À primeira vista, Ana Cristina Passarella Brêtas parece uma pessoa extremamente simpática e doce.
Quando fomos entrevistá-la no lançamento do livro Velhices e Outras Coisas, da editora Scortecci, e primeiro trabalho de ficção, já sabíamos que ela era referência em diversas áreas.
Afinal, ela é graduada em enfermagem, sociologia, mestre em educação, doutora em enfermagem, professora e agora, claro, escritora de ficção.
Eita!
Mas nenhum dos adjetivos que demos aqui, alcança a doçura da pessoa que Ana Cristina é.
No lançamento com outros autores, ocorrido em dezembro passado no Espaço Scortecci, em São Paulo, a maior fila, de longe, era dela.
Ela abraçava com carinho a todos os que foram comprar seu livro, distribuía sorrisos, tirava fotos, dava autógrafos. Todos pareciam amigos e no olhar de todos dava pra sentir a admiração pela autora.
Já no auge dos seus 57 anos e com vasta experiência em gerontologia e em cuidar de idosos, parece natural que o assunto do seu primeiro livro fosse o envelhecimento.
E é mesmo!
O Velhices e Outras Coisas, “velhices, assim mesmo no plural” – como ela faz questão de destacar -, é um compilado de 15 contos ficcionais, mas sempre baseadas na realidade e na experiência.
Ou seja, a arte imita a vida. E vice versa.
Ana Cristina começou como escritora de ficção depois do 50 anos. Uma inspiração!
E o seu primeiro livro… Ah, o seu primeiro livro de contos! Que delícia de ler!
Mesmo em poucas páginas (são 72), em cada conto você sente a dor, a alegria e, principalmente, a vida de cada personagem principal.
E foi para falar do lançamento do livro – e de velhices, assim mesmo, no plural – que Ana Cristina foi solícita (e doce, como sempre) em nos conceder essa entrevista exclusiva.
Como começou a sua carreira literária?
Eu venho da vida acadêmica. Trabalhei 28 anos na universidade. Então textos acadêmicos, para mim, já faziam parte da minha vida profissional. Agora, ficção eu comecei em 2015.
Participei de cursos livres e oficinas de criação literária; cursei especialização em Formação de Escritores no Instituto Vera Cruz. Tenho lido bastante. Pedi licença para entrar na área da Literatura me preparando para aprender a escrever.
E você tinha quantos anos quando resolveu virar escritora de ficção?
Isso foi em 2015. Hoje tenho 57 anos, então eu tinha por volta de 54 anos. Realmente já tinha 50+ mesmo (risos).
E como foi o processo de criação dos seus contos?
A ideia principal é desdramatizar a questão da velhice. A velhice faz parte da vida e eu acho que ficar velho deve ser um objetivo de vida, uma meta. Quem não fica velho é porque morreu antes.
Então esse livro são velhos que me inspiram no dia a dia. Histórias que às vezes eu escuto no metrô e eu ficciono em cima. De gente que eu escuto na rua, de gente que eu escutei profissionalmente…
Tudo acabou virando ficção.
Como é ter mais de 50 anos pra você?
(pensando) Olha… Eu estou falando como mulher, de classe média, que habita um determinado local no mundo, com liberdade e condição para fazer coisas que me dão prazer.
Enfim… Foram 30 anos de trabalho nas áreas da Educação e da Saúde bem vividos e agora estou aproveitando para aprender uma nova profissão.
E qual é a diferença entre ser um idoso de classe média, como você falou, e um idoso pobre, por exemplo?
Não só o idoso, né? A desigualdade social no Brasil é horrorosa. Quando a gente pensa na desigualdade de saúde, na desigualdade de habitação, na desigualdade de transporte… Isso bate na desigualdade da vida. E pode ser que você não consiga envelhecer bem. Por isso que o livro está no plural: “velhices”. Porque dependendo do local que você está no mundo, é o impacto que você vai ter da velhice.
Um dos contos, “As sombras da cidade”, é uma pessoa em situação de rua. E sem dramatizar a rua, a ideia não é essa. A ideia é mostrar que a pobreza está aí. E que a gente é responsável. Ou na literatura, ou nos textos acadêmicos. E não mascarar isso.
Como socióloga e enfermeira que trabalhou muito tempo também com idosos: Como você vê as políticas públicas para os idosos hoje? Onde começar a melhorar?
Eu começaria trabalhando com a questão da equidade social mesmo. Mas no atual cenário, eu não saberia nem dizer por onde começar. Tem muita coisa a se fazer.
Acessibilidade nas vias, por exemplo, é uma das urgências. Da mesma forma que a saúde é urgente, que a moradia é urgente. Que a velhice LGBT+ é urgente. Que a velhice em situação de rua é urgente…
As nossas urgências estão aí. Às vezes é a gente que não quer enxergar.
A solidão é um dos problemas pessoais dos idosos hoje?
Por isso que é velhices no plural. Eu não seria taxativa. De alguns idosos sim, de outros não.
O que é Envelhecimento Ativo pra você?
Envelhecer é um ajuntamento da vida. Eu me sinto no processo de envelhecimento ativo.
Num processo como o de começar a escrever ficção depois do 50 anos?
Sim, sim! Com certeza! A idade não é barreira. E também não é desculpa. E nem é privilégio.
Então fala um pouco do Velhices e Outras Coisas pra gente.
Esse livro tem 15 contos. Em cada um deles os personagens são idosos ou idosas, protagonistas ou não.
Ele fala sobre o cotidiano, fala basicamente da gente. De pessoas que envelhecem, de pessoas jovens que convivem com pessoas da minha faixa etária e com gente mais velha do que eu.
Mas nem todos os personagens são bonzinhos. Por quê?
Não é porque você é velho que você fica legal. Você é a somatória daquilo que você é na vida.
Quando eu trago o velho assediador ou o alcoolista, por exemplo, eu trago nesse contexto. São pessoas, com suas dores, vícios, problemas e felicidades.
Serviço
Livro: Velhices e Outras Coisas
Autora: Ana Cristina Passarella Brêtas
Editora: Scortecci
ISBN: 9788536657677
Número de Páginas: 72
Sinopse: VELHICES E OUTRAS COISAS não é um livro sobre velhice, versa sobre gentes que envelhecem na cidade, muitas vezes sem perceber que isso lhes acontece. Em todos os contos, velhos e/ou velhas em sua humanidade, sem as máscaras da representação social ou da sub-representação, desfilam uma velhice plural e construída. O corpo na experiência da existência tem destaque na obra; a escrita torna visível corpos em envelhecimento e posiciona-os em cena. A cada texto, uma nova voz e um novo argumento se apresentam, as histórias oscilam entre a realidade e a memória, entre a verdade e a mentira. Os personagens criados coexistem no imaginário coletivo. Pode ser que o leitor se reconheça, contudo, a autora adverte: o real foi recortado, reinventado, habita o mundo da ficção.
Onde comprar: no site Asabeça