Laser de baixa intensidade melhora dor e qualidade de vida em pessoas com osteoartrite no joelho

Um estudo clínico da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) mostrou que a fotobiomodulação laser de baixa intensidade pode trazer benefícios importantes para pessoas com osteoartrite no joelho, popularmente conhecida como “artrose”. Os resultados foram publicados em artigo na revista científica Lasers in Medical Science – com autoria professor Thiago dos Santos Maciel da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e da professora Amélia Pasqual Marques, da FMUSP, e outros colaboradores.

A pesquisa, realizada durante o pós-doutorado de Thiago Maciel no Programa de Ciências da Reabilitação FMUSP, acompanhou 65 voluntários, homens e mulheres entre 50 e 74 anos, diagnosticados com osteoartrite nos joelhos. Eles foram divididos em três grupos: um recebeu o tratamento com laser (fotobiomodulação), outro recebeu placebo (aparelho desligado) e o terceiro, apenas acompanhamento clínico. O tratamento foi aplicado três vezes por semana, durante 10 semanas, em nove pontos específicos na região do joelho

Os resultados mostraram que quem recebeu o tratamento com a luz laser apresentou redução significativa da dor, melhora da mobilidade e da capacidade de realizar as atividades do dia a dia, além de melhora na qualidade de vida. Essas melhorias foram medidas por questionários específicos e por testes funcionais que avaliaram desde a intensidade da dor até a capacidade de caminhar e levantar-se de uma cadeira.

Possíveis mecanismos

Segundo Thiago dos Santos Maciel, o laser atua em nível celular, aumentando a produção de energia nas células e reduzindo processos inflamatórios. “Com isso, conseguimos observar diminuição da rigidez, melhora da função e redução da dor, sem os efeitos colaterais comuns de medicamentos usados nesses casos”, explica.

Os mecanismos para os resultados observados podem estar associados aos efeitos fisiológicos específicos do laser no comprimento de onda utilizado (790 nm) em tecidos articulares, levando a uma série de reações que aumenta a produção de ATP, o combustível energético da célula.

A maior produção de energia celular, por sua vez, pode desencadear uma cascata de eventos, incluindo a modulação de espécies reativas de oxigênio (os chamados radicais livres, danosos às células), a ativação da transcrição de proteínas e expressão de genes, a redução de mediadores inflamatórios e da atividade enzimas que degradam a matriz cartilaginosa, bem como aumentar a síntese de proteoglicanos (moléculas que atuam na hidratação, lubrificação, e sustentação de tecidos) e de colágeno tipo II, contribuindo para os efeitos anti-inflamatórios, analgésicos e regenerativos observados.

Além disso, afirmam os autores do artigo, a fotobiomodulação promove a proliferação e diferenciação de células de cartilagem, estimula a formação controlada de vasos sanguíneos e modula a sinalização da dor, o que pode explicar as melhorias na qualidade de vida e nas atividades diárias relatadas pelos pacientes do estudo.

Sobre a osteoartrite do joelho

A osteoartrite de joelho é uma das doenças crônicas mais comuns no mundo, afetando milhões de pessoas e sendo uma das principais causas de dor e limitação física em idosos. Segundo os autores, ela se caracteriza pela dor, rigidez, mobilidade reduzida e incapacidade funcional, e pode ser classificada como primária (idiopática), relacionada ao envelhecimento natural e ao desgaste mecânico, ou secundária, associada a trauma prévio, lesões em ligamentos ou meniscos, distúrbios metabólicos ou deformidades estruturais no joelho.

“Do ponto de vista fisiológico, a osteoartrite do joelho envolve degeneração progressiva da cartilagem, remodelação do osso subcondral, formação de osteófitos [conhecidos como “bicos de papagaio”] e inflamação sinovial. Essas alterações fisiopatológicas modificam o ambiente biomecânico e bioquímico da articulação, reduzindo a eficiência artrocinemática e contribuindo para a dor e disfunção articular”, explicam. Entre os fatores de risco estão idade avançada, sexo feminino, obesidade, lesões articulares prévias, fraqueza muscular e predisposição genética.

O tratamento conservador (sem intervenção cirúrgica) visa aliviar os sintomas, melhorar a função e adiar intervenções como a artroplastia total do joelho, com a substituição da articulação por uma prótese. Há maior nível de evidências científicas para os exercícios supervisionados e a educação sobre dor; seguidos do treinamento neuromuscular e de outras intervenções, como terapia manual. Assim, “a terapia com laser de baixa intensidade surge como uma alternativa promissora e segura para melhorar a qualidade de vida de quem sofre com osteoartrite no joelho”, conclui Thiago Maciel.

Mais informações: e-mail pasqual@usp.br, com Amélia Pasqual Marques, ou thiagomaciel@ufam.edu.br, com Thiago Maciel

*Texto com informações do professor Thiago dos Santos Maciel e do artigo científico

FONTE: Jornal da USP

Mecanismo de regeneração de nervos é chave para novas terapias contra lesões

Quando nervos são lesionados, células do sistema imunológico chamadas macrófagos são rapidamente recrutadas para o local. Mas o que transforma essas células em “enfermeiras” especializadas dos nervos, capazes de promover sua regeneração? A resposta está no sofisticado diálogo entre neurônios e macrófagos, revelada por estudo internacional com participação de pesquisadores da USP, publicado em artigo na revista científica Immunity.

O trabalho desvendou como os neurônios sensoriais utilizam a molécula fator de crescimento transformante-beta (TGF-β) para especializar macrófagos, transformando-os em células essenciais para a regeneração nervosa, funcionando como uma espécie de “código postal molecular”. A pesquisa, liderada por Julia Kolter, da Universidade de Freiburg (Alemanha), contou com participação da pesquisadora brasileira Conceição Elidianne Aníbal Silva e do professor Thiago Mattar Cunha, do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

A descoberta é relevante porque cerca de 2% a 3% da população mundial sofre com neuropatias, que causam dor, fraqueza e perda de sensibilidade. Macrófagos são células do sistema imunológico que comem patógenos e células mortas, mas também têm papéis importantes na reparação de tecidos e manutenção da saúde dos órgãos. O fator de crescimento transformante-beta é uma molécula sinalizadora com múltiplas funções, incluindo controle de inflamação, cicatrização e diferenciação celular. É secretada em forma inativa e só exerce seus efeitos após ser ativada localmente.

Os pesquisadores identificaram uma população específica de macrófagos (sNAMs) que vivem associados aos nervos sensoriais da pele, células nervosas que detectam estímulos como toque, temperatura e dor, transmitindo essas informações ao sistema nervoso central. Com origem embrionária, os sNAMs patrulham os nervos e são fundamentais para sua regeneração. Quando há lesão nervosa, macrófagos do sangue são rapidamente recrutados e, ao entrarem em contato físico com os nervos, transformam-se em sNAMs funcionalmente idênticos aos residentes.

Comunicação para a regeneração

O fator de crescimento transformante-beta age como um “código postal molecular”, direcionando macrófagos especificamente para os nervos. Essa molécula só é ativada quando há contato físico entre o macrófago e o neurônio. Em camundongos geneticamente modificados, quando sua sinalização foi bloqueada, os macrófagos desapareceram dos nervos e a regeneração ficou severamente prejudicada.

A comunicação não é unidirecional. Os neurônios secretam neuropeptídeos como o CGRP, que ajudam a moldar as características dos macrófagos. Os pesquisadores identificaram ainda que a integrina β5, proteína expressa pelos macrófagos, contribui para a ativação local do fator de crescimento transformante-beta através da interação física com os nervos.

O mecanismo parece ser conservado entre camundongos e humanos. Utilizando células-tronco pluripotentes humanas, os pesquisadores recriaram em laboratório a mesma comunicação neurônio-macrófago. Análise de dados de pele humana confirmou a presença de macrófagos com assinatura molecular similar aos sNAMs de camundongos, representando cerca de 5% dos macrófagos dérmicos.

Um aspecto intrigante é que os sNAMs dependem continuamente de fator de crescimento transformante-beta para manter sua identidade. Quando ele é bloqueado em macrófagos de outros tecidos, eles continuam presentes, mas os sNAMs desaparecem rapidamente. A equipe está investigando se a manipulação dessa via poderia acelerar a regeneração nervosa ou proteger contra neuropatias em condições como diabetes.

O trabalho, que envolveu a colaboração de laboratórios da Alemanha, Reino Unido, Suíça e Brasil, contribui para o desenvolvimento da neuroimunologia, campo emergente que estuda as interações entre os sistemas nervoso e imunológico. O artigo Sensory neurons shape local macrophage identity via TGF-β signaling pode ser acessado aqui.

 

 

Em caso de lesão nervosa, macrófagos do sangue são rapidamente recrutados, transformando em células de defesa especializadas (sNAMs) ao entrar em contato com os nervos, com a mesma função dos sNAMs presentes no local – Imagem: extraída do artigo

*Difusão Científica CRID, adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Como o preparo do café pode influenciar sua composição e ação antioxidante

Pesquisa conduzida pela Faculdade de Saúde Pública buscou compreender como os ingredientes mais usados no dia a dia — como leite e açúcar — interferem na ação antioxidante natural da bebida

Um estudo da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP foi apresentado na 14ª Conferência Internacional de Dados Alimentares da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em Roma, destacando o papel do café brasileiro na saúde e na ciência mundial. A pesquisa, orientada pela professora Elizabeth Torres, do Departamento de Nutrição da FSP, e conduzida pela nutricionista Camila Marques Crivelli Crescencio, analisou como diferentes formas de preparo e adição de ingredientes alteram a composição fenólica e a capacidade antioxidante do café filtrado.

“Elaborar um trabalho aceito pela FAO é uma chancela internacional de relevância”, afirma Elizabeth. “Foi uma honra representar o Brasil, levando dados sobre um produto que é símbolo nacional e a bebida mais consumida no mundo depois da água.”

Como o preparo muda o potencial do café

Segundo Camila, a pesquisa buscou compreender como os ingredientes mais usados no dia a dia — como leite e açúcar — interferem na ação antioxidante natural da bebida. “O café puro apresentou os melhores valores antioxidantes. Quando adicionamos açúcar, há uma leve queda, mas ainda maior do que quando se coloca leite”, explica. O motivo está nas interações químicas: “As proteínas do leite se ligam aos compostos fenólicos do café e dificultam sua absorção. Já o açúcar, quando aquecido, passa por reações que também geram atividade antioxidante, o que ameniza essa redução”.

Os testes envolveram oito tipos de preparações, incluindo cafés com e sem cafeína, puros e combinados com leite e açúcar. O café com cafeína foi o que apresentou maior concentração de compostos antioxidantes, reforçando que a substância também atua como antioxidante. A pesquisadora explica ainda que fatores como grau de torra, espécie do grão, solo de cultivo e método de filtragem afetam o resultado. “Nosso estudo utilizou o filtro de papel, o mais comum entre os brasileiros. Ele retém parte dos compostos, mas traz outros benefícios, como a redução de substâncias associadas ao colesterol”, comenta Camila.

O equilíbrio entre ciência e consumo

Para quem se pergunta qual é o “melhor café” para a saúde, as pesquisadoras reforçam que a resposta depende do perfil de cada pessoa. “De modo geral, o café puro com cafeína é o que mais oferece antioxidantes”, resume Camila. “Mas o café descafeinado também é uma boa alternativa para quem precisa restringir o consumo de cafeína.”

A professora Elizabeth complementa: “O café é responsável pela maior parte dos compostos antioxidantes consumidos pelos brasileiros. Temos uma biodiversidade enorme, mas é o café que, pelo volume de consumo, mais contribui para a atividade antioxidante da dieta”.

FONTE: Jornal da USP

32% abusam de álcool, 14% fumam, 27% têm obesidade: um raio X da saúde do paulistano

A Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP divulgou os primeiros resultados do Inquérito de Saúde no Município de São Paulo (Isa Capital 2024), um levantamento baseado em entrevistas com 5 mil moradores da cidade, produzido em colaboração com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

A proporção de pessoas com 10 anos ou mais de idade que relatou fumar foi de 14,2%, valor significativamente menor que 2003; 18,9% que 2008; 19,3%. No consumo de álcool, 27,5% foram classificados com consumo de risco e 4,5% como consumo de alto risco ou provável dependência (32%, na soma), considerando entrevistados com 12 anos ou mais. Entre a população adulta, 35,7% encontram-se com sobrepeso e 26,9% têm obesidade. Entre os idosos, 11,8% apresentam sobrepeso e 28,4% obesidade.

Entre os habitantes da cidade ouvidos pelos pesquisadores, 25% declararam ter apresentado algum problema de saúde nas duas semanas anteriores à entrevista, um aumento em relação ao último levantamento, feito em 2015, quando o índice foi de 18,8%. O número de casos relatados de diabetes e hipertensão entre pessoas com mais de 20 anos de idade foi de 11% e 26,3%, maior que os da primeira pesquisa, feita em 2003, de 4% e 17%. “Não se trata necessariamente de um maior adoecimento, pode ser também a ampliação do acesso ao diagnóstico”, comenta Gizelton Pereira Alencar, professor da FSP que apresentou os dados do estudo.

Como novidade, o questionário desta edição abordou o diagnóstico de covid-19, além de retratar como a pandemia impactou o ânimo e a saúde mental dos entrevistados. No levantamento, 35,8% dos paulistanos afirmam terem contraído a doença, e 97,4% disseram ter tomado a vacina contra o coronavírus.

Mais da metade das consultas médicas e internações na cidade de São Paulo por todos os problemas ou condições de saúde foi custeada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Os dados foram coletados por meio de questionários aplicados pelos pesquisadores do projeto entre agosto de 2023 e dezembro de 2024. As perguntas abordaram as condições socioeconômicas, características da família e das moradias, ocorrência de doenças nos últimos 15 dias (morbidade), uso de serviços de saúde e medicamentos. A publicação com os resultados do Isa Capital pode ser consultada neste link.

“Não é simples você bater na casa das pessoas, num momento de pós-pandemia, no contexto de violência das grandes cidades, e conseguir que o morador abra a porta, que te escute, aceite ser convidado para a pesquisa e responder um questionário que não é curto, enfrentar recusa, enfrentar porta na cara, voltar duas ou três vezes para conseguir aquela entrevista”, conta a professora da FSP Zilda Pereira da Silva, integrante da coordenação do Isa Capital. “Sem esse trabalho dos entrevistadores não há pesquisa.”

Acesso ao SUS

Na pesquisa, 85% dos entrevistados responderam ter feito ao menos uma consulta médica nos últimos 12 meses, 57,3% pelo SUS, 32,8% por meio de convênio e plano de saúde e 8% pagos com recursos próprios ou de familiares. “O SUS é quem mais financia a prevenção, e também as consultas”, observa a professora da FSP Marília Cristina Prado Louvison, que expôs os resultados sobre uso de serviços de saúde. Entre as internações e cirurgias, reportadas por 8% dos moradores ouvidos pelo estudo, 56,2% foram pelo SUS, 39,4% pelo plano de saúde e 3,9% com recursos próprios.

Proporção da população de 10 anos ou mais que passou por consulta médica nos últimos 12 meses, segundo quem custeou o atendimento – Fonte: Isa Capital 2024

Proporção da população de 10 anos ou mais internada ou hospitalizada nos últimos 12 meses, de acordo com quem cobriu o gasto do atendimento – Fonte: Isa Capital 2024

“A consolidação do SUS como um todo depende de todos nós. Saúde pública não se faz sozinha, é determinante a participação da sociedade, da universidade, da pesquisa, de quem está na ponta, dos profissionais, da população”, declara Luiz Artur Vieira Caldeira, chefe de gabinete da SMS, que representou o secretário Luiz Carlos Zamarco. “A rede de assistência pública tem um porcentual de serviço social importante embarcado junto com a técnica de saúde, e isso só o SUS faz. Ele precisa ser encarado como uma política de saúde que precisa de um financiamento mais robusto, para se ter um exemplo, 85% do financiamento do SUS na capital é do tesouro municipal.”

O Isa Capital está em sua quarta edição: as anteriores foram realizadas em 2003, 2008 e 2015. Trata-se de uma pesquisa minuciosa para conhecer o estado de saúde, hábitos de vida e uso de serviços de saúde pela população da capital. Os resultados devem nortear a criação ou aprimoramento de políticas públicas e contribuir para a elaboração do Plano Municipal de Saúde nos próximos anos. Na fase das entrevistas, foram a campo 30 entrevistadores uniformizados e identificados com crachás da FSP. As visitas foram feitas a residências nas seis regionais de saúde de São Paulo (centro, oeste, leste, norte, sudeste e sul), com endereços sorteados segundo critérios estatísticos, de forma a representar a população com mais de 10 anos de idade. Além da FSP e da SMS, o levantamento teve a participação da Faculdade de Medicina (FM) da USP e do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES-SP).

A pesquisa usou uma amostragem baseada no Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e nos domicílios por região. Ao todo, foram visitados 15.172 residências em 659 ruas da capital. Dos entrevistados, 2.488 (45,5%) eram do sexo masculino e 2.984 (54,5%) do feminino, sendo 1.397 (25,5%) de 10 a 19 anos, 2.585 (47,2%) de 20 a 59 anos e 1.490 (27,2%) de 60 anos ou mais. O levantamento também incluiu perguntas sobre saúde mental, doenças crônicas, com ênfase em hipertensão e diabetes, deficiências físicas, práticas preventivas em câncer de mama, colo de útero, próstata e cólon. Por fim, os entrevistadores verificaram o histórico de vacinação e se há vítimas de acidentes ou violência: 3,4% dos habitantes ouvidos pelo levantamento relataram ter sido vítimas de acidentes de trânsito nos últimos 12 meses, 1,8% sofreram acidentes de trabalho e 10,1% apontaram que foram vítimas de violência.

Capa do Relatório – Foto: Divulgação

Também foram feitas perguntas relacionadas à segurança alimentar, acidentes no trabalho, atitudes e práticas de vacinação de crianças de zero a seis anos e sobre a presença de cães e gatos nas residências. Entre os moradores entrevistados, 26,1% declararam ter pelo menos um cão em casa, 11,3% possuem gato e 6,6% os dois animais. A divulgação do Isa Capital 2024 acontecerá de forma seriada, com a publicação de boletins temáticos.

*Com informações da Assessoria de Comunicação da FSP

FONTE: Jornal da USP

Exercícios domiciliares melhoram a mobilidade de pessoas com doença de Parkinson

A prática de atividades físicas parece responder mais rapidamente ao alívio dos principais sintomas da doença de Parkinson. É o que aponta um estudo realizado por um grupo internacional de pesquisa sediado e patrocinado pela Mahidol University, Tailândia, com participação de cientistas do Reino Unido e da USP. A equipe investigou os efeitos da combinação da Estimulação Magnética Transcraniana repetitiva (EMTr) – técnica de neuromodulação não invasiva usada no tratamento de doenças psiquiátricas e neurológicas – com atividade física domiciliar em pessoas com Parkinson.

Publicado na Clinical Neurophysiology, o estudo concluiu que a prática física, mesmo que realizada em casa, melhora a locomoção nesses indivíduos. Também constatou que a EMTr altera marcadores neurofisiológicos, como a verificada no córtex (região mais superficial do cérebro). A técnica provoca excitabilidade cortical, que é a força de resposta dos neurônios situados na região do córtex a uma determinada estimulação e considerada fundamental para o pleno funcionamento do cérebro. Entretanto, apesar da modificação cortical, a EMTr não proporcionou benefícios clínicos ou cinemáticos (relativos ao movimento) adicionais no dia a dia, além dos já oferecidos pelos exercícios domiciliares isolados.

Ao falar sobre a importância do estudo, o integrante da equipe e professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, Paulo Roberto Pereira Santiago, informa que a doença de Parkinson é uma condição neurológica que afeta os movimentos do indivíduo e ocorre por conta da degeneração das células situadas numa região do cérebro chamada “substância negra”.

Entre os principais sintomas estão: a lentidão de movimentos, tremores, rigidez muscular, desequilíbrio, além de alterações na fala e na escrita. Lembra ainda que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 4 milhões de pessoas sofram com o Parkinson no mundo atualmente, número que pode dobrar até 2040 com o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população.

Estimulação da área cerebral que controla os movimentos

Um dos focos do trabalho, conta o professor Santiago, foi investigar alternativas para lidar com as dificuldades motoras características do Parkinson. A locomoção costuma piorar nesses pacientes, com aumento do risco de quedas, e, “como já se sabe, os exercícios físicos ajudam no equilíbrio e na marcha. Então, a ideia foi verificar se a associação com a estimulação magnética transcraniana de repetição poderia potencializar os ganhos”.

Técnica não invasiva, sem a necessidade de realizar cirurgia alguma, a EMTr consiste em encostar, na cabeça do paciente, uma bobina que gera pulsos magnéticos rápidos e modulam a atividade de neurônios na região estimulada. “No estudo, estimulamos a área motora suplementar, responsável pelo início e pela organização dos passos e curvas, com o objetivo de facilitar a execução do movimento antes do treino”, explica o pesquisador.

Sobre a estruturação do estudo, Santiago afirma que realizaram um ensaio controlado randomizado duplo cego, em que um grupo recebeu atividade física e EMTr real, outro recebeu atividade física e EMTr simulada e um terceiro recebeu apenas o tratamento clínico convencional, desconhecendo a qual grupo pertenciam. Ao todo, 39 indivíduos com Parkinson de nível leve a moderado participaram dos testes. “Foram realizadas dez sessões de estimulação e oito semanas de atividades em casa, com foco em postura e respiração, alongamentos, rotações de tronco, equilíbrio e treino de marcha com curvas, com materiais simples e orientação padronizada”, acrescenta.

Modulação cortical nem sempre se traduz em benefício clínico

Os resultados mostraram que os dois grupos que realizaram os exercícios físicos tiveram melhoras significativas, tanto em medidas clínicas quanto na capacidade de realizar curvas durante a marcha, em comparação ao grupo controle (que não realizou EMTr nem atividade física).

A EMTr, por sua vez, foi responsável por mudanças em um marcador de excitabilidade do córtex, mudanças estas medidas por testes neurofisiológicos (exames que avaliam a função do sistema nervoso), mas sem benefício clínico adicional em relação à atividade física isolada.

“Na prática, os exercícios domiciliares foram os motores das melhoras funcionais. No caso da estimulação real, o cérebro foi modulado, porém, com este protocolo, não acrescentou ganho percebido no dia a dia”, avalia Santiago.

A conclusão, adianta o professor, é que a combinação de neuromodulação e atividade física é viável, tendo em mente que “a modulação cortical nem sempre se traduz em benefício clínico imediato, o que orienta novos estudos sobre dose, alvo de estimulação e seleção de respondedores”.

Avaliação do movimento de giro e do padrão de passos por meio de sensores inerciais de movimento – Foto: Retirada do artigo

O professor acredita que a continuidade de pesquisas acerca do tema deve envolver algumas alternativas, como a exploração de diferentes alvos de estimulação cerebral, o uso de técnicas mais precisas de posicionamento da bobina da EMTr, a análise de subgrupos específicos (como pessoas que apresentam congelamento da marcha), além da integração de medidas objetivas de adesão ao exercício físico.

Mesmo com as limitações, o estudo confirma que “a prática física realizada em casa, quando bem organizada e acompanhada, melhora a locomoção e traz ganhos clínicos para quem convive com o Parkinson. É uma alternativa acessível, prática e que pode ser incorporada à rotina dos pacientes”, conclui Santiago.

O artigo Effects of high-frequency rTMS and home-based exercise on locomotion in individuals with Parkinson’s disease: A double-blind randomized controlled trial está disponível neste link.

Mais informações: paulosantiago@usp.br, com o professor Paulo Roberto Pereira Santiago

*Estagiário sob supervisão de Rita Stella

**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Pesquisadores alertam para “epidemia silenciosa” de dependência química em idosos

Fortalecer políticas públicas de literacia em dependência química pode ajudar os idosos a buscar apoio adequado e tomar decisões mais seguras sobre o uso de substâncias químicas

Pesquisadores da USP publicaram, na seção Cartas ao Editor do World Journal of Psychiatry, um texto abordando a dependência química entre idosos, tema classificado pelo Painel Internacional de Controle de Narcóticos (INCB/2021) como uma “epidemia silenciosa”. A carta aponta para o aumento do consumo de álcool, maconha, analgésicos, tranquilizantes e outros medicamentos em pessoas acima de 60 anos, e defende a necessidade de fortalecer políticas públicas em “literacia em dependência química” – termo que diz respeito à capacidade dos idosos de acessar informações, compreender riscos e tomar decisões assertivas sobre o uso de substâncias químicas.

Cartas ao Editor são um formato tradicional em revistas científicas que convidam especialistas a comentar e analisar artigos publicados com o objetivo de manter o debate em aberto, estimular novas pesquisas e promover o diálogo entre autores, leitores e a comunidade acadêmica. Os autores da carta Empoderando adultos mais velhos: aprimorando a alfabetização sobre dependência química para lidar com vulnerabilidades específicas são o psicólogo e pesquisador Kae Leopoldo, professor do Instituto de Psicologia (IP) da USP e pesquisador do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, e o médico psiquiatra João Maurício Castaldelli Maia, também pesquisador do Instituto Perdizes do HC e professor da FMUSP.

Os pesquisadores analisaram artigos de instituições internacionais que trataram de diferentes aspectos da dependência química em idosos. Entre os temas abordados estão os impactos do uso de substâncias na saúde física e mental, o papel da literacia em saúde nessa faixa etária, o crescimento do consumo de drogas nos últimos anos e os efeitos da cannabis sobre a saúde dos idosos dentre outros.

Kae Leopoldo ressalta a necessidade urgente de políticas públicas voltadas à literacia química, um conceito derivado da alfabetização ou literacia em saúde, diante do envelhecimento populacional. Ele alerta que “os idosos são um grupo de risco para diversos problemas de saúde, e o aumento do consumo de drogas nessa faixa etária já é considerado uma epidemia mundial”.

Um dos artigos que mais chamaram a atenção dos pesquisadores da USP foi O papel mediador da alfabetização em saúde na relação entre isolamento social e sofrimento psicológico entre idosos pré-frágeis, assinado por três pesquisadores da Universidade de Huzhou, na China.

O estudo aponta que a fragilidade se tornou um problema relevante de saúde pública e que o aumento do número de idosos frágeis tem ampliado a demanda por serviços de atendimento psicológico nas comunidades.

O trabalho destaca ainda que o isolamento social entre idosos pré-frágeis pode agravar o sofrimento psicológico, o que pode elevar o consumo de substâncias químicas.

Participaram da pesquisa 254 “idosos pré-frageis com sinais como fraqueza muscular, perda de peso e lentidão na marcha, mas que ainda não atingiram um estado de fragilidade completo, que implica uma combinação mais significativas desses sintomas e maior vulnerabilidade”, explica o pesquisador.

Entre os resultados, o estudo indica que o isolamento social está negativamente associado à alfabetização em saúde, que por sua vez está ligada ao sofrimento psicológico nesse grupo vulnerável. Também aponta que a literacia em saúde atua como fator mediador dessa relação. De acordo com os autores, além de incentivar conexões sociais, é essencial investir em medidas de educação em saúde para reduzir os impactos do isolamento e proteger o bem-estar psicológico dessa população.

Aumento do consumo de Cannabis

Outro artigo comentado com destaque pelos pesquisadores trata da tendência crescente do uso de cannabis entre pessoas com mais de 60 anos em diversas regiões do mundo. “Embora muitas vezes utilizada para aliviar dor ou insônia, a substância pode agravar problemas de saúde, sobretudo quando associada a outros medicamentos”, alerta Kae Leopoldo.

O artigo Impactos da cannabis medicinal e não medicinal na saúde de idosos: resultados de uma revisão de escopo da literatura é de autoria de pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa do Canadá. O trabalho fez uma revisão de 134 estudos a partir de mais de 31 mil citações, com foco nos efeitos da cannabis medicinal e recreativa em adultos mais velhos.

O estudo indica que a legalização da substância em alguns países impulsionou seu consumo entre idosos e destaca que mudanças físicas e cognitivas relacionadas à idade podem alterar seus efeitos nesse grupo em comparação aos mais jovens. Os resultados mostram que os efeitos terapêuticos da cannabis medicinal são inconsistentes, com alguns estudos sugerindo benefícios em casos específicos — como câncer em estágio terminal ou demência —, mas a maioria apontando mais riscos do que vantagens.

“Fortalecer a literacia em dependência química pode ajudar os idosos a buscar apoio adequado e tomar decisões mais seguras sobre o uso de substâncias” – Kae Leopoldo

Entre os efeitos adversos associados ao uso da substância estão maior incidência de depressão, ansiedade, comprometimento cognitivo, uso problemático de substâncias, acidentes, lesões e aumento da procura por serviços de saúde. Os autores ressaltam que muitos estudos são pequenos e carecem de metodologias consistentes para avaliar danos, o que reforça a necessidade de mais pesquisas sobre o tema. Segundo o psicólogo, “muitos idosos desconhecem os riscos associados à dependência química, o que os deixa despreparados para lidar com a complexidade do uso de substâncias e seus efeitos”, explica.

Entre as estratégias sugeridas na carta estão campanhas de educação em saúde adaptadas, realizadas em centros comunitários, unidades de atenção primária e também em plataformas digitais. Essas ações devem priorizar três frentes: conscientizar sobre interações entre medicamentos e substâncias como álcool, cannabis e opioides; orientar sobre o uso seguro de drogas terapêuticas, como a maconha medicinal, reforçando que, na maioria dos casos, a prática mais segura é a abstinência; e promover a desestigmatização, criando espaços sem julgamentos para que idosos possam expor preocupações e buscar ajuda.

Instituto Perdizes

Os pesquisadores Kae Leopoldo e João Maurício Castaldelli Maia integram a equipe do Instituto Perdizes, que faz parte do complexo hospitalar do HC. O grupo está se estruturando para realizar pesquisas sobre literacia química em idosos. O instituto abriga o Centro de Álcool e Drogas, voltado à assistência, ensino, pesquisa e reinserção social de pessoas com uso problemático de substâncias, oferecendo hospital-dia e atendimento ambulatorial. Além disso, dispõe de 80 leitos destinados a pacientes em recuperação que ainda necessitam de internação breve.

A carta Empoderando adultos mais velhos: aprimorando a alfabetização sobre dependência química para lidar com vulnerabilidades específicas está disponível on-line e pode ser lida neste link.

Mais informações: Kae Leopoldo, kae.leopoldo@usp.br, e João Maurício Castaldelli-Maia, jmcmaia2gmail.com

FONTE: Jornal da USP

Estudo da USP aponta alternativas inovadoras contra leucemias agressivas

As leucemias agudas, doenças agressivas do sangue que ainda apresentam altos índices de resistência e recaída, ganharam novas perspectivas de tratamento a partir de uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. O trabalho de doutorado do biomédico Hugo Passos Vicari investigou diferentes abordagens — de compostos sintéticos inéditos ao reposicionamento de medicamentos já aprovados para outros tipos de câncer — tendo como alvo os microtúbulos, estruturas essenciais para a divisão celular. Os resultados podem indicar caminhos promissores para pacientes que não respondem às terapias convencionais.

Os microtúbulos foram escolhidos como foco do estudo por funcionarem como uma espécie de “esqueleto” da célula. “Eles permitem que a célula se mova e se divida. A ideia é interromper esse processo. Ao atacar essa estrutura, conseguimos bloquear a proliferação e induzir a morte celular”, explica Vicari. Para alcançar esse objetivo, a pesquisa seguiu três linhas complementares: analisar proteínas associadas aos microtúbulos como potenciais alvos terapêuticos, testar o reposicionamento de fármacos e desenvolver novas moléculas de ação inédita contra a leucemia.

Na primeira abordagem, o grupo avaliou a proteína Stathmin 1 (STMN1) – reguladora da dinâmica dos microtúbulos – em amostras de medula óssea de pacientes com leucemia promielocítica aguda, um dos subtipos da Leucemia Mieloide Aguda. A STMN1 mostrou-se altamente expressa em células leucêmicas e associada à proliferação celular. Quando silenciada, reduziu a capacidade das células de formar colônias, sugerindo que pode atuar como biomarcador e alvo terapêutico.

“Atacar a Stathmin 1 é promissor porque essa proteína está presente principalmente em células tumorais, o que abre perspectivas de maior seletividade”, ressalta João Agostinho Machado Neto, orientador da pesquisa e professor do Departamento de Farmacologia do ICB.

Outra vertente investigou o uso de medicamentos já existentes. O Paclitaxel, quimioterápico empregado contra tumores sólidos, demonstrou eficácia em células de leucemia promielocítica aguda resistentes ao tratamento padrão com ácido All-Trans Retinoico (Atra). O achado indica que o fármaco pode oferecer alternativas para pacientes que não respondem às terapias atuais.

A pesquisa também avaliou a Eribulina, aprovada para o tratamento do câncer de mama, mas inédita em estudos sobre leucemias. Em um painel abrangente de linhagens de leucemia mieloide aguda e leucemia linfoblástica aguda, o fármaco apresentou alta toxicidade contra células leucêmicas e baixa toxicidade em células normais, sugerindo boa margem de segurança. Além disso, foram identificados biomarcadores de resposta — como MDR1, PI3K/AKT e NF-κB — que podem auxiliar na seleção de pacientes em futuros ensaios clínicos.

A Eribulina causa anormalidades mitóticas que induzem a apoptose em células sanguíneas malignas. A resistência à eribulina está associada a marcadores específicos, como NF-kB, p-AKT e glicoproteína-P. O Elacridar, um inibidor da glicoproteína-P, potencializa os efeitos antineoplásicos da eribulina, sugerindo que o tratamento combinado pode superar a resistência à eribulina – Imagem: Hugo Vicari/extraída do artigo

Molécula inédita

Outro resultado relevante foi a combinação da Eribulina com o Elacridar – inibidor do transporte de substâncias utilizado para aumentar a disponibilidade e concentração intracelular de medicamentos contra o câncer. A combinação potencializou os efeitos e superou mecanismos de resistência, um dos maiores obstáculos no tratamento das leucemias. “O fato de a Eribulina já ser aprovada em humanos é muito relevante. Sua segurança e dosagem já são conhecidas, o que pode acelerar ensaios clínicos em leucemias agudas”, destaca Machado Neto.

A etapa mais inovadora surgiu em colaboração com o Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O grupo sintetizou o composto C2E1, da classe dos ciclopenta[β]indóis, nunca antes testado em modelos de leucemia. Os resultados foram considerados surpreendentes: o C2E1 apresentou elevada citotoxicidade contra células de leucemia aguda (mieloide e linfoide), induzindo apoptose, bloqueio do ciclo celular e redução da formação de colônias, além de baixa toxicidade para células normais.

Outro diferencial é que o composto parece não apresentar resistência cruzada com outros medicamentos que atuam sobre microtúbulos, o que amplia suas possibilidades de uso em pacientes refratários às terapias disponíveis. “Esse composto pode representar uma alternativa terapêutica promissora, já que conseguiu eliminar células malignas preservando as saudáveis — característica essencial no desenvolvimento de quimioterápicos”, conclui Vicari.

Além de revelar novos caminhos terapêuticos, a pesquisa recebeu destaque nacional ao ser agraciada com o Prêmio Capes de Tese 2025, na área de Farmacologia. Para Vicari, a premiação representa “um reconhecimento importante não só do esforço individual, mas também do trabalho coletivo desenvolvido no laboratório”. Machado Neto acrescenta que a conquista “reflete a qualidade e dedicação da equipe, e motiva a continuar avançando no desenvolvimento de novas estratégias contra as leucemias”.

A tese Investigação do potencial antineoplásico de novos fármacos que modulam a dinâmica de microtúbulos em leucemias agudas está disponível no Banco de Teses da USP e pode ser lida neste link.

* Da Assessoria de Comunicação do ICB-USP. Adaptado para o Jornal da USP

FONTE: Jornal da USP

Adoçantes artificiais são associados ao declínio cognitivo acelerado

Entre os mais de 12 mil participantes do estudo, acompanhados por oito anos, quem relatou consumir as maiores quantidades de adoçantes teve uma taxa 62% maior de declínio cognitivo global

Estudo feito no Brasil sugere que o consumo regular de adoçantes artificiais de baixa ou nenhuma caloria pode acelerar o declínio cognitivo, afetando a memória e a fluência verbal ao longo do tempo. A pesquisa, conduzida por cientistas da USP e publicada na revista científica Neurology, acompanhou mais de 12 mil pessoas por oito anos, trazendo alguns dos resultados mais abrangentes até agora sobre os possíveis efeitos em longo prazo desses substitutos do açúcar na saúde do cérebro.

O estudo encontrou uma associação significativa entre maior consumo dos adoçantes aspartame, sacarina, acessulfame-K, eritritol, sorbitol e xilitol a um declínio mais rápido na cognição global, prejudicando particularmente os domínios da memória e da fluência verbal. Os participantes que consumiram as maiores quantidades de adoçantes em geral apresentaram uma taxa 62% maior de declínio cognitivo global em comparação àqueles com consumo mais baixo. Quando divididos por tipo de adoçante, somente a tagatose, entre os que foram avaliados, não apresentou nenhuma ligação com o declínio cognitivo na análise geral.

“O consumo de adoçantes está associado a um declínio mais rápido do que aquele que já é esperado pelo passar do tempo”, explica ao Jornal da USP Claudia Suemoto, autora da pesquisa, referindo-se à perda sutil e progressiva da cognição que ocorre naturalmente com o envelhecimento, mas que parece ser acelerada pelos adoçantes.

Uma restrição da pesquisa é que ela não incluiu a sucralose, adoçante bastante usado atualmente, mas que não estava entre os mais consumidos no Brasil nos anos do estudo, que começou em 2008. Apesar disso, outros estudos também já levantaram problemas semelhantes sobre a sucralose.

Também é apresentado pelos pesquisadores como uma limitação o fato de os dados da dieta serem autorrelatados, o que, mesmo com uso de questionários validados por especialistas, pode trazer distorção. Eles mencionam ainda a impossibilidade de descartar todos os fatores de confusão residuais, como hábitos simultâneos que afetam a saúde ou mudanças na dieta ao longo do tempo.

Mesmo assim, com seu grande número de participantes e qualidade das avaliações, o estudo representa um avanço significativo na compreensão dos possíveis efeitos em longo prazo dos adoçantes artificiais na função cognitiva.

E fortalece o alerta por mais investigações: sabemos que o consumo de açúcar em excesso está bastante relacionado a uma piora na saúde cognitiva, mas não está claro se os adoçantes artificiais são uma alternativa adequada. “Já tínhamos evidências sugerindo que eles poderiam ser prejudiciais, [estando] relacionados às doenças cardiovasculares e câncer, e agora temos mais uma relacionada à cognição. Acho que essa é a mensagem”, diz a pesquisadora ao Jornal da USP.

Uma pergunta antiga

Coordenadora do Laboratório de Envelhecimento na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Claudia Suemoto conta que uma das motivações da pesquisa foi pessoal. “Eu consumia muito adoçante, gosto de refrigerante zero, e adoçava meu café com adoçante. Sempre tive essa dúvida sobre a relação entre adoçantes e o declínio cognitivo, e essa hipótese me chamou mais atenção na época em que a gente fez o trabalho sobre ultraprocessados, do qual este é uma continuidade”. Ao levantar a literatura científica a respeito, os pesquisadores encontraram, além dos estudos em modelo animal, trabalhos com poucos participantes, e quiseram fazer uma análise com resultados mais significativos.

Nesta pesquisa foram usados dados do Elsa Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto). O estudo longitudinal é um tipo de pesquisa que acompanha os mesmos indivíduos ao longo do tempo, avaliados periodicamente, para verificar mudanças em variáveis específicas. “Além de uma grande quantidade de participantes, o Elsa Brasil tem um questionário de dieta excelente e nos permite pesquisar quase tudo, buscando entender se um efeito é importante ou não”, diz a neurocientista ao Jornal da USP.

A estratégia escolhida foi dividir os participantes – todos com mais de 35 anos – em três grupos, dos que tinham consumo mais intenso de adoçantes artificiais até os que consumiam muito pouco ou não consumiam. Após um acompanhamento de oito anos, os participantes nos dois grupos de mais alto consumo apresentaram taxas 35% e 62% maiores de declínio cognitivo global; e 110% e 173% maiores de declínio da fluência verbal, respectivamente. Os maiores consumidores também tiveram uma taxa de declínio de memória 32% mais alta que os demais.

Como explicar os resultados?

Possíveis mecanismos para a associação observada podem ser neurotoxicidade e neuroinflamação provocadas por metabólitos (produtos resultantes da degradação) dos adoçantes artificiais. Ainda que estudos em modelo animal não gerem respostas conclusivas para seres humanos, eles trazem alguns indícios e apontam em que caminho continuar pesquisando.

Neste caso, estudos anteriores em roedores mostraram que o aspartame, por exemplo, pode ser metabolizado em compostos neurotóxicos, levando à neuroinflamação (mediada pela micróglia, tipo de célula nervosa que atua na imunidade) e ao declínio cognitivo.

Alguns estudos em animais também apontam para o potencial dos adoçantes de alterar a microbiota intestinal, o que pode impactar a tolerância à glicose e afetar a integridade da barreira hematoencefálica, uma estrutura que envolve e protege o sistema nervoso central de agressores, sejam moléculas ou microrganismos.

“Nossas descobertas sugerem a possibilidade de danos a longo prazo do consumo de adoçantes, particularmente adoçantes artificiais e álcoois de açúcar, para a função cognitiva”, escrevem os pesquisadores.

Para mudanças nas recomendações por parte de órgãos e associações de saúde, porém, Claudia Suemoto acredita que mais pesquisas são necessárias, principalmente ensaios clínicos – em que os participantes são avaliados em condições mais bem controladas. Ela pede cautela também com a interpretação dos números, assim como os de qualquer pesquisa: “Qualquer risco relativo, quando eu divido um coeficiente por outro, vai resultar nesses números grandes”, pondera ao Jornal da USP.

Mesmo assim, considerando que outros estudos como esse encontraram resultados semelhantes, além do fato de os adoçantes artificiais serem ingredientes de alimentos ultraprocessados – já associados a problemas cognitivos em outras pesquisas –, ela opina que seu uso regular deve ser repensado.

Apesar de não ser considerado neste estudo, o consumo de sucralose já foi associado em outras pesquisas à diminuição do desempenho da memória e da função executiva, também possivelmente ligada a alterações do microbioma, neuroinflamação e neurotoxicidade dos metabólitos do adoçante.

Quanto à tagatose, que não apresentou associação com o declínio cognitivo no estudo, vale o mesmo raciocínio: ainda não dá para afirmar que “tudo bem, pode consumir à vontade”.

“É uma evidência que precisa ser corroborada por outras antes de mudarmos as políticas públicas, como aparecer alguma informação na embalagem, por exemplo”, diz Claudia Suemoto.

Aditivos cosméticos

Renata Levy também desaconselha o uso de adoçantes. A professora da FMUSP não participou deste estudo, mas tem larga produção científica em epidemiologia nutricional, em particular no tema ultraprocessados, e comentou os resultados a pedido do Jornal da USP. “Não apenas eu [desaconselho], mas também a Organização Mundial da Saúde, que em 2023 publicou a diretriz WHO Guideline on the use of non-sugar sweeteners. No documento, a OMS não recomenda o uso de adoçantes sem açúcar para controle de peso corporal ou redução do risco de doenças crônicas, como diabetes tipo 2 e as cardiovasculares, em adultos e crianças. A única exceção é para pessoas com diabetes, nas quais o uso pode ter indicação específica.”

Ela lembra que, segundo a classificação Nova, alimentos que contêm aditivos cosméticos são considerados ultraprocessados. “Esses aditivos são incluídos nos alimentos não para conservação, mas para modificar atributos sensoriais do produto. Os adoçantes se enquadram nesse grupo. Esses compostos contribuem para tornar os alimentos hiperestimulantes e podem interferir nos mecanismos naturais de saciedade e regulação do apetite. Muitos deles são classificados como xenobióticos, ou seja, substâncias estranhas ao metabolismo humano”, detalha.

Mesmo os chamados “naturais” recebem a classificação de ultraprocessados. “Ainda que alguns adoçantes tenham origem natural, como a estévia, eles são isolados e concentrados por meio de processamento industrial e adicionados a produtos nos quais não estariam presentes naturalmente.”

Para a professora, o estudo atual é extremamente relevante para a saúde pública e usa uma metodologia confiável. “O estudo de seguimento é dos delineamentos mais adequados para investigar esse tipo de associação.” Ela comenta ainda que uma das maiores dificuldades para estudar o efeito nocivo dos edulcorantes é quantificá-los com precisão nos alimentos. “Essa informação não está disponível nas tabelas de composição de alimentos nem nos rótulos. E a quantidade varia entre produtos e até entre marcas de um mesmo produto”, pontua, ao explicar que essa informação é crucial para que se possa gerar evidências mais robustas. “Isso reforça a necessidade de maior transparência na rotulagem e de bases de dados mais completas”, defende.

Domínios da cognição

Neste estudo, o desempenho nos vários aspectos foi avaliado individualmente, para depois se calcular uma pontuação de cognição global, que é o índice considerado de maior importância. “A cognição é formada por diversos domínios, e quando você tem um problema em vários, o impacto é maior”, explica Claudia Suemoto.

Os testes cognitivos estimaram capacidades como memória episódica (de recordar eventos e experiências específicas, incluindo detalhes como o que, onde e quando); fluência verbal (de gerar palavras dentro de uma categoria ou que começam com uma letra específica); e função executiva (de direcionar comportamentos a objetivos, envolvendo flexibilidade mental e velocidade de processamento para tomada de decisões).

Isolando as variáveis

Todo estudo observacional como este, que busca isolar o consumo de algum item e associá-lo a um desfecho como declínio cognitivo, que tem diversos determinantes, esbarra em confundidores que o tratamento estatístico dos dados procura mitigar.

Claudia Suemoto simplifica com um exemplo. “Digamos que eu queira saber se álcool contribui para o desenvolvimento do câncer de pulmão. Se eu não fizer um controle para o fator tabagismo, vou achar uma relação errada. Porque, normalmente, entre quem consome mais álcool também estão os que fumam bastante. E o tabagismo é um fator de risco conhecido para câncer de pulmão.”

Nesta pesquisa, em relação ao consumo de adoçantes, foram consideradas variáveis sociodemográficas (idade, sexo, renda, raça e educação), de estilo de vida (atividade física, tabagismo, consumo de álcool e padrão de dieta) e clínicas (índice de massa corporal, diabetes, hipertensão, doença cardiovascular e depressão).

Dietas saudáveis (por exemplo, a dieta mediterrânea, a Dash – focada em reduzir a hipertensão – ou a Mind, que é uma combinação das duas primeiras) aparecem como fator de proteção para o declínio cognitivo e demência, enquanto obesidade e diabetes são fatores de risco. Mas o diabetes é sem dúvida o maior confundidor. “Quem tem diabetes já tem indicação de tomar adoçante. Ao mesmo tempo, o diabetes é um fator de risco conhecido para declínio cognitivo”, observa a professora ao Jornal da USP, enfatizando a complexidade da relação.

Feitos os ajustes, a obesidade e o padrão da dieta não modificaram a associação entre o consumo de adoçantes e o declínio cognitivo, mas o diabetes sim: em indivíduos sem diabetes, o maior consumo de adoçantes foi ligado a um declínio mais rápido na fluência verbal e na cognição global. Já para os participantes com diabetes, a ingestão de adoçantes mais alta foi associada a um declínio mais rápido, tanto na memória quanto na cognição global.

Em nota, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (ABIAD) – instituição que representa a indústria de adoçantes no Brasil – informou que acompanha com atenção a publicação do estudo divulgado na revista Neurology.

O comunicado e a resposta da pesquisadora podem ser lidos na íntegra clicando aqui.

O artigo Association Between Consumption of Low- and No-Calorie Artificial Sweeteners and Cognitive Decline pode ser acessado neste link.

Mais informações: cksuemoto@usp.br, com Claudia Suemoto

*Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Olhar para a saúde mental pode tornar tratamento de dor crônica mais efetivo

Pesquisadores definem sugestões de manejo clínico para melhorar a condução dos casos de dor crônica não oncológica

O tratamento de dor crônica não oncológica (DCNO) explora pouco, ou não explora, fatores além dos orgânicos, como a saúde mental e a relação médico-paciente, antes de indicar intervenções invasivas. É o que sugerem pesquisadores da USP, Centro Universitário São Camilo e Hospital do Exército, que definiram uma lista de dez recomendações para a condução de casos de dor crônica refratária – aquela que não responde aos tratamentos.

João Solano, psiquiatra e primeiro autor do trabalho, atuou na Equipe de Controle da Dor na Divisão de Anestesia do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, onde teve contato próximo com pacientes com a condição. A esquipe busca, através de uma proposta multidisciplinar, evitar a cronificação da dor. O artigo, recém-publicado na revista O Mundo da Saúde, resume a sua experiência e dos demais autores no trabalho assistencial.

“Observamos que muitos dos pacientes tinham determinantes não físicos da dor e que se esses fatores não fossem abordados, eles poderiam vir a não melhorar nunca, mesmo que medidas invasivas modernas e mais caras fossem implementadas” – João Solano

O trabalho destaca que, para a Associação Internacional de Estudos da Dor (Iasp), “dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada a dano real ou potencial ao tecido”. A ideia de ser “semelhante àquela associada a dano potencial” abre espaço para contemplar o medo do paciente que antecede os potenciais riscos que podem vir a se tornar uma dor.

“Na maioria das vezes o que o paciente mais teme não é o dano real, mas aquilo que ele imagina que seja perigoso ao seu próprio corpo. A fantasia de ele vier a sofrer algo insuportável”, explica Solano.

Para ser considerada uma dor crônica não oncológica, a dor deve durar mais do que três meses e não estar relacionada a processos de câncer. O psiquiatra aponta que, em geral, a dor oncológica persiste por menos tempo, enquanto a não oncológica costuma afetar a qualidade de vida dos pacientes por anos.

Os profissionais notaram que os quadros de dor crônica podem ter sua  origem em fatores não orgânicos, ligados com a vida psíquica ou a vida psicossocial do paciente. A suspeita dos pesquisadores é que, caso essas outras vertentes da dor não sejam exploradas, o risco de cronificação seja ainda maior. Segundo eles, é frequente que fatores psicológicos ou psiquiátricos contribuam para a piora dos casos.

Condução do tratamento

As sugestões do estudo incluem: ouvir a história completa do caso; revisar os medicamentos utilizados; identificar e delimitar os possíveis benefícios da relação médico e paciente; manter boa comunicação entre a equipe; avaliar os sentimentos dos profissionais e indicar o paciente para avaliação psicológica e psiquiátrica.

Para Solano, a medicina atual, altamente auxiliada pela tecnologia, busca por origens exclusivamente orgânicas e constatáveis da dor, que sejam modificáveis ou potencialmente modificáveis por intervenções corporais.

O psiquiatra aponta que espera-se uma efetividade dos procedimentos invasivos maior do que o que se tem observado com os resultados. “Temos visto que, muitas vezes, esses procedimentos [invasivos] têm uma efetividade bem aquém do esperado. Muitos pacientes têm suas dores cronificadas a despeito da aplicação dessas medidas”, explica.

Para o artigo foi feita uma busca sistemática que avaliou se a saúde mental e a relação médico-paciente estão sendo abordadas no cenário de tratamentos dos pacientes diagnosticados com DCNO. O resultado foi de acordo com o que era esperado e revelou que estes temas têm sido pouco debatidos. Para as avaliações foram considerados 14 artigos das bases de dados Medline, PubMed, Lilacs e Cochrane Library.

Solano aponta que pacientes com casos complexos eram encaminhados para uma avaliação psiquiátrica com ele. Foi durante esse processo que o médico percebeu que eles não tinham passado por anamneses completas.

A anamnese é uma entrevista clínica realizada pelo profissional da área da saúde com o seu paciente. Para os pesquisadores, entender as possíveis raízes emocionais de um problema é fundamental para escolher a melhor forma de condução do caso.

As entrevistas podem ser classificadas como subjetivas, quando feitas diretamente com o paciente, ou objetivas, feitas com alguém próximo. O contato com um terceiro pode impulsionar a descoberta de novos cenários, como, por exemplo, a falta de completa adesão ao tratamento farmacológico.

“Para que a medicina decida se um tratamento farmacológico não está sendo efetivo e torne o paciente elegível para uma medida invasiva, é muito importante saber primeiro se o paciente vinha usando as medicações corretamente ou não”, destaca Solano.

Um artigo de Karlowicz e Bodalska, publicado em 2023 e analisado na revisão, apontou que mais de um terço dos pacientes, usuários crônicos de analgésicos, relataram que seus médicos não colheram sua história médica durante a consulta e tratamento.

Para o psiquiatra, se os médicos ficarem centrados apenas nas possíveis causas físicas da dor, não irão “descobrir o que precisa ser descoberto a respeito da dor daquele paciente”. O artigo busca sugerir mudanças para que as experiências dos pacientes sejam levadas em consideração.

Outro artigo avaliado, produzido por Emilie Pedreira (2023), identificou que a não adesão ao tratamento de paciente com DCNO pode chegar a 53% no Brasil. Para Solano, essa indicação mostra a necessidade de uma anamnese objetiva, que pode ajudar a identificar o que leva os pacientes a não se adaptarem aos tratamentos.

Há casos em que os pacientes percebem os fatores não físicos que os afetam antes de seus médicos, o que o desmotiva a dar continuidade no tratamento. “Se o doente percebe que só sente dor quando está ansioso, ele tem um registro, ainda que não consciente, de que tomar remédios para tratar unicamente causas orgânicas da sua dor pode não ser tão efetivo. Então passa a não levar o tratamento a sério”, exemplifica o psiquiatra.

Essa baixa adesão ao tratamento causa insatisfação de ambas as partes na relação médico-paciente. Ao descobrir que o doente não segue a terapia corretamente, o médico passa a também não investir completamente naquele atendimento, o que causa ainda mais frustração ao doente, criando um ciclo vicioso.

“Se o médico não estiver vigilante para perceber quais são as reações emocionais que ele tem diante do seu paciente, a situação tende a escalar e se complicar cada vez mais. Isso é um tijolinho neste grande estado de inefetividade terapêutica que, muitas vezes, a gente vê nas clínicas de dor” – João Solano

Ganhos secundários e terciários

Durante a pesquisa, os profissionais apontaram os ganhos secundários, quando o paciente se beneficia a partir de sua condição, e os terciários, quando é o médico quem se beneficia dessa condição.

Para eles, o primeiro caso pode estar associado ao contentamento do paciente, que encontrou uma zona de conforto, enquanto o segundo caso está relacionado aos benefícios da instituição ou da equipe em encaminhar o doente para intervenções invasivas.

O psiquiatra exemplifica que há pacientes que conseguem mais atenção de seus familiares ou que se afastam de suas responsabilidades. Estes fatores precisam ser levantados antes que o profissional o encaminhe para a intervenção cirúrgica.

Ele ainda destaca casos em que o quadro permite a obtenção de drogas nas quais o paciente pode estar viciado. É o exemplo de drogas facilmente indutoras de dependências, em que o paciente não tem mais estímulo para melhorar a sua dor, uma vez que é graças à ela que pode conseguir receitas de opiáceos.

Os ganhos terciários aparecem quando intervenções cirúrgicas ou invasivas são recomendadas mesmo quando outras opções de tratamento poderiam ter sido usadas e não foram. Assim, o tratamento deixa de atender a este critério ético. No contexto do artigo, os pesquisadores apontam que os médicos, ao deixarem de lado fatores psíquicos para centrarem a sua atenção somente nos aspectos físicos, podem estar inconscientemente inspirados pela obtenção de ganhos terciários.

O trabalho completo pode ser acessado neste link.

Mais informações: joaopaulocsolano@uol.com.br, com João Paulo Consentino Solano

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Pomada com própolis vermelha é testada para cicatrização de queimaduras

Experimentos iniciais em células e animais mostraram que pomada orgânica à base de própolis vermelha pode acelerar processo de cura, fechando feridas de forma rápida

Uma pomada feita a partir da própolis vermelha pode representar um avanço na cicatrização rápida de queimaduras. Um estudo da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP desenvolveu e testou o produto em cultura de células e animais. Os resultados mostraram que graças aos componentes químicos do princípio ativo, a formulação tem potencial para auxiliar vítimas dessas lesões.

A própolis vermelha é um produto típico do Nordeste brasileiro. Neste caso, a utilizada para a pomada tem como origem a cidade de Maceió, capital de Alagoas. A substância é produzida por abelhas (Apis mellifera) que retiram resina vermelha da planta nativa rabo-de-bugio.

Lauriene Luiza de Souza Munhoz, biomédica e autora do trabalho, explica que existem outras própolis no mercado, que são usuais nas práticas do campo da saúde, mas revela que o estudo foi pioneiro na aplicação desta em específico para produtos de pele.

A pesquisadora aponta, em entrevista ao Jornal da USP, que as queimaduras possuem um tratamento difícil e pouco eficaz, e, em geral, apresentam alguma inconstância na cicatrização. Sua ideia era criar um produto inovador e natural que tivesse a capacidade de curar cicatrizes complexas.

“Os produtos disponíveis na área da saúde ainda não garantem uma cicatrização completa, em geral, deixam alguma irregularidade. A ideia era trazer um produto não só inovador, mas que seja eficaz”, completa Lauriene.

Formulação da pomada

A composição química da própolis vermelha contribui para uma cicatrização mais acelerada. A alta concentração de compostos fenólicos, flavonoides e outros bioativos com propriedades antioxidantes, antimicrobianas e anti-inflamatórias permitem auxiliar as células a se proliferarem e assimilarem melhor o processo de fechamento da ferida.

Assim, o potencial da própolis vermelha em ser um ator eficaz na cicatrização já era esperado, explica Daniele dos Santos Martins, professora da FZEA e orientadora da pesquisa.

Além do produto, foi utilizado como veículo – material base, onde é diluído o princípio ativo – o emulsificante Olivem 1000, uma substância orgânica comercializada, criada a partir do óleo de oliva.

Os pesquisadores optaram por um produto que não influenciasse as respostas do princípio ativo. Entretanto, usar um item comercial serviu como garantia do funcionamento da própolis vermelha, que foi incorporada ao veículo. “Os resultados que encontramos realmente são da própolis. Nós nos certificamos que foi a própolis quem teve esses achados e não tem a ver com o veículo usado”, garante a professora.

Em relação a outros produtos já disponíveis no mercado, a biomédica aponta vantagens como a cicatrização acelerada e a formulação natural da pomada com própolis vermelha. Segundo ela, essa composição diminui os riscos de alergias.

Daniele destaca também que outros fatores são contemplados. Por exemplo, se em um eventual uso por animais, eles lamberem, ou ainda, se crianças por acidente levarem o produto à boca, não haverá graves problemas.

Avaliações

Para avaliar a queimadura no modo experimental, somente a lesão de 2º grau – quando a derme e a epiderme são atingidas – foi testada. Segundo as pesquisadoras, primeiro foram realizados testes in vitro e posteriormente in vivo, em ratos Wistar. Nos testes da pomada em si, foram realizadas análises físico-químicas e bacteriológicas.

A legislação exige testes acelerados de 90 dias em que os pesquisadores devem deixar o produtos sob estresse térmico e estresse mecânico. Esses testes simulam o tempo de estocagem e transporte, além de temperaturas altas e baixas, ajudando a entender a durabilidade do produto e como ele vai se comportar no dia a dia.

A partir dessa etapa, pode-se comprovar que a formulação é estável, por não ter mudado seu PH e cor, não ter tido separação de fase e não ter perdido a viscosidade. “Ela [a pomada] se manteve dentro dos parâmetros iniciais durante esse período, entre esses estresses que a gente submeteu à formulação”, explica Lauriene.

Durante os experimentos in vitro, foram realizados testes que demonstraram o potencial de cicatrização da própolis por meio da migração e proliferação celular, resultando na contração e redução do espaço entre as bordas da área lesada. Após o sucesso nessa etapa, os pesquisadores passaram a realizar os testes in vivo, em que faziam a comparação em animais do grupo de controle – sem tratamento nenhum – e em outro grupo com a formulação da pomada.

No grupo controle, os resultados foram negativos, enquanto o grupo com a própolis vermelha obteve resultados positivos em relação ao tempo de cura e uniformidade na cicatrização, comprovando a eficácia do princípio ativo.

“Nossos resultados mostram que a pomada formulada propiciou a melhor cicatrização, mantendo a borda da ferida regular”, explica a professora. Segundo ela, além de a pomada ser eficiente, também deixa a cicatriz com um aspecto visualmente agradável.

Daniele acredita que isso seja um ganho principalmente para o estado mental de vítimas com queimaduras visíveis. “Muitos pacientes têm que fazer um acompanhamento psicológico, porque, dependendo de onde a queimadura fica, a pessoa não quer mostrar, opta por cobrir. Conseguir um produto que deixa uma cicatriz de queimadura mais homogênea evitaria esse constrangimento.”

Em relação ao uso em queimaduras, os pesquisadores entendem que os testes já apontam para a eficácia da formulação. Segundo a professora, novos testes foram iniciados com a incorporação da pomada a um biomaterial contendo células-tronco para compreender se os seus resultados também se aplicam em outros tipos de cicatrização.

O produto orgânico se destaca pela cicatrização rápida e uniforme – Foto: cedida pela pesquisadora

Influência do sexo

A pomada se mostrou eficaz para machos e fêmeas, mas diferenças no tempo e organização da cicatrização foram observados. Os pesquisadores deram preferência em mesclar o sexo dos roedores durantes os testes, o que demonstrou a diferença na ação em cada um dos organismos.

Segundo a professora, a literatura já fazia alguns apontamentos sobre essa tendência que está relacionada, possivelmente, aos hormônios. Porém a comprovação foi inesperada para os avaliadores dos testes.

A biomédica explica que a cicatrização em machos é mais rápida, porém nas fêmeas, mesmo que mais lenta, as células migram mais corretamente, formando um tecido mais bem organizado. “No macho, o processo foi um pouco mais rápido, mas a estrutura da pele não ficou tão bem organizada quanto a da fêmea”, completa .

O artigo Red propolis cream and its therapeutic potential for skin lesions caused by burns está disponível on-line e pode ser lido aqui.

Mais informações: lauremunhoz@usp.br, com Lauriene Luiza de Souza Munhoz, e daniele@usp.br, com Daniele dos Santos Martins

*Estagiária sob orientação de Tabita Said

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP