Tarefas cognitivas têm prioridade quando há atividade física

Em testes, atletas mantiveram precisão e tempo de resposta nas tarefas cognitivas, mas a performance física foi impactada pelas atividades simultâneas

Um estudo realizado pelas pesquisadoras Lara de Souza e Luciane Aparecida Moscaleski, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, analisou como o cérebro reage quando precisa executar, ao mesmo tempo, uma tarefa física e uma tarefa cognitiva. A atividade elétrica do cérebro foi monitorada por eletroencefalograma (EEG), com foco em diferentes faixas de frequência, e medidas de esforço físico e mental, tempo de resposta e precisão em tarefa de controle cognitivo, e desempenho físico foram registradas. Os resultados revelaram que os atletas conseguiram manter a precisão e o tempo de resposta nas tarefas cognitivas, mas a performance física foi impactada durante a tarefa simultânea, sugerindo uma priorização de certas funções cerebrais em relação ao corpo. Quando o corpo está sob pressão, o cérebro parece “roubar a cena”.

A Teoria do Cérebro Egoísta explica que, em momentos de escassez de energia, o cérebro tende a priorizar seu próprio funcionamento para garantir que suas funções essenciais continuem ativas. Essa estratégia faz com que ele direcione a maior parte dos recursos energéticos para si mesmo, mesmo que isso cause uma diminuição no desempenho físico do corpo.

A pesquisa, orientada pelo professor Alexandre Moreira, foi conduzida com 13 atletas que estavam treinando para competições por pelo menos seis meses ininterruptos, entre 18 e 40 anos. Eles participaram de três sessões em laboratório: uma para familiarização e coleta de dados e duas experimentais. Em uma das sessões experimentais, realizaram as tarefas físicas e cognitivas de forma isolada; na outra, executaram as duas simultaneamente. A ordem foi randomizada para evitar interferências.

A tarefa física consistiu em pedalar durante 12 minutos em uma bicicleta ergométrica com carga ajustada para o peso e sexo dos participantes. Após um breve aquecimento, os atletas foram orientados a manter o maior ritmo possível durante todo o exercício, enquanto a cadência era registrada em intervalos regulares. Já a tarefa cognitiva era realizar uma versão adaptada da tarefa de Stroop, na qual os participantes precisavam identificar rapidamente a cor da palavra exibida na tela, ignorando o significado da palavra em si.

Participantes da pesquisa perceberam um esforço mental maior durante o experimento, mas não sentiram maior esforço físico – Foto: Lívia Borges/EEFE

Cérebro egoísta

Quando as tarefas eram feitas de forma simultânea, os dados de EEG mostraram um aumento das ondas cerebrais de baixa frequência (frequências lentas), associadas a atenção distribuída e controle motor, e uma redução das ondas mais rápidas, que modulam comportamentos como o raciocínio lógico, atenção seletiva e memória de trabalho (operacional). Além disso, houve um aumento da razão entre as ondas teta (frequência lenta) e beta (frequência alta) (TBR), marcador que pode indicar maior esforço atencional e carga cognitiva.

Os atletas não relataram maior percepção de esforço físico durante a tarefa combinada, mas um aumento perceptível de carga mental. Isso indica que o corpo pode manter uma sensação de esforço constante, mesmo com queda de desempenho físico, devido à redistribuição interna de recursos.

A forma como os atletas modularam sua cadência durante o exercício físico sugere uma adaptação estratégica: ao perceber o aumento da exigência mental, eles naturalmente reduziram o ritmo físico. Interessantemente, este ajuste no ritmo ocorreu desde o início da atividade simultânea.

Foi possível observar que os resultados corroboram a Teoria do Cérebro Egoísta. Isso porque o ritmo de pedalada variou ao longo do tempo na condição de tarefa simultânea, e foi inferior ao da tarefa física isolada; enquanto na tarefa física isolada o desempenho foi mais constante e o ritmo mais alto, o que sugere que, diante da necessidade de realizar tarefas físicas e mentais ao mesmo tempo, o cérebro tende a direcionar mais energia e recursos para si, mesmo que isso reduza o desempenho físico, como ocorreu no estudo.

O estudo também reforça a necessidade de pensar o desempenho esportivo não apenas do ponto de vista físico, mas também cognitivo e cerebral. Atletas que enfrentam situações de alta exigência mental, como as que ocorrem em competições oficiais, seja nos jogos coletivos, modalidades de combate, modalidades de endurance, ou esportes de precisão, podem se beneficiar ao treinar sob condições de esforço físico e mental simultâneo. Para os autores, treinos que simulam esses desafios, bem como o uso de tecnologias como EEG para monitorar o funcionamento cerebral, podem abrir novos caminhos para otimizar desempenho e prevenir sobrecargas mentais em contextos de alta pressão.

Mesmo com essas descobertas é necessário ter cautela, visto que o número de atletas foi pequeno e envolveu várias modalidades, o que limita as generalizações. Estudos futuros devem confirmar se as medidas do EEG realmente capturam esse “conflito” cérebro-corpo de forma confiável. O artigo The competition between brain and body: Does performing simultaneous cognitive and physical tasks alter the cortical activity of athletes compared to performing these tasks in isolation? foi publicado pela revista Physiology & Behavior e pode ser acessado na íntegra clicando aqui.

*Guilherme Ike, estagiário sob Supervisão de Paula Bassi, Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE. Adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Células de tumor agressivo são eliminadas por composto à base de metal raro

Testado em laboratório por cientistas brasileiros, substância não afeta células saudáveis, podendo abrir caminho para tratamentos mais seguros e eficazes do melanoma

Pesquisadores brasileiros estão mais próximos de oferecer uma nova esperança para o tratamento do melanoma, o tipo mais perigoso de câncer de pele. Em um estudo publicado na revista Pharmaceuticals, os cientistas mostraram que uma substância criada em laboratório, que combina o metal rutênio e uma molécula derivada de um composto orgânico, a antraquinona, foi capaz de interromper o crescimento de células de melanoma e ainda induzir sua morte.

O melanoma é considerado um dos cânceres de pele mais agressivos por sua alta capacidade de se espalhar para outras partes do corpo. Apesar dos avanços recentes em tratamentos como a imunoterapia e medicamentos-alvo, muitos pacientes ainda enfrentam limitações, seja pela baixa resposta clínica ou pelos efeitos colaterais severos. Por isso, o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas segue sendo uma das grandes prioridades da ciência médica.

O composto desenvolvido pelos pesquisadores atua como uma espécie de bloqueio para as células tumorais. Em condições normais, as células do corpo passam por diversas etapas para crescer, se dividir e se multiplicar. O novo composto interrompe esse ciclo logo no início, impedindo que as células do melanoma avancem em sua multiplicação.

Um dos grandes diferenciais desse novo composto é sua seletividade. Enquanto os tratamentos convencionais contra o câncer, como a quimioterapia, costumam afetar tanto células doentes quanto saudáveis, provocando efeitos colaterais como queda de cabelo, náuseas e fadiga, os testes laboratoriais com a nova substância indicaram uma ação preferencial sobre as células de melanoma, com mínima interferência nas células normais.

Composto impede que as células doentes cresçam e se multipliquem, sem afetar as células saudáveis, com interferência mínima nas células normais – Imagem: Extraída do artigo

Menos toxicidade

O rutênio é um metal de transição ainda pouco conhecido pelo grande público, mas que apresenta propriedades químicas interessantes. Diferentemente de outros metais utilizados em terapias anticâncer, como a platina, compostos de rutênio podem ser menos tóxicos e mais eficazes na identificação e destruição seletiva de células tumorais.

O estudo reforça o papel da química medicinal e da química bioinorgânica na criação de moléculas inteligentes, que interagem de maneira mais precisa com alvos celulares, ampliando as possibilidades de tratamentos mais seguros e eficazes. Até o momento, o composto foi testado apenas em células cultivadas em laboratório. Segundo o professor Javier Ellena, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), que participou da pesquisa, ainda será necessário avançar para testes em modelos animais e, posteriormente, em humanos – um processo que pode levar vários anos.

Ainda assim, os cientistas estão otimistas, pois os resultados iniciais apontam para uma estratégia promissora na luta contra o melanoma. Se os próximos testes confirmarem o potencial da substância, ela poderá, no futuro, tornar-se uma alternativa mais eficaz e menos agressiva no combate ao câncer de pele mais perigoso.

Estrutura da molécula do composto criado para atuar contra células tumorais de câncer de pele, que contém rutênio, um metal raro, e um derivado de antraquinona, composto orgânico – Imagem: Extraída do artigo

O estudo contou com a colaboração de pesquisadores de diversas instituições de ensino e pesquisa do País, incluindo o Instituto de Química da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), em Minas Gerais, o Departamento de Ciências Biomédicas da Unifal, o Departamento de Química da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o Instituto de Química (IQ) da USP, o IFSC e o Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), também em Minas. Para acessar o artigo científico completo, publicado na Pharmaceuticals, clique no link.

Mais informações: javiere@ifsc.usp.br, com o professor Javier Ellena

* Por Rui Sintra, da Assessoria de Comunicação do IFSC, adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Alopecia areata: controvérsias na abordagem indicam necessidade de melhores diretrizes

Doença que causa queda de cabelo pode estar associada a outras condições autoimunes; utilização de exames laboratoriais para diagnóstico não é consenso entre especialistas

A alopecia areata é uma condição autoimune que causa a perda de cabelo em placas arredondadas ou ovais, podendo também afetar as sobrancelhas e pelos do corpo de forma variável. Ela é um dos nove tipos de alopecia mais conhecidos, atingindo cerca de 1% a 2% da população.

Porém, a prática clínica ainda enfrenta contradições: algumas diretrizes internacionais de referência, como a da Associação Britânica de Dermatologia (BAD), desaconselham testes laboratoriais de rotina em pacientes com alopecia areata, devido à possível oneração do sistema público. “A solicitação de investigação laboratorial é muito controversa e variável entre especialistas”, afirma Isabella Doche, médica dermatologista e doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina (FM) da USP. Evidências recentes têm associado a este tipo de alopecia outras condições autoimunes, o que preocupa a pesquisadora.

Isabella está entre os três brasileiros que participaram de uma ampla revisão sobre o tema, publicada no Jornal JEADV Clinical Practice. O estudo reuniu dados de 30 especialistas de 14 países e seis continentes, sistematizando informações demográficas sobre os profissionais, os métodos de avaliação da gravidade da alopecia areata e a exigência de exames laboratoriais; 80% dos participantes atuavam com foco em couro cabeludo: embora a tricologia não seja uma subespecialidade reconhecida, ela é parte do hall de doenças de pele e dermatologistas se subespecializam em ambulatórios para conferir tratamentos mais específicos e detalhados para os pacientes.

Os resultados indicam uma alta taxa de testes para condições autoimunes (50,9% testaram rotineiramente, 39,3% em pacientes selecionados). “A função tireoidiana foi o que os colegas mais concordaram (75%) que deve ser pesquisada, e um hemograma completo para avaliar a condição geral de saúde do paciente foi acordado em 66%”, ressalta a médica. O estudo identificou taxas moderadas de testes para condições contributivas, como déficit nutricional (39,7% testaram rotineiramente, 38,8% em pacientes selecionados) e baixas taxas para diagnósticos alternativos (24,3% testaram rotineiramente, 50% em pacientes selecionados).

Os fatores mais decisivos para solicitar exames foram a presença de sintomas sugestivos de condições coexistentes, incerteza diagnóstica, progressão rápida da doença ou resistência ao tratamento e histórico familiar de autoimunidade.

Acompanhamento do diagnóstico

Menos de dois terços (63,6%) dos médicos informaram que se baseiam na Ferramenta de Gravidade da Alopecia (Salt, ou Severity of Alopecia Total Score, em inglês) para realizar o diagnóstico e monitorar a resposta ao tratamento. O Salt é uma escala de avaliação da perda de cabelo que vai de 0 a 100: abaixo de 20, a alopecia é leve; entre 21 e 49, moderada, e acima de 50, grave. “Um gráfico divide o couro cabeludo em quadrantes, e por ali conseguimos determinar a porcentagem de acometimento, a fim de uniformizar a gravidade da doença entre os especialistas”, explica Isabella. Acima do Salt 50, passam a ser indicados os inibidores da Janus quinase (JAK) – enzimas que desempenham papel fundamental na ativação de proteínas e na sinalização celular.

Apenas 38% utiliza o Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQI, Dermatology Life Quality Index), questionário que visa a mensurar as repercussões da doença na vida, bem-estar e saúde mental do paciente. “Ele aborda diversas questões sociais, emocionais e laborais do paciente, determinando, nos últimos sete dias, o impacto da condição na vida do doente”, informa a pesquisadora. “Um paciente que tenha pouco acometimento clínico pode ter muito impacto emocional ou vice-versa.”

Acompanhamento do diagnóstico

Pesquisas recentes demonstraram que a alopecia areata pode ter repercussões sistêmicas que vão além dos sintomas locais. “Muitos trabalhos defendem que a alopecia areata pode vir associada a outras doenças autoimunes com maior frequência, como doenças da tireoide (tireoidite de Hashimoto), distúrbios metabólicos, cardiovasculares e psiquiátricos”, relata Isabella. Levantamentos indicam que a doença da tireoide afeta aproximadamente 14% dos pacientes com alopecia areata.

Apesar de ser uma doença inflamatória com predisposição genética, fatores emocionais, traumas físicos e quadros infecciosos podem desencadear ou agravar um quadro. “Se questiona muito se o estresse causa alopecia areata, ou a alopecia areata causa estresse”, afirma Isabella.

A pesquisadora acrescenta que a evolução da alopecia areata é imprevisível: em muitos casos o cabelo volta a crescer novamente sem intervenção médica. “Em até um ano, 50% dos casos repilam espontaneamente, e muitas vezes pacientes da rede pública nem conseguiram uma consulta a tempo para fazer o diagnóstico”, aponta a cientista.

Isso porque a doença não destrói os folículos pilosos, o sistema imunológico do corpo apenas os mantêm inativos e interrompe o crescimento do cabelo – Imagem: Freepik

Entretanto, novos surtos podem ocorrer, e estudos sugerem que cerca de 5% dos pacientes perdem todos os pelos do corpo. A pesquisadora ressalta que a queda do cabelo, principalmente em mulheres, está intimamente relacionada a questões de saúde mental. A estigmatização social dos pacientes pode causar prejuízos na autoestima e na percepção de si, propiciando condições como ansiedade, isolamento e piora na qualidade de vida.

Frente à essa fragilidade, Isabella faz um alerta sobre os tratamentos não-oficiais que se disseminam na mídia. “Atualmente, temos visto um crescimento preocupante de profissionais que se autointitulam tricologistas ou especialistas em queda de cabelo e que muitas vezes indicam tratamentos sem respaldo científico com promessas falsas de crescimento capilar”, critica. “Estas pessoas desconhecem o processo patológico das doenças e visam somente o lucro nas redes sociais”, afirma.

Inovações no tratamento

A terapia sistêmica convencional para alopecia areata consiste no uso de corticoides e drogas imunossupressoras por via oral ou injeção, com o objetivo de controlar a resposta autoimune do corpo. Contudo, os inibidores da JAK são medicamentos que têm se popularizado no meio acadêmico: eles bloqueiam a atividade de enzimas que atuam na sinalização de citocinas e, consequentemente, na inflamação. Os inibidores já são um tratamento vitalício fornecido pelo SUS para tratar condições reumatológicas, mas vêm ganhando força de evidência também para o tratamento da alopecia areata.

“Eles demonstraram potencial de ajudar diversos pacientes, principalmente aqueles que não tiveram respostas com imunossupressores por um ano”, complementa; 30% a 40% dos pacientes que não eram responsivos, tiveram melhoria nos resultados. “Os testes clínicos foram feitos em pacientes já com doenças resistentes, mas se [a medicação] fosse utilizada em pacientes que não tentaram tratamento convencional, provavelmente o nível de resposta seria maior”, opina.

Atualmente, esse tipo de medicamento é mais comum nos Estados Unidos e nos países europeus, normalmente associado ao tratamento tradicional. No Brasil, embora já tenha aprovação em bula para a alopecia areata, eles podem ser prescritos em consultório particular e mediante judicialização. “Estudos recentes buscam determinar em que momento os inibidores da JAK deveriam entrar no tratamento, e alguns até questionam se não deveriam ser uma medicação de primeira linha para essa doença”, ressalta Isabella.

Os médicos concordaram que é necessário consolidar diretrizes mais coerentes para exames de triagem antes do início da terapia. Isabella complementa que é necessário desenvolver meios mais pragmáticos de avaliar o impacto e a gravidade da alopecia areata nos pacientes — principalmente à medida que a prescrição de inibidores de JAK se torna mais difundida na prática médica.

O artigo COLLAB: A Global Survey of Clinical and Laboratory Assessment in Alopecia Areata by Hair Specialists está disponível on-line e pode ser lido aqui.

Mais informações: isabelladoche@gmail.com, com Isabella Doche

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Associação entre bactérias e luz pode aumentar reação do corpo contra câncer de pele agressivo

Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e da Texas A&M University (Estados Unidos) demonstraram que a combinação de luz, bactérias e células do sistema imune pode ser uma arma poderosa contra um dos mais agressivos tipos de câncer de pele: o melanoma. A ideia é introduzir um estímulo ao sistema imunológico do organismo que possa eliminar o câncer mais rapidamente, combinado com o uso de terapia fotodinâmica (TFD). Os resultados do estudo, realizado em laboratório, são descritos em artigo da revista científica Photodiagnosis and Photodynamic Therapy.

A técnica de fototerapia dinâmica já é conhecida por utilizar substâncias sensíveis à luz (fotossensibilizadores) que, quando ativadas por luz de um comprimento específico, produzem espécies reativas de oxigênio capazes de matar células doentes. Mas os cientistas foram além: criaram um modelo celular que simula o microambiente tumoral, onde colocaram células de melanoma, macrófagos (um tipo de célula de defesa do organismo) e a bactéria Escherichia coli. Ao introduzirem a bactéria no ambiente tumoral, os pesquisadores verificaram uma mudança drástica no comportamento dos macrófagos. Sob efeito da luz e do fotossensibilizador, as células de defesa passaram a “acordar”, intensificando sua capacidade de identificar e destruir as células cancerígenas.

Para a pesquisadora Barbara Detweiler, pós-doutora sob a supervisão do professor Vanderlei Salvador Bagnato e autora principal do estudo, o mais surpreendente foi perceber que o sistema imune respondia melhor quando todos os componentes estavam juntos (macrófagos, bactéria e a luz ativando a fototerapia).

Outro ponto relevante do estudo foi a descoberta de que a ordem em que cada componente é introduzido no sistema influencia diretamente os resultados. Quando os macrófagos eram expostos à luz antes da infecção bacteriana, a eficácia diminuía, porém quando a exposição era simultânea, o efeito era potencializado.

A explicação pode estar no fato de que a bactéria, ao ser atacada, libera substâncias químicas que servem como sinalizadores para o sistema imune agir de forma mais precisa. Esses sinais parecem ser mais efetivos quando são liberados no mesmo momento em que o sistema imune é ativado pela luz. O ponto alto da pesquisa foi quando os cientistas reuniram o melanoma, macrófagos e a bactéria Escherichia coli. Nesse cenário, a fototerapia não só aumentou a toxicidade para as células cancerígenas, como também reduziu drasticamente sua sobrevivência, sendo que a resposta coordenada dos macrófagos foi essencial para esse resultado.

Tratamentos eficazes

Para o professor Bagnato, coautor do estudo, que atualmente também realiza pesquisas nos laboratórios da Texas A&M University, nos Estados Unidos, o achado pode inspirar novas estratégias terapêuticas: “A complexidade do ambiente tumoral muitas vezes é ignorada em estudos simplificados”, destaca o pesquisador. “Aqui mostramos que simular essa complexidade pode levar a tratamentos mais eficazes e, portanto, tornar os experimentos um pouco mais próximos da realidade.”

Apesar de ter sido realizado in vitro, ou seja, fora de organismos vivos, o experimento relatado no artigo oferece uma base promissora para testes em modelos animais e, futuramente, em humanos.

A ideia de usar bactérias inativadas ou modificadas para instigar o sistema imunológico e torná-lo mais eficiente contra o câncer é uma abordagem inovadora, que resgata conceitos da imunoterapia do século 19, agora combinados com alta tecnologia.

Em suma, os cientistas começam a entender melhor como manipular o microambiente tumoral para tornar os tratamentos mais potentes. “O futuro da terapia contra o câncer pode estar exatamente aí, ou seja, no uso inteligente de luz, bactérias e do próprio sistema imune”, conclui Barbara.

Experimentos com animais envolvendo este novo conceito já estão em elaboração no IFSC e na Texas A&M University, relata Bagnato. “O sistema imunológico é uma arma poderosa no combate ao câncer e se pudermos realizar isto de forma natural e sem riscos para o paciente, será fantástico”, planeja.

O artigo Enhancement of activity in the Cancer immune system due to the presence of microcomponents when Exposed to Photodynamic: An in Vitro Experiment foi publicado na revista científica Photodiagnosis and Photodynamic Therapy.

*Texto: Rui Sintra, da Assessoria de Comunicação do IFSC. Adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Fonte: Jornal da USP

Estudo indica que dieta rica em proteína pode afetar saúde dos ossos

Embora preserve músculos, dieta rica em proteína e pobre em calorias pode aumentar gordura na medula óssea; restrições na adolescência são prejudiciais à massa óssea futura

Uma dieta com alto teor de proteínas, amplamente adotada por quem busca emagrecer ou ganhar massa muscular, pode comprometer a saúde dos ossos se for combinada à restrição calórica. É o que revela o estudo Uma dieta hipocalórica e rica em proteínas tem impactos diversos nos tecidos adiposos muscular, ósseo e da medula óssea (em tradução livre)conduzido na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, publicado em 2025 na revista JBMR Plus e escolhido como o artigo do mês pela The International Bone Marrow Adiposity Society.

O trabalho foi desenvolvido durante o mestrado da nutricionista Beatriz Coimbra Romano, sob orientação do professor Francisco José Albuquerque de Paula do Departamento de Clínica Médica da FMRP. Os pesquisadores acompanharam as dietas de um grupo de ratas que seguiram diferentes padrões alimentares ao longo de oito semanas.

Os resultados indicam que, embora a dieta rica em proteínas ajude a preservar os músculos, ela agrava a perda óssea e aumenta a gordura na medula óssea, um fator associado ao risco de osteoporose.

Dietas da moda e os efeitos ocultos ao organismo

A pesquisa foi motivada por um padrão alimentar cada vez mais popular: a combinação de poucas calorias com aumento de proteínas, adotada por pessoas que buscam emagrecer sem perder massa muscular. “A restrição calórica tem sido utilizada como hábito saudável e existe evidência de que pode aumentar a expectativa de vida, mas também é comum entre pessoas que querem emagrecer por conta própria, sem acompanhamento profissional”, afirma Beatriz.

Para entender o impacto dessa estratégia sobre o organismo como um todo, os pesquisadores avaliaram três grupos de ratas: um grupo controle com alimentação normal; um com dieta de 30% a menos de calorias e outro com 30% a menos de calorias e 40% a mais de proteína. Como principal descoberta, observaram preservação da massa muscular no grupo que recebeu a dieta hiperproteica, mas com acentuada redução da massa óssea e aumento expressivo de gordura dentro da medula óssea. “Essa contradição mostra que nem sempre uma estratégia que funciona para uma parte do corpo funciona para todas”, comenta Beatriz, acrescentando que “a proteína ajuda o músculo, mas pode prejudicar os ossos em dietas restritivas.”

Por que a gordura da medula é um problema?

Segundo o professor Albuquerque de Paula, o aumento da gordura na medula óssea, também chamada de MAT (do inglês marrow adipose tissue), já é conhecido como um fator de risco para baixa densidade mineral óssea. “Diversos trabalhos mostram que há relação negativa entre gordura na medula e saúde óssea. O nosso estudo reafirma esta colocação. Os animais que apresentaram maior expansão de tecido adiposo da medula óssea mostraram menor massa óssea.”

O grupo identificou ainda que as células-tronco hematopoiéticas da medula apresentam maior potencial para se diferenciar em osteoclastos — células responsáveis pela reabsorção óssea, o que significa que o processo natural de degradação do osso pode ser acelerado.

Mais proteína nem sempre é a solução

O estudo acende um alerta importante para quem segue dietas da moda ou muda a alimentação por conta própria. “Mudanças alimentares sem orientação podem ter efeitos negativos silenciosos, como os vistos em nossa pesquisa”, alerta Beatriz.

Apesar dos resultados promissores na preservação da massa magra, os autores recomendam cautela e acompanhamento profissional ao adotar esse tipo de dieta. “É preciso considerar não apenas o benefício muscular ou a perda de gordura, mas os efeitos no organismo como um todo”, destaca o professor.

Alerta para mulheres jovens e adolescentes

A pesquisa foi realizada somente com fêmeas, por uma razão clínica: a anorexia nervosa, condição de restrição alimentar crônica, afeta principalmente mulheres jovens — fase decisiva para a formação da “poupança óssea” que será usada ao longo da vida.

“Nossos dados sugerem que a estratégia de aumentar proteínas na dieta durante a restrição calórica pode ser prejudicial à massa óssea, o que é especialmente preocupante nessa fase da vida”, reforça o professor. No entanto, é preciso considerar que este é um estudo experimental e que não pode ser extrapolado diretamente para a clínica.

A equipe continua investigando os efeitos de diferentes padrões alimentares sobre a saúde óssea. Estudos com proteína vegetal, dieta cetogênica e outros modelos estão em andamento. “Nosso objetivo é ampliar o entendimento sobre o impacto da nutrição na integridade do esqueleto”, conclui Albuquerque de Paula.

*Da Assessoria de Comunicação da FMRP

*Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP