A morte recente do lateral Juan Izquierdo, jogador do Clube Nacional do Uruguai, em uma partida contra o São Paulo, levanta questões sobre a saúde dos atletas e como casos assim ocorrem. A morte de Serginho em 2004, quando disputava uma partida do Campeonato Brasileiro, é outro exemplo emblemático.
Estima-se que entre um e três em cada 100 mil atletas jovens aparentemente saudáveis morrem subitamente durante exercícios. As causas disso geralmente estão associadas ao coração e implicam problemas ocultos e por vezes difíceis de serem detectados. Patrícia Alves de Oliveira, cardiologista e médica assistente do Instituto do Coração da USP, comenta o tema: “Na maioria dos casos, os atletas e os familiares não sabem, não têm conhecimento de qualquer doença e a primeira manifestação pode ser fatal”.
Acompanhamento médico
Em vista de reduzir ao máximo as chances de descobrirem uma doença quando é tarde demais, os atletas passam por uma avaliação médica pré-participação esportiva, além de acompanhamentos constantes. Os exames buscam, por exemplo, deformações no coração, que é o caso da cardiomiopatia hipertrófica. Essa condição vem do nascimento e ocorre quando os músculos do coração se tornam excessivamente espessos, dificultando o bombeamento de sangue e podendo causar arritmias.
A cardiomiopatia hipertrófica era a principal causa de morte de jogadores jovens e aparentemente saudáveis, mas Patrícia afirma que a situação tem melhorado nos últimos tempos: “Com avaliações médicas mais sistêmicas foi possível a desqualificação de grande parte dos atletas que tinham doenças como essa, assim como outras doenças da estrutura do coração ou do músculo cardíaco que são mais facilmente detectadas por avaliações clínicas”. Ainda assim, é impossível ter uma taxa de 100% de eficácia, e mesmo fatores adversos, como desidratação, temperaturas extremas ou altitudes muito elevadas, podem também desencadear complicações.
Condição dos atletas
Iker Casillas, famoso goleiro espanhol, sofreu de arritmia e foi obrigado a se aposentar. Sobre seu caso, ele afirmou o seguinte: “Os esportistas de elite estão mais expostos devido às demandas físicas que nos obrigam a chegar perto dos limites”. Patrícia Alves concorda com a declaração: “No caso dos atletas com alguma cardiopatia ou com doença do coração, os exercícios de alta intensidade podem ser um gatilho para as complicações ou manifestações dessas doenças cardíacas”. Não quer dizer, então, que o exercício físico de alta intensidade criou um problema novo, mas sim que manifestou uma condição preexistente que passou despercebida nos exames.
A cardiologista afirma que os atletas com alguma condição cardiopática têm em média de duas a duas vezes e meia mais risco de sofrer de uma complicação do que um indivíduo normal com a mesma doença. Foi também o caso de Christian Eriksen, jogador dinamarquês que caiu desacordado em campo durante uma partida da Eurocopa em 2021. Mas, diferentemente dos outros exemplos, ele pôde retornar aos campos depois de um ano.
Patrícia explica por que, neste caso, o jogador pôde voltar aos campos: “Parece que não se conseguiu detectar nenhum tipo de doença cardíaca, então foi colocado um card de desfibrilador implantado no tórax, que é um aparelho que reverte essas arritmias fatais e que são responsáveis pela morte súbita”. Por outro lado, Cláudia Lúcia Forjaz, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP, complementa que o desfibrilador não garante 100% de eficácia. Ainda que ele ofereça uma etapa a mais de segurança, o acompanhamento e análise intensiva, em especial no caso de atletas profissionais, é essencial.
Riscos para indivíduos comuns
Cláudia Lúcia Forjaz ressalta que um indivíduo jovem e saudável não tem nenhuma chance de sofrer de morte súbita. Se uma complicação acontece, isso indica necessariamente que havia uma questão anterior. E, mesmo para esses casos, a indicação é que a pessoa portadora de alguma doença cardiovascular faça, sim, exercícios de acordo com sua capacidade e que os benefícios disso superam em muito os potenciais riscos de uma morte súbita, que é mínima.
“Um aumento do trabalho cardíaco para pessoas que têm uma doença de base pode deflagrar uma doença cardíaca, mas é raro. Os benefícios do treinamento adequado suplantam muito os riscos. Se na década de 70 os indivíduos com doenças cardiovasculares eram contraindicados a fazer atividades, hoje é exatamente ao contrário”, afirma ela.
Os riscos são muito maiores no caso de atletas que levam seu corpo ao limite e pessoas que se exercitam casualmente, mesmo com condições cardíacas, têm muito a ganhar com uma melhor condição física. Já para aqueles que não têm nenhuma doença, ela garante que não há com o que se preocupar: “Se o indivíduo é jovem, com o coração saudável, pode fazer o exercício que ele quiser que o coração vai ficar bem”. Ela ressalta, no entanto, que o mesmo não vale para usuários de substâncias como cocaína e anabolizantes, e que estes, mesmo sem uma doença prévia, podem sofrer de mal súbito.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
FONTE: Jornal da USP