Consumo de álcool está associado a lesões cerebrais ligadas à demência, mostram autópsias

Estudos de neuroimagem sobre os possíveis efeitos da ingestão de álcool no cérebro são pouco conclusivos, e têm encontrado resultados contraditórios. Agora, um trabalho liderado por brasileiros traz uma evidência mais forte da relação entre consumo de bebida, lesões cerebrais e piora cognitiva.

pesquisa não comprova que o álcool causa esses problemas – relações de causalidade são complexas e demoradas de estabelecer. Mas a associação do álcool e danos que o estudo verificou é mais robusta porque as análises foram feitas diretamente em tecidos cerebrais após a morte. Além disso, foram utilizados cérebros de brasileiros, e são raros os estudos feitos em população de países de média e baixa renda – aquelas que, na prática, são as mais atingidas pela demência.

Os resultados apontaram que tanto o consumo moderado quanto o intenso (oito ou mais doses por semana), mesmo que prévio (na época da morte a pessoa já era ex-alcoolista), foram associados à arteriolosclerose hialina e aos emaranhados neurofibrilares de tau.

A arteriosclerose hialina é uma condição de endurecimento de vasos sanguíneos que dificulta a irrigação cerebral, pode danificar o cérebro e está ligada ao desenvolvimento de demência vascular. Já os emaranhados neurofibrilares são estruturas proteicas características da doença de Alzheimer.

Além disso, o consumo prévio intenso de álcool (ex-alcoolistas) foi associado à redução da massa cerebral e das capacidades cognitivas. Para não gerar distorções, o cálculo levou em conta a razão entre o peso do cérebro e a altura da pessoa. E as capacidades cognitivas foram aferidas por meio de um questionário feito com familiares ou pessoas próximas, capaz de indicar se o paciente apresentava declínio cognitivo e sinais de demência.

estudo foi publicado no início do mês na Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, tendo como primeiro autor Alberto Justo, que realizou pós-doutorado com supervisão de Claudia Suemoto na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

A declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2023, de que nenhum nível de consumo de álcool é isento de prejuízos, se referia especialmente ao fato do hábito aumentar o risco de vários tipos de câncer, e fortaleceu a tendência de se desmistificar a ideia dos “níveis seguros” – ou até benéficos em algum aspecto – da ingestão de álcool. O estudo da USP chega para fortalecer uma outra frente que também vem sendo investigada: os possíveis efeitos da bebida na saúde cerebral.

“O grande destaque do estudo, a meu ver, é que os marcadores, principalmente a arterioesclerose hialina, já estão presentes mesmo em quem consome álcool moderadamente”, diz Alberto Justo. Outro destaque, segundo ele, é que o declínio cognitivo foi verificado em todos os grupos de bebedores, tanto os que já tinham cessado antes da morte, quanto nos que ainda bebiam.

A pesquisa

As amostras analisadas vieram do Biobanco para Estudos do Envelhecimento da USP. Este banco coleta cérebros de pessoas que foram autopsiadas no Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (SOV), da USP, mas não de indivíduos que morreram de causas traumáticas, porque esses casos são tratados pelo Instituto Médico Legal (IML).

Foram incluídas 1.781 pessoas com mais de 50 anos (idade média de 75 anos) no momento da morte, cujos parentes mais próximos tiveram contato no mínimo semanal com o falecido durante os seis meses anteriores ao óbito.

Todas foram submetidas a autópsias cerebrais em busca de sinais de lesão, incluindo lesões associadas à demência vascular e doença de Alzheimer. Para garantir a qualidade, os participantes foram excluídos se os dados clínicos fossem inconsistentes ou se o tecido cerebral fosse incompatível com as análises neuropatológicas.

Os pesquisadores também verificaram o peso do cérebro e a altura de cada pessoa. Os familiares responderam a perguntas sobre o consumo de álcool dos participantes e outras questões que permitem avaliar se há perda cognitiva ou indicativos de demência – presentes numa escala validada denominada Clinical Dementia Rating (CDR).

A reserva cognitiva, medida em anos de educação formal, é um fator de proteção importante contra o desenvolvimento de demência – Arte sobre imagens rawpixel.com/Freepik e ManuelSchottdorf/Wikimedia Commons

Consumidores e ex-consumidores intensos de álcool (ex-alcoolistas) tinham maior risco de apresentar emaranhados tau, o biomarcador associado à doença de Alzheimer, com chances 41% maiores. Os ex-alcoolistas também tinham uma menor proporção de massa cerebral em comparação com a massa corporal, e capacidades cognitivas prejudicadas.

Não foi encontrada ligação entre o consumo moderado ou intenso três meses antes do óbito e a razão de massa cerebral ou habilidades cognitivas, mas apenas em ex-alcoolistas (consumo prévio intenso). Este achado parece contraditório, mas pode ter a ver com um viés da amostra de pacientes do estudo. Os participantes que bebiam muito no momento do óbito ainda não tinham desenvolvido outras complicações sérias associadas ao álcool que levariam à cessação do consumo. Um exemplo de complicação que poderia levar à interrupção do consumo é a cirrose hepática.

Reserva cognitiva

A reserva cognitiva se refere principalmente ao tempo de educação formal que uma pessoa teve. “Aqui na Alemanha [onde mora atualmente], por exemplo, dificilmente uma pessoa fala menos de dois ou três idiomas, ou é mais velha e não fez faculdade. Essa reserva, de uma certa forma, reforça as sinapses, as conexões cerebrais. Muitas vezes, mesmo com a presença de vários biomarcadores de demência, a pessoa não vai apresentar a doença clinicamente”, explica o pesquisador.

Estima-se que, nos próximos anos, dois terços da população com demência vão estar em países de baixa e média renda, informação importante no contexto do estudo sobre o álcool. Enquanto os estudos da América do Norte e Europa geralmente incluem participantes com 13 ou 14 anos de estudo, no Brasil, a média é de 4,8 anos de educação.

“Essas pessoas que a gente estudou fazem parte de uma população miscigenada e com baixa educação, que é uma coisa muito rara de encontrar em estudos do tipo. No biobanco temos amostras de pacientes que, epidemiologicamente, traduzem melhor a realidade de quem é mais atingido pela demência no Brasil”, conclui o cientista.

Mais informações: e-mail albertofojusto@gmail.com e cksuemoto@usp.br

FONTE: Jornal da USP

Obesidade feminina pode estar associada a baixas concentrações de cobalto no sangue

Níveis menores de cobalto no sangue de mulheres com obesidade sugerem que o mineral pode influenciar a regulação genética e o metabolismo, impactando o ganho de peso e doenças associadas

O cobalto é um componente da vitamina B12 (cobalamina) que pode ser encontrado em alguns alimentos como vegetais, chocolate e carnes. Este mineral também é um metal essencial para as tecnologias atuais, sendo amplamente utilizado em baterias de lítio. O que até então não se sabia, e está sendo revelado por pesquisas recentes, é sua possível relação com a obesidade em mulheres.

O estudo multicêntrico Concentração sérica de cobalto e assinaturas de metilação de DNA em mulheres com obesidade, publicado pela revista científica Obesities, observou diferenças significativas nos níveis sanguíneos de cobalto na comparação entre mulheres com e sem obesidade. Identificou também alterações genéticas associadas ao metal, sugerindo que o cobalto pode influenciar processos biológicos relacionados ao metabolismo e ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. Os resultados destacam ainda a importância de considerar fatores ambientais e nutricionais na prevenção e tratamento da obesidade.

As investigações foram conduzidas por pesquisadores da USP, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em Portugal, que analisaram dados de 33 mulheres brasileiras: 16 com obesidade e 17 na faixa normal de IMC (Índice de Massa Corporal). Como principal achado, os cientistas verificaram que os níveis de cobalto no sangue das participantes com obesidade eram muito menores. A deficiência, segundo os pesquisadores, pode estar relacionada à dieta pobre em nutrientes e às alterações metabólicas associadas à obesidade.

O grupo também observou a relação do cobalto com a metilação do DNA, o fator epigenético mais caracterizado que controla a expressão dos genes. A epigenética envolve as alterações genéticas em resposta a estímulos ambientais ou estilo de vida, sem contudo modificar a sequência do DNA, mas que pode influenciar a regulação de um gene (ativando ou desativando a sua atividade) e afetando as funções metabólicas. As diferenças nos padrões de metilação do DNA entre os grupos estudados, adiantam os cientistas, indicam que o cobalto pode desempenhar um papel na regulação epigenética relacionada à progressão da obesidade.

No início da vida, a regulação epigenética é responsável pela diferenciação de células, possibilitando a formação de vários tecidos. Na vida adulta a epigenética tem muita relação com o estilo de vida, como nutrição, atividade física e qualidade do sono, que é capaz de modificar os padrões de metilação – um tipo de modificação química do DNA – seja pelo aumento ou pela diminuição. Esses mecanismos podem estar relacionados à manutenção da saúde e ao desenvolvimento de doenças como, por exemplo, o câncer, explica a professora Carla Barbosa Nonino, do Departamento de Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, responsável pela pesquisa.

Impacto do cobalto no organismo

Segundo Natália Yumi Noronha, doutoranda no Departamento de Clínica Médica da FMRP e orientanda da professora Carla, o cobalto é um mineral essencial para a produção de células do sangue e o funcionamento do sistema nervoso. “O cobalto pode influenciar processos metabólicos, uma vez que uma alimentação pobre em alimentos de origem animal, como carne, leite e ovos, pode acarretar redução do metal no organismo, afetando o metabolismo e possivelmente contribuindo para o ganho de peso e outros problemas de saúde”, afirma.

Ainda segundo Natália, a obesidade está associada a deficiências nutricionais já que, mesmo com um consumo calórico alto, a qualidade da alimentação pode ser inadequada, com baixa ingestão de vitaminas e minerais essenciais. “Os achados do estudo reforçam a importância de investigar não apenas a quantidade de alimentos consumidos pelos pacientes com obesidade, mas também a qualidade, para entender melhor os impactos da dieta na obesidade e na saúde em geral”, diz.

Padrões alimentares e metilação do DNA

Para a professora Carla, o cobalto pode ser considerado essencial ao organismo quando em quantidades adequadas. O excesso, por outro lado, se torna um contaminante. Assim, as causas da deficiência de cobalto na obesidade feminina precisam ser mais bem investigadas com acompanhamento nutricional e clínico. Quanto à epigenética, que explica como o ambiente e o estilo de vida podem alterar o funcionamento de nossos genes, Carla acredita que possa ser mais uma ferramenta para entender as vias metabólicas associadas à obesidade. Segundo a professora, essa ferramenta deve permitir a identificação de padrões alimentares interessantes na ativação e inativação de genes específicos, usando padrões de metilação modificáveis.

Esses resultados devem servir de base para os novos estudos da equipe, agora interessada nos aspectos da obesidade da miscigenada população brasileira. “São escassas as pesquisas sobre metilação do DNA em populações miscigenadas. Além disso, as novas pesquisas também incluirão mais indivíduos e com diferentes condições de saúde, não só a obesidade”, adianta a professora. Seu grupo atualmente trabalha em análises de bioinformática para identificação da ancestralidade. O objetivo é descobrir as origens geográficas e características específicas, “demonstrando como o ambiente pode impactar no desenvolvimento do indivíduo e, potencialmente, o de gerações futuras”, afirma.

O estudo sobre obesidade contou com a colaboração da equipe liderada pelo professor Fernando Barbosa Jr., da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, e foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), através do projeto de pesquisa Do biomonitoramento ao reconhecimento de assinaturas do exposoma humano visando antecipar riscos para uma saúde contínua. Participaram ainda os pesquisadores: Luísa Maria Diani (bolsista da Fapesp que compartilha a primeira autoria do projeto), Guilherme da Silva Rodrigues, Isabela Harumi Yonehara, Vanessa Aparecida Batista Pereira, Marcela Augusta de Souza Pinhel, Lígia Moriguchi Watanabe e Déborah Araújo Morais.

Mais informações: carla@fmrp.usp.br, com a professora Carla Barbosa Nonino

* Estagiário sob orientação de Rita Stella

FONTE: Jornal da USP

Células-tronco mostram potencial para tratar lesões ósseas em pessoas com osteoporose

Pesquisa realizada em células e animais revela como a terapia celular pode regenerar tecido ósseo, abrindo caminho para desenvolver tratamentos mais eficazes para a osteoporose

Uma pesquisa demonstrou que um tipo de célula-tronco encontrada em vários tecidos do corpo humano é capaz de reparar defeitos ósseos em animais com osteoporose. No estudo, foram analisadas as interações entre as células saudáveis e as células osteoporóticas tanto em experimentos in vitro (realizados em um ambiente controlado fora de um organismo vivo) quanto em animais com defeitos ósseos e osteoporose. Os resultados do trabalho da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP estão publicados em artigo na Life Sciences.

A capacidade das células-tronco multipotentes – que podem se diferenciar em vários tipos de tecidos – de induzir regeneração tecidual já é conhecida devido às suas propriedades de autorrenovação e diferenciação. Neste processo, células menos especializadas adquirem funções específicas, neste caso se especializam e se transformam em osteoblastos, que são responsáveis pela formação de tecido ósseo.

O uso de células-tronco mesenquimais no tratamento de lesões ósseas também já é conhecido e promissor, mas a utilização desse tratamento em condições de osteoporose ainda é desafiador. É que o tecido ósseo em condições saudáveis tem uma capacidade regenerativa adequada para restabelecer sua função normal após uma lesão, porém, em presença de osteoporose, o reparo ósseo é prejudicado.

A explicação, segundo especialistas, se deve ao fato de que a osteoporose enfraquece o tecido ósseo, tornando-o menos denso e mais poroso, aumentando o risco de fratura e dificultando o tratamento de lesões. Além disso, a literatura científica indica que a osteoporose afeta negativamente a função das células-tronco mesenquimais, prejudicando sua proliferação e sua capacidade de induzir formação de tecido ósseo.

Relevância da relação células saudáveis com osteoporóticas

Nos experimentos in vitro, as células foram mantidas em coculturas, o que significa que dois tipos de células foram cultivadas juntas em um mesmo ambiente. Neste caso, foi avaliada a interação entre células saudáveis e células osteoporóticas.

O professor da Forp e líder do grupo de pesquisa, Adalberto Luiz Rosa, afirma que avaliar as relações entre esses dois tipos de células é importante pois, no caso da terapia celular, “uma das interações relevantes para o sucesso do tratamento é a das células saudáveis, que são utilizadas como tratamento, sendo recepcionadas pelas células presentes em ambiente acometido pela doença”.

Entre as conclusões obtidas, a partir dos experimentos in vitro, o pesquisador informa que as células-tronco originadas de ratos com osteoporose têm sua capacidade de regeneração reduzida, que é parcialmente recuperada pela interação com células saudáveis. Da mesma maneira, o contrário também é verdade, já que células saudáveis têm seu potencial regenerativo reduzido quando em contato com células osteoporóticas.

Efeito de células-tronco mesenquimais de doadores saudáveis ​​(HE-MSCs) injetadas localmente na formação óssea em defeitos calvários de ratos submetidos à orquiectomia – Foto: Reprodução ScienceDirect

Terapia é mais desafiadora para diabéticos e hipertensos

Nos experimentos in vivo, ratos com osteoporose, nos quais foram criados defeitos ósseos, receberam aplicações de células-tronco mesenquimais, obtidas da medula óssea de ratos jovens saudáveis, diretamente na lesão óssea. O professor destaca que o diferencial da pesquisa foi criar os defeitos ósseos nos animais e aguardar duas semanas para realizar a terapia celular, “o que simula melhor o tratamento de defeitos preexistentes e aproxima nossa abordagem da realidade clínica”.

Como resultado, constataram que as células-tronco induziram a formação de tecido ósseo e, além disso, continuavam detectáveis até cinco dias após a injeção, em contraste com a permanência celular em locais saudáveis, onde permaneceram por até 14 dias. Outros estudos demonstram que o mesmo ocorre em ratos diabéticos e hipertensos, o que “nós atribuímos à presença das doenças, embora não tenhamos nos debruçado sobre os mecanismos envolvidos”, afirma o pesquisador.

Segundo o professor, esse fato indica o quanto o tratamento de defeitos ósseos em portadores de doenças sistêmicas é complexo: “Esses resultados ressaltam que o tratamento de defeitos ósseos pela terapia celular é ainda mais desafiador em pacientes acometidos por essas doenças (diabéticos e hipertensos), mas é viável, uma vez que bons resultados foram obtidos com a terapia celular em animais com osteoporose”.

Potencial para prevenir lesões ósseas

O professor ressalta que os resultados são interessantes, mas ainda devem ser aperfeiçoados: “Nosso estudo focou no tratamento de defeitos ósseos e constatamos que a terapia celular induz formação óssea, mas não regenerou por completo os defeitos”.

Rosa ainda explica que esse tratamento tem potencial para ser um método de prevenção de lesões, apesar de não ser o ideal para o tratamento da osteoporose sistêmica. “Há pesquisas sugerindo que ela poderia ser utilizada naqueles ossos que apresentam maior fragilidade e risco de fraturas”, adianta.

Esses resultados criam expectativas interessantes para um futuro tratamento de lesões ósseas em pessoas com osteoporose, “nossa perspectiva é que nossos resultados contribuam para que no futuro o tratamento de defeitos ósseos com células-tronco e seus derivados seja uma realidade clínica eficaz e acessível aos pacientes que dele necessitem”, finaliza Rosa.

*Estagiário sob orientação de Rita Stella

FONTE: Jornal da USP

Frutose de ultraprocessados em excesso pode alterar intestino, fígado e descontrolar glicose

Excesso de frutose, presente em alimentos ultraprocessados, causa alterações intestinais e está ligado a possível risco de diabetes tipo 2 e doenças no fígado; consumido em frutas, açúcar não gera problemas

Pesquisadores da Université Laval (Ulaval), do Canadá, e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP descobriram que o consumo excessivo de frutose, comum em dietas com alto teor de alimentos ultraprocessados, modifica a forma como o intestino responde à glicose, aumentando a absorção desse açúcar e comprometendo o controle da glicemia. Esses efeitos precedem a intolerância à glicose e o acúmulo de gordura no fígado, dois fatores ligados ao desenvolvimento do diabetes tipo 2 e da Doença Hepática Gordurosa Associada à Disfunção Metabólica (MASLD, na sigla em inglês). O artigo que descreve o estudo, High fructose rewires gut glucose sensing via glucagon-like peptide 2 to impair metabolic regulation in mice, foi capa da edição de março da revista científica Molecular Metabolism.

A pesquisa, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi conduzida pelo pesquisador Paulo Evangelista Silva, doutorando do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Biologia Funcional e Molecular do ICB, em coautoria com Eya Sellami, pesquisadora da Ulaval, e Caio Jordão Teixeira, pós-doutorando do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB. O trabalho foi coordenado por Fernando Forato Anhê, professor assistente da Faculdade de Medicina da Université Laval e pesquisador do Institut Universitaire de Cardiologie et de Pneumologie de Québec (IUCPQ).

No estudo, camundongos foram alimentados durante sete semanas com uma dieta na qual 8,5% da energia vinha da frutose – proporção considerada elevada, mas ainda próxima do consumo humano médio. Em apenas três dias, os animais já apresentavam um aumento na capacidade do intestino de absorver glicose, antes mesmo do surgimento da intolerância à glicose. Após quatro semanas, a glicose já não era eficientemente removida do sangue, e ao fim do estudo, observou-se acúmulo de gordura no fígado, condição que pode evoluir para quadros mais graves, como a cirrose.

Curiosamente, mesmo com esses efeitos adversos, os camundongos não desenvolveram resistência à insulina nos músculos ou no tecido adiposo, indicando que o descontrole glicêmico inicial ocorre por alterações no intestino, e não por falha na resposta insulínica periférica. A explicação para esse fenômeno pode estar na ação de um hormônio chamado GLP-2, produzido por células do intestino. Os pesquisadores constataram que o consumo excessivo de frutose eleva os níveis circulantes de GLP-2, hormônio que estimula o crescimento da superfície intestinal e o aumento da absorção de nutrientes. Ao bloquear o receptor desse hormônio (Glp2r) com uma droga, foi possível impedir o aumento da absorção de glicose, evitando tanto a intolerância quanto o acúmulo de gordura no fígado.

Bloqueio
No entanto, a estratégia de bloqueio do Glp2r não é facilmente aplicável a humanos, pois esse mesmo receptor está envolvido na proteção da barreira intestinal contra infecções e inflamações. Isso reforça a complexidade do papel do GLP-2 na saúde metabólica. “Mostramos que o aumento da absorção de glicose pelo intestino ocorre antes da intolerância à glicose. Isso abre caminho para o uso desse mecanismo como um biomarcador precoce”, afirma o professor Anhê. “O teste de absorção intestinal de glicose é barato, seguro e já utilizado em humanos — bastaria aplicá-lo em um novo contexto.”

Uma nova fase da pesquisa, com apoio do Canadian Institutes of Health Research (CIHR), vai investigar como o microbioma intestinal pode ser manipulado para reduzir os efeitos nocivos do excesso de frutose. O pesquisador Evangelista Silva ressalta que os resultados do estudo se referem ao consumo de frutose adicionada a alimentos ultraprocessados. “Frutas in natura são ricas em fibras, que ajudam a retardar a absorção de glicose e aumentam a saciedade. Além disso, contêm nutrientes benéficos para a saúde intestinal e hepática”, explica.

A pobreza nutricional dos ultraprocessados, com baixo teor de fibras e altos níveis de açúcares adicionados – como o xarope de milho e o açúcar de cana –, sobrecarrega o organismo. Evangelista Silva recomenda priorizar alimentos in natura, conforme orienta o Guia Alimentar para a População Brasileira, desenvolvido pelo Ministério da Saúde com apoio da Opas/Brasil. O açúcar de cana-de-açúcar e o xarope de milho são exemplos de açucares ricos em frutose amplamente utilizados pela indústria em alimentos ultraprocessados.

Alimentos ultraprocessados com alta concentração de frutose incluem refrigerantes e sucos industrializados (mesmo os néctares “100% fruta”), cereais matinais e barras adoçadas, biscoitos recheados e doces industrializados, pães e bolos prontos (como bisnaguinhas e pão de forma), chás prontos e bebidas esportivas adoçadas, molhos industrializados (ketchup, barbecue etc.), iogurtes adoçados, sobremesas lácteas e geleias. O estudo teve apoio das agências Fonds de Recherche du Québec – Santé (FQRS), Fondation IUCPQ e Fapesp.

Da Assessoria de Comunicação do ICB

FONTE: Jornal da USP

Estimulação transcraniana proporciona alta taxa de melhora na depressão resistente

Quase metade das pessoas com depressão acaba desenvolvendo a forma resistente da doença, que não melhora após pelo menos dois tratamentos diferentes. Pesquisadores têm se engajado em fornecer uma resposta mais satisfatória a esses pacientes e seus familiares, que às vezes passam anos tentando diversas terapias e chegam a desistir, com custos individuais e coletivos. Uma nova gama de recursos vem sendo pesquisada, incluindo as chamadas terapias não farmacológicas.

Uma delas acaba de ganhar novo impulso após um estudo clínico feito na USP – a estimulação magnética transcraniana do tipo theta-burst. Por meio da técnica, grandes redes cerebrais são estimuladas com bobinas, em um protocolo que utiliza rajadas rápidas (theta-burst), mas em sessões de curta duração.

Enquanto pesquisas anteriores com esta terapia mostravam resultados promissores, porém preliminares, o protocolo empregado no estudo do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da  Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) proporcionou melhora de quase 55% nos pacientes. Mais do que isso, na fase aberta do estudo (quando já se sabia que estavam sendo tratados e não recebendo placebo) os pacientes receberam sessões adicionais, e 85% dos que completaram o tratamento apresentaram melhora.

“A estimulação magnética transcraniana já tem 30 anos de uso, não é uma técnica experimental. Mas as taxas de resposta foram aumentando ao longo do tempo, com mudanças no protocolo de aplicação [intensidade, duração e frequência]”, conta ao Jornal da USP André Brunoni, professor associado do Departamento de Psiquiatria da FMUSP e coordenador do estudo publicado na Jama Psychiatry, tendo Matheus Rassi Ramos como primeiro autor.

“O tratamento em si é muito seguro, tolerável, não requer anestesia nem sedação, e praticamente não tem efeitos colaterais. A principal desvantagem é que o paciente precisa ir em uma clínica fazer a estimulação”, explica Brunoni.

Evolução da técnica

Nos primeiros anos do uso da estimulação magnética transcraniana, as taxas de resposta eram modestas e havia o complicador adicional das sessões demorarem muito, conta o pesquisador, o que deixava o tratamento acessível a poucos. “Eram feitas sessões de 40 minutos por dia e que duravam 30 dias, de segunda a sexta-feira”, lembra.

Um dos grandes avanços veio com um estudo em 2018, que mostrou que era possível fazer estimulação usando protocolos curtos, de três minutos de duração, ao invés dos usuais 40 minutos de sessão. Depois começaram a vir os protocolos acelerados, que envolviam fazer várias sessões rápidas por dia. E nesse meio tempo, também foi aumentando a taxa de resposta.

Em 2021, surgiu um estudo de um grupo da Universidade de Stanford que teve um grande impacto, ficando conhecido como o Stanford Neuromodulation Therapy (SNT). “Eles alcançaram uma grande eficácia usando um protocolo de 10 sessões por dia, por 5 dias, com intervalo de quase uma hora entre as sessões”, relata o pesquisador. O protocolo incluía a necessidade de fazer neuronavegação personalizada guiada por neuroimagem, um procedimento que tem um alto custo.

A neuroimagem era feita só na primeira sessão para achar a região alvo no cérebro. Mas a neuronavegação tinha que ser feita em todo tratamento, para mostrar onde colocar exatamente a bobina. Além dessa dificuldade, tratava-se de um estudo clínico pequeno, com apenas  29 pacientes. “Então ficou algo em aberto, porque era uma amostra pequena de pacientes, mas por outro lado houve uma grande resposta clínica.”

Nesse contexto, a equipe do IPq desenhou e desenvolveu o estudo atual, liderado pelo aluno de doutorado Matheus Ramos, com orientação de Brunoni.

A pesquisa da USP

O tratamento realizado no IPq, que não realizava neuronavegação e sim medidas com fita, consistia em três sessões por dia de estimulação rápida (theta-burst), com seis minutos de estimulação e 30 de intervalo entre elas. “Então, durava 78 minutos cada dia, durante 15 dias, de segunda a sexta-feira. E o desfecho primário [principal resultado investigado na pesquisa] era a melhora clínica avaliada na quinta semana”, detalha André Brunoni ao Jornal da USP.

Houve uma taxa de resposta maior no grupo ativo, que recebeu o tratamento, comparado ao grupo placebo, que recebia uma simulação da estimulação. 52% dos pacientes no grupo ativo apresentaram resposta clínica dos sintomas de transtorno depressivo, contra 22% no grupo em que o tratamento foi simulado.

Além da maior praticidade para a terapia, o rigor metodológico também é um ponto forte do estudo feito na USP: foram excluídos pacientes que apresentassem outros transtornos psiquiátricos, para evitar uma confusão nos resultados. E além de controlado (com o grupo que recebeu a simulação) o estudo foi randomizado (pacientes que receberam tratamento foram selecionados aleatoriamente) e triplo cego, o que significa que, durante a pesquisa, nem mesmo quem fazia as análises estatísticas sabia a qual grupo se referiam os números obtidos. “Isso é feito para garantir que não haja manipulação de dados, porque se o estatístico sabe os grupos, os pesquisadores podem ir pedindo para fazer uma análise a mais aqui, outra ali, o que pode influenciar nos resultados”, explica o psiquiatra.

Depressão resistente

A definição de depressão resistente ao tratamento varia um pouco na literatura científica, mas normalmente se considera que ocorre quando a pessoa não responde a dois tratamentos e está indo para o terceiro. “Metade dos casos de depressão são refratários de acordo com essa definição – ou seja, o segundo tratamento e o primeiro juntos têm uma eficácia acumulada de 50%”, diz Brunoni.

De acordo com o psiquiatra, muitas pessoas que passam por vários tratamentos acabam desistindo, a depressão tende a se cronificar, comprometendo a qualidade de vida.

“A depressão resistente tem um custo econômico e social bastante relevante. As pessoas começam a faltar mais ao trabalho ou acontece aquilo que é chamado de ‘presenteísmo’, quando a pessoa está oficialmente no local de trabalho, mas na prática não está produzindo.” A condição pode também levar a mais divórcios e, no caso de pais com filhos pequenos, aumentar o risco de depressão nas crianças. “Há uma série de consequências já verificadas.”

Ainda vem sendo estudado o que estaria por trás da resistência ao tratamento, mas uma hipótese com que os pesquisadores que atuam com a eletroestimulação trabalham está relacionada a determinados circuitos cerebrais funcionando mal, e a estimulação ajudaria e recuperar sua função.

“[A hipótese é que] haveria um mau funcionamento de certos neurocircuitos implicados na fisiopatologia da depressão, os principais sendo aqueles que fazem a comunicação do córtex pré-frontal, que é um corpo que fica mais externo, com o córtex cingulado anterior. Parece que há uma disfunção no processamento da informação entre essas duas áreas. E aí até temos a justificativa do uso da neuronavegação com neuroimagem, que é colocar a bobina da estimulação mais próxima dessa área”, detalha o médico ao Jornal da USP.

Apesar de o problema ainda ser desafiador, as perspectivas de novas terapias para a depressão resistente são animadoras. No IPq, a especialidade do grupo coordenado por André Brunoni é a psiquiatria intervencionista, que busca justamente a inovação, com tratamentos que são feitos em apenas poucos centros no mundo todo.

Além da magnética, eles trabalham com outros tipos de estimulação: elétrica por corrente contínua; elétrica por corrente alternada; de luz cintilante; e por laser, chamada de fotobiomodulação. “Temos também outra vertente, que é o uso da cetamina na forma intranasal ou endovenosa”, acrescenta.

Chamada para participação nos estudos

Os cientistas do grupo têm planos de ampliar a pesquisa com a estimulação magnética. “Estamos iniciando novos estudos piloto. E temos um em fase mais avançada, em que iremos randomizar os pacientes para serem tratados ou com navegação personalizada ou com o método tradicional – mas ambos recebendo o tratamento que já demonstra eficácia nesta pesquisa publicada agora”, prevê. Informações sobre participação no estudo no site redcap.link/lux; e pelo e-mail lux.ipq.sin@gmail.com.  A página do grupo no Instagram é @sin.ipq.

O artigo pode ser acessado neste link.

Mais informações: e-mail brunoni@usp.br, com André Brunoni

FONTE: Jornal da USP

Estudo revela caminho para tratar déficits respiratórios em pacientes com Parkinson

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP descobriram um possível caminho para tratar déficits respiratórios em pacientes com Doença de Parkinson – um sintoma pouco estudado, mas que pode levar a complicações graves como a pneumonia, uma das principais causas de óbito nesses pacientes. Embora as dificuldades motoras sejam as manifestações mais conhecidas da doença, a pesquisa revelou que também ocorrem problemas respiratórios durante o sono – o que ainda não possui um tratamento eficaz. O estudo, publicado na revista iScience, mostrou que a estimulação seletiva de um núcleo cerebral foi capaz de reverter essas falhas respiratórias em camundongos, apontando para novas possibilidades terapêuticas.

“As complicações respiratórias no Parkinson geralmente surgem em estágios mais avançados da doença e, por isso, são menos exploradas. Mas elas têm um impacto significativo na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes”, explica a professora Ana Carolina Takakura, coordenadora do estudo. “Nosso objetivo foi entender quando essas alterações acontecem e se há uma forma de revertê-las. Descobrimos que elas ocorrem exclusivamente durante o sono, e conseguimos restaurar a função respiratória nos camundongos estimulando seletivamente um grupo específico de neurônios.”

Coordenado pela professora Takakura, do Departamento de Farmacologia do ICB-USP, o Laboratório Controle Neural Cardiorrespiratório dedica-se há mais de 10 anos ao estudo de problemas respiratórios causados pelo Parkinson. Sua prevalência está relacionada com os casos de pneumonia, uma das principais causas de óbito de pacientes. “Minha formação, desde o doutorado, tem sido voltada para o controle neural da respiração. Quando comecei a estudar o Parkinson, minha pergunta fundamental era: será que, além das regiões do cérebro responsáveis pelos movimentos, as áreas que controlam a respiração também se degeneram?”, explica a pesquisadora.

Ao longo dos anos, os resultados mostraram que sim: em animais — ratos e camundongos — submetidos ao modelo experimental da doença, há uma redução na frequência respiratória, além da degeneração de alguns núcleos específicos que controlam a respiração. O grande avanço do novo estudo, liderado pela pesquisadora Nicole Miranda, foi observar a relação de tudo isso com o sono.

“Apneias respiratórias são uma consequência comum da Doença de Parkinson: afetam, junto de outras alterações no sono, cerca de 70% dos pacientes. E, apesar de serem classificadas dentro de estudos do sono, as apneias também são um problema respiratório”, explica Takakura.

Foi dessa intersecção, notada por Miranda durante seu doutorado, que surgiu a ideia de investigar se as alterações respiratórias observadas nos estudos anteriores tinham alguma relação com o ciclo de sono. Antes, não se sabia se as mudanças na respiração aconteciam quando o animal estava acordado ou dormindo. Os camundongos estudados podiam dormir durante os registros, mas esse fator não era monitorado diretamente. “Foi algo que nunca havíamos medido antes. Com os novos experimentos, conseguimos finalmente estabelecer essa relação, o que abriu uma nova perspectiva para os estudos”, diz Takakura.

Sono e Parkinson: mesmo núcleo do cérebro

O primeiro passo de Miranda foi mapear, por meio de eletroencefalogramas e eletromiografias, as fases de sono dos camundongos e, paralelamente, observar a respiração dos animais. O estudo diferenciou as fases de sono REM (movimento rápido dos olhos) e não REM, que têm características distintas em termos de atividade cerebral e tônus muscular. O que foi constatado é que as alterações na respiração observadas em estudos anteriores não só eram mais expressivas durante o sono, como aconteciam exclusivamente nesse estado. Além disso, foi analisada a quantidade de episódios de apneia, que também foi maior enquanto os animais dormiam.

Com essa informação em mãos, o grupo buscou investigar possibilidades terapêuticas por meio do estímulo seletivo de algum núcleo do cérebro. “Escolhemos o núcleo tegmental látero-dorsal, também chamado de LDT, por ser um núcleo conhecido por sua correlação forte tanto com o sono quanto com a Doença de Parkinson. E, além disso, também se projeta para as regiões respiratórias”, explica a professora.

Para realizar esse estímulo, foi injetado um vírus no núcleo LDT, fazendo com que os neurônios desejados dessa região passassem a expressar um receptor — ou seja, deixando-os “capazes de serem estimulados seletivamente”. Depois, foi aplicado um fármaco, capaz de se ligar exclusivamente ao receptor e que foi responsável por provocar os estímulos nesses neurônios. Dessa forma, as alterações respiratórias foram revertidas, bem como o aumento na quantidade de apneias.

“O núcleo LDT também sofre perda de neurônios devido à Doença de Parkinson, mas vimos que mesmo o estímulo dos neurônios restantes foi suficiente para tratar problemas respiratórios”, diz Takakura. Ela aponta que o metabólito clozapina-N-oxide (CNO) – que é gerado a partir de uma substância injetada e atua ativando seletivamente os neurônios modificados no experimento – ainda precisa ser melhor estudado quanto à segurança e eficácia em humanos.

Denominado quimiogenética, o método ainda é pouco acessível e restrito às pesquisas clínicas, mas pode ser uma possibilidade futura para tratamentos. Segundo a professora, existem, atualmente, outras possibilidades terapêuticas de estímulo cerebral, mas que afetam regiões inteiras e não apenas tipos de neurônios específicos. “Não sabemos se uma estimulação geral teria o mesmo efeito, é algo a ser investigado. De qualquer forma, a estimulação seletiva é sempre melhor, pois elimina efeitos adversos. Existem estudos trabalhando para viabilizar uma estimulação seletiva, e quando isso acontecer, será um grande passo para o tratamento dos sintomas do Parkinson.”

Hoje, um dos tratamentos para o Parkinson é a estimulação cerebral profunda, utilizada para melhorar os sintomas motores da doença. No entanto, essa abordagem não trata diretamente as alterações respiratórias, que continuam sem uma solução terapêutica eficaz. Para o futuro, Takakura pretende caracterizar as alterações de sono em humanos, em uma parceria com o Instituto do Coração (InCor) e com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).

O artigo Sleep-related respiratory disruptions and laterodorsal tegmental nucleus in a mouse model of Parkinson’s disease está acessível neste link.

*Da Assessoria de Comunicação do ICB, adaptado para o Jornal da USP

FONTE: Jornal da USP

Exercício aeróbico combate crescimento tumoral e melhora função muscular

O treinamento físico aeróbico, que envolve atividades como caminhada, corrida e ciclismo, é uma forma de exercício que melhora a capacidade cardiovascular e a resistência física. Esse tipo de treinamento tem sido considerado uma terapia complementar ao tratamento do câncer, demonstrando benefícios significativos não apenas na prevenção da doença, mas também no aumento da sobrevida de pacientes já diagnosticados.

Um estudo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP verificou como o treinamento físico aeróbico pode contribuir para a redução do crescimento tumoral e para a melhora no quadro de perda de massa e função muscular – aspecto importante que pode levar o paciente à caquexia. O estudo, desenvolvido em modelo animal, constatou que o exercício aeróbico foi capaz de desacelerar significativamente a progressão do tumor e melhorar a sobrevida dos animais com câncer, além de prevenir a perda de capacidade funcional.

Estrutura experimental

Um dos efeitos clássicos do exercício aeróbico é a capacidade de reduzir a hiperatividade do sistema simpático (sistema que regula alguns processos do corpo de forma automática, como pressão arterial e a frequência respiratória) e promover a restauração da função autonômica em diferentes doenças crônicas. No câncer, a atividade excessiva do sistema simpático pode acelerar o crescimento tumoral e impactar a dinâmica de manutenção da massa muscular, podendo levar à caquexia, síndrome multifatorial que piora o prognóstico e aumenta a mortalidade.

Pensando nisso, o trabalho realizado por Gabriela Silva Borges, sob orientação da professora Patrícia Chakur Brum, partiu da hipótese de que o treinamento físico aeróbico poderia atuar nos efeitos do câncer por meio da modulação da atividade simpática. O estudo foi realizado em camundongos, parte dos quais recebeu as células de carcinoma de cólon via injeção subcutânea.

A pesquisadora Gabriela Borges buscou relacionar os efeitos do câncer e a modulação da atividade simpática. Foto: Guilherme Viana

O trabalho foi dividido em dois subprojetos. O primeiro buscava investigar se a atividade do sistema nervoso simpático influencia o crescimento do tumor e a saúde dos músculos. Para isso, os camundongos foram divididos em três grupos:
  1. Animais saudáveis que receberam as células de câncer;

  2. Animais que receberam células de câncer e foram tratados com um bloqueador dos receptores  β2-adrenérgicos, que reduz a sinalização da epinefrina e norepinefrina – hormônio e neurotransmissores do sistema nervoso simpático nos tecidos;

  3. Animais saudáveis que não receberam células de câncer, mas sim solução salina apirogênica 0,9% (controle);

A ideia era comparar como a atividade simpática afeta o tumor e a função muscular nesses diferentes grupos. Após 12 dias, foram coletadas amostras do tumor e de alguns músculos para medir a massa e analisar a expressão de proteínas envolvidas na sinalização adrenérgica.

O Subprojeto 2 teve como objetivo investigar como o treinamento físico aeróbico afeta o crescimento do tumor, a massa corporal e a função muscular, além de analisar a sinalização adrenérgica (ativação de receptores pelo sistema epinefrina/norepinefrina) no tumor e nos músculos. Nessa etapa, os camundongos foram divididos em quatro grupos:

  1. Animais saudáveis treinados, que receberam solução salina (controle treinado);

  2. Animais treinados injetados com as células tumorais;

  3. Animais saudáveis não treinados (controle não treinado);

  4. Animais não treinados injetados com as células tumorais.

No Grupo 2, as células tumorais foram injetadas após 8 semanas de treinamento físico e 2 dias de descanso. Durante 20 dias, foram realizadas medidas do volume do tumor e da massa corporal. No início e ao final do protocolo, foram avaliadas a capacidade de corrida e a função muscular. Também foram coletadas amostras do tumor e dos músculos para verificar a massa e estudar a sinalização adrenérgica, além de órgãos como as glândulas adrenais, linfonodos e baço.

O potencial do treinamento físico aeróbico

Com base nos dados obtidos nos experimentos, observou-se uma redução significativa no crescimento tumoral nos camundongos submetidos ao treinamento físico aeróbico, em comparação com o grupo não treinado. O volume tumoral, analisado ao longo do tempo, apresentou uma diferença marcante entre os grupos. Além disso, a análise de sobrevida revelou que os animais que realizavam o treinamento apresentaram uma sobrevida aumentada com relação ao outro grupo.

Outro resultado importante foi a conclusão de que, embora o treinamento físico não tenha alterado a massa muscular, ele promoveu melhorias na função muscular, como o comprimento da passada com relação ao grupo controle. Isso sugere que o exercício contribui para um ambiente interno mais favorável, ajudando a combater os efeitos negativos do câncer.

O estudo reforça que o exercício aeróbico pode ser um grande aliado ao tratamento do câncer – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A pesquisa concluiu que o treinamento físico aeróbico ajudou a manter a função muscular e a capacidade de corrida em um modelo experimental de câncer, além de reduzir o crescimento tumoral e aumentar a sobrevida dos animais. Os achados corroboram com estudos anteriores da área sobre os benefícios do treinamento físico aeróbico na redução do crescimento tumoral, na melhora da sobrevida e na performance motora em modelos experimentais de câncer. Com a pesquisa, no entanto, não foi possível identificar uma relação clara entre a sinalização adrenérgica no tumor e nos músculos.

Os resultados podem impactar positivamente na reprodutibilidade e confiabilidade de estudos futuros, destacando o treinamento físico aeróbico como uma estratégia complementar promissora no tratamento do câncer.

O estudo intitulado “Efeito do treinamento físico aeróbico na atividade nervosa simpática dos tecidos tumoral e muscular esquelético em modelo experimental de câncer” está disponível no banco de teses da USP e pode ser acessado na íntegra clicando aqui. 

Todos os procedimentos experimentais executados nesta pesquisa estão de acordo com o Guia Brasileiro de Produção, Manutenção ou Utilização de Animais em Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica do CONCEA para o manejo de animais de laboratório e foram avaliados e aprovados pela CEUA da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP).

*Estagiário sob supervisão de Paula Bassi, da Assessoria de Comunicação da EEFE 

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Novas moléculas podem ser promissoras para tratamento da osteoporose

Proteínas recombinantes BMP-7 e PDGF-BB foram utilizadas pela primeira vez como terapia contra a osteoporose em modelos animais, que tiveram fortalecimento da estrutura óssea deficiente

Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da USP, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e de outras instituições testou, pela primeira vez, a eficácia de um tratamento combinado de duas proteínas recombinantes contra a osteoporose em um modelo animal. O tratamento com as proteínas BMP-7 e PDGF-BB foi feito em ratas que tiveram os ovários retirados e desenvolveram obesidade e osteoporose. Os resultados do estudo demonstraram aumentos significativos no volume e densidade ósseos das ratas, o que indica uma reversão parcial no quadro da osteoporose. A descoberta pode ser a chave para novas opções terapêuticas contra a degeneração óssea – o que ainda precisará ser comprovado em estudos clínicos futuros.

A osteoporose é uma doença que afeta aproximadamente 200 milhões de pessoas no mundo, com maior prevalência em mulheres após a menopausa e idosos. É caracterizada pela perda de massa e degeneração do tecido ósseo, o que pode levar a um maior risco de fraturas e, consequentemente, maior morbidade e mortalidade nesta população. Por conta disso, a exploração de novas opções de tratamento é necessária para garantir maior qualidade de vida e longevidade aos indivíduos acometidos pela condição.

Hoje, as terapias disponíveis no mercado são divididas em duas categorias: medicamentos antirreabsorção óssea e drogas anabólicas, que estimulam a formação de ossos. Em um tecido ósseo saudável, há um equilíbrio entre os processos de destruição e reconstrução óssea, que garantem a absorção de compostos importantes para o organismo, como o cálcio, e também a substituição de estruturas velhas por outras mais novas. Nas pessoas com osteoporose, no entanto, o desequilíbrio entre estas duas atividades faz com que mais tecido seja degradado – ou reabsorvido – e as células não consigam repor esta massa óssea na mesma proporção.

Neste contexto, as drogas antirreabsorção agem no sentido de evitar que o tecido seja naturalmente destruído – o que não resolve o problema da reposição, no entanto. Já as terapias que estimulam a formação dos ossos, por sua vez, são efetivamente capazes de reverter o quadro de osteoporose. Os medicamentos já comercializados deste tipo, porém, costumam provocar muitos efeitos adversos nos pacientes – sendo os mais importantes o aumento do risco de doenças cardiovasculares, problemas gastrointestinais e reduções do volume ósseo após a descontinuação do seu uso.

O tratamento com BMP-7 e PDGF-BB, que também atuam na formação de massa óssea, mostrou-se uma potencial alternativa às drogas comerciais atuais.

Proteínas combinadas

A BMP-7 e o PDGF-BB pertencem a uma classe de moléculas chamada de Peptide Growth Factors (do inglês Fatores Peptídicos de Crescimento), que desempenham papéis importantes no desenvolvimento de embriões e na regeneração e formação dos ossos. A família das BMPs (Bone Morphogenetic Proteins) é responsável pela regulação e equilíbrio no tecido ósseo, além do reparo de cartilagens, desenvolvimento embrionário, proliferação e diferenciação celular, entre outras funções conhecidas. No caso específico da BMP-7, sabe-se que ela induz a diferenciação de células-tronco em linhagens celulares que dão origem aos ossos (osteócitos). Já a família de PDGFs (Platelet-Derived Growth Factors) exerce uma função de sinalização química nos tecidos, com importante papel na sua cicatrização. O PDGF-BB, em particular, desempenha um papel crucial no reparo da pele e de outros tecidos moles, além de fraturas ósseas, pois regula quais células e moléculas devem ser recrutadas para restaurar o tecido danificado.

Devido a essas propriedades conhecidas e bem-descritas na literatura, as duas proteínas foram escolhidas para o estudo publicado na revista científica Biomolecules. Segundo Mari Cleide Sogayar, professora sênior do IQ e autora correspondente do artigo, “essas proteínas atuam ao nível de seus receptores, que ficam na  membrana das células. Assim, quando elas se ligam ao seu receptor, isso desencadeia uma cascata de sinalização até o núcleo, onde irá ocorrer a transcrição gênica”. Em outras palavras, essa cascata representa uma sequência de reações bioquímicas que indicam para a célula o que ela deve fazer; neste caso, produzir novos ossos.

Após a escolha e síntese dessas duas proteínas recombinantes, chamadas genericamente de biofármacos, os pesquisadores induziram artificialmente a osteoporose em ratas, através da remoção de seus ovários. Em seguida, foram desenhados diferentes protocolos de administração das proteínas. O ensaio contou com a aplicação conjunta e individual das duas moléculas em diferentes doses e intervalos de tempo. Ao final, descobriu-se que o tratamento conjunto de BMP-7 e PDGF-BB aumentou efetivamente o volume e a densidade óssea neste modelo animal.

Pesquisa em biofármacos

O laboratório da professora Mari Cleide Sogayar, sediado atualmente na FMUSP, é um dos poucos no Brasil que se dedica à produção e pesquisa em biofármacos – isto é, proteínas recombinantes sintetizadas artificialmente em culturas de células, com propriedades biológicas e aplicações terapêuticas. Segundo ela, essa área ainda é pouco explorada no País, mas também muito importante no contexto nacional. “Aqui, nós produzimos moléculas para tratamento da hemofilia, hormônios utilizados em reprodução assistida e até biofármacos para controle da diabetes”, diz.

O grupo faz pesquisa com eles, mas também parcerias com empresas para o desenvolvimento de produtos comerciais e obtenção de patentes, visando à medicina regenerativa. Para os pesquisadores, os biofármacos representam uma revolução em termos de ciência e saúde, e merecem maior atenção por parte da população e também das autoridades nacionais.

O artigo Recombinant Human Peptide Growth Factors, Bone Morphogenetic Protein-7 (rhBMP7), and Platelet-Derived Growth Factor-BB (rhPDGF-BB) for Osteoporosis Treatment in an Oophorectomized Rat Model está disponível neste link.

Mais informações: mcsogayar@gmail.com; mcsoga@iq.usp.br, com Mari Cleide Sogayar.

 

*Por Bruna Larotonda, da Assessoria de Comunicação do IQ. Adaptado para o Jornal da USP

FONTE: Jornal da USP

Perda auditiva é associada a declínio cognitivo mais acelerado

Dados do contexto brasileiro, coletados em estudo de longa duração, reforçam relação entre escutar pior e sofrer perdas cognitivas. Pesquisadoras enfatizam necessidade de prevenção da perda auditiva, especialmente na meia-idade

Escutar pior com o passar dos anos é comum. A partir dos 40, por exemplo, nossa audição já começa a ficar menos afiada para frequências mais altas, que são os sons mais agudos. Aos 60 anos, em média 12% da população já terá tido uma perda importante, número que cresce para 58% aos 90. Nem por isso a perda auditiva deve ser considerada algo trivial, já que é fator de risco para outros problemas de saúde, inclusive demência. Uma pesquisa liderada pela USP amplia com dados da população brasileira um corpo de evidências cada vez mais forte sobre a associação desta perda ao declínio cognitivo, alertando que os sistemas de saúde precisam investir na prevenção.

A pesquisa foi feita com dados do Elsa-Brasil, um estudo que acompanha os participantes em diferentes momentos por vários anos. As avaliações incluíram 805 pessoas com idades iniciais de 34 a 74 anos e foram realizadas em três momentos ao longo de oito anos (2008/2010, 2012/14 e 2017/19). Todos passaram por audiometria e também por testes de desempenho cognitivo envolvendo memória, fluência verbal e função executiva, que inclui diversos processos como o raciocínio e solução de problemas. Também foram coletadas informações sobre estado de saúde e variáveis sociodemográficas como idade, sexo, raça e educação.

Após o tratamento estatístico, isolando as variáveis de saúde e estilo de vida, os dados confirmaram que houve declínio cognitivo global mais acentuado relacionado à perda auditiva. Os resultados foram publicados em artigo no Journal of Alzheimer’s Disease, trazendo como primeira autora a fonoaudióloga Alessandra Samelli, professora da Faculdade de Medicina (FM) da USP.

Alessandra destaca como um dos pontos fortes do estudo o fato de ter sido feito o chamado acompanhamento longitudinal. “Esse tipo de acompanhamento ao longo do tempo gera evidências mais robustas.” Também autora do trabalho e professora da FMUSP, a médica Claudia Suemoto ressalta que a pesquisa, além de trazer dados do contexto nacional, realizou testes de audiometria, uma maneira objetiva de medir problemas de audição – ao contrário de estudos anteriores que coletaram o dado por entrevista, ou seja, perguntando à pessoa se ela sente que a audição piorou.

Redução nos casos de demência para cada fator de risco eliminado

A Comissão Lancet sobre prevenção, intervenção e tratamento da demência mostra os fatores de risco e indica que quase metade de todos os casos de demência no mundo poderiam ser prevenidos ou retardados ao controlar 14 fatores modificáveis Gráfico adaptado de The Lancet, Vol. 404, No. 10452. Disponível em https://www.thelancet.com/infographics-do/dementia-risk

 

Prevenção da perda

De acordo com Alessandra Samelli, os mecanismos que levam à associação entre perda auditiva e declínio cognitivo ainda precisam ser mais bem elucidados, mas os dados existentes são suficientes para incentivar um foco maior na prevenção, principalmente para grupos mais vulneráveis.

“Por exemplo, alguém que trabalhou a vida toda em ambiente com ruído e não usou adequadamente os equipamentos de proteção auditiva, muito provavelmente vai ter uma perda auditiva maior. Uma pessoa com problemas cardiovasculares também tem maiores chances de apresentar perda auditiva, pois estas doenças podem prejudicar o sistema auditivo, podendo resultar em uma queda maior da audição. Ou alguém que ao longo da vida usou muitos medicamentos que são tóxicos ao ouvido”, diz ela, acrescentando entre hábitos nocivos – e que podem ser modificados – utilizar fones de ouvido com som alto – o que às vezes começa ainda na adolescência. “Se você diminui ou impede que esses fatores de risco aconteçam, pode diminuir a probabilidade de a pessoa ter o declínio cognitivo”, completa a fonoaudióloga.

Claudia Suemoto é outra a bater na tecla da prevenção, e lembra que os estudos têm mostrado que a perda auditiva mais importante para o declínio cognitivo é a que ocorre na meia-idade, dos 40 aos 65. “A perda numa pessoa de 70 ou 80 anos também é importante, claro. Mas dados consistentes de estudos prévios apontam que realmente a meia-idade seria uma janela importante, ou seja, o que poderia influenciar mais o declínio cognitivo é você ter começado a perder a audição na meia-idade, e não a perda que você já teve lá na frente.” Para ela, colocar o aparelho auditivo nos idosos, apesar de importante por outros aspectos, talvez não seja um meio tão eficaz de prevenir a perda cognitiva.

Menos input e mais isolamento

Uma das hipóteses mais aceitas sobre porque a perda auditiva influencia na perda cognitiva é a diminuição de estímulos ao cérebro. “Você pode pensar no cérebro como um computador que tem suas fontes de entrada, ou input. No computador são o teclado, a câmera, o microfone. E o cérebro tem suas fontes de entrada de estímulos: auditivo, visual, tátil. Então quando você tira uma fonte, principalmente a auditiva, acaba estimulando menos o cérebro e isso é um problema”, diz a médica.

“Primeiro, há menos coisa chegando fazendo com que seu cérebro trabalhe, acione a comunicação entre os neurônios. Temos estudos com ressonância magnética funcional mostrando que a pessoa que ouve menos tem áreas mais dormentes, menos ativas no cérebro, como a da linguagem.”

Além disso, explica Claudia, “secundariamente, a pessoa que ouve menos tende a se isolar, a interagir menos. Consequentemente a pessoa é menos requisitada, ela se expressa menos, porque não é capaz de entender ou funcionar num nível esperado em termos auditivos”.

Perda cognitiva: outros fatores

Especialista em envelhecimento cerebral, Claudia Suemoto conta que os dados do Elsa têm sido úteis para vários estudos que investigam fatores associados ao desenvolvimento das demências.

“Já fizemos vários estudos sobre dieta, relacionando, por exemplo, o consumo de ultraprocessados à perda cognitiva e também à depressão. E mostramos ainda em dois trabalhos a associação de problemas cardiovasculares, como aterosclerose, ao declínio cognitivo, além de fazer outras pesquisas com dados do Elsa que não se referem ao aspecto cognitivo.

O artigo Hearing loss and cognitive decline in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil) during eight years of follow-up pode ser lido aqui. Para saber mais sobre o Elsa Brasil, acesse o site.

Mais informações: e-mail alesamelli@usp.br., com Alessandra Samelli; e cksuemoto@usp.br, com Claudia Suemoto

FONTE: Jornal da USP

Estimulação neural potencializa o treinamento motor em pacientes com Parkinson

Testes mostram que a estimulação neural ajuda a melhorar a atividade neurológica e o equilíbrio de indivíduos com Parkinson

A doença de Parkinson é um distúrbio neurológico, crônico e progressivo que prejudica o sistema nervoso central, danificando a movimentação e o equilíbrio. Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que 8,5 milhões de pessoas no mundo sofriam com a doença, um número alarmante que aumenta a cada ano. Portanto, o desafio dos pesquisadores é encontrar novos tratamentos que ajudem a melhorar a qualidade e a expectativa de vida dos indivíduos com Parkinson.

Um estudo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), conduzido por Núbia Ribeiro da Conceição e orientado pelo professor Luis Augusto Teixeira, avaliou os efeitos da Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC) em diferentes intensidades no cerebelo de voluntários com a doença. Trata-se de um tratamento não farmacológico, técnica não invasiva e indolor que utiliza correntes elétricas de baixa potência para aumentar a atividade cerebral.

Ao aplicar o tratamento em pessoas com a doença de Parkinson, os pesquisadores verificaram ganhos de equilíbrio corporal e a ativação do córtex pré-frontal em múltiplas sessões de treinamento de estabilidade combinadas com estimulação transcraniana no cerebelo (ECTCC). O experimento resultou em melhorias do equilíbrio em situações desafiadoras e melhor utilização do córtex cerebral no controle da postura. A conclusão foi que a adição da ECTCC a exercícios motores potencializou os ganhos no desempenho motor em pacientes com a doença.

O cerebelo como ponto de partida

Em relação ao Parkinson, Conceição afirma que “o papel do cerebelo ganhou mais atenção apenas na última década, com evidência de seu envolvimento em sintomas motores e não motores associados à condição”. O cerebelo está diretamente relacionado à coordenação sensório-motora por vias conectadas ao córtex motor, que passam por regiões cerebrais envolvidas na movimentação e que são prejudicadas pela doença.

Estudos dão mais importância para o cerebelo como chave para o tratamento do Parkinson – Foto: Shutterstock

A pesquisadora afirma que o órgão desempenha um papel crucial no controle motor, na integração sensorial e na coordenação de atividades de diferentes grupos musculares. Portanto, a hipótese levantada foi de que a utilização da estimulação neural, associada a intervenções físicas, aumentaria a conectividade e a ativação das regiões cerebrais responsáveis pelo controle motor, resultando em ganhos de estabilidade do equilíbrio corporal.

Foram recrutadas 46 pessoas de ambos os sexos e com faixa etária entre 50 e 80 anos. Os voluntários foram distribuídos em três grupos: o primeiro recebeu a ECTCC com intensidade de 2mA (miliampère, uma unidade que mede a potência da corrente elétrica, equivalente a um milésimo de ampère); o segundo com 4mA; e o terceiro a ECTCC simulada (sham), isto é, um grupo de controle que não receberia estimulação ativa.

Treinamentos de equilíbrio

Os voluntários fizeram visitas ao laboratório, com análises clínicas e verificação dos critérios de inclusão e também sessões de treinamento e avaliações realizadas antes e depois das sessões de neuroestimulação, que eram associadas ao treinamento de equilíbrio dinâmico. Durante a prática, foram posicionados os eletrodos de estimulação e a touca de neuroimagem, instrumento utilizado para monitorar a atividade neural.

Treinamento pode ter melhorado a utilização da via responsável pela movimentação e a retomada do controle automático da postura – Foto: Núbia Ribeiro da Conceição

Futuro promissor

Para verificar os efeitos progressivos, sessão a sessão, foram realizados testes em superfície maleável que requisitavam controle do equilíbrio estático e dinâmico.

Foram avaliados o controle do equilíbrio corporal através dos dados do centro de pressão coletados pela plataforma de força, além da atividade do córtex pré-frontal durante a execução das tarefas.

Ao final do programa de treinamento, no último dia, a avaliação dos ganhos cumulativos foi realizada com tarefas em superfície rígida, requisitando novamente o controle em postura quieta e dinâmica sobre a plataforma de força.

Após análise dos resultados, a pesquisadora concluiu que a utilização da neuroestimulação durante seis sessões de treinamento de equilíbrio dinâmico potencializou os benefícios da intervenção motora em pessoas com a doença de Parkinson em comparação àqueles que não receberam a estimulação ativa. Destaca-se, ainda, que a ECTCC de 4mA produziu efeitos positivos em maior magnitude e mais rapidamente do que o grupo que recebeu a intensidade de 2mA.

“Acreditamos que a intensidade de 4mA foi mais efetiva em excitar as conexões intracerebelares, tendo em vista que o predomínio de distúrbios posturais e locomotores na doença de Parkinson parecem estar associados a uma conectividade intracerebelar diminuída”, afirma Conceição. A pesquisadora explica que a intensidade de 4mA pode ter promovido maiores ativações e conexões das vias cerebelares ligadas ao córtex motor, ocasionando uma coordenação sensório-motora mais eficaz e fortalecida.

Os dados também indicaram que a ECTCC, associada às intervenções físicas, pode ter melhorado a utilização da via responsável pela movimentação e a retomada do controle automático da postura, uma vez que diminuiu a ativação do córtex pré-frontal, que atua com recursos de atenção e raciocínio para compensar os comprometimentos de controle do equilíbrio ocasionados pela redução da automaticidade. Sendo uma técnica que não causa desconforto ou efeitos adversos significativos, a ECTCC mostrou-se segura e eficiente – uma ferramenta complementar, ajudando em ganhos mais expressivos e de maneira mais rápida.

O trabalho, intitulado Efeitos de múltiplas sessões de estimulação cerebelar transcraniana por corrente contínua durante treinamento de equilíbrio dinâmico sobre ganhos de equilíbrio corporal e ativação cortical em pessoas com doença de Parkinson pode ser acessado na íntegra no Banco de Teses da USP por meio deste link.

*Estagiária sob supervisão de Paula Bassi. Adaptado para o Jornal da USP
Da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE