação de controle clínico da doença, independentemente de também apresentar comportamento sedentário – aliás, tempo sedentário e obesidade não apresentaram correlação com a redução de sintomas. Verificou-se também que isso independia de medicação e função pulmonar. A porcentagem de pacientes com asma controlada foi maior nos grupos ativo/sedentário (43,9%) e ativo/não sedentário (43,8%) do que nos grupos inativo/sedentário (25,4%) e inativo/não sedentário (23,9%).

Os resultados sugerem ainda que fatores emocionais, como ansiedade e depressão, também dificultam o controle da doença.

Novas perspectivas

Embora a prática de atividade física por pessoas com asma já seja recomendada por profissionais de saúde, o tema ainda é visto com receio por parte da população. Isso porque as pessoas com asma sofrem a contração dos músculos das vias aéreas durante as crises.

“O costume de evitar que crianças e adultos pratiquem exercícios por conta da doença precisa começar a ser quebrado”, diz Lima. “Esse estudo contribui para isso ao sugerir a caminhada, atividade simples e sem custo agregado, e vai além, ao oferecer uma espécie de ‘nota de corte’, uma indicação da quantidade real de atividade física que o paciente deveria fazer – 7.500 passos por dia.”

De acordo com o pesquisador, outra recomendação importante seria que profissionais de saúde passassem a adotar um olhar mais direcionado para sintomas de ansiedade como estratégia de controlar a asma.

Também participaram do estudo pesquisadores do Laboratório de Pesquisa em Fisioterapia Pulmonar da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

O artigo Physical Activity and Sedentary Behavior as Treatable Traits for Clinical Control in Moderate-to-Severe Asthma pode ser lido em: https://www.jaci-inpractice.org/article/S2213-2198(24)00274-5/abstract#%20.

*Da Agência Fapesp

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Novo remédio para Alzheimer é luz no fim do túnel, mas não é a salvação

O Donanemab foi aprovado em fases iniciais nos EUA e traz novidades positivas, mas Orestes Forlenza adverte que, embora promissor, é indicado apenas para certos casos

Droga que retarda progressão do Alzheimer é eficaz, de acordo com painel da FDA, órgão federal sanitário dos Estados Unidos. Os consultores da agência norte-americana votaram unanimemente a favor da eficácia do Donanemab, que retarda a progressão da doença em 60% nos estágios iniciais. O comitê considerou que os benefícios superam os riscos, abrindo caminho para a decisão final do órgão dos Estados Unidos. O professor Orestes Forlenza, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, considera o medicamento uma “luz no fim do túnel” para o tratamento de Alzheimer – doença esta que tem sido um grande desafio para os pesquisadores e que ainda não tem cura. Por outro lado, Forlenza faz uma série de ressalvas sobre o medicamento, como custo, efeitos colaterais e benefícios modestos.

P

O Donanemab é uma das drogas que integram uma nova classe de medicamentos que têm como objetivo tentar retardar ou até mesmo impedir a progressão do processo patológico da doença de Alzheimer. É uma droga que está em estudo já há alguns anos, tanto que a publicação dos resultados é recente. A proposta dessa nova classe, segundo o médico da USP, “é a formulação de anticorpos monoclonais, que são anticorpos prontos para a remoção do beta amiloide (peptídeo ao qual a origem do Alzheimer é atribuída)”. Ele complementa: “Evidentemente, a administração desses anticorpos é complicada. Tem que ser feita por via infusional e são estudos bastante complexos”. É importante ressaltar que as primeiras drogas testadas dessa classe fracassaram; são várias drogas com uma proposta muito parecida, mas que foram interrompidas.

O Donanemab passa a ser, portanto, a droga mais recente e, por hora, a mais promissora. Como comentado pelo professor, o intuito da droga é retirar o peptídeo amiloide, que “é uma clivagem anormal de uma proteína neuronal, exercendo um efeito tóxico e uma cascata de eventos que levam à neurodegeneração”, explica ele. Retirando a amiloide do cérebro, a consequência seria uma atenuação dos sintomas da doença.

Contrapontos

Ainda que os resultados da pesquisa sejam os mais promissores atualmente, “os resultados não foram tão bons como se esperava. O benefício clínico é pequeno, embora a remoção do amiloide ocorra”, afirma Forlenza. Ele diz que é praticamente consensual na comunidade científica que o peptídeo é a causa do Alzheimer, então a expectativa era de que os efeitos do medicamento fossem melhores.

Ele ressalta também que o Donanemab é indicado apenas em casos bem iniciais da doença. “Essa droga não vai servir para todos os pacientes, porque o benefício clínico está atrelado a um momento muito específico da trajetória da progressão dessa doença e é praticamente certo que não haverá benefício, se o quadro já estiver instaurado, é tarde demais”, diz Forlenza. Os benefícios estariam restritos apenas ao longo do curso da doença.

Por esse motivo, ele diz que é absolutamente vital que o medicamento seja indicado sob critérios rigorosos, pois, caso fuja deles, o efeito positivo não ocorrerá, com o risco ainda de efeitos colaterais negativos. Além disso, o medicamento não pode ser gasto de qualquer maneira: a utilização dele custa US$ 60 mil por ano, aproximadamente R$ 320 mil. Com isso em mente, ele comenta que o Donanemab, se aprovado, será restrito a um grupo pequeno de pessoas.

FONTE: Jornal da USP