Estimulação transcraniana melhora sintomas do Alzheimer

De acordo com o Relatório Nacional sobre Demências, ao menos 2 milhões de pessoas com mais de 60 anos vivem com algum tipo de demência no Brasil, condição que não tem cura. O Alzheimer está entre as formas mais comuns em mais velhos, causando alterações na memória, na personalidade e em habilidades essenciais, como as visuais e espaciais.

Como uma alternativa não invasiva de tratamento, pesquisadores do Instituto de Medicina Física e Reabilitação (IMREA) em parceria com o Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) utilizaram a estimulação de pulso transcraniana (EPT) e observaram melhoras comportamentais e de sintomas neuropsiquiátricos nos pacientes.

A estimulação de pulso transcraniana utiliza ondas de choque, feita de maneira difusa por todo o crânio para atingir todas as regiões do cérebro. “A onda de choque é uma onda sonora especial e focalizada, com um pico de pressão que atinge até cinco centímetros de profundidade nos tecidos”, conta Gilson Shinzato, médico fisiatra e primeiro autor da pesquisa. A técnica já é utilizada há algumas décadas em outras áreas da medicina, e tem benefícios como vasodilatação – em que os vasos sanguíneos se “abrem”, melhorando a passagem do sangue –, ação anti-inflamatória e estímulo à regeneração de tecidos. Neste estudo exploratório, as aplicações de EPT foram feitas em todo o crânio, de forma difusa, buscando contemplar todas as regiões do cérebro.

Os pacientes que receberam a intervenção tiveram melhora nos sintomas neuropsiquiátricos, como delírios, alucinações e irritabilidade; nos sintomas cognitivos, como perda de memória; e nos sintomas comportamentais, como paranoia, comportamentos repetitivos e perambulação.

Todos esses sintomas foram avaliados através de questionários, que mediam também a independência do paciente e sobrecarga dos cuidadores. No Questionário de Inventário Neuropsiquiátrico, NPI-Q, que avaliou os sintomas neuropsiquiátricos, houve uma redução de 23 pontos nos primeiros 30 dias, de uma escala que vai de 0 a 144, demonstrando a evolução dos pacientes.

 

Demonstração de aplicação de EPT em manequim, com profissional acompanhando os locais atingidos através de tela – Foto: Disponibilizada pelo pesquisador

Aplicação da estimulação de pulso transcraniana

Os dez pacientes que receberam a intervenção tinham acima de 50 anos e a doença de Alzheimer provável e possível segundo critérios diagnósticos. “A diferença entre um e outro é a quantidade de lesão vascular [nas células do cérebro]. Na doença ‘provável’ você espera que tenha pouquíssima lesão vascular, e na ‘possível’ você já admite que tenha um pouco mais de conteúdo de lesão vascular”, explica Orestes Forlenza, professor do IPq e co-autor da pesquisa.

Ao serem submetidos à EPT, era necessária a aplicação de um gel comum, como o de ultrassom, sobre cabeça do paciente, que passava por “uma varredura lenta no cérebro todo ao longo de meia hora. Os pacientes faziam dez sessões e, ao final, eram submetidos de novo aos questionários”, diz Shinzato, que completa destacando que o tratamento é indolor.

As sessões eram realizadas duas vezes na semana, com duração de 30 minutos e com a presença dos acompanhantes dos pacientes. Os questionários de avaliação foram reaplicados um, três e seis meses depois das aplicações. No artigo, constam os resultados encontrados para um e três meses após as sessões, dos dez pacientes incluídos na publicação.

A pesquisa ainda é inicial, e foi feita com uma amostra pequena de pacientes, mas deve progredir. “O estudo entra agora numa nova fase randomizada [com amostra de pacientes selecionada de modo aleatório] e controlada com placebo em 45 pacientes, mantendo o rigor científico, com o cegamento [não se sabe em qual dos pacientes é aplicado o tratamento ou o placebo] dos avaliadores, pacientes e acompanhantes, para sedimentar as evidências que já tivemos”, relata Shinzato. A aplicação do placebo acontece de forma idêntica, mas sem a emissão das ondas de choque.

Após as avaliações, os indivíduos que receberam o placebo também serão convocados para receber o tratamento com EPT.

 

A tela do dispositivo demonstra a aplicação difusa por todo o cérebro dos pacientes – Foto: Disponibilizada pelo pesquisador

Melhora comportamental

Como detalha Forlenza, a doença de Alzheimer tem início na formação hipocampal, região relacionada aos processos de aprendizado e memória. “Ela se espalha depois para outras regiões do sistema límbico e acaba acometendo de uma maneira mais difusa o neocórtex [região responsável pela linguagem e pensamento lógico], e leva progressivamente à perda de funções cognitivas”, explica o professor.

“Nós já sabíamos que o estímulo cerebral poderia ser uma ferramenta interessante, que poderia nos ajudar a entender melhor esse declínio cognitivo, e também diminuir a sua velocidade”, relata Linamara Battistella, professora da FMUSP e co-autora da pesquisa. “Não era nova a questão da neuromodulação cerebral [técnicas que atuam no sistema nervoso e estimulam o funcionamento das vias neurais] por diferentes mecanismos”, completa. Mas, diferente de outros métodos de neuromodulação, que costumam ser estacionários – em que é necessário precisão na posição do equipamento e do paciente para atingir a área desejada – a aplicação do EPT contemplou todo o crânio dos pacientes.

“Além da aplicação difusa, escolhemos uma estratégia de concentrar energia em áreas relacionadas à conectividade geral do cérebro, e em outras relacionadas ao comportamento, regulação e estabilidade de humor”, diz Shinzato.

“A impressão é que o método realmente entrega um benefício, que é mais evidente nos sintomas comportamentais [como comportamentos repetitivos, paranoia e perambulação], o que é interessante, porque é uma das demandas menos atendidas nessa área”, destaca Forlenza. “Essa estimulação feita a partir da onda de choque poderia se colocar como uma alternativa bastante entusiasmante”, completa Battistella.

O Brasil, assim como outros países do mundo, espera um aumento de sua população de idosos nos próximos anos. “A gente vê uma população que envelhece e, claro, espera que todo mundo envelheça com qualidade de vida, no entanto, as condições crônicas de saúde, o próprio estilo de vida acaba condicionando ao aparecimento do declínio cognitivo”, reflete Battistella.

Por isso, a professora destaca que uma pesquisa voltada ao tratamento da doença de Alzheimer atende a um desafio mundial: o de construir uma lógica de cuidados, garantindo qualidade de vida para os pacientes e suas famílias. Forlenza acredita que a EPT pode funcionar como uma terapia conjunta ao que já é utilizado atualmente, promovendo uma boa sobrevida aos pacientes.

“Às vezes, não é possível impedir a evolução. Apesar dos tratamentos, a doença ainda progride”, diz Forlenza. Mas o professor lembra que atenuar a progressão pode transformar a trajetória do paciente, deixando mais suportável também para a família, tentando “promover o máximo possível a capacidade funcional e a capacidade de aproveitar a vida dessas pessoas”, finaliza.

Mais informações: e-mail g.shinzato@hc.fm.usp.br, com Gilson Shinzato

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz e Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP

O que causa a morte súbita em atletas?

A morte recente do lateral Juan Izquierdo, jogador do Clube Nacional do Uruguai, em uma partida contra o São Paulo, levanta questões sobre a saúde dos atletas e como casos assim ocorrem. A morte de Serginho em 2004, quando disputava uma partida do Campeonato Brasileiro, é outro exemplo emblemático.

Estima-se que entre um e três em cada 100 mil atletas jovens aparentemente saudáveis morrem subitamente durante exercícios. As causas disso geralmente estão associadas ao coração e implicam problemas ocultos e por vezes difíceis de serem detectados. Patrícia Alves de Oliveira, cardiologista e médica assistente do Instituto do Coração da USP, comenta o tema: “Na maioria dos casos, os atletas e os familiares não sabem, não têm conhecimento de qualquer doença e a primeira manifestação pode ser fatal”.

Acompanhamento médico

Em vista de reduzir ao máximo as chances de descobrirem uma doença quando é tarde demais, os atletas passam por uma avaliação médica pré-participação esportiva, além de acompanhamentos constantes. Os exames buscam, por exemplo, deformações no coração, que é o caso da cardiomiopatia hipertrófica. Essa condição vem do nascimento e ocorre quando os músculos do coração se tornam excessivamente espessos, dificultando o bombeamento de sangue e podendo causar arritmias.

A cardiomiopatia hipertrófica era a principal causa de morte de jogadores jovens e aparentemente saudáveis, mas Patrícia afirma que a situação tem melhorado nos últimos tempos: “Com avaliações médicas mais sistêmicas foi possível a desqualificação de grande parte dos atletas que tinham doenças como essa, assim como outras doenças da estrutura do coração ou do músculo cardíaco que são mais facilmente detectadas por avaliações clínicas”. Ainda assim, é impossível ter uma taxa de 100% de eficácia, e mesmo fatores adversos, como desidratação, temperaturas extremas ou altitudes muito elevadas, podem também desencadear complicações.

Condição dos atletas

Iker Casillas, famoso goleiro espanhol, sofreu de arritmia e foi obrigado a se aposentar. Sobre seu caso, ele afirmou o seguinte: “Os esportistas de elite estão mais expostos devido às demandas físicas que nos obrigam a chegar perto dos limites”. Patrícia Alves concorda com a declaração: “No caso dos atletas com alguma cardiopatia ou com doença do coração, os exercícios de alta intensidade podem ser um gatilho para as complicações ou manifestações dessas doenças cardíacas”. Não quer dizer, então, que o exercício físico de alta intensidade criou um problema novo, mas sim que manifestou uma condição preexistente que passou despercebida nos exames.

A cardiologista afirma que os atletas com alguma condição cardiopática têm em média de duas a duas vezes e meia mais risco de sofrer de uma complicação do que um indivíduo normal com a mesma doença. Foi também o caso de Christian Eriksen, jogador dinamarquês que caiu desacordado em campo durante uma partida da Eurocopa em 2021. Mas, diferentemente dos outros exemplos, ele pôde retornar aos campos depois de um ano.

Patrícia explica por que, neste caso, o jogador pôde voltar aos campos: “Parece que não se conseguiu detectar nenhum tipo de doença cardíaca, então foi colocado um card de desfibrilador implantado no tórax, que é um aparelho que reverte essas arritmias fatais e que são responsáveis pela morte súbita”. Por outro lado, Cláudia Lúcia Forjaz, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP, complementa que o desfibrilador não garante 100% de eficácia. Ainda que ele ofereça uma etapa a mais de segurança, o acompanhamento e análise intensiva, em especial no caso de atletas profissionais, é essencial.

Riscos para indivíduos comuns

Cláudia Lúcia Forjaz ressalta que um indivíduo jovem e saudável não tem nenhuma chance de sofrer de morte súbita. Se uma complicação acontece, isso indica necessariamente que havia uma questão anterior. E, mesmo para esses casos, a indicação é que a pessoa portadora de alguma doença cardiovascular faça, sim, exercícios de acordo com sua capacidade e que os benefícios disso superam em muito os potenciais riscos de uma morte súbita, que é mínima.

“Um aumento do trabalho cardíaco para pessoas que têm uma doença de base pode deflagrar uma doença cardíaca, mas é raro. Os benefícios do treinamento adequado suplantam muito os riscos. Se na década de 70 os indivíduos com doenças cardiovasculares eram contraindicados a fazer atividades, hoje é exatamente ao contrário”, afirma ela.

Os riscos são muito maiores no caso de atletas que levam seu corpo ao limite e pessoas que se exercitam casualmente, mesmo com condições cardíacas, têm muito a ganhar com uma melhor condição física. Já para aqueles que não têm nenhuma doença, ela garante que não há com o que se preocupar: “Se o indivíduo é jovem, com o coração saudável, pode fazer o exercício que ele quiser que o coração vai ficar bem”. Ela ressalta, no entanto, que o mesmo não vale para usuários de substâncias como cocaína e anabolizantes, e que estes, mesmo sem uma doença prévia, podem sofrer de mal súbito.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP