Frutose de ultraprocessados em excesso pode alterar intestino, fígado e descontrolar glicose

Excesso de frutose, presente em alimentos ultraprocessados, causa alterações intestinais e está ligado a possível risco de diabetes tipo 2 e doenças no fígado; consumido em frutas, açúcar não gera problemas

Pesquisadores da Université Laval (Ulaval), do Canadá, e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP descobriram que o consumo excessivo de frutose, comum em dietas com alto teor de alimentos ultraprocessados, modifica a forma como o intestino responde à glicose, aumentando a absorção desse açúcar e comprometendo o controle da glicemia. Esses efeitos precedem a intolerância à glicose e o acúmulo de gordura no fígado, dois fatores ligados ao desenvolvimento do diabetes tipo 2 e da Doença Hepática Gordurosa Associada à Disfunção Metabólica (MASLD, na sigla em inglês). O artigo que descreve o estudo, High fructose rewires gut glucose sensing via glucagon-like peptide 2 to impair metabolic regulation in mice, foi capa da edição de março da revista científica Molecular Metabolism.

A pesquisa, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi conduzida pelo pesquisador Paulo Evangelista Silva, doutorando do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Biologia Funcional e Molecular do ICB, em coautoria com Eya Sellami, pesquisadora da Ulaval, e Caio Jordão Teixeira, pós-doutorando do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB. O trabalho foi coordenado por Fernando Forato Anhê, professor assistente da Faculdade de Medicina da Université Laval e pesquisador do Institut Universitaire de Cardiologie et de Pneumologie de Québec (IUCPQ).

No estudo, camundongos foram alimentados durante sete semanas com uma dieta na qual 8,5% da energia vinha da frutose – proporção considerada elevada, mas ainda próxima do consumo humano médio. Em apenas três dias, os animais já apresentavam um aumento na capacidade do intestino de absorver glicose, antes mesmo do surgimento da intolerância à glicose. Após quatro semanas, a glicose já não era eficientemente removida do sangue, e ao fim do estudo, observou-se acúmulo de gordura no fígado, condição que pode evoluir para quadros mais graves, como a cirrose.

Curiosamente, mesmo com esses efeitos adversos, os camundongos não desenvolveram resistência à insulina nos músculos ou no tecido adiposo, indicando que o descontrole glicêmico inicial ocorre por alterações no intestino, e não por falha na resposta insulínica periférica. A explicação para esse fenômeno pode estar na ação de um hormônio chamado GLP-2, produzido por células do intestino. Os pesquisadores constataram que o consumo excessivo de frutose eleva os níveis circulantes de GLP-2, hormônio que estimula o crescimento da superfície intestinal e o aumento da absorção de nutrientes. Ao bloquear o receptor desse hormônio (Glp2r) com uma droga, foi possível impedir o aumento da absorção de glicose, evitando tanto a intolerância quanto o acúmulo de gordura no fígado.

Bloqueio
No entanto, a estratégia de bloqueio do Glp2r não é facilmente aplicável a humanos, pois esse mesmo receptor está envolvido na proteção da barreira intestinal contra infecções e inflamações. Isso reforça a complexidade do papel do GLP-2 na saúde metabólica. “Mostramos que o aumento da absorção de glicose pelo intestino ocorre antes da intolerância à glicose. Isso abre caminho para o uso desse mecanismo como um biomarcador precoce”, afirma o professor Anhê. “O teste de absorção intestinal de glicose é barato, seguro e já utilizado em humanos — bastaria aplicá-lo em um novo contexto.”

Uma nova fase da pesquisa, com apoio do Canadian Institutes of Health Research (CIHR), vai investigar como o microbioma intestinal pode ser manipulado para reduzir os efeitos nocivos do excesso de frutose. O pesquisador Evangelista Silva ressalta que os resultados do estudo se referem ao consumo de frutose adicionada a alimentos ultraprocessados. “Frutas in natura são ricas em fibras, que ajudam a retardar a absorção de glicose e aumentam a saciedade. Além disso, contêm nutrientes benéficos para a saúde intestinal e hepática”, explica.

A pobreza nutricional dos ultraprocessados, com baixo teor de fibras e altos níveis de açúcares adicionados – como o xarope de milho e o açúcar de cana –, sobrecarrega o organismo. Evangelista Silva recomenda priorizar alimentos in natura, conforme orienta o Guia Alimentar para a População Brasileira, desenvolvido pelo Ministério da Saúde com apoio da Opas/Brasil. O açúcar de cana-de-açúcar e o xarope de milho são exemplos de açucares ricos em frutose amplamente utilizados pela indústria em alimentos ultraprocessados.

Alimentos ultraprocessados com alta concentração de frutose incluem refrigerantes e sucos industrializados (mesmo os néctares “100% fruta”), cereais matinais e barras adoçadas, biscoitos recheados e doces industrializados, pães e bolos prontos (como bisnaguinhas e pão de forma), chás prontos e bebidas esportivas adoçadas, molhos industrializados (ketchup, barbecue etc.), iogurtes adoçados, sobremesas lácteas e geleias. O estudo teve apoio das agências Fonds de Recherche du Québec – Santé (FQRS), Fondation IUCPQ e Fapesp.

Da Assessoria de Comunicação do ICB

FONTE: Jornal da USP

Estudo revela caminho para tratar déficits respiratórios em pacientes com Parkinson

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP descobriram um possível caminho para tratar déficits respiratórios em pacientes com Doença de Parkinson – um sintoma pouco estudado, mas que pode levar a complicações graves como a pneumonia, uma das principais causas de óbito nesses pacientes. Embora as dificuldades motoras sejam as manifestações mais conhecidas da doença, a pesquisa revelou que também ocorrem problemas respiratórios durante o sono – o que ainda não possui um tratamento eficaz. O estudo, publicado na revista iScience, mostrou que a estimulação seletiva de um núcleo cerebral foi capaz de reverter essas falhas respiratórias em camundongos, apontando para novas possibilidades terapêuticas.

“As complicações respiratórias no Parkinson geralmente surgem em estágios mais avançados da doença e, por isso, são menos exploradas. Mas elas têm um impacto significativo na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes”, explica a professora Ana Carolina Takakura, coordenadora do estudo. “Nosso objetivo foi entender quando essas alterações acontecem e se há uma forma de revertê-las. Descobrimos que elas ocorrem exclusivamente durante o sono, e conseguimos restaurar a função respiratória nos camundongos estimulando seletivamente um grupo específico de neurônios.”

Coordenado pela professora Takakura, do Departamento de Farmacologia do ICB-USP, o Laboratório Controle Neural Cardiorrespiratório dedica-se há mais de 10 anos ao estudo de problemas respiratórios causados pelo Parkinson. Sua prevalência está relacionada com os casos de pneumonia, uma das principais causas de óbito de pacientes. “Minha formação, desde o doutorado, tem sido voltada para o controle neural da respiração. Quando comecei a estudar o Parkinson, minha pergunta fundamental era: será que, além das regiões do cérebro responsáveis pelos movimentos, as áreas que controlam a respiração também se degeneram?”, explica a pesquisadora.

Ao longo dos anos, os resultados mostraram que sim: em animais — ratos e camundongos — submetidos ao modelo experimental da doença, há uma redução na frequência respiratória, além da degeneração de alguns núcleos específicos que controlam a respiração. O grande avanço do novo estudo, liderado pela pesquisadora Nicole Miranda, foi observar a relação de tudo isso com o sono.

“Apneias respiratórias são uma consequência comum da Doença de Parkinson: afetam, junto de outras alterações no sono, cerca de 70% dos pacientes. E, apesar de serem classificadas dentro de estudos do sono, as apneias também são um problema respiratório”, explica Takakura.

Foi dessa intersecção, notada por Miranda durante seu doutorado, que surgiu a ideia de investigar se as alterações respiratórias observadas nos estudos anteriores tinham alguma relação com o ciclo de sono. Antes, não se sabia se as mudanças na respiração aconteciam quando o animal estava acordado ou dormindo. Os camundongos estudados podiam dormir durante os registros, mas esse fator não era monitorado diretamente. “Foi algo que nunca havíamos medido antes. Com os novos experimentos, conseguimos finalmente estabelecer essa relação, o que abriu uma nova perspectiva para os estudos”, diz Takakura.

Sono e Parkinson: mesmo núcleo do cérebro

O primeiro passo de Miranda foi mapear, por meio de eletroencefalogramas e eletromiografias, as fases de sono dos camundongos e, paralelamente, observar a respiração dos animais. O estudo diferenciou as fases de sono REM (movimento rápido dos olhos) e não REM, que têm características distintas em termos de atividade cerebral e tônus muscular. O que foi constatado é que as alterações na respiração observadas em estudos anteriores não só eram mais expressivas durante o sono, como aconteciam exclusivamente nesse estado. Além disso, foi analisada a quantidade de episódios de apneia, que também foi maior enquanto os animais dormiam.

Com essa informação em mãos, o grupo buscou investigar possibilidades terapêuticas por meio do estímulo seletivo de algum núcleo do cérebro. “Escolhemos o núcleo tegmental látero-dorsal, também chamado de LDT, por ser um núcleo conhecido por sua correlação forte tanto com o sono quanto com a Doença de Parkinson. E, além disso, também se projeta para as regiões respiratórias”, explica a professora.

Para realizar esse estímulo, foi injetado um vírus no núcleo LDT, fazendo com que os neurônios desejados dessa região passassem a expressar um receptor — ou seja, deixando-os “capazes de serem estimulados seletivamente”. Depois, foi aplicado um fármaco, capaz de se ligar exclusivamente ao receptor e que foi responsável por provocar os estímulos nesses neurônios. Dessa forma, as alterações respiratórias foram revertidas, bem como o aumento na quantidade de apneias.

“O núcleo LDT também sofre perda de neurônios devido à Doença de Parkinson, mas vimos que mesmo o estímulo dos neurônios restantes foi suficiente para tratar problemas respiratórios”, diz Takakura. Ela aponta que o metabólito clozapina-N-oxide (CNO) – que é gerado a partir de uma substância injetada e atua ativando seletivamente os neurônios modificados no experimento – ainda precisa ser melhor estudado quanto à segurança e eficácia em humanos.

Denominado quimiogenética, o método ainda é pouco acessível e restrito às pesquisas clínicas, mas pode ser uma possibilidade futura para tratamentos. Segundo a professora, existem, atualmente, outras possibilidades terapêuticas de estímulo cerebral, mas que afetam regiões inteiras e não apenas tipos de neurônios específicos. “Não sabemos se uma estimulação geral teria o mesmo efeito, é algo a ser investigado. De qualquer forma, a estimulação seletiva é sempre melhor, pois elimina efeitos adversos. Existem estudos trabalhando para viabilizar uma estimulação seletiva, e quando isso acontecer, será um grande passo para o tratamento dos sintomas do Parkinson.”

Hoje, um dos tratamentos para o Parkinson é a estimulação cerebral profunda, utilizada para melhorar os sintomas motores da doença. No entanto, essa abordagem não trata diretamente as alterações respiratórias, que continuam sem uma solução terapêutica eficaz. Para o futuro, Takakura pretende caracterizar as alterações de sono em humanos, em uma parceria com o Instituto do Coração (InCor) e com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).

O artigo Sleep-related respiratory disruptions and laterodorsal tegmental nucleus in a mouse model of Parkinson’s disease está acessível neste link.

*Da Assessoria de Comunicação do ICB, adaptado para o Jornal da USP

FONTE: Jornal da USP

Exercício aeróbico combate crescimento tumoral e melhora função muscular

O treinamento físico aeróbico, que envolve atividades como caminhada, corrida e ciclismo, é uma forma de exercício que melhora a capacidade cardiovascular e a resistência física. Esse tipo de treinamento tem sido considerado uma terapia complementar ao tratamento do câncer, demonstrando benefícios significativos não apenas na prevenção da doença, mas também no aumento da sobrevida de pacientes já diagnosticados.

Um estudo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP verificou como o treinamento físico aeróbico pode contribuir para a redução do crescimento tumoral e para a melhora no quadro de perda de massa e função muscular – aspecto importante que pode levar o paciente à caquexia. O estudo, desenvolvido em modelo animal, constatou que o exercício aeróbico foi capaz de desacelerar significativamente a progressão do tumor e melhorar a sobrevida dos animais com câncer, além de prevenir a perda de capacidade funcional.

Estrutura experimental

Um dos efeitos clássicos do exercício aeróbico é a capacidade de reduzir a hiperatividade do sistema simpático (sistema que regula alguns processos do corpo de forma automática, como pressão arterial e a frequência respiratória) e promover a restauração da função autonômica em diferentes doenças crônicas. No câncer, a atividade excessiva do sistema simpático pode acelerar o crescimento tumoral e impactar a dinâmica de manutenção da massa muscular, podendo levar à caquexia, síndrome multifatorial que piora o prognóstico e aumenta a mortalidade.

Pensando nisso, o trabalho realizado por Gabriela Silva Borges, sob orientação da professora Patrícia Chakur Brum, partiu da hipótese de que o treinamento físico aeróbico poderia atuar nos efeitos do câncer por meio da modulação da atividade simpática. O estudo foi realizado em camundongos, parte dos quais recebeu as células de carcinoma de cólon via injeção subcutânea.

A pesquisadora Gabriela Borges buscou relacionar os efeitos do câncer e a modulação da atividade simpática. Foto: Guilherme Viana

O trabalho foi dividido em dois subprojetos. O primeiro buscava investigar se a atividade do sistema nervoso simpático influencia o crescimento do tumor e a saúde dos músculos. Para isso, os camundongos foram divididos em três grupos:
  1. Animais saudáveis que receberam as células de câncer;

  2. Animais que receberam células de câncer e foram tratados com um bloqueador dos receptores  β2-adrenérgicos, que reduz a sinalização da epinefrina e norepinefrina – hormônio e neurotransmissores do sistema nervoso simpático nos tecidos;

  3. Animais saudáveis que não receberam células de câncer, mas sim solução salina apirogênica 0,9% (controle);

A ideia era comparar como a atividade simpática afeta o tumor e a função muscular nesses diferentes grupos. Após 12 dias, foram coletadas amostras do tumor e de alguns músculos para medir a massa e analisar a expressão de proteínas envolvidas na sinalização adrenérgica.

O Subprojeto 2 teve como objetivo investigar como o treinamento físico aeróbico afeta o crescimento do tumor, a massa corporal e a função muscular, além de analisar a sinalização adrenérgica (ativação de receptores pelo sistema epinefrina/norepinefrina) no tumor e nos músculos. Nessa etapa, os camundongos foram divididos em quatro grupos:

  1. Animais saudáveis treinados, que receberam solução salina (controle treinado);

  2. Animais treinados injetados com as células tumorais;

  3. Animais saudáveis não treinados (controle não treinado);

  4. Animais não treinados injetados com as células tumorais.

No Grupo 2, as células tumorais foram injetadas após 8 semanas de treinamento físico e 2 dias de descanso. Durante 20 dias, foram realizadas medidas do volume do tumor e da massa corporal. No início e ao final do protocolo, foram avaliadas a capacidade de corrida e a função muscular. Também foram coletadas amostras do tumor e dos músculos para verificar a massa e estudar a sinalização adrenérgica, além de órgãos como as glândulas adrenais, linfonodos e baço.

O potencial do treinamento físico aeróbico

Com base nos dados obtidos nos experimentos, observou-se uma redução significativa no crescimento tumoral nos camundongos submetidos ao treinamento físico aeróbico, em comparação com o grupo não treinado. O volume tumoral, analisado ao longo do tempo, apresentou uma diferença marcante entre os grupos. Além disso, a análise de sobrevida revelou que os animais que realizavam o treinamento apresentaram uma sobrevida aumentada com relação ao outro grupo.

Outro resultado importante foi a conclusão de que, embora o treinamento físico não tenha alterado a massa muscular, ele promoveu melhorias na função muscular, como o comprimento da passada com relação ao grupo controle. Isso sugere que o exercício contribui para um ambiente interno mais favorável, ajudando a combater os efeitos negativos do câncer.

O estudo reforça que o exercício aeróbico pode ser um grande aliado ao tratamento do câncer – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A pesquisa concluiu que o treinamento físico aeróbico ajudou a manter a função muscular e a capacidade de corrida em um modelo experimental de câncer, além de reduzir o crescimento tumoral e aumentar a sobrevida dos animais. Os achados corroboram com estudos anteriores da área sobre os benefícios do treinamento físico aeróbico na redução do crescimento tumoral, na melhora da sobrevida e na performance motora em modelos experimentais de câncer. Com a pesquisa, no entanto, não foi possível identificar uma relação clara entre a sinalização adrenérgica no tumor e nos músculos.

Os resultados podem impactar positivamente na reprodutibilidade e confiabilidade de estudos futuros, destacando o treinamento físico aeróbico como uma estratégia complementar promissora no tratamento do câncer.

O estudo intitulado “Efeito do treinamento físico aeróbico na atividade nervosa simpática dos tecidos tumoral e muscular esquelético em modelo experimental de câncer” está disponível no banco de teses da USP e pode ser acessado na íntegra clicando aqui. 

Todos os procedimentos experimentais executados nesta pesquisa estão de acordo com o Guia Brasileiro de Produção, Manutenção ou Utilização de Animais em Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica do CONCEA para o manejo de animais de laboratório e foram avaliados e aprovados pela CEUA da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP).

*Estagiário sob supervisão de Paula Bassi, da Assessoria de Comunicação da EEFE 

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Motivos para você ler as bulas dos remédios

Quem vive há mais tempo, provavelmente se recorda que as bulas eram documentos bem difíceis de serem lidos.1

As informações eram escritas em uma linguagem técnica e complexa para o público geral e, geralmente, em letras pequenas. Mas, felizmente, isso mudou!1

Hoje, as farmacêuticas trabalham para tornar as bulas mais claras e acessíveis com o objetivo de garantir que cada paciente possa compreender os detalhes daquele medicamento que está utilizando.1

Quais informações constam nas bulas de medicamentos?

A bula é como um manual de instruções, fornecendo as informações necessárias para um uso seguro e eficaz do remédio.1,2

É nesse documento que o paciente pode conferir quais são as doenças ou condições que podem ser tratadas por aquele produto ou qual a dose correta, com que frequência e de que forma ele deve ser consumido.1,2

Isso não quer dizer de forma alguma que a orientação do médico não deva ser seguida, tá?! Mas essa leitura pode ajudar quem está em tratamento a entender melhor a própria jornada.

Além disso, há algumas situações em que um medicamento específico não deve ser usado. Ou até casos em que, caso o remédio seja combinado com outros medicamentos, alimentos ou substâncias, o organismo pode sofrer alguns impactos.1,2

E tudo isso está descrito na bula.

Outro ponto que também merece destaque é a parte de efeitos colaterais. Há quem tenha receio de ler essa descrição, mas ela também é importante. Ali, é possível entender quais reações podem acontecer durante o tratamento por conta do uso do remédio.1,2

Qual a importância de ler a bula?

Ao conhecer as informações que aparecem na bula, o paciente pode identificar alguns sinais de alerta (se houver) ou verificar recomendações para o uso do seu medicamento.1

Mas não é só isso. Certamente, todo mundo já foi a uma consulta médica e esqueceu de perguntar algo. Quando é assim, esse documento também pode ser útil ao fornecer detalhes sobre o tratamento.1

Entretanto, é essencial dizer: apesar da bula ser algo importante e que deve ser lido com atenção, ela não substitui a orientação médica.

Antes de iniciar qualquer tratamento, é fundamental consultar um profissional de saúde qualificado para obter orientações adequadas. Se tiver dúvidas sobre o medicamento, você pode combinar a leitura da bula com a consulta ao especialista.

Referências:

1. FACULDADE MAURÍCIO DE NASSAU. Compreenda a importância de ler as bulas dos medicamentos. Disponível em: https://www.uninassau.edu.br/noticias/compreenda-importancia-de-ler-bulas-dos-medicamentos. Acesso em: 12 dez 2024.

2. JORNAL DA USP. Pílula Farmacêutica #125: Saiba a importância da bula dos medicamentos. Disponível em: https://jornal.usp.br/podcast/pilula-farmaceutica-125-saiba-a-importancia-da-bula-dos-medicamentos/. Acesso em: 12 dez 2024.

BR-37021. Material destinado ao público geral. Jan/2025.

Referência: Blog FazBem

Alimentação não inflamatória e atividade física protegem saúde mental feminina

Um estudo do Grupo de Pesquisa em Avaliação do Consumo Alimentar (GAC) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP conecta o sedentarismo e uma dieta pró-inflamatória aos Transtornos Mentais Comuns (TMC) – distúrbios como a depressão e ansiedade, que não apresentam casos de psicose – em mulheres com mais de 40 anos.

O potencial inflamatório da dieta foi estimado por um índice já existente na literatura científica, desenvolvido a partir de estudos epidemiológicos e de laboratório. São exemplos de alimentos com potencial inflamatório aqueles com altas quantidades de gordura saturada – como a carne vermelha – e predominância de carboidratos simples, como os com farinhas brancas ou altos em açúcar adicionado. Já as frutas, os legumes e alguns óleos vegetais são considerados anti-inflamatórios.

Os resultados apontaram que transtornos mentais comuns estavam associados ao grupo de mulheres com maiores índices inflamatórios dietéticos e baixo grau de atividade física. Além disso, esses transtornos também estavam relacionados com a presença simultânea de três ou mais doenças não transmissíveis, como hipertensão, diabete, artrite e artrose.

Base de Dados

Os dados foram obtidos pela base do projeto ISA-Nutrição 2015, coordenado pela professora Regina Mara Fisberg e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Trata-se de um estudo transversal realizado por uma parceria entre a FSP e Faculdade de Medicina (FMUSP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Instituto de Saúde (IS) do Estado de São Paulo. Os pesquisadores aplicaram questionários nos moradores de áreas urbanas da cidade de São Paulo. Dentro das limitações geográficas, o projeto conseguiu coletar uma amostra diversificada em termos de renda, etnia, idade e escolaridade.

A pesquisa avaliou uma amostra de 467 mulheres com mais de 40 anos, medindo o potencial inflamatório de dieta a partir do Índice Inflamatório Dietético (IID) e o grau de atividade física, a partir do Questionário Internacional de Atividade Física (Ipaq), que leva em consideração no cálculo até mesmo atividades feitas por lazer. Na modelagem estatística foram definidas, também, as variáveis de ajuste – fatores que podem influenciar os resultados e, por isso, são considerados nos cálculos: doenças não transmissíveis, intervalo de idade, anos de educação formal, índice de massa corporal (IMC) e etnia.

Dietas pró-inflamatórias: glúten e lactose não são os vilões

João Valentini Neto, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação Nutrição em Saúde Pública e um dos autores do artigo, ressalta que a pesquisa foge de “simplismos nutricionais” e que o objetivo não é generalizar nem estigmatizar alimentos como leite e pão, por exemplo. “Quando tocamos nesse assunto, não estamos falando em condenar a lactose e o glúten”, comenta o pesquisador, referindo-se a alguns conteúdos equivocados divulgados na imprensa e nas mídias sociais.

O Índice Inflamatório Dietético (IID) utilizado foi desenvolvido por pesquisadores estadunidenses e leva em conta diferentes aspectos da dieta a partir de cálculos específicos da quantidade e qualidade nutricional dos alimentos. Frutas, legumes, verduras, especiarias, óleos que contenham ômega 3 – como óleo de peixe ou azeite de oliva – cebola, alho, gengibre e chás são considerados alimentos anti-inflamatórios pelo índice. Por sua vez, alimentos com maiores quantidades de gordura saturada – como a carne vermelha – e predominância de carboidratos simples – como a farinha branca – são considerados pró-inflamatórios.

Valentini Neto explica que uma alimentação anti-inflamatória deve se aproximar das dietas tradicionais – praticadas por grupos culturais antes da introdução de alimentos industrializados – e se afastar da dieta ocidentalizada – caracterizada pelo consumo excessivo de ultraprocessados, grãos refinados e alimentos pré-embalados.

O pesquisador aponta que o objetivo não deve ser meramente excluir alimentos pró-inflamatórios, mas, especialmente, acrescentar estímulos que façam efeito contrário. Ele explica que o índice avalia como substâncias pró-inflamatórias e anti-inflamatórias reagem. Para ele, a população deve buscar um equilíbrio alimentar.

O indicador, diz ele, “engloba desde a quantidade de orégano até a mensuração de ativos como os flavonóides antioxidantes”, referindo-se às substâncias presentes em alguns vegetais que protegem as células contra os efeitos danosos dos radicais livres.

Efeitos do sedentarismo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a população faça, no mínimo, 150 minutos de atividade física por semana – de preferência, dividida em diferentes sessões ao longo do período. Pessoas que se exercitam com uma frequência abaixo desta recomendação são consideradas sedentárias. O estudo utilizou a classificação da OMS como parâmetro de investigação e dividiu os correspondentes em sedentários ou ativos, a partir do Questionário Internacional de Atividade Física – ou seja, pessoas que não praticavam exercício de maneira consistente, mas se movimentavam bastante durante a semana, também foram classificadas como ativas.

“Nós observamos que mulheres que seguiam a referência da OMS estavam mais protegidas contra os transtornos mentais comuns”, comenta Valentini Neto. Ele explica que a atividade física, por si só, já é um estímulo anti-inflamatório – tanto pela regulação do sistema imunológico quanto pelo aumento do metabolismo antioxidante. Assim como no caso da dieta, o pesquisador aponta que é importante não generalizar e explica que a prática excessiva de exercícios também pode ter um efeito pró-inflamatório.

Inflammaging em mulheres

Valentini Neto afirma que, em qualquer faixa etária, os transtornos mentais prevalecem no gênero feminino. Entre as próprias mulheres, porém, o índice de TMC é maior naquelas com idade próxima e posterior à menopausa.

O pesquisador comenta que no envelhecimento tende a se desenvolver um quadro de inflamação sistêmica de baixo grau, considerada subclínica. Esse processo recebe o nome de inflammaging, aglutinação dos termos da língua inglesa inflammation (inflamação) e aging (envelhecimento). Cientistas da área estudam como esses dois fatores se retroalimentam.

A relação entre inflamação e transtornos mentais é abordada, especialmente, nos estudos sobre o eixo intestino-cérebro. Alterações na saúde intestinal podem ser associadas a neuroinflamação e neuroprogressão. Por isso, uma das hipóteses dos pesquisadores era de que alimentação pró-inflamatória e sedentarismo poderiam ser fatores de influência dos transtornos mentais comuns em mulheres com mais de 40 anos.

Mais informações: joaovneto@gmail.com, com João Valentini Neto

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

FONTE: Jornal da USP

Treinamento resistido traz benefícios a pessoas com dor lombar desde a primeira sessão

Pesquisador da USP destaca o treinamento resistido como uma alternativa promissora para o manejo da dor lombar crônica

A dor lombar crônica é, atualmente, uma das principais causas de incapacidade no mundo. Caracterizada pela dor e desconforto na região inferior das costas, a condição afeta não somente a qualidade de vida, mas também a capacidade funcional de milhões de pessoas. Além de limitações nas tarefas diárias, a dor lombar crônica pode levar ao afastamento do trabalho e gerar consequências socioeconômicas relevantes.

O treinamento resistido – prática de exercícios para melhorar a resistência do corpo – é apontado por vários pesquisadores como uma das estratégias promissoras para mitigar os problemas causados pela condição. Em sua tese de doutorado, Eduardo Borges, sob orientação do professor Júlio Cerca Serrão, verificou o nível de influência desse tipo de treinamento na melhora da dor, da incapacidade funcional e na ativação neuromuscular dos pacientes.

Participaram do estudo 31 voluntários de ambos os sexos, com idade entre 20 e 59 anos. Essas pessoas foram divididas em dois grupos, sendo que o primeiro participou de uma sessão única de treinamento. O restante realizou um programa contínuo de oito semanas, com duas sessões semanais.

Os resultados apontaram para benefícios desde a primeira sessão de exercícios. Após as oito semanas de treinamento resistido de leve intensidade, os voluntários apresentaram melhoras na mobilidade do tronco e alterações importantes, como a redução da incapacidade funcional e da dor.

Treinamento resistido: um protocolo promissor

De forma geral, o treinamento resistido é focado em criar resistência ao corpo. O objetivo é treinar para que o corpo não fique tão cansado ou dolorido após exercícios básicos, mesmo da vida cotidiana, como caminhar e subir escadas. Tem como ideia principal a resistência progressiva, e normalmente é realizado com a utilização de pesos ou elásticos. Por ser de baixo impacto, o treinamento resistido pode ser indicado e adaptado para a maioria das pessoas.

Para verificar sua eficácia no tratamento da dor lombar crônica, Borges propôs investigar se esse tipo de treinamento seria capaz de reduzir a incapacidade funcional de moderada para leve.

Exercícios realizados na sessão aguda – Foto: Reprodução / Trabalho original, cedido pela pesquisador da EEFE

Na sessão aguda (sessão de exercícios praticados de forma isolada), foram realizados os exercícios terra com barra hexagonal, extensão lombar no banco romano e abdominal.

Exercícios realizados no protocolo de oito semanas – Foto: Reprodução / Trabalho original, cedido pela pesquisador da EEFE

Já no protocolo contínuo de oito semanas, somados aos exercícios da sessão aguda, também foram realizados os exercícios supino e remada em máquina. Os voluntários realizavam 3×10 repetições nos exercícios multiarticulares e 2×10 nos uniarticulares.

Benefícios desde a primeira sessão

Os resultados do estudo revelaram que o treinamento resistido de baixa intensidade reduziu a dor, a incapacidade funcional e aumentou a força máxima desde a primeira sessão. Após oito semanas, o grupo experimental apresentou alterações significativas quando comparado com o grupo de controle. Além de uma redução ainda maior dos índices mencionados, o grupo também mostrou redução de dor afetiva, aumento da resistência muscular e amplitude de movimento do tronco.

Mulheres tendem a sofrer mais com a dor lombar crônica do que homens – Foto: Freepik

O pesquisador concluiu que o protocolo de treinamento resistido proposto é eficaz para o tratamento de pessoas com dor lombar crônica inespecífica. “No entanto, os parâmetros eletromiográficos analisados por nós não respondem o porquê dos efeitos positivos encontrados” enfatiza.

O estudo intitulado Influência de um programa de treinamento resistido para pessoas com dor lombar em parâmetros associados à incapacidade funcional, dor e ativação neuromuscular está disponível no banco de teses da USP e pode ser acessado na íntegra clicando aqui.

*Da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE, sob supervisão de Paula Bassi. Adaptado para o Jornal da USP

Mais informações: e-mail comunicaeefe@usp.br

FONTE: Jornal da USP

Queda de idosos é responsável por 10% das emergências hospitalares

Você sabia que a queda é a segunda causa de morte em idosos? De acordo com o Ministério da Saúde, em dez anos – de 2013 a 2023 – o aumento foi de quase 100%. Aqui no Brasil 10 mil pessoas com mais de 60 anos morrem por ano em decorrência de um tombo.

Recentemente fomos surpreendidos com um grande número de pessoas famosas, com mais de 60 anos, que foram vítimas de tombos e consequentes internações. Apesar da surpresa, isso é muito mais comum do que se possa imaginar: ainda segundo dados do Ministério da Saúde, 70% dos idosos sofrem algum tipo de acidente dentro de casa. Rosa Yuka Sato Chubaci, professora de Gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, explica que a queda pode ocorrer em qualquer momento da vida, mas, com o avançar dos anos, os idosos são as principais vítimas e os motivos são diversos, desde a falta de mobilidade até problemas de visão.

Os locais dos tombos são variados: escadas, telhados, lajes desprotegidas, além de quedas da própria altura, quando a pessoa desaba subitamente quando está em pé e sem apoio, mas o primeiro lugar continua sendo o banheiro, nele é onde ocorre o maior número de acidentes, e não apenas com os mais velhos, também acontece com os mais jovens. O tombo pode se dar quando a pessoa se senta ou levanta do vaso sanitário, por exemplo. A parte do corpo mais machucada é a cabeça, quase 14% dos que caíram foram hospitalizados por causa disso. “O piso molhado e escorregadio, a locomoção com dificuldade, normalmente arrastando os pés, são alguns dos motivos para as quedas”, explica a geriatra.

Emergência hospitalar

Ainda que na maioria das vezes não leve à morte instantânea, a queda de idosos é a razão de aproximadamente 10% das emergências hospitalares. A situação é mais complicada do que possa parecer, já que após a alta hospitalar o quadro do idoso dificilmente volta ao normal. Muitas vezes há restrição de mobilidade, ficando restrito ao uso de cadeira de rodas, bengala ou andador, dificuldade para realizar atividades do cotidiano, perda cognitiva, isolamento e até depressão.

A casa precisa ser adaptada para a terceira idade. Itens e lugares de risco devem ser evitados, como degraus, tapetes, camas altas e móveis com cantos. Rosa explica que “a instalação de barras de apoio, corrimão, portas largas e fáceis de abrir, assim como janelas, ajudam o dia a dia das pessoas com mais de 60 anos.

Quando o assunto são as ruas das cidades, o cuidado deve ser redobrado, principalmente com as calçadas. A especialista em envelhecimento diz que o Brasil não tem calçadas adequadas para a mobilidade na terceira idade. “A importância de existirem políticas públicas para ajudar os brasileiros que estiverem nessa faixa etária é de extrema importância e vão desde atividades culturais e esportivas até casas de convivência”, afirma.

A Universidade de São Paulo tem o Programa 60 +, criado há 30 anos por iniciativa da professora Eclea Bosi, seu principal objetivo sendo o de possibilitar ao idoso o aprofundamento de conhecimentos em áreas de seu interesse. Atendendo aos critérios da ONU e Unesco, prioriza-se a idade a partir de 60 anos.

FONTE: Jornal da USP

Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos exigem cautela antes de ser prescritos

Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos (MPI) têm se tornado uma preocupação crescente no mundo da medicina. Lincoln Marques, farmacêutico clínico e doutorando da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, explica que esses medicamentos, listados pela Sociedade Norte-Americana de Geriatria desde 1991, são atualizados a cada três anos e trazem riscos específicos para pacientes idosos. “Devemos ficar atentos à idade do paciente e saber se os medicamentos vão trazer mais risco do que benefício. A lista traz aqueles medicamentos que podem trazer mais risco para os pacientes que têm acima de 65 anos”, afirma.

Esses medicamentos incluem aqueles que podem provocar reações adversas significativas, dependendo do grupo do paciente, seja devido ao envelhecimento ou a alterações metabólicas. O especialista destaca que, embora muitos remédios sejam amplamente usados e considerados seguros, a idade avançada e o uso prolongado podem aumentar os riscos, exigindo uma avaliação cuidadosa antes da prescrição.

Consequências de cada medicamento

Além dos efeitos dos MPI, Marques fala sobre a importância da relação risco-benefício na medicina. A escolha de um medicamento não depende apenas de seu potencial para aliviar sintomas, mas também dos efeitos adversos e do perfil do paciente. “Quem prescreve é geralmente o médico, mas a avaliação, principalmente em hospitais, é feita também pelo farmacêutico. Ele também pode estar fazendo análise desse risco-benefício”, pontua.

Ele ainda informa que, na indústria, geralmente os testes desses medicamentos são feitos com pacientes saudáveis, e complementa: “Isso deixa de fora grupos vulneráveis, que seriam as crianças, as gestantes e também os idosos. E aí essa lista sempre traz, a cada três anos, os artigos e estudos que vão sendo publicados em outras populações, para saber que tipos de reações os pacientes estão tendo e, a partir disso, trazer quais são os potencialmente inapropriados”. Segundo o farmacêutico, os medicamentos da parte neurológica, como os para insônia, estão entre os que exigem mais atenção.

Situações específicas dos pacientes

A lista de MPI também é uma referência internacional e amplamente usada no Brasil. O doutorando observa que, com o avanço da idade, aumenta-se o número de medicamentos usados por um paciente, o que pode trazer riscos de interações medicamentosas. “Quando a pessoa vai envelhecendo, alguns desses medicamentos deixam de funcionar da forma mais adequada e quando nós vamos fazer a análise do uso desses medicamentos temos que fazer não só a partir das interações medicamentosas, mas também outras coisas, que seja a reação adversa ou saber se a pessoa tem uma função cognitiva, se ela vai estar sendo prejudicada através desses medicamentos ou não”, comenta.

Marques explica que alguns medicamentos, como os utilizados para colesterol, para terem uma maior efetividade, possuem um prognóstico de vida mais curto, de até no máximo dois anos. “Então, não teria necessidade de adicionar esse medicamento, de manter ele, já que não vai ter tanto benefício assim. Vai trazer mais risco, por exemplo, para os rins do paciente. Eles podem prejudicar. E aí, nós, a equipe de farmácia, em conjunto com a equipe médica, conversamos para conseguir tirar esse medicamento”, afirma.

Além da vigilância com medicamentos específicos, o farmacêutico destaca a importância da personalização do tratamento, considerando fatores como função cognitiva e capacidade de metabolização, que podem ser diferentes em pacientes idosos. Marques reforça que nem todos os medicamentos listados como MPI são proibidos, mas exigem monitoramento rigoroso.

O especialista também reforça a contraindicação da automedicação, sendo necessária a procura da orientação de um profissional adequado. “Mas nem todo médico, nem todo prescritor tem conhecimento dessa lista. Às vezes, ele acaba prescrevendo o medicamento. Por isso que é sempre bom o farmacêutico estar dando uma olhada, porque nós somos treinados para individualizar cada tratamento para cada paciente”, conclui.

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Tratamento contra hipertensão pode diminuir o risco de demência

Pesquisadores brasileiros que participaram da análise de pacientes em 15 países destacam potencial do programa de acompanhamento de diabete e hipertensão do SUS na prevenção da demência

Idosos que fazem tratamento com medicação para hipertensão têm menor risco de desenvolver demência do que aqueles que não se tratam. A conclusão é de uma análise que reuniu os dados de 17 estudos populacionais, abrangendo 34.519 participantes em 15 países, feita pelos cientistas do Cohort Studies of Memory in an International Consortium (Cosmic), grupo que estuda fatores de risco, proteção e biomarcadores do envelhecimento cognitivo e demência. O artigo com os resultados do trabalho foi publicado pela revista científica Neurology em 14 de agosto.

O Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) participou da pesquisa com o estudo populacional São Paulo Ageing & Health Study (SPAH), realizado com pessoas acima de 65 anos, o qual apontou que em 26,3% dos pacientes a hipertensão não era tratada. Os pesquisadores do IPq destacam o potencial do programa de acompanhamento de diabete e hipertensão do Sistema Único de Saúde (SUS), o Hiperdia, para demonstrar à população brasileira a importância da prevenção dessas doenças, como também da demência.

“A multimorbidade, ou seja, ter várias doenças crônicas ao mesmo tempo, é um problema de saúde cada vez mais frequente no Brasil e no mundo.

 Ela dificulta o tratamento, piora a qualidade de vida e aumenta o número de mortes prematuras”, afirma ao Jornal da USP a pesquisadora Marcia Scazufca, do IPq, uma das integrantes do grupo que elaborou o artigo.

“A hipertensão arterial sistêmica [HAS] ou ‘pressão alta’, além de ser a doença crônica mais prevalente entre adultos e idosos, é o fator de risco modificável mais importante para outras comorbidades, como distúrbios cardiovasculares e demência”.

Diante da inconsistência dos resultados, os pesquisadores associados ao Cosmic realizaram uma análise que combinou dados de 17 estudos populacionais, abrangendo 34.519 participantes residentes nos 15 países do consórcio (Estados Unidos, Brasil, Austrália, China, Coreia, Singapura, República Centro Africana, República do Congo, Nigéria, Alemanha, Espanha, Itália, França, Suécia e Grécia).

Prevenção

“O critério para a análise foi não ter demência na inclusão do estudo e ter diagnóstico confiável de hipertensão”, descreve a pesquisadora. “A avaliação de demência foi realizada pelo menos duas vezes, no começo e no seguimento do estudo, em média 4,4 anos após a análise inicial.”

Considerando todos os estudos, a maioria (58,4%) dos participantes eram mulheres e a idade média foi de 72,5 anos. “Como esperado, a prevalência de hipertensão foi alta, considerando todos os 17 estudos, chegando a 60,1%, cerca de dois terços dos participantes. As pessoas analisadas foram divididas em três grupos: 35,5% eram saudáveis, 50,3% tinham hipertensão e recebiam tratamento, 9,8% não se tratavam e 4,4% tinham diagnóstico inconclusivo”, relata Marcia Scazufca. “Participantes com hipertensão que não faziam tratamento com medicações anti-hipertensivas tiveram aproximadamente 42% maior risco de ter demência quando comparados a idosos que tinham hipertensão e recebiam tratamento. Este resultado foi observado para participantes de qualquer idade a partir dos 60 anos.”

A pesquisadora salienta que o estudo brasileiro de base populacional (SPAH) faz parte da análise feita pelo consórcio Cosmic, e contribuiu para as análises apresentadas no artigo. “O trabalho incluiu 2.072 pessoas com 65 anos ou mais, residentes em áreas de baixa renda da região oeste de São Paulo, algumas muito próximas do campus da USP na Cidade Universitária”, descreve. “Entre os participantes, 60,6% eram mulheres, aproximadamente 70% tinham entre 65 e 74 anos, 50% tinham renda de um e meio salário mínimo e 90% apresentavam até três anos de escolaridade.”

A prevalência de hipertensão no grupo de idosos analisado foi de 80,4% e, entre eles, aproximadamente três quartos faziam tratamento com medicação hipertensiva. “No entanto, um quarto dos idosos com hipertensão não fazia tratamento, que o artigo sugere como um dos muitos fatores ao longo da vida que aumentam o risco do desenvolvimento da demência”, destaca a pesquisadora. “Educar a população e os profissionais de saúde sobre as vantagens do tratamento da hipertensão, entre eles a prevenção da demência, é fundamental para melhorar a oferta e adesão aos tratamentos.”

A demência é uma doença crônica progressiva que ainda não tem tratamento. “A prevenção dos seus fatores de risco ainda é a melhor forma de prevenir ou retardar o seu início”, observa. “Apesar de uma minoria dos participantes do SPAH (26,3%) não estarem recebendo tratamento para hipertensão, eles estavam mais expostos a um fator de risco que poderia ser prevenido.”

“A educação em saúde, parte importante do Hiperdia, pode informar a população sobre a relevância do tratamento da hipertensão também para a prevenção da demência, além de outras doenças crônicas”, aponta. Para a pesquisadora, a educação em saúde é o primeiro passo para a população e os profissionais de saúde entenderem e aderirem a intervenções baseadas em evidências. “A principal mensagem deste artigo é que o tratamento da hipertensão é importante para a prevenção da demência em todas as fases da vida”, conclui a pesquisadora do IPq.

O estudo SPAH recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Wellcome Trust, instituição de apoio à pesquisa do Reino Unido. Os pesquisadores responsáveis pelo trabalho são Marcia Scazufca, Paulo Rossi Menezes, da FMUSP, e Homero Pinto Valada, da FMUSP e do IPq.

Mais informações: scazufca@usp.br, com Marcia Scazufca

FONTE: Jornal da USP

Pesquisa ajuda a entender a dor associada a infecções virais

Em experimentos com camundongos, cientistas identificaram um sensor imunológico que ativa neurônios responsáveis pela dor; descoberta abre caminho para novos tratamentos analgésicos

Estudo publicado na revista Brain, Behavior, and Immunity pode ajudar a entender melhor a dor associada a infecções provocadas por vírus e, com isso, abrir caminhos para novos tratamentos analgésicos. O artigo mostra que o reconhecimento de certos ácidos nucleicos, como o DNA viral, por um sensor imunológico chamado Sting – presente nos neurônios responsáveis pela detecção da dor (os nociceptores) – pode ativar um canal conhecido por mediar a sensação de dor.

Analisando camundongos infectados com HSV-1, um vírus “parente” do Varicella-Zoster (causador da catapora e do herpes-zóster), os cientistas constataram que a ausência de Sting nos nociceptores resultou em uma redução significativa da dor, sem afetar a inflamação ou a carga viral.

Esse resultado sugere que a sinalização do sensor imunológico está diretamente ligada à dor, independentemente da inflamação. Os cientistas acreditam que a descoberta pode ser relevante também para outras infecções virais, incluindo o sars-cov-2 (causador da covid-19), cuja interação do vírus com Sting e sua associação com a dor foram recentemente relatadas.

Frequentemente, a dor é um dos indicadores iniciais de uma infecção viral, mas os processos pelos quais ela é induzida ainda têm lacunas para a ciência. As células imunológicas normalmente reconhecem os ácidos nucleicos virais, que ativam os receptores e a sinalização viral, levando à resposta imune. Esses receptores e sinais virais estão presentes nos nociceptores.

“Demonstramos neste artigo que o reconhecimento de partes do vírus, provavelmente o DNA, por Sting, participa do processo de indução de dor. Pelo menos parte dele seria diretamente ligada a uma ativação do neurônio, e não à inflamação. Isso abre várias perspectivas. A grande questão agora é o quanto isso pode tornar o indivíduo mais suscetível”, diz à Agência Fapesp o professor Thiago Mattar Cunha, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP-USP), autor correspondente do artigo juntamente com Temugin Berta, do Centro Médico da Universidade de Cincinnati (Estados Unidos).

Cunha explica que o grupo está pesquisando o papel desse mecanismo na proteção do indivíduo à infecção para buscar tratamentos que evitem a dor, mas não afetem a defesa imunológica.

“A dor sempre foi associada ao processo inflamatório, mas na última década começou a surgir na literatura científica um novo conceito: o de que microrganismos – bactérias e fungos – poderiam ativá-la por meio de seus ‘produtos’. Mais recentemente surgiram evidências de que vírus poderiam ativar neurônios nociceptivos ao expressar alguns receptores, como o Sting. Por isso, começamos a explorar essa via”, lembra o professor, que integra o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (Crid), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp sediado na USP.

Em 2017, Cunha foi coautor de um artigo publicado no Journal of Neuroscience mostrando que mecanismos imunológicos desencadeados pelo vírus Varicella-Zoster, quando ele é reativado, alteram o funcionamento dos neurônios sensitivos e resultam em neuralgia herpética.

À época, uma das contribuições desse trabalho desenvolvido no Crid foi a validação de um modelo animal para o estudo dos mecanismos moleculares envolvidos na dor herpética, o mesmo utilizado na pesquisa agora publicada. Como o Varicella-Zoster não infecta camundongos, o grupo utilizou um microrganismo “parente”, o HSV-1, vírus do herpes simples que, em humanos, pode causar feridas labiais e genitais.

Já o Varicella-Zoster provoca em crianças a catapora (também conhecida como varicela), uma doença infecciosa, altamente contagiosa, mas geralmente benigna, cuja principal característica clínica são lesões na pele que se apresentam como máculas, pápulas, vesículas e crostas, acompanhadas de coceira. Uma vez adquirido o vírus, a pessoa fica imune à catapora, mas ele permanece no organismo, podendo ser reativado na vida adulta e causar o herpes-zóster (cobreiro), que passou a ser reconhecido como infecção frequente em portadores de HIV.

No Brasil, não existem dados consistentes da incidência de varicela, já que somente os casos graves de internação e as mortes são de notificação compulsória. No entanto, o Ministério da Saúde estima que sejam cerca de 3 milhões de casos ao ano. Análise Epidemiológica realizada em maio de 2024 apontou que houve 25.605 internações pelo Varicella-Zoster entre 2013 e 2023 no País, sendo 26% na faixa etária dos 70 aos 79 anos.

Processo

A ativação de Sting tradicionalmente “recruta” uma proteína (a TBK1), que induz a produção de moléculas essenciais na resposta imune, os interferons. No entanto, o estudo mostrou que a inibição de TBK1 reduziu a dor, enquanto o bloqueio de interferons não teve efeito, sugerindo que Sting pode desencadear dor por caminhos independentes.

Por fim, foi demonstrado que a ativação de Sting ativa um canal iônico – TRPV1 – levando à despolarização dos nociceptores. Esse mecanismo pós-transcricional também é novo em relação ao que se conhece sobre a sinalização de Sting.

O artigo STING recognition of viral dsDNA by nociceptors mediates pain in mice pode ser lido aqui.

*Da Agência Fapesp, adaptado para o Jornal da USP
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP