Vírus Epstein-Barr dá pistas sobre queda imunológica

Em um estudo piloto desenvolvido na Faculdade de Odontologia (FO) da USP, foi observado em pacientes com cirrose hepática uma relação entre a diminuição de células do sistema imunológico e o aumento da presença do vírus Epstein-Barr (EBV) na saliva. Os linfócitos, células que apresentaram a queda, estão envolvidos diretamente na resposta imune a esse vírus, o que permite inferir que seu declínio levaria à menor vigilância contra o microrganismo.

O vírus Epstein-Barr pertence à família do herpesvírus humano (HHV), e além de causar mononucleose infecciosa – conhecida como “doença do beijo” – está relacionado a outros quadros. “Ele é um vírus importante porque, em estados de imunodepressão, pode ocasionar doenças que costumam ser severas”, destaca Karem Ortega, professora da FO e orientadora do trabalho.

O grupo de pacientes era formado por pessoas que aguardavam por um transplante de fígado, majoritariamente homens ex-alcoolistas. “Por causa da vigilância imunológica alterada nesse grupo, alguns desses vírus podem ser perigosos quando se trata de um prognóstico de transplante”, diz Gabriella Marinho, que realizou a pesquisa em seu doutorado na FO.

Mas, “o que a gente pode dizer nesse momento, com este estudo, é que os pacientes com cirrose e diminuição de linfócitos podem ter uma chance maior de transmitir o vírus para outras pessoas”, afirma Karem Ortega. A pesquisadora também destaca que a presença desse vírus em um nível alto, e que afeta a imunidade circulante, acende um alerta quanto ao contágio entre os próprios pacientes.

Vírus Epstein-Barr e imunidade comprometida

Os resultados do trabalho mostram que a deficiência imunológica dos pacientes com cirrose pode afetar a eliminação do vírus Epstein-Barr na saliva, uma vez que ele é relativamente comum nesse fluido por ter afinidade com algumas células das glândulas salivares.

Foi identificado o vírus Epstein-Barr em 30% entre os 72 indivíduos que fizeram parte do estudo. Além disso, dos sete subgrupos restantes da família do herpesvírus humano (HHV), o HHV-7, um vírus que causa doenças em momentos de baixa imunidade, apareceu em 43% dos voluntários, mas não foi encontrada relação entre o vírus e o declínio ou aumento de células do sistema imunológico, medidas através de exames de sangue.

O grande problema no caso do grupo estudado é que, em quadros de disfunções imunológicas, esse vírus já foi relacionado a infecções que podem levar à rejeição de órgãos transplantados. “Portanto, ainda que o vírus na saliva desse grupo de pacientes não traga nenhum sinal clínico nesse momento, pode causar um mau prognóstico depois do transplante”, esclarece Gabriella Marinho. Pacientes transplantados utilizam medicamentos imunossupressores, que diminuem a atividade do sistema imunológico, para evitar a rejeição ao órgão. Por isso, há uma preocupação sobre a reativação de vírus latentes nesses casos.

Além disso, o estudo apontou uma relação entre o aumento do EBV e a diminuição do número de linfócitos, que estão envolvidos diretamente na resposta imune a esse vírus, inferindo que essa queda pode levar a menor vigilância contra o microrganismo.

Saliva como ferramenta de diagnóstico

A grande protagonista do estudo é a saliva. Os resultados do trabalho, de acordo com as pesquisadoras, mostram a importância da saliva na identificação da presença dos herpesvírus. “[A saliva] pode ser uma ferramenta importante e é muito mais fácil de se colher que o sangue. Você não tem que ‘espetar’ a pessoa se a gente consegue estabelecer [a presença do vírus]. A saliva é um meio bom para fazer esse diagnóstico e o acompanhamento do paciente”, afirma Karem Ortega.

Gabriella ainda explica que, no caso de outros vírus, a presença na saliva pode atuar como um biomarcador da imunidade do paciente. Um exemplo é o torque teno vírus (TTV), um vírus que não causa doença, que tem seus níveis alterados em casos de infecção e que mostrou potencial para avaliar a intensidade da infecção por sars-cov-2.

Para pacientes com cirrose, ainda não há um biomarcador para a imunidade. Para Karem, o estudo abre novas possibilidades: “Neste momento, não é possível afirmar isso com este trabalho, mas ele abre um leque de hipóteses. Uma das hipóteses é essa que, talvez, o EBV possa ser um biomarcador de imunidade do paciente, assim como temos outros vírus que são candidatos a biomarcadores de imunidade”.

Mais informações: e-mail gabi_bm10@hotmail.com, com Gabriella Marinho; e e-mail klortega@usp.br, com Karem Ortega

*Estagiária com orientação de Fabiana Mariz
**Estagiária com orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP