Pesquisa estima quanto tempo de vida saudável perdemos comendo mal

O consumo contínuo de cerca de 115 gramas de bolachas recheadas – menos de um pacote – está associado à perda média de 39 minutos de vida saudável. O dado integra uma avaliação inédita de impacto combinado para a saúde humana e o meio ambiente dos principais alimentos consumidos no País.

estudo foi publicado nesta sexta-feira (9) na revista científica International Journal of Environmental Research and Public Health e se ancora no Índice Nutricional de Saúde (Heni) – um sistema de pontuação sobre o impacto da alimentação à saúde em anos de vida saudável (sem incapacidades). O índice utiliza dados epidemiológicos para classificar e avaliar alimentos e dietas conforme as características nutricionais dos itens.

A pesquisa analisou os 33 alimentos que mais contribuem para a ingestão energética dos brasileiros usando o índice. Além disso, os cientistas calcularam o impacto ambiental das porções em emissão de gases de efeito estufa (CO₂ equivalente) e volume de água utilizado. O trabalho é assinado por pesquisadores da USP, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Técnica da Dinamarca (DTU).

No geral, produtos derivados de animais, particularmente carne vermelha, tiveram os maiores custos ambientais. Já alimentos de origem vegetal, como feijão e frutas, tiveram melhores pontuações no Heni e menores impactos ambientais. Ao Jornal da USP, a professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP Aline Martins de Carvalho explica que a quantidade de minutos de vida perdidos está associada aos hábitos de consumo.

 “Não se trata do consumo de uma única bolacha, nem de uma única vez na vida, mas sim um consumo contínuo dessa porção de bolachas. Se a pessoa consome por muitos anos e de forma diária, esse hábito irá reduzir o tempo de vida saudável dela” – Aline Martins de Carvalho

De acordo com a pesquisa, o Índice Nutricional de Saúde médio no Brasil foi de -5,89 minutos, variando de -39,69 minutos para bolachas recheadas a +17,22 minutos para o consumo de peixes de água doce. Entre os piores colocados também estão a carne suína (-36,09 minutos), margarina com ou sem sal (-24,76 minutos), carne bovina (-21,86 minutos) e biscoitos salgados (-19,48 minutos). Por outro lado, alimentos in natura como peixes de água doce (+17,22 minutos), banana (+8,08 minutos), feijão (+6,53 minutos); e arroz com feijão (+2,11 minutos ) mostraram bom desempenho tanto para a saúde humana quanto para a sustentabilidade do planeta.

A pizza de muçarela se destacou negativamente com o uso de mais de 306 litros de água para uma porção média de 280 gramas. Além do impacto negativo para a saúde, um prato de carne bovina emite mais de 21 kg de CO₂ equivalente, enquanto a banana tem emissão de apenas 0,1 kg de CO₂ equivalente e utiliza 14,8 litros de água por porção.

“Nossas descobertas fornecem entendimentos valiosos sobre as consequências reais das escolhas alimentares individuais e institucionais, demonstrando seus impactos mensuráveis na saúde e no meio ambiente”, informam os pesquisadores no artigo.

Na avaliação dos impactos ambientais, a pizza de muçarela se destacou negativamente pelo consumo excessivo de água na produção – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Monotonia in natura

O levantamento avaliou o consumo dos alimentos em quatro agrupamentos regionais. Em comum entre as regiões brasileiras, está a dieta centrada em arroz, feijão, carnes bovina, suína e de frango. De forma geral, os pesquisadores também identificaram monotonia alimentar e consumo reduzido de alimentos nativos e biodiversos — essenciais para melhorar tanto a nutrição quanto a sustentabilidade.

Porém, o artigo identifica as piores médias do índice nos dois agrupamentos regionais que correspondem ao Nordeste e a parte da região Norte. Nessas regiões, a variação foi de -61,15 minutos para o consumo de carne seca até +41,43 minutos para o consumo de açaí com granola.

“Esses achados reforçam que a melhoria dos sistemas alimentares exige ações que vão além da promoção de informações sobre escolhas saudáveis e sustentáveis: é necessário garantir acesso real, contínuo e economicamente viável a esses alimentos, especialmente para populações em situação de vulnerabilidade”, afirma Marhya Júlia Silva Leite, primeira autora do estudo.

A pesquisa também chama a atenção para o contraste entre agricultura familiar e agronegócio, um desafio para a promoção de dietas saudáveis e sustentáveis.

“Em termos ambientais, o agronegócio é responsável por 70,45% do consumo de água no País, especialmente no que diz respeito à carne bovina, que é o alimento mais intensivo em recursos e está associado a minutos perdidos por incapacidade. Por outro lado, a produção de alimentos como feijão, mandioca, frutas e hortaliças está intimamente ligada à agricultura familiar que, apesar de ocupar uma parcela menor de terra em comparação ao agronegócio, desempenha papel fundamental no fornecimento de alimentos para consumo doméstico e na promoção da segurança alimentar”, alertam os cientistas.

“Políticas que incentivem a produção local e diversificada e o acesso a alimentos saudáveis podem ser orientadas por esses achados, promovendo sistemas alimentares mais resilientes, justos e sustentáveis. Também é uma oportunidade para valorizar a sociobiodiversidade brasileira, com estímulo ao cultivo e consumo de alimentos nativos que hoje são pouco explorados e consumidos em algumas regiões”, conclui a pesquisadora.

Vida saudável em números

Para calcular a carga benéfica ou prejudicial à saúde, os cientistas determinaram o índice em termos de minutos de vida saudável vinculados ao tamanho médio das porções dos alimentos mais consumidos no Brasil, considerando as características demográficas e as condições de saúde da população brasileira. A pesquisa utilizou informações do banco de dados de consumo alimentar da população brasileira derivadas da Pesquisa de Orçamentos Familiares – Pesquisa Nacional de Alimentação (INA 2017-2018) da Classificação Nova de processamento de alimentos, da classificação dos sistemas alimentares regionais brasileiros identificados pelo Índice Multidimensional de Sistemas Alimentares Sustentáveis Revisado para o Brasil (MISFS-R), além de parâmetros ambientais.

Cada fator de risco alimentar foi multiplicado pela quantidade do respectivo componente de risco (em gramas) presente no tamanho médio da porção do alimento analisado – por exemplo, o teor de sódio em uma porção média de arroz. Em seguida, os riscos foram agregados e a estimativa líquida foi convertida de μDALYs (do inglês Disability-Adjusted Life Year, refere-se a um ano de vida saudável perdido) para minutos de vida saudável.

A pesquisa não abordou o consumo excessivo de açúcar como fator de risco para a saúde humana, dado ausente nas análises da Carga Global de Doenças, nem a influência de fatores como estilo de vida e predisposição genéticaO artigo está disponível aqui.

*Com informações da Agência Bori

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Sarcobesidade desafia a saúde global com envelhecimento da população

A sarcobesidade ou obesidade sarcopênica é a combinação de acúmulo de gordura e sarcopenia (perda de massa muscular) e acomete principalmente idosos. A condição está associada ao risco de desenvolvimento outras doenças, como as cardiovasculares, respiratórias, osteomusculares, psiquiátricas e câncer, e representa um desafio para a ciência e para a saúde: relatório da OMS prevê que o número de pessoas acima de 65 anos deve dobrar até 2050, chegando a 1,6 bilhão.

O enfrentamento da sarcobesidade, no entanto, mesmo com o envelhecimento, pode não depender de procedimentos avançados e produção em massa de medicamentos. Resultados de um estudo recém-publicado indicam que mudanças no estilo de vida e acesso a uma rotina saudável podem prevenir e até tratar a doença. Trata-se de uma revisão bibliográfica com os principais achados científicos sobre a doença das últimas décadas. Os estudos evidenciam ainda falta de critérios diagnósticos e de definição da própria sarcobesidade, além da complexidade do tratamento.

Coordenadora da pesquisa, a professora Ellen Cristini de Freitas, da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, ressalta o distúrbio metabólico da sarcobesidade, agravada pelo envelhecimento, para afirmar que novas abordagens terapêuticas são necessárias na redução da patologia, razão pela qual seu time procurou pelas abordagens com potencial para o controle da doença e identificou três estratégias não farmacológicas: a suplementação com taurina (aminoácido importante no bom funcionamento do organismo), o manejo da microbiota intestinal e a prática de atividade física.

Prevalência em idosos

“O declínio acentuado e progressivo da massa e força muscular, caracterizado como sarcopenia, é uma condição prevalente em pessoas com 65 anos ou mais”, informa Ellen. A doença aumenta os riscos de incapacidades físicas, quedas, fraturas e hospitalização, limitando a qualidade de vida dos idosos. Quando associada ao aumento da gordura corporal, acrescenta a professora, há uma piora do prognóstico e se transforma na sarcobesidade.

Ellen informa ainda que, apesar de ser mais comum em idosos, os jovens não estão isentos da sarcobesidade. A população mais jovem com obesidade e sedentária ou que enfrenta alterações hormonais e metabólicas, câncer e quadro pós-cirurgia bariátrica sem cuidados nutricionais adequados também podem desenvolver a patologia.

Mas são os idosos o principal grupo de risco, pois perdem progressivamente massa muscular e ficam mais propensos à sarcobesidade. Mesmo com a dificuldade diagnóstica, informa a pesquisadora, estudos utilizando o método chamado DXA (Absorciometria de Raios X de Dupla Energia – técnica que avalia massa óssea, muscular e gordura) mostraram prevalência de 15% da sarcobesidade entre pessoas de 60 a 69 anos, e 40% entre os com 80 anos ou mais. Como a tendência é de envelhecimento, a preocupação com a sarcobesidade deve aumentar.

Suplemento de taurina na regulação metabólica

 

Infográfico mostra como o comportamento sedentário contribui para a sarcobesidade – a combinação entre obesidade e perda de massa muscular – e destaca os benefícios dos exercícios aeróbicos e de força na prevenção e controle da condição – Foto: Reprodução do artigo

 

As alterações fisiológicas próprias do envelhecimento associadas a hábitos de vida, como o sedentarismo e as mudanças alimentares, resultam “na redistribuição de gordura corporal do depósito subcutâneo para o visceral e pela redução da força e massa muscular”, informa a professora. Esta redistribuição de gordura contribui para a diminuição da massa e força muscular, a redução do gasto energético basal e a dificuldade de realizar atividade física, favorecendo o acúmulo de gordura. Por sua vez, o excesso de gordura corporal promove inflamação sistêmica e o acúmulo de gordura intramuscular com efeitos ruins na força e massa muscular. Segundo Ellen, esse é o quadro que explica o risco da obesidade e da sarcopenia coexistirem no mesmo indivíduo.

Ao falar em inflamação, a professor lembra que a sarcobesidade também representa risco para outras complicações crônicas baseadas em inflamação, como a resistência anabólica, a resistência à insulina, as doenças cardiovasculares e a diabetes. É aí que entram alternativas como a suplementação com taurina (um aminoácido produzido pelo corpo humano e presente em alimentos de origem animal) que, afirma a professora, tem mostrado respostas importantes para controlar a sarcobesidade.

Alguns estudos vêm confirmando as principais propriedades da taurina contra problemas de saúde relacionados ao envelhecimento. “Efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e capacidade de regular o metabolismo são algumas dessas boas respostas da taurina.” Ellen cita uma pesquisa realizada em seu laboratório que avaliou a suplementação com 3g de taurina/dia em mulheres com obesidade obtendo aumento da produção de adiponectina – proteína que desempenha um papel importante na regulação do metabolismo e na sensibilidade à insulina. Os resultados reforçam o papel da taurina no controle da inflamação.

Mesmo com os efeitos potenciais, a pesquisadora lembra que os benefícios da taurina devem ser mais explorados, já que “a maior parte das evidências vem de estudos com modelos animais e os efeitos da taurina em humanos, particularmente em indivíduos com sarcobesidade, ainda não estão completamente esclarecidos”.

Alimentação, envelhecimento e microbiota intestinal

Outro destaque da pesquisa para o controle da sarcobesidade é a microbiota intestinal. Trata-se do conjunto de microrganismos que compõem o sistema digestivo, em especial o intestino, numa comunidade de bilhões de bactérias que desempenham funções cruciais no organismo, principalmente na digestão, absorção dos nutrientes e eliminação de resíduos.

“Vários estudos já demonstraram que tanto a obesidade quanto o envelhecimento alteram a composição da microbiota intestinal, acarretando mudanças no tipo de bactérias que colonizam o nosso intestino”, destaca a professora, lembrando que esses fatores estabelecem uma maior proporção de bactérias potencialmente inflamatórias (bactérias patobiontes) em detrimento das potencialmente benéficas (bactérias simbiontes).

Assim, Ellen afirma que vale a pena prestar mais atenção à alimentação. “Padrões alimentares ocidentalizados, pautados no consumo de ultraprocessados (ricos em açúcares e gordura saturada e pobres nutricionalmente), são um dos protagonistas de mudanças na microbiota intestinal, cenário que fica ainda mais grave quando se concentra na realidade de uma população idosa.”

Atividade física, ganho de massa muscular e perda de gordura

A prática de exercícios físicos é tratada como uma estratégia importante para a prevenção e o tratamento da obesidade sarcopênica, principalmente em pessoas acima de 65 anos. A recomendação do American College of Sports Medicine para esse grupo é a da prática de atividades físicas diversas que desenvolvam múltiplas capacidades corporais como o equilíbrio, a flexibilidade e a força.

Segundo os especialistas, a atividade física é um grande fator no combate da sarcobesidade devido à sua capacidade de recompor massa muscular e perder gordura, combatendo as duas condições clínicas que caracterizam a sarcobesidade. Na mesma linha, adiantam que os exercícios físicos também são fundamentais para um envelhecimento saudável não apenas na ótica da obesidade sarcopênica, pois trazem benefícios quanto à mobilidade, reduzindo o número de quedas e melhorando a capacidade neural.

Investimento em qualidade de vida

Para Ellen, além do avanço nas formas de prevenção e tratamento é preciso um suporte adequado das autoridades de saúde na divulgação de informações de qualidade e no combate à má alimentação e ao sedentarismo. Desta forma, afirma que o investimento no combate a essa doença não depende necessariamente de grandes infraestruturas ou da produção em massa de medicamentos, mas do acesso a uma rotina envolvendo comportamentos alimentares saudáveis e atividades físicas de qualidade.

“É preciso desenvolver projetos capazes de abranger o diagnóstico correto e precoce da sarcopenia, o tratamento amplificado da obesidade no contexto de saúde pública e aumentar o acesso a alimentos in natura e saudáveis”, finaliza.

Mais informações: ellenfreitas@usp.br com a professora Ellen Cristini de Freitas

*Estagiário com orientação de Rita Stella

FONTE: Jornal da USP

Consumo de álcool está associado a lesões cerebrais ligadas à demência, mostram autópsias

Estudos de neuroimagem sobre os possíveis efeitos da ingestão de álcool no cérebro são pouco conclusivos, e têm encontrado resultados contraditórios. Agora, um trabalho liderado por brasileiros traz uma evidência mais forte da relação entre consumo de bebida, lesões cerebrais e piora cognitiva.

pesquisa não comprova que o álcool causa esses problemas – relações de causalidade são complexas e demoradas de estabelecer. Mas a associação do álcool e danos que o estudo verificou é mais robusta porque as análises foram feitas diretamente em tecidos cerebrais após a morte. Além disso, foram utilizados cérebros de brasileiros, e são raros os estudos feitos em população de países de média e baixa renda – aquelas que, na prática, são as mais atingidas pela demência.

Os resultados apontaram que tanto o consumo moderado quanto o intenso (oito ou mais doses por semana), mesmo que prévio (na época da morte a pessoa já era ex-alcoolista), foram associados à arteriolosclerose hialina e aos emaranhados neurofibrilares de tau.

A arteriosclerose hialina é uma condição de endurecimento de vasos sanguíneos que dificulta a irrigação cerebral, pode danificar o cérebro e está ligada ao desenvolvimento de demência vascular. Já os emaranhados neurofibrilares são estruturas proteicas características da doença de Alzheimer.

Além disso, o consumo prévio intenso de álcool (ex-alcoolistas) foi associado à redução da massa cerebral e das capacidades cognitivas. Para não gerar distorções, o cálculo levou em conta a razão entre o peso do cérebro e a altura da pessoa. E as capacidades cognitivas foram aferidas por meio de um questionário feito com familiares ou pessoas próximas, capaz de indicar se o paciente apresentava declínio cognitivo e sinais de demência.

estudo foi publicado no início do mês na Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, tendo como primeiro autor Alberto Justo, que realizou pós-doutorado com supervisão de Claudia Suemoto na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

A declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2023, de que nenhum nível de consumo de álcool é isento de prejuízos, se referia especialmente ao fato do hábito aumentar o risco de vários tipos de câncer, e fortaleceu a tendência de se desmistificar a ideia dos “níveis seguros” – ou até benéficos em algum aspecto – da ingestão de álcool. O estudo da USP chega para fortalecer uma outra frente que também vem sendo investigada: os possíveis efeitos da bebida na saúde cerebral.

“O grande destaque do estudo, a meu ver, é que os marcadores, principalmente a arterioesclerose hialina, já estão presentes mesmo em quem consome álcool moderadamente”, diz Alberto Justo. Outro destaque, segundo ele, é que o declínio cognitivo foi verificado em todos os grupos de bebedores, tanto os que já tinham cessado antes da morte, quanto nos que ainda bebiam.

A pesquisa

As amostras analisadas vieram do Biobanco para Estudos do Envelhecimento da USP. Este banco coleta cérebros de pessoas que foram autopsiadas no Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (SOV), da USP, mas não de indivíduos que morreram de causas traumáticas, porque esses casos são tratados pelo Instituto Médico Legal (IML).

Foram incluídas 1.781 pessoas com mais de 50 anos (idade média de 75 anos) no momento da morte, cujos parentes mais próximos tiveram contato no mínimo semanal com o falecido durante os seis meses anteriores ao óbito.

Todas foram submetidas a autópsias cerebrais em busca de sinais de lesão, incluindo lesões associadas à demência vascular e doença de Alzheimer. Para garantir a qualidade, os participantes foram excluídos se os dados clínicos fossem inconsistentes ou se o tecido cerebral fosse incompatível com as análises neuropatológicas.

Os pesquisadores também verificaram o peso do cérebro e a altura de cada pessoa. Os familiares responderam a perguntas sobre o consumo de álcool dos participantes e outras questões que permitem avaliar se há perda cognitiva ou indicativos de demência – presentes numa escala validada denominada Clinical Dementia Rating (CDR).

A reserva cognitiva, medida em anos de educação formal, é um fator de proteção importante contra o desenvolvimento de demência – Arte sobre imagens rawpixel.com/Freepik e ManuelSchottdorf/Wikimedia Commons

Consumidores e ex-consumidores intensos de álcool (ex-alcoolistas) tinham maior risco de apresentar emaranhados tau, o biomarcador associado à doença de Alzheimer, com chances 41% maiores. Os ex-alcoolistas também tinham uma menor proporção de massa cerebral em comparação com a massa corporal, e capacidades cognitivas prejudicadas.

Não foi encontrada ligação entre o consumo moderado ou intenso três meses antes do óbito e a razão de massa cerebral ou habilidades cognitivas, mas apenas em ex-alcoolistas (consumo prévio intenso). Este achado parece contraditório, mas pode ter a ver com um viés da amostra de pacientes do estudo. Os participantes que bebiam muito no momento do óbito ainda não tinham desenvolvido outras complicações sérias associadas ao álcool que levariam à cessação do consumo. Um exemplo de complicação que poderia levar à interrupção do consumo é a cirrose hepática.

Reserva cognitiva

A reserva cognitiva se refere principalmente ao tempo de educação formal que uma pessoa teve. “Aqui na Alemanha [onde mora atualmente], por exemplo, dificilmente uma pessoa fala menos de dois ou três idiomas, ou é mais velha e não fez faculdade. Essa reserva, de uma certa forma, reforça as sinapses, as conexões cerebrais. Muitas vezes, mesmo com a presença de vários biomarcadores de demência, a pessoa não vai apresentar a doença clinicamente”, explica o pesquisador.

Estima-se que, nos próximos anos, dois terços da população com demência vão estar em países de baixa e média renda, informação importante no contexto do estudo sobre o álcool. Enquanto os estudos da América do Norte e Europa geralmente incluem participantes com 13 ou 14 anos de estudo, no Brasil, a média é de 4,8 anos de educação.

“Essas pessoas que a gente estudou fazem parte de uma população miscigenada e com baixa educação, que é uma coisa muito rara de encontrar em estudos do tipo. No biobanco temos amostras de pacientes que, epidemiologicamente, traduzem melhor a realidade de quem é mais atingido pela demência no Brasil”, conclui o cientista.

Mais informações: e-mail albertofojusto@gmail.com e cksuemoto@usp.br

FONTE: Jornal da USP