Médico publica livro sobre os limites éticos da inteligência artificial na área da saúde

O uso de Inteligência Artificial na criação de produtos de saúde demanda uma regulação específica em que transparência, responsabilidade, segurança e eficácia são elementos centrais

A percepção do físico Stephen Hawking de que a inteligência artificial “será a melhor ou a pior coisa que já aconteceu à humanidade” resume as esperanças e preocupações que vêm com a transformação tecnológica em curso. De algoritmos que ajudam os médicos a fazer diagnósticos até a predição de quais tratamentos podem funcionar melhor com um determinado paciente, a saúde é talvez um dos mais promissores campos para a IA, mas parâmetros regulatórios se fazem urgentes.

Publicado pela Abeto, selo de não ficção do Grupo Aboio, o livro Inteligência Artificial e Saúde: Conexões éticas e regulatórias discute fundamentos e diretrizes para uma regulação da inteligência artificial (IA) na área. A obra é baseada na pesquisa de doutorado do autor, Daniel Dourado, médico, advogado e pesquisador no Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da USP. “É totalmente diferente entrar no mercado de saúde e entrar no mercado de tecnologia”, afirma Dourado. “O estado tem obrigação de regular produtos que estão na saúde”.

Por essa obrigação, ele lembra que “se o produto é para uso clínico, passa a ser um dispositivo médico, um produto de saúde; e a saúde tem fundamentos próprios”. Assim, estabelece três desses fundamentos: a privacidade dos que alimentam os dados usados para treinar a IA, a ética específica para o desenvolvimento desses produtos (uma mistura de ética para IA e bioética) e os direitos humanos que estabelecem a saúde como direito fundamental.

“Se você quiser pegar três pedaços de madeira, emendar com um prego, serrar e colocar para vender como uma cadeira, você pode, mas se você fala que ela alivia dor nas costas, dor lombar, vai ter que registrar esse produto”, exemplifica.

Para cumprir esses fundamentos, por sua vez, ele elenca três elementos centrais para pensá-los: a transparência de como os dados da IA são utilizados, a responsabilidade no uso dos dados, além de, principalmente, segurança e eficácia dos produtos. Dentro desse último, ele propõe o conceito de equidade ou justiça, pela preocupação dos modelos desenvolvidos, por seus vieses “só acertarem para homem branco ou [norte] americano”, ou seja, não serem seguros para outras populações.

Avanço das discussões

O uso de IA na saúde avança no mundo todo e tem resultados promissores para a análise de exames e predição de doenças hereditárias. Apesar disso, o desenvolvimento de regulação específica para área ainda caminha a passos curtos. Esse atraso tem levado a discussões recentes no mundo, principalmente na Inglaterra, sobre a criação de sandboxes.

O conceito de sandbox é um teste em que a equipe vai avaliar o sistema com os dados que possui em situações reais, mas sem alterar a conduta dos profissionais de saúde. “Por exemplo, se o modelo sugere uma dose diferente de medicamento, o profissional é informado, mas não precisa seguir a recomendação; ele apenas observa o que o modelo indica e, com o tempo, esses dados são comparados para avaliar se o sistema é seguro e se poderia ser usado na prática”, explica Daniel Dourado.

Ele ressalta que a criação desses modelos evita ações judiciais que poderiam atrasar ou complicar a regulação desses produtos. Ele afirma que “é muito melhor ter uma regulação que se faz pelo debate da sociedade e é fundamentada no direito administrativo” do que por ações judiciais fundamentadas em casos particulares.

Mais informações: e-mail dadourado@gmail.com, com Daniel Dourado. O livro está disponível para compra no site da editora

*Estagiário com orientação de Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP

Ultraprocessados são fonte de proteína na alimentação de vegetarianos estritos

Estudo mostra que vegetarianos estritos consomem níveis adequados de proteína – e mesmo com ultraprocessados, ingerem mais alimentos in natura que a população em geral

O veganismo é um estilo de vida em que a pessoa não consome nenhum produto de origem animal, inclusive roupas e produtos de beleza testados em animais, por exemplo. Quando se fala exclusivamente de alimentação, a dieta recebe o nome de vegetarianismo estrito. Nesses casos, existe uma grande preocupação em relação à quantidade de proteína ingerida. A pesquisa conduzida pelo Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), coordenada pelo professor Hamilton Roschel, mostrou que a quantidade de proteína consumida por vegetarianos estritos é adequada, mas se apoia no consumo de alimentos ultraprocessados.

Entre os mais de 500 participantes do estudo, a mediana do consumo de proteína foi de 1,12 gramas por quilo de peso corporal, valor que atinge e supera a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 0,8 a 1,0 grama de proteína por quilo de peso corporal. No entanto, para atingir a recomendação de ingestão proteica, os vegetarianos estritos recorrem a alimentos ultraprocessados, em particular, à proteína texturizada de soja – que passa por uma etapa chamada extrusão, por isso é considerada ultraprocessada – e aos suplementos proteicos à base de proteína vegetal.

A pesquisa também analisou se vegetarianos estritos ingerem quantidades adequadas de aminoácidos essenciais – moléculas que formam as proteínas, mas que não são produzidas pelo corpo e têm funções específicas no metabolismo. Assim como no caso das proteínas, a adequação foi superior a 90%.

As dietas dos participantes foram analisadas com base em diários alimentares. Enquanto o recordatório alimentar é preenchido por um nutricionista, como uma entrevista, o diário é preenchido individualmente com relatos das refeições em medidas caseiras, mas também passa pela conferência de um nutricionista. Os participantes tiveram acesso a instruções para registrarem os alimentos de forma padronizada. O trabalho contou com pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, e da FMUSP.

Nível de processamento na dieta vegetariana estrita

Mesmo dependendo do consumo de ultraprocessados para atingir a quantidade adequada de proteína ingerida, 66% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vêm de alimentos in natura, alimentos que não sofrem alteração para serem consumidos, e minimamente processados – que passaram apenas por processos que não envolvem adição de sal, gordura, açúcar ou outras substâncias.

A porcentagem de calorias vindas de ultraprocessados na dieta dos participantes do estudo é de 13%. “Esses indivíduos comem menos ultraprocessados e consequentemente mais alimentos in natura e minimamente processados que a população em geral. Então, esse é um achado interessante, porque mostra que as premissas de uma boa dieta à base de plantas estão sendo seguidas”, diz Roschel.

Em comparação com os dados encontrados para a população geral no Brasil, os vegetarianos estritos têm 22% a mais de calorias da dieta vindas de alimentos in natura, e 10% a menos vindos de ultraprocessados.

Além disso, apesar de alimentos como a proteína texturizada de soja serem classificados como ultraprocessados, devido aos processos a que são submetidos e suas composições, alguns pesquisadores afirmam que eles se diferem dos ultraprocessados conhecidos pelos malefícios à saúde, já que não têm adição de sal, açúcar e gordura. “Apesar de se enquadrarem na mesma categoria, em termos de qualidade nutricional, é razoável assumir que uma proteína texturizada de soja não pode ser comparada a um pacote de salgadinho, por exemplo. Mesmo dentro da classificação de ultraprocessados, há nuances que precisam ser consideradas”, pondera o docente. A ideia não é consenso entre os cientistas, e já foi objeto de debate.

Roschel lembra que os resultados encontrados no trabalho em momento nenhum vão contra a classificação Nova – que divide os alimentos em in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. “A Nova é absolutamente fantástica em termos de saúde pública”, ressalta o pesquisador. Ele acredita porém, que existem nuances dentro da classificação que merecem consideração.

Calorias vindas de alimentos in natura

Vegetarianos estritos: 66,5%
População geral: 44,9%

Calorias vindas de alimentos ultraprocessados

Vegetarianos estritos: 13,2%
População geral: 23,7%

Aumento da variedade de ultraprocessados

O mercado de ultraprocessados cresce em variedade, e os alimentos voltados ao vegetarianismo estrito não são exceção, relata Roschel. Mas, ao contrário da proteína texturizada de soja e do suplemento proteico, boa parte desses alimentos que têm ganho espaço nos mercados são ricos em açúcar, gorduras saturadas e sal, ao mesmo tempo que são baixos em fibras. Ou seja, são alimentos que trazem prejuízo à saúde.

Na França, de acordo com uma pesquisa realizada em 2021, 39% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vinham de alimentos ultraprocessados com baixa qualidade nutricional. “Esse [aumento do consumo de ultraprocessados] é o medo. Para eles [indústria alimentícia] começarem a fazer opções veganas para atender esse público com a mesma baixíssima qualidade nutricional, basta que enxerguem isso como um mercado interessante”, relata Roschel sobre as perspectivas no Brasil.

Para o pesquisador, o resultado do trabalho mostra a importância de uma análise de contexto. “É um alerta de que a gente precisa de uma melhor educação nutricional do indivíduo que adere a uma dieta plant-based [baseada em plantas, vegetariana estrita]. É também um alerta para políticas públicas de regulação do mercado e para a indústria, que precisa entender a sua responsabilidade na elaboração de alimentos de melhor qualidade nutricional”, finaliza.

Participaram do estudo os pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição da EEFE/FMUSP e do Centro de Medicina do Estilo de Vida da FMUSP: Alice Erwig Leitão, Gabriel Esteves, Bruna Mazzolani, Fabiana Smaira, Martin Santini, Heloísa Santo André, Bruno Gualano e Hamilton Roschel.

Mais informações: e-mail hars@usp.br, com Hamilton Roschel

*Estagiária sob supervisão de Luiza Caires
**Estagiário sob supervisão de Simone Gomes

FONTE: Jornal da USP

Vírus Epstein-Barr dá pistas sobre queda imunológica

Em um estudo piloto desenvolvido na Faculdade de Odontologia (FO) da USP, foi observado em pacientes com cirrose hepática uma relação entre a diminuição de células do sistema imunológico e o aumento da presença do vírus Epstein-Barr (EBV) na saliva. Os linfócitos, células que apresentaram a queda, estão envolvidos diretamente na resposta imune a esse vírus, o que permite inferir que seu declínio levaria à menor vigilância contra o microrganismo.

O vírus Epstein-Barr pertence à família do herpesvírus humano (HHV), e além de causar mononucleose infecciosa – conhecida como “doença do beijo” – está relacionado a outros quadros. “Ele é um vírus importante porque, em estados de imunodepressão, pode ocasionar doenças que costumam ser severas”, destaca Karem Ortega, professora da FO e orientadora do trabalho.

O grupo de pacientes era formado por pessoas que aguardavam por um transplante de fígado, majoritariamente homens ex-alcoolistas. “Por causa da vigilância imunológica alterada nesse grupo, alguns desses vírus podem ser perigosos quando se trata de um prognóstico de transplante”, diz Gabriella Marinho, que realizou a pesquisa em seu doutorado na FO.

Mas, “o que a gente pode dizer nesse momento, com este estudo, é que os pacientes com cirrose e diminuição de linfócitos podem ter uma chance maior de transmitir o vírus para outras pessoas”, afirma Karem Ortega. A pesquisadora também destaca que a presença desse vírus em um nível alto, e que afeta a imunidade circulante, acende um alerta quanto ao contágio entre os próprios pacientes.

Vírus Epstein-Barr e imunidade comprometida

Os resultados do trabalho mostram que a deficiência imunológica dos pacientes com cirrose pode afetar a eliminação do vírus Epstein-Barr na saliva, uma vez que ele é relativamente comum nesse fluido por ter afinidade com algumas células das glândulas salivares.

Foi identificado o vírus Epstein-Barr em 30% entre os 72 indivíduos que fizeram parte do estudo. Além disso, dos sete subgrupos restantes da família do herpesvírus humano (HHV), o HHV-7, um vírus que causa doenças em momentos de baixa imunidade, apareceu em 43% dos voluntários, mas não foi encontrada relação entre o vírus e o declínio ou aumento de células do sistema imunológico, medidas através de exames de sangue.

O grande problema no caso do grupo estudado é que, em quadros de disfunções imunológicas, esse vírus já foi relacionado a infecções que podem levar à rejeição de órgãos transplantados. “Portanto, ainda que o vírus na saliva desse grupo de pacientes não traga nenhum sinal clínico nesse momento, pode causar um mau prognóstico depois do transplante”, esclarece Gabriella Marinho. Pacientes transplantados utilizam medicamentos imunossupressores, que diminuem a atividade do sistema imunológico, para evitar a rejeição ao órgão. Por isso, há uma preocupação sobre a reativação de vírus latentes nesses casos.

Além disso, o estudo apontou uma relação entre o aumento do EBV e a diminuição do número de linfócitos, que estão envolvidos diretamente na resposta imune a esse vírus, inferindo que essa queda pode levar a menor vigilância contra o microrganismo.

Saliva como ferramenta de diagnóstico

A grande protagonista do estudo é a saliva. Os resultados do trabalho, de acordo com as pesquisadoras, mostram a importância da saliva na identificação da presença dos herpesvírus. “[A saliva] pode ser uma ferramenta importante e é muito mais fácil de se colher que o sangue. Você não tem que ‘espetar’ a pessoa se a gente consegue estabelecer [a presença do vírus]. A saliva é um meio bom para fazer esse diagnóstico e o acompanhamento do paciente”, afirma Karem Ortega.

Gabriella ainda explica que, no caso de outros vírus, a presença na saliva pode atuar como um biomarcador da imunidade do paciente. Um exemplo é o torque teno vírus (TTV), um vírus que não causa doença, que tem seus níveis alterados em casos de infecção e que mostrou potencial para avaliar a intensidade da infecção por sars-cov-2.

Para pacientes com cirrose, ainda não há um biomarcador para a imunidade. Para Karem, o estudo abre novas possibilidades: “Neste momento, não é possível afirmar isso com este trabalho, mas ele abre um leque de hipóteses. Uma das hipóteses é essa que, talvez, o EBV possa ser um biomarcador de imunidade do paciente, assim como temos outros vírus que são candidatos a biomarcadores de imunidade”.

Mais informações: e-mail gabi_bm10@hotmail.com, com Gabriella Marinho; e e-mail klortega@usp.br, com Karem Ortega

*Estagiária com orientação de Fabiana Mariz
**Estagiária com orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Mudanças hormonais na menopausa podem provocar problemas cardíacos

As doenças cardiovasculares em mulheres já ultrapassam as estatísticas de câncer de mama e de útero. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, um terço das mortes no mundo são causados pelo problemas, representando 23 mil óbitos de mulheres por dia.

Incidência no Brasil

No Brasil, a cardiopatia em mulheres pode representar 30% das causas de mortes, sendo a maior taxa da América Latina. Os problemas cardíacos aumentam por várias razões, mas estão principalmente relacionados a mudanças hormonais e seus efeitos no organismo.

“O estrógeno tem um fator protetor do sistema cardiovascular. Ele ajuda a manter os vasos sanguíneos flexíveis e favorece os fatores protetores do sistema cardiovascular. Com a menopausa há um aumento de colesterol, dos triglicérides, levando a chamada dislipidemia, aumento da pressão arterial, aumento do peso e redistribuição das gorduras. A gordura se acumula na região abdominal, que sabidamente tem maior risco de doença cardiovascular. Além disso, na menopausa pode levar a uma diminuição na sensibilidade e insulina aumentando o risco de desenvolver diabete do tipo 2; inflamação e estresse oxidativos também então associados à menopausa, levando então à progressão da doença aterosclerótica”, destaca Walquíria Samuel Ávila, coordenadora do Programa de Cardiopatia, Gravidez e Aconselhamento Reprodutivo do Incor – Instituto do Coração do Estado de São Paulo.

Nessa fase da vida, destaca a médica, as mulheres na menopausa apresentam fatores de risco e mudanças de estilo de vida pior: como sedentarismo, dieta inadequada, aumento de stress, e todos os fatores combinados explicam por que a menopausa é um período crítico para a saúde cardiovascular das mulheres.

Check-up e sintomas

Os cuidados quando uma mulher apresenta fatores de risco como história familiar, é hipertensa, diabética, obesa, essas avaliações devem ser a partir de 30 anos de idade e deve ser obrigatória na pré-menopausa 40, 50 anos e na menopausa, após 50 anos de idade. Walquíria destaca que “independentemente da idade, é importante que todas as mulheres façam o check-up médico regular, incluindo exames de colesterol, glicose, pressão arterial e outros indicadores da saúde cardiovascular bem conhecidos”.

As mulheres podem apresentar sintomas diferentes dos homens durante um evento cardiovascular, por este motivo é importante reconhecer os sintomas. Muitas vezes as mulheres subestimam a gravidade de seus sintomas, podendo atribuir a condições menos graves como estresse ou problemas digestivos. Além disso, às vezes o sintoma de um ataque cardíaco pode ser uma dor forte nas costas, uma dor na mandíbula ou até mesmo no abdômen superior.

Os principais problemas cardíacos que podem acometer as mulheres são: primeiro a hipertensão, pressão alta, diabete, a dislipidemia que alterações de colesterol, a obesidade, doenças renais crônicas, apneia obstrutiva do sono, doenças inflamatórias e autoimunes como artrite reumatoide e lúpus, sedentarismo, história familiar estresse crônico, uso excessivo de álcool e tabagismo. Esses são fatores que podem, além da menopausa, levar a doença cardiovascular e a outros problemas que podem desencadear eventos cardíacos além do climatério.

Exames

Diversos exames podem ajudar a detectar problemas cardíacos. “Entre os mais comuns o inicial é conhecer os seus números medindo sua pressão arterial, o perfil lipídico, saber os números seus valores LDL, HDL e colesterol, a glicemia, hemoglobina glicada, um eletrocardiograma, um ecocardiograma, um teste de esforço para quem faz atividade física e daí para frente. Existem vários exames que vão surgir de acordo com a indicação médica para cada paciente.”

O problema é tão sério que, buscando evitar problemas cardiovasculares, o Incor conta com um programa que começou em 2019 chamado Mulher, Cuide do Coração. Nesse trabalho de prevenção é realizada uma abordagem multidisciplinar, multifacetada que pode incluir a mudança de estilo de vida, medicamentos e intervenções. A dieta do Mediterrâneo, redução de sal, limitação de gordura saturadas e trans, aumento de fibras, atividade física, não só exercício aeróbico, mas o treinamento de força de resistência, controle de peso, evitar fumo, moderar o álcool e o tratamento medicamentoso que vai servir para cada tipo de paciente, para cada tipo de situação clínica, que deve ser considerada nos seus check-ups periódicos, aconselha a coordenadora do Programa de Cardiopatia, Gravidez e Aconselhamento Reprodutivo do Incor.

FONTE: Jornal da USP

Sarcopenia e fragilidade exigem atenção nos idosos

Condições que afetam principalmente idosos já foram confundidas no passado, e precisam de tratamento multidisciplinar

Um estudo feito na Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP buscou reunir os principais trabalhos da área da saúde que envolvem a sarcopenia – declínio da massa e função dos músculos ligados aos ossos – e a fragilidade muscular para discutir estratégias de tratamento para os dois quadros, especialmente em pacientes com doenças cardiovasculares. O artigo liderado por Guilherme Fonseca traz os insights mais recentes sobre os mecanismos biológicos que são a base do problema e conclui que ainda é preciso investir na formulação de um plano de enfrentamento mais eficaz dessas condições – que podem estar relacionadas com diversas doenças crônicas, mas são reversíveis com a intervenção precoce.

A chamada sarcopenia primária é a que se desenvolve durante o envelhecimento sem nenhuma outra causa específica identificada. Mas o problema também pode estar associado a alguma enfermidade, como câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. A fragilidade, por sua vez, muitas vezes era confundida com ela quando feita uma análise superficial, que não compreende todos os aspectos que devem ser avaliados. Atualmente, entende-se que a sarcopenia é a parte diretamente física da fragilidade, que é definida como um conceito maior. “Nós discutimos a fragilidade de uma forma mais ampla, porque engloba as partes física, cognitiva, psicológica e emocional. [O conceito] foi ganhando componentes que estabeleceram que ela não afeta apenas o físico do indivíduo, mas também a capacidade de reagir a adaptações internas e estresse externo, e a incapacidade do organismo de enfrentá-los o determina como frágil”, explica Guilherme Fonseca.

O gráfico descreve os mecanismos biológicos do desenvolvimento da fragilidade e sarcopenia, suas doenças associadas e potencial tratamento por intervenção terapêutica – Fonte: Reprodução do artigo (traduzido)

“A sarcopenia e a fragilidade podem ser entendidas como uma via de mão dupla para as outras doenças”, aponta. Ou seja, por serem condições comuns na velhice, o paciente pode desenvolver problemas cardiovasculares antes delas, mas o contrário também é possível. Isso pode acontecer com o diabete mellitus: caso primeiro venha o diabete, a dificuldade em captar glicose pela célula pode levar a uma diminuição de nutrientes que reduz a massa muscular e pode levar à sarcopenia. Mas se houver a condição muscular prévia, como o tecido atingido é o que consome mais glicose, sua degradação acarreta em diminuição do consumo da molécula, o que aumenta os níveis da glicemia e leva a um quadro de pré-diabete, podendo evoluir para diabete.

Tratamento multidisciplinar

Como prevenção das duas condições, o mais indicado é a prática de exercício físico. Para a sarcopenia, o mais apontado é o treinamento de força. Para a fragilidade, ele também se aplica, mas adicionando exercícios aeróbicos, nos quais é possível manter uma intensidade mais baixa durante um período prolongado. O treino deve ser feito de duas a três vezes por semana, envolvendo os grandes grupos musculares, como membros superiores, inferiores e músculos do tronco, abdominais e torácicos.

Cada sessão deve ter de oito a dez exercícios, exigindo em torno de 60 a 80% de contração voluntária máxima. Já para os aeróbicos, como caminhadas, corridas e natação, a frequência pode ser aumentada para cinco vezes na semana, com duração de 30 a 60 minutos, com intensidade também moderada”, orienta Guilherme Fonseca.

A ingestão calórica deve ser aumentada para que corresponda tanto ao gasto necessário do corpo diariamente, como consumo de energia extra que as práticas de exercícios irão gerar. Sobre os nutrientes, a dieta deve ser rica em proteínas para o maior fortalecimento muscular, “a recomendação atual para a população geral é de 0,8 g de proteína por quilo de peso. Mas os pacientes com sarcopenia precisam de mais, chegando a 1,5 g por quilo de peso. E para a ingestão calórica, 30 kcal por quilo de peso”, recomenda o pesquisador.

O tratamento multidisciplinar se faz necessário tendo em vista a possibilidade dessas condições serem acompanhadas por doenças crônicas. O profissional de educação física cuidando dos treinos, o nutricionista sendo responsável pelo cuidado com a ingestão calórica e de nutrientes, psicólogos para a parte emocional e cognitiva, terapeuta ocupacional para as atividades diárias e, dependendo do grau da fragilidade, o acompanhamento do fisioterapeuta também é necessário. Esse tratamento não deve incluir a parte farmacológica, já que até agora não existe comprovação científica para a aplicação de medicamentos efetivos contra a sarcopenia. A prescrição de hormônios anabólicos, como a testosterona, tampouco é recomendada.

O médico entra na parte clínica, tratando as doenças bases que vêm acompanhando a sarcopenia, como diabetes e pressão alta. “Deve deixar o indivíduo no estado compensado, para ele não descompensar, a pressão dele não ficar subindo e descendo, assim como glicemia também”, detalha o autor.

Apesar das recomendações, ainda é deficitária a bibliografia sobre a sarcopenia, e há a necessidade de pesquisas que apontem quais são os mecanismos que levarão ao desenvolvimento da condição, que poderá causar fragilidade em pacientes com doenças cardiovasculares. “Mais estudos precisam demonstrar qual é a melhor forma de tratamento, estabelecendo diretrizes para profissionais da educação física no preparo físico, de nutricionistas na reparação nutricional e principalmente na parte farmacológica, que ainda é pouco desenvolvida e precisa de um aporte científico e legal para ser utilizada”, alerta Guilherme Fonseca.

O artigo foi publicado na revista científica Cardiovascular Research, e está disponível neste link.

Mais informações: e-mail guilhermefonseca@usp.br, com Guilherme Fonseca