Como o preparo do café pode influenciar sua composição e ação antioxidante

Pesquisa conduzida pela Faculdade de Saúde Pública buscou compreender como os ingredientes mais usados no dia a dia — como leite e açúcar — interferem na ação antioxidante natural da bebida

Um estudo da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP foi apresentado na 14ª Conferência Internacional de Dados Alimentares da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em Roma, destacando o papel do café brasileiro na saúde e na ciência mundial. A pesquisa, orientada pela professora Elizabeth Torres, do Departamento de Nutrição da FSP, e conduzida pela nutricionista Camila Marques Crivelli Crescencio, analisou como diferentes formas de preparo e adição de ingredientes alteram a composição fenólica e a capacidade antioxidante do café filtrado.

“Elaborar um trabalho aceito pela FAO é uma chancela internacional de relevância”, afirma Elizabeth. “Foi uma honra representar o Brasil, levando dados sobre um produto que é símbolo nacional e a bebida mais consumida no mundo depois da água.”

Como o preparo muda o potencial do café

Segundo Camila, a pesquisa buscou compreender como os ingredientes mais usados no dia a dia — como leite e açúcar — interferem na ação antioxidante natural da bebida. “O café puro apresentou os melhores valores antioxidantes. Quando adicionamos açúcar, há uma leve queda, mas ainda maior do que quando se coloca leite”, explica. O motivo está nas interações químicas: “As proteínas do leite se ligam aos compostos fenólicos do café e dificultam sua absorção. Já o açúcar, quando aquecido, passa por reações que também geram atividade antioxidante, o que ameniza essa redução”.

Os testes envolveram oito tipos de preparações, incluindo cafés com e sem cafeína, puros e combinados com leite e açúcar. O café com cafeína foi o que apresentou maior concentração de compostos antioxidantes, reforçando que a substância também atua como antioxidante. A pesquisadora explica ainda que fatores como grau de torra, espécie do grão, solo de cultivo e método de filtragem afetam o resultado. “Nosso estudo utilizou o filtro de papel, o mais comum entre os brasileiros. Ele retém parte dos compostos, mas traz outros benefícios, como a redução de substâncias associadas ao colesterol”, comenta Camila.

O equilíbrio entre ciência e consumo

Para quem se pergunta qual é o “melhor café” para a saúde, as pesquisadoras reforçam que a resposta depende do perfil de cada pessoa. “De modo geral, o café puro com cafeína é o que mais oferece antioxidantes”, resume Camila. “Mas o café descafeinado também é uma boa alternativa para quem precisa restringir o consumo de cafeína.”

A professora Elizabeth complementa: “O café é responsável pela maior parte dos compostos antioxidantes consumidos pelos brasileiros. Temos uma biodiversidade enorme, mas é o café que, pelo volume de consumo, mais contribui para a atividade antioxidante da dieta”.

FONTE: Jornal da USP

32% abusam de álcool, 14% fumam, 27% têm obesidade: um raio X da saúde do paulistano

A Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP divulgou os primeiros resultados do Inquérito de Saúde no Município de São Paulo (Isa Capital 2024), um levantamento baseado em entrevistas com 5 mil moradores da cidade, produzido em colaboração com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

A proporção de pessoas com 10 anos ou mais de idade que relatou fumar foi de 14,2%, valor significativamente menor que 2003; 18,9% que 2008; 19,3%. No consumo de álcool, 27,5% foram classificados com consumo de risco e 4,5% como consumo de alto risco ou provável dependência (32%, na soma), considerando entrevistados com 12 anos ou mais. Entre a população adulta, 35,7% encontram-se com sobrepeso e 26,9% têm obesidade. Entre os idosos, 11,8% apresentam sobrepeso e 28,4% obesidade.

Entre os habitantes da cidade ouvidos pelos pesquisadores, 25% declararam ter apresentado algum problema de saúde nas duas semanas anteriores à entrevista, um aumento em relação ao último levantamento, feito em 2015, quando o índice foi de 18,8%. O número de casos relatados de diabetes e hipertensão entre pessoas com mais de 20 anos de idade foi de 11% e 26,3%, maior que os da primeira pesquisa, feita em 2003, de 4% e 17%. “Não se trata necessariamente de um maior adoecimento, pode ser também a ampliação do acesso ao diagnóstico”, comenta Gizelton Pereira Alencar, professor da FSP que apresentou os dados do estudo.

Como novidade, o questionário desta edição abordou o diagnóstico de covid-19, além de retratar como a pandemia impactou o ânimo e a saúde mental dos entrevistados. No levantamento, 35,8% dos paulistanos afirmam terem contraído a doença, e 97,4% disseram ter tomado a vacina contra o coronavírus.

Mais da metade das consultas médicas e internações na cidade de São Paulo por todos os problemas ou condições de saúde foi custeada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Os dados foram coletados por meio de questionários aplicados pelos pesquisadores do projeto entre agosto de 2023 e dezembro de 2024. As perguntas abordaram as condições socioeconômicas, características da família e das moradias, ocorrência de doenças nos últimos 15 dias (morbidade), uso de serviços de saúde e medicamentos. A publicação com os resultados do Isa Capital pode ser consultada neste link.

“Não é simples você bater na casa das pessoas, num momento de pós-pandemia, no contexto de violência das grandes cidades, e conseguir que o morador abra a porta, que te escute, aceite ser convidado para a pesquisa e responder um questionário que não é curto, enfrentar recusa, enfrentar porta na cara, voltar duas ou três vezes para conseguir aquela entrevista”, conta a professora da FSP Zilda Pereira da Silva, integrante da coordenação do Isa Capital. “Sem esse trabalho dos entrevistadores não há pesquisa.”

Acesso ao SUS

Na pesquisa, 85% dos entrevistados responderam ter feito ao menos uma consulta médica nos últimos 12 meses, 57,3% pelo SUS, 32,8% por meio de convênio e plano de saúde e 8% pagos com recursos próprios ou de familiares. “O SUS é quem mais financia a prevenção, e também as consultas”, observa a professora da FSP Marília Cristina Prado Louvison, que expôs os resultados sobre uso de serviços de saúde. Entre as internações e cirurgias, reportadas por 8% dos moradores ouvidos pelo estudo, 56,2% foram pelo SUS, 39,4% pelo plano de saúde e 3,9% com recursos próprios.

Proporção da população de 10 anos ou mais que passou por consulta médica nos últimos 12 meses, segundo quem custeou o atendimento – Fonte: Isa Capital 2024

Proporção da população de 10 anos ou mais internada ou hospitalizada nos últimos 12 meses, de acordo com quem cobriu o gasto do atendimento – Fonte: Isa Capital 2024

“A consolidação do SUS como um todo depende de todos nós. Saúde pública não se faz sozinha, é determinante a participação da sociedade, da universidade, da pesquisa, de quem está na ponta, dos profissionais, da população”, declara Luiz Artur Vieira Caldeira, chefe de gabinete da SMS, que representou o secretário Luiz Carlos Zamarco. “A rede de assistência pública tem um porcentual de serviço social importante embarcado junto com a técnica de saúde, e isso só o SUS faz. Ele precisa ser encarado como uma política de saúde que precisa de um financiamento mais robusto, para se ter um exemplo, 85% do financiamento do SUS na capital é do tesouro municipal.”

O Isa Capital está em sua quarta edição: as anteriores foram realizadas em 2003, 2008 e 2015. Trata-se de uma pesquisa minuciosa para conhecer o estado de saúde, hábitos de vida e uso de serviços de saúde pela população da capital. Os resultados devem nortear a criação ou aprimoramento de políticas públicas e contribuir para a elaboração do Plano Municipal de Saúde nos próximos anos. Na fase das entrevistas, foram a campo 30 entrevistadores uniformizados e identificados com crachás da FSP. As visitas foram feitas a residências nas seis regionais de saúde de São Paulo (centro, oeste, leste, norte, sudeste e sul), com endereços sorteados segundo critérios estatísticos, de forma a representar a população com mais de 10 anos de idade. Além da FSP e da SMS, o levantamento teve a participação da Faculdade de Medicina (FM) da USP e do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES-SP).

A pesquisa usou uma amostragem baseada no Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e nos domicílios por região. Ao todo, foram visitados 15.172 residências em 659 ruas da capital. Dos entrevistados, 2.488 (45,5%) eram do sexo masculino e 2.984 (54,5%) do feminino, sendo 1.397 (25,5%) de 10 a 19 anos, 2.585 (47,2%) de 20 a 59 anos e 1.490 (27,2%) de 60 anos ou mais. O levantamento também incluiu perguntas sobre saúde mental, doenças crônicas, com ênfase em hipertensão e diabetes, deficiências físicas, práticas preventivas em câncer de mama, colo de útero, próstata e cólon. Por fim, os entrevistadores verificaram o histórico de vacinação e se há vítimas de acidentes ou violência: 3,4% dos habitantes ouvidos pelo levantamento relataram ter sido vítimas de acidentes de trânsito nos últimos 12 meses, 1,8% sofreram acidentes de trabalho e 10,1% apontaram que foram vítimas de violência.

Capa do Relatório – Foto: Divulgação

Também foram feitas perguntas relacionadas à segurança alimentar, acidentes no trabalho, atitudes e práticas de vacinação de crianças de zero a seis anos e sobre a presença de cães e gatos nas residências. Entre os moradores entrevistados, 26,1% declararam ter pelo menos um cão em casa, 11,3% possuem gato e 6,6% os dois animais. A divulgação do Isa Capital 2024 acontecerá de forma seriada, com a publicação de boletins temáticos.

*Com informações da Assessoria de Comunicação da FSP

FONTE: Jornal da USP

Exercícios domiciliares melhoram a mobilidade de pessoas com doença de Parkinson

A prática de atividades físicas parece responder mais rapidamente ao alívio dos principais sintomas da doença de Parkinson. É o que aponta um estudo realizado por um grupo internacional de pesquisa sediado e patrocinado pela Mahidol University, Tailândia, com participação de cientistas do Reino Unido e da USP. A equipe investigou os efeitos da combinação da Estimulação Magnética Transcraniana repetitiva (EMTr) – técnica de neuromodulação não invasiva usada no tratamento de doenças psiquiátricas e neurológicas – com atividade física domiciliar em pessoas com Parkinson.

Publicado na Clinical Neurophysiology, o estudo concluiu que a prática física, mesmo que realizada em casa, melhora a locomoção nesses indivíduos. Também constatou que a EMTr altera marcadores neurofisiológicos, como a verificada no córtex (região mais superficial do cérebro). A técnica provoca excitabilidade cortical, que é a força de resposta dos neurônios situados na região do córtex a uma determinada estimulação e considerada fundamental para o pleno funcionamento do cérebro. Entretanto, apesar da modificação cortical, a EMTr não proporcionou benefícios clínicos ou cinemáticos (relativos ao movimento) adicionais no dia a dia, além dos já oferecidos pelos exercícios domiciliares isolados.

Ao falar sobre a importância do estudo, o integrante da equipe e professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, Paulo Roberto Pereira Santiago, informa que a doença de Parkinson é uma condição neurológica que afeta os movimentos do indivíduo e ocorre por conta da degeneração das células situadas numa região do cérebro chamada “substância negra”.

Entre os principais sintomas estão: a lentidão de movimentos, tremores, rigidez muscular, desequilíbrio, além de alterações na fala e na escrita. Lembra ainda que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 4 milhões de pessoas sofram com o Parkinson no mundo atualmente, número que pode dobrar até 2040 com o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população.

Estimulação da área cerebral que controla os movimentos

Um dos focos do trabalho, conta o professor Santiago, foi investigar alternativas para lidar com as dificuldades motoras características do Parkinson. A locomoção costuma piorar nesses pacientes, com aumento do risco de quedas, e, “como já se sabe, os exercícios físicos ajudam no equilíbrio e na marcha. Então, a ideia foi verificar se a associação com a estimulação magnética transcraniana de repetição poderia potencializar os ganhos”.

Técnica não invasiva, sem a necessidade de realizar cirurgia alguma, a EMTr consiste em encostar, na cabeça do paciente, uma bobina que gera pulsos magnéticos rápidos e modulam a atividade de neurônios na região estimulada. “No estudo, estimulamos a área motora suplementar, responsável pelo início e pela organização dos passos e curvas, com o objetivo de facilitar a execução do movimento antes do treino”, explica o pesquisador.

Sobre a estruturação do estudo, Santiago afirma que realizaram um ensaio controlado randomizado duplo cego, em que um grupo recebeu atividade física e EMTr real, outro recebeu atividade física e EMTr simulada e um terceiro recebeu apenas o tratamento clínico convencional, desconhecendo a qual grupo pertenciam. Ao todo, 39 indivíduos com Parkinson de nível leve a moderado participaram dos testes. “Foram realizadas dez sessões de estimulação e oito semanas de atividades em casa, com foco em postura e respiração, alongamentos, rotações de tronco, equilíbrio e treino de marcha com curvas, com materiais simples e orientação padronizada”, acrescenta.

Modulação cortical nem sempre se traduz em benefício clínico

Os resultados mostraram que os dois grupos que realizaram os exercícios físicos tiveram melhoras significativas, tanto em medidas clínicas quanto na capacidade de realizar curvas durante a marcha, em comparação ao grupo controle (que não realizou EMTr nem atividade física).

A EMTr, por sua vez, foi responsável por mudanças em um marcador de excitabilidade do córtex, mudanças estas medidas por testes neurofisiológicos (exames que avaliam a função do sistema nervoso), mas sem benefício clínico adicional em relação à atividade física isolada.

“Na prática, os exercícios domiciliares foram os motores das melhoras funcionais. No caso da estimulação real, o cérebro foi modulado, porém, com este protocolo, não acrescentou ganho percebido no dia a dia”, avalia Santiago.

A conclusão, adianta o professor, é que a combinação de neuromodulação e atividade física é viável, tendo em mente que “a modulação cortical nem sempre se traduz em benefício clínico imediato, o que orienta novos estudos sobre dose, alvo de estimulação e seleção de respondedores”.

Avaliação do movimento de giro e do padrão de passos por meio de sensores inerciais de movimento – Foto: Retirada do artigo

O professor acredita que a continuidade de pesquisas acerca do tema deve envolver algumas alternativas, como a exploração de diferentes alvos de estimulação cerebral, o uso de técnicas mais precisas de posicionamento da bobina da EMTr, a análise de subgrupos específicos (como pessoas que apresentam congelamento da marcha), além da integração de medidas objetivas de adesão ao exercício físico.

Mesmo com as limitações, o estudo confirma que “a prática física realizada em casa, quando bem organizada e acompanhada, melhora a locomoção e traz ganhos clínicos para quem convive com o Parkinson. É uma alternativa acessível, prática e que pode ser incorporada à rotina dos pacientes”, conclui Santiago.

O artigo Effects of high-frequency rTMS and home-based exercise on locomotion in individuals with Parkinson’s disease: A double-blind randomized controlled trial está disponível neste link.

Mais informações: paulosantiago@usp.br, com o professor Paulo Roberto Pereira Santiago

*Estagiário sob supervisão de Rita Stella

**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Pesquisadores alertam para “epidemia silenciosa” de dependência química em idosos

Fortalecer políticas públicas de literacia em dependência química pode ajudar os idosos a buscar apoio adequado e tomar decisões mais seguras sobre o uso de substâncias químicas

Pesquisadores da USP publicaram, na seção Cartas ao Editor do World Journal of Psychiatry, um texto abordando a dependência química entre idosos, tema classificado pelo Painel Internacional de Controle de Narcóticos (INCB/2021) como uma “epidemia silenciosa”. A carta aponta para o aumento do consumo de álcool, maconha, analgésicos, tranquilizantes e outros medicamentos em pessoas acima de 60 anos, e defende a necessidade de fortalecer políticas públicas em “literacia em dependência química” – termo que diz respeito à capacidade dos idosos de acessar informações, compreender riscos e tomar decisões assertivas sobre o uso de substâncias químicas.

Cartas ao Editor são um formato tradicional em revistas científicas que convidam especialistas a comentar e analisar artigos publicados com o objetivo de manter o debate em aberto, estimular novas pesquisas e promover o diálogo entre autores, leitores e a comunidade acadêmica. Os autores da carta Empoderando adultos mais velhos: aprimorando a alfabetização sobre dependência química para lidar com vulnerabilidades específicas são o psicólogo e pesquisador Kae Leopoldo, professor do Instituto de Psicologia (IP) da USP e pesquisador do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, e o médico psiquiatra João Maurício Castaldelli Maia, também pesquisador do Instituto Perdizes do HC e professor da FMUSP.

Os pesquisadores analisaram artigos de instituições internacionais que trataram de diferentes aspectos da dependência química em idosos. Entre os temas abordados estão os impactos do uso de substâncias na saúde física e mental, o papel da literacia em saúde nessa faixa etária, o crescimento do consumo de drogas nos últimos anos e os efeitos da cannabis sobre a saúde dos idosos dentre outros.

Kae Leopoldo ressalta a necessidade urgente de políticas públicas voltadas à literacia química, um conceito derivado da alfabetização ou literacia em saúde, diante do envelhecimento populacional. Ele alerta que “os idosos são um grupo de risco para diversos problemas de saúde, e o aumento do consumo de drogas nessa faixa etária já é considerado uma epidemia mundial”.

Um dos artigos que mais chamaram a atenção dos pesquisadores da USP foi O papel mediador da alfabetização em saúde na relação entre isolamento social e sofrimento psicológico entre idosos pré-frágeis, assinado por três pesquisadores da Universidade de Huzhou, na China.

O estudo aponta que a fragilidade se tornou um problema relevante de saúde pública e que o aumento do número de idosos frágeis tem ampliado a demanda por serviços de atendimento psicológico nas comunidades.

O trabalho destaca ainda que o isolamento social entre idosos pré-frágeis pode agravar o sofrimento psicológico, o que pode elevar o consumo de substâncias químicas.

Participaram da pesquisa 254 “idosos pré-frageis com sinais como fraqueza muscular, perda de peso e lentidão na marcha, mas que ainda não atingiram um estado de fragilidade completo, que implica uma combinação mais significativas desses sintomas e maior vulnerabilidade”, explica o pesquisador.

Entre os resultados, o estudo indica que o isolamento social está negativamente associado à alfabetização em saúde, que por sua vez está ligada ao sofrimento psicológico nesse grupo vulnerável. Também aponta que a literacia em saúde atua como fator mediador dessa relação. De acordo com os autores, além de incentivar conexões sociais, é essencial investir em medidas de educação em saúde para reduzir os impactos do isolamento e proteger o bem-estar psicológico dessa população.

Aumento do consumo de Cannabis

Outro artigo comentado com destaque pelos pesquisadores trata da tendência crescente do uso de cannabis entre pessoas com mais de 60 anos em diversas regiões do mundo. “Embora muitas vezes utilizada para aliviar dor ou insônia, a substância pode agravar problemas de saúde, sobretudo quando associada a outros medicamentos”, alerta Kae Leopoldo.

O artigo Impactos da cannabis medicinal e não medicinal na saúde de idosos: resultados de uma revisão de escopo da literatura é de autoria de pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa do Canadá. O trabalho fez uma revisão de 134 estudos a partir de mais de 31 mil citações, com foco nos efeitos da cannabis medicinal e recreativa em adultos mais velhos.

O estudo indica que a legalização da substância em alguns países impulsionou seu consumo entre idosos e destaca que mudanças físicas e cognitivas relacionadas à idade podem alterar seus efeitos nesse grupo em comparação aos mais jovens. Os resultados mostram que os efeitos terapêuticos da cannabis medicinal são inconsistentes, com alguns estudos sugerindo benefícios em casos específicos — como câncer em estágio terminal ou demência —, mas a maioria apontando mais riscos do que vantagens.

“Fortalecer a literacia em dependência química pode ajudar os idosos a buscar apoio adequado e tomar decisões mais seguras sobre o uso de substâncias” – Kae Leopoldo

Entre os efeitos adversos associados ao uso da substância estão maior incidência de depressão, ansiedade, comprometimento cognitivo, uso problemático de substâncias, acidentes, lesões e aumento da procura por serviços de saúde. Os autores ressaltam que muitos estudos são pequenos e carecem de metodologias consistentes para avaliar danos, o que reforça a necessidade de mais pesquisas sobre o tema. Segundo o psicólogo, “muitos idosos desconhecem os riscos associados à dependência química, o que os deixa despreparados para lidar com a complexidade do uso de substâncias e seus efeitos”, explica.

Entre as estratégias sugeridas na carta estão campanhas de educação em saúde adaptadas, realizadas em centros comunitários, unidades de atenção primária e também em plataformas digitais. Essas ações devem priorizar três frentes: conscientizar sobre interações entre medicamentos e substâncias como álcool, cannabis e opioides; orientar sobre o uso seguro de drogas terapêuticas, como a maconha medicinal, reforçando que, na maioria dos casos, a prática mais segura é a abstinência; e promover a desestigmatização, criando espaços sem julgamentos para que idosos possam expor preocupações e buscar ajuda.

Instituto Perdizes

Os pesquisadores Kae Leopoldo e João Maurício Castaldelli Maia integram a equipe do Instituto Perdizes, que faz parte do complexo hospitalar do HC. O grupo está se estruturando para realizar pesquisas sobre literacia química em idosos. O instituto abriga o Centro de Álcool e Drogas, voltado à assistência, ensino, pesquisa e reinserção social de pessoas com uso problemático de substâncias, oferecendo hospital-dia e atendimento ambulatorial. Além disso, dispõe de 80 leitos destinados a pacientes em recuperação que ainda necessitam de internação breve.

A carta Empoderando adultos mais velhos: aprimorando a alfabetização sobre dependência química para lidar com vulnerabilidades específicas está disponível on-line e pode ser lida neste link.

Mais informações: Kae Leopoldo, kae.leopoldo@usp.br, e João Maurício Castaldelli-Maia, jmcmaia2gmail.com

FONTE: Jornal da USP