Tarefas cognitivas têm prioridade quando há atividade física

Em testes, atletas mantiveram precisão e tempo de resposta nas tarefas cognitivas, mas a performance física foi impactada pelas atividades simultâneas

Um estudo realizado pelas pesquisadoras Lara de Souza e Luciane Aparecida Moscaleski, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, analisou como o cérebro reage quando precisa executar, ao mesmo tempo, uma tarefa física e uma tarefa cognitiva. A atividade elétrica do cérebro foi monitorada por eletroencefalograma (EEG), com foco em diferentes faixas de frequência, e medidas de esforço físico e mental, tempo de resposta e precisão em tarefa de controle cognitivo, e desempenho físico foram registradas. Os resultados revelaram que os atletas conseguiram manter a precisão e o tempo de resposta nas tarefas cognitivas, mas a performance física foi impactada durante a tarefa simultânea, sugerindo uma priorização de certas funções cerebrais em relação ao corpo. Quando o corpo está sob pressão, o cérebro parece “roubar a cena”.

A Teoria do Cérebro Egoísta explica que, em momentos de escassez de energia, o cérebro tende a priorizar seu próprio funcionamento para garantir que suas funções essenciais continuem ativas. Essa estratégia faz com que ele direcione a maior parte dos recursos energéticos para si mesmo, mesmo que isso cause uma diminuição no desempenho físico do corpo.

A pesquisa, orientada pelo professor Alexandre Moreira, foi conduzida com 13 atletas que estavam treinando para competições por pelo menos seis meses ininterruptos, entre 18 e 40 anos. Eles participaram de três sessões em laboratório: uma para familiarização e coleta de dados e duas experimentais. Em uma das sessões experimentais, realizaram as tarefas físicas e cognitivas de forma isolada; na outra, executaram as duas simultaneamente. A ordem foi randomizada para evitar interferências.

A tarefa física consistiu em pedalar durante 12 minutos em uma bicicleta ergométrica com carga ajustada para o peso e sexo dos participantes. Após um breve aquecimento, os atletas foram orientados a manter o maior ritmo possível durante todo o exercício, enquanto a cadência era registrada em intervalos regulares. Já a tarefa cognitiva era realizar uma versão adaptada da tarefa de Stroop, na qual os participantes precisavam identificar rapidamente a cor da palavra exibida na tela, ignorando o significado da palavra em si.

Participantes da pesquisa perceberam um esforço mental maior durante o experimento, mas não sentiram maior esforço físico – Foto: Lívia Borges/EEFE

Cérebro egoísta

Quando as tarefas eram feitas de forma simultânea, os dados de EEG mostraram um aumento das ondas cerebrais de baixa frequência (frequências lentas), associadas a atenção distribuída e controle motor, e uma redução das ondas mais rápidas, que modulam comportamentos como o raciocínio lógico, atenção seletiva e memória de trabalho (operacional). Além disso, houve um aumento da razão entre as ondas teta (frequência lenta) e beta (frequência alta) (TBR), marcador que pode indicar maior esforço atencional e carga cognitiva.

Os atletas não relataram maior percepção de esforço físico durante a tarefa combinada, mas um aumento perceptível de carga mental. Isso indica que o corpo pode manter uma sensação de esforço constante, mesmo com queda de desempenho físico, devido à redistribuição interna de recursos.

A forma como os atletas modularam sua cadência durante o exercício físico sugere uma adaptação estratégica: ao perceber o aumento da exigência mental, eles naturalmente reduziram o ritmo físico. Interessantemente, este ajuste no ritmo ocorreu desde o início da atividade simultânea.

Foi possível observar que os resultados corroboram a Teoria do Cérebro Egoísta. Isso porque o ritmo de pedalada variou ao longo do tempo na condição de tarefa simultânea, e foi inferior ao da tarefa física isolada; enquanto na tarefa física isolada o desempenho foi mais constante e o ritmo mais alto, o que sugere que, diante da necessidade de realizar tarefas físicas e mentais ao mesmo tempo, o cérebro tende a direcionar mais energia e recursos para si, mesmo que isso reduza o desempenho físico, como ocorreu no estudo.

O estudo também reforça a necessidade de pensar o desempenho esportivo não apenas do ponto de vista físico, mas também cognitivo e cerebral. Atletas que enfrentam situações de alta exigência mental, como as que ocorrem em competições oficiais, seja nos jogos coletivos, modalidades de combate, modalidades de endurance, ou esportes de precisão, podem se beneficiar ao treinar sob condições de esforço físico e mental simultâneo. Para os autores, treinos que simulam esses desafios, bem como o uso de tecnologias como EEG para monitorar o funcionamento cerebral, podem abrir novos caminhos para otimizar desempenho e prevenir sobrecargas mentais em contextos de alta pressão.

Mesmo com essas descobertas é necessário ter cautela, visto que o número de atletas foi pequeno e envolveu várias modalidades, o que limita as generalizações. Estudos futuros devem confirmar se as medidas do EEG realmente capturam esse “conflito” cérebro-corpo de forma confiável. O artigo The competition between brain and body: Does performing simultaneous cognitive and physical tasks alter the cortical activity of athletes compared to performing these tasks in isolation? foi publicado pela revista Physiology & Behavior e pode ser acessado na íntegra clicando aqui.

*Guilherme Ike, estagiário sob Supervisão de Paula Bassi, Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE. Adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Células de tumor agressivo são eliminadas por composto à base de metal raro

Testado em laboratório por cientistas brasileiros, substância não afeta células saudáveis, podendo abrir caminho para tratamentos mais seguros e eficazes do melanoma

Pesquisadores brasileiros estão mais próximos de oferecer uma nova esperança para o tratamento do melanoma, o tipo mais perigoso de câncer de pele. Em um estudo publicado na revista Pharmaceuticals, os cientistas mostraram que uma substância criada em laboratório, que combina o metal rutênio e uma molécula derivada de um composto orgânico, a antraquinona, foi capaz de interromper o crescimento de células de melanoma e ainda induzir sua morte.

O melanoma é considerado um dos cânceres de pele mais agressivos por sua alta capacidade de se espalhar para outras partes do corpo. Apesar dos avanços recentes em tratamentos como a imunoterapia e medicamentos-alvo, muitos pacientes ainda enfrentam limitações, seja pela baixa resposta clínica ou pelos efeitos colaterais severos. Por isso, o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas segue sendo uma das grandes prioridades da ciência médica.

O composto desenvolvido pelos pesquisadores atua como uma espécie de bloqueio para as células tumorais. Em condições normais, as células do corpo passam por diversas etapas para crescer, se dividir e se multiplicar. O novo composto interrompe esse ciclo logo no início, impedindo que as células do melanoma avancem em sua multiplicação.

Um dos grandes diferenciais desse novo composto é sua seletividade. Enquanto os tratamentos convencionais contra o câncer, como a quimioterapia, costumam afetar tanto células doentes quanto saudáveis, provocando efeitos colaterais como queda de cabelo, náuseas e fadiga, os testes laboratoriais com a nova substância indicaram uma ação preferencial sobre as células de melanoma, com mínima interferência nas células normais.

Composto impede que as células doentes cresçam e se multipliquem, sem afetar as células saudáveis, com interferência mínima nas células normais – Imagem: Extraída do artigo

Menos toxicidade

O rutênio é um metal de transição ainda pouco conhecido pelo grande público, mas que apresenta propriedades químicas interessantes. Diferentemente de outros metais utilizados em terapias anticâncer, como a platina, compostos de rutênio podem ser menos tóxicos e mais eficazes na identificação e destruição seletiva de células tumorais.

O estudo reforça o papel da química medicinal e da química bioinorgânica na criação de moléculas inteligentes, que interagem de maneira mais precisa com alvos celulares, ampliando as possibilidades de tratamentos mais seguros e eficazes. Até o momento, o composto foi testado apenas em células cultivadas em laboratório. Segundo o professor Javier Ellena, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), que participou da pesquisa, ainda será necessário avançar para testes em modelos animais e, posteriormente, em humanos – um processo que pode levar vários anos.

Ainda assim, os cientistas estão otimistas, pois os resultados iniciais apontam para uma estratégia promissora na luta contra o melanoma. Se os próximos testes confirmarem o potencial da substância, ela poderá, no futuro, tornar-se uma alternativa mais eficaz e menos agressiva no combate ao câncer de pele mais perigoso.

Estrutura da molécula do composto criado para atuar contra células tumorais de câncer de pele, que contém rutênio, um metal raro, e um derivado de antraquinona, composto orgânico – Imagem: Extraída do artigo

O estudo contou com a colaboração de pesquisadores de diversas instituições de ensino e pesquisa do País, incluindo o Instituto de Química da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), em Minas Gerais, o Departamento de Ciências Biomédicas da Unifal, o Departamento de Química da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o Instituto de Química (IQ) da USP, o IFSC e o Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), também em Minas. Para acessar o artigo científico completo, publicado na Pharmaceuticals, clique no link.

Mais informações: javiere@ifsc.usp.br, com o professor Javier Ellena

* Por Rui Sintra, da Assessoria de Comunicação do IFSC, adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Alopecia areata: controvérsias na abordagem indicam necessidade de melhores diretrizes

Doença que causa queda de cabelo pode estar associada a outras condições autoimunes; utilização de exames laboratoriais para diagnóstico não é consenso entre especialistas

A alopecia areata é uma condição autoimune que causa a perda de cabelo em placas arredondadas ou ovais, podendo também afetar as sobrancelhas e pelos do corpo de forma variável. Ela é um dos nove tipos de alopecia mais conhecidos, atingindo cerca de 1% a 2% da população.

Porém, a prática clínica ainda enfrenta contradições: algumas diretrizes internacionais de referência, como a da Associação Britânica de Dermatologia (BAD), desaconselham testes laboratoriais de rotina em pacientes com alopecia areata, devido à possível oneração do sistema público. “A solicitação de investigação laboratorial é muito controversa e variável entre especialistas”, afirma Isabella Doche, médica dermatologista e doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina (FM) da USP. Evidências recentes têm associado a este tipo de alopecia outras condições autoimunes, o que preocupa a pesquisadora.

Isabella está entre os três brasileiros que participaram de uma ampla revisão sobre o tema, publicada no Jornal JEADV Clinical Practice. O estudo reuniu dados de 30 especialistas de 14 países e seis continentes, sistematizando informações demográficas sobre os profissionais, os métodos de avaliação da gravidade da alopecia areata e a exigência de exames laboratoriais; 80% dos participantes atuavam com foco em couro cabeludo: embora a tricologia não seja uma subespecialidade reconhecida, ela é parte do hall de doenças de pele e dermatologistas se subespecializam em ambulatórios para conferir tratamentos mais específicos e detalhados para os pacientes.

Os resultados indicam uma alta taxa de testes para condições autoimunes (50,9% testaram rotineiramente, 39,3% em pacientes selecionados). “A função tireoidiana foi o que os colegas mais concordaram (75%) que deve ser pesquisada, e um hemograma completo para avaliar a condição geral de saúde do paciente foi acordado em 66%”, ressalta a médica. O estudo identificou taxas moderadas de testes para condições contributivas, como déficit nutricional (39,7% testaram rotineiramente, 38,8% em pacientes selecionados) e baixas taxas para diagnósticos alternativos (24,3% testaram rotineiramente, 50% em pacientes selecionados).

Os fatores mais decisivos para solicitar exames foram a presença de sintomas sugestivos de condições coexistentes, incerteza diagnóstica, progressão rápida da doença ou resistência ao tratamento e histórico familiar de autoimunidade.

Acompanhamento do diagnóstico

Menos de dois terços (63,6%) dos médicos informaram que se baseiam na Ferramenta de Gravidade da Alopecia (Salt, ou Severity of Alopecia Total Score, em inglês) para realizar o diagnóstico e monitorar a resposta ao tratamento. O Salt é uma escala de avaliação da perda de cabelo que vai de 0 a 100: abaixo de 20, a alopecia é leve; entre 21 e 49, moderada, e acima de 50, grave. “Um gráfico divide o couro cabeludo em quadrantes, e por ali conseguimos determinar a porcentagem de acometimento, a fim de uniformizar a gravidade da doença entre os especialistas”, explica Isabella. Acima do Salt 50, passam a ser indicados os inibidores da Janus quinase (JAK) – enzimas que desempenham papel fundamental na ativação de proteínas e na sinalização celular.

Apenas 38% utiliza o Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQI, Dermatology Life Quality Index), questionário que visa a mensurar as repercussões da doença na vida, bem-estar e saúde mental do paciente. “Ele aborda diversas questões sociais, emocionais e laborais do paciente, determinando, nos últimos sete dias, o impacto da condição na vida do doente”, informa a pesquisadora. “Um paciente que tenha pouco acometimento clínico pode ter muito impacto emocional ou vice-versa.”

Acompanhamento do diagnóstico

Pesquisas recentes demonstraram que a alopecia areata pode ter repercussões sistêmicas que vão além dos sintomas locais. “Muitos trabalhos defendem que a alopecia areata pode vir associada a outras doenças autoimunes com maior frequência, como doenças da tireoide (tireoidite de Hashimoto), distúrbios metabólicos, cardiovasculares e psiquiátricos”, relata Isabella. Levantamentos indicam que a doença da tireoide afeta aproximadamente 14% dos pacientes com alopecia areata.

Apesar de ser uma doença inflamatória com predisposição genética, fatores emocionais, traumas físicos e quadros infecciosos podem desencadear ou agravar um quadro. “Se questiona muito se o estresse causa alopecia areata, ou a alopecia areata causa estresse”, afirma Isabella.

A pesquisadora acrescenta que a evolução da alopecia areata é imprevisível: em muitos casos o cabelo volta a crescer novamente sem intervenção médica. “Em até um ano, 50% dos casos repilam espontaneamente, e muitas vezes pacientes da rede pública nem conseguiram uma consulta a tempo para fazer o diagnóstico”, aponta a cientista.

Isso porque a doença não destrói os folículos pilosos, o sistema imunológico do corpo apenas os mantêm inativos e interrompe o crescimento do cabelo – Imagem: Freepik

Entretanto, novos surtos podem ocorrer, e estudos sugerem que cerca de 5% dos pacientes perdem todos os pelos do corpo. A pesquisadora ressalta que a queda do cabelo, principalmente em mulheres, está intimamente relacionada a questões de saúde mental. A estigmatização social dos pacientes pode causar prejuízos na autoestima e na percepção de si, propiciando condições como ansiedade, isolamento e piora na qualidade de vida.

Frente à essa fragilidade, Isabella faz um alerta sobre os tratamentos não-oficiais que se disseminam na mídia. “Atualmente, temos visto um crescimento preocupante de profissionais que se autointitulam tricologistas ou especialistas em queda de cabelo e que muitas vezes indicam tratamentos sem respaldo científico com promessas falsas de crescimento capilar”, critica. “Estas pessoas desconhecem o processo patológico das doenças e visam somente o lucro nas redes sociais”, afirma.

Inovações no tratamento

A terapia sistêmica convencional para alopecia areata consiste no uso de corticoides e drogas imunossupressoras por via oral ou injeção, com o objetivo de controlar a resposta autoimune do corpo. Contudo, os inibidores da JAK são medicamentos que têm se popularizado no meio acadêmico: eles bloqueiam a atividade de enzimas que atuam na sinalização de citocinas e, consequentemente, na inflamação. Os inibidores já são um tratamento vitalício fornecido pelo SUS para tratar condições reumatológicas, mas vêm ganhando força de evidência também para o tratamento da alopecia areata.

“Eles demonstraram potencial de ajudar diversos pacientes, principalmente aqueles que não tiveram respostas com imunossupressores por um ano”, complementa; 30% a 40% dos pacientes que não eram responsivos, tiveram melhoria nos resultados. “Os testes clínicos foram feitos em pacientes já com doenças resistentes, mas se [a medicação] fosse utilizada em pacientes que não tentaram tratamento convencional, provavelmente o nível de resposta seria maior”, opina.

Atualmente, esse tipo de medicamento é mais comum nos Estados Unidos e nos países europeus, normalmente associado ao tratamento tradicional. No Brasil, embora já tenha aprovação em bula para a alopecia areata, eles podem ser prescritos em consultório particular e mediante judicialização. “Estudos recentes buscam determinar em que momento os inibidores da JAK deveriam entrar no tratamento, e alguns até questionam se não deveriam ser uma medicação de primeira linha para essa doença”, ressalta Isabella.

Os médicos concordaram que é necessário consolidar diretrizes mais coerentes para exames de triagem antes do início da terapia. Isabella complementa que é necessário desenvolver meios mais pragmáticos de avaliar o impacto e a gravidade da alopecia areata nos pacientes — principalmente à medida que a prescrição de inibidores de JAK se torna mais difundida na prática médica.

O artigo COLLAB: A Global Survey of Clinical and Laboratory Assessment in Alopecia Areata by Hair Specialists está disponível on-line e pode ser lido aqui.

Mais informações: isabelladoche@gmail.com, com Isabella Doche

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Associação entre bactérias e luz pode aumentar reação do corpo contra câncer de pele agressivo

Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e da Texas A&M University (Estados Unidos) demonstraram que a combinação de luz, bactérias e células do sistema imune pode ser uma arma poderosa contra um dos mais agressivos tipos de câncer de pele: o melanoma. A ideia é introduzir um estímulo ao sistema imunológico do organismo que possa eliminar o câncer mais rapidamente, combinado com o uso de terapia fotodinâmica (TFD). Os resultados do estudo, realizado em laboratório, são descritos em artigo da revista científica Photodiagnosis and Photodynamic Therapy.

A técnica de fototerapia dinâmica já é conhecida por utilizar substâncias sensíveis à luz (fotossensibilizadores) que, quando ativadas por luz de um comprimento específico, produzem espécies reativas de oxigênio capazes de matar células doentes. Mas os cientistas foram além: criaram um modelo celular que simula o microambiente tumoral, onde colocaram células de melanoma, macrófagos (um tipo de célula de defesa do organismo) e a bactéria Escherichia coli. Ao introduzirem a bactéria no ambiente tumoral, os pesquisadores verificaram uma mudança drástica no comportamento dos macrófagos. Sob efeito da luz e do fotossensibilizador, as células de defesa passaram a “acordar”, intensificando sua capacidade de identificar e destruir as células cancerígenas.

Para a pesquisadora Barbara Detweiler, pós-doutora sob a supervisão do professor Vanderlei Salvador Bagnato e autora principal do estudo, o mais surpreendente foi perceber que o sistema imune respondia melhor quando todos os componentes estavam juntos (macrófagos, bactéria e a luz ativando a fototerapia).

Outro ponto relevante do estudo foi a descoberta de que a ordem em que cada componente é introduzido no sistema influencia diretamente os resultados. Quando os macrófagos eram expostos à luz antes da infecção bacteriana, a eficácia diminuía, porém quando a exposição era simultânea, o efeito era potencializado.

A explicação pode estar no fato de que a bactéria, ao ser atacada, libera substâncias químicas que servem como sinalizadores para o sistema imune agir de forma mais precisa. Esses sinais parecem ser mais efetivos quando são liberados no mesmo momento em que o sistema imune é ativado pela luz. O ponto alto da pesquisa foi quando os cientistas reuniram o melanoma, macrófagos e a bactéria Escherichia coli. Nesse cenário, a fototerapia não só aumentou a toxicidade para as células cancerígenas, como também reduziu drasticamente sua sobrevivência, sendo que a resposta coordenada dos macrófagos foi essencial para esse resultado.

Tratamentos eficazes

Para o professor Bagnato, coautor do estudo, que atualmente também realiza pesquisas nos laboratórios da Texas A&M University, nos Estados Unidos, o achado pode inspirar novas estratégias terapêuticas: “A complexidade do ambiente tumoral muitas vezes é ignorada em estudos simplificados”, destaca o pesquisador. “Aqui mostramos que simular essa complexidade pode levar a tratamentos mais eficazes e, portanto, tornar os experimentos um pouco mais próximos da realidade.”

Apesar de ter sido realizado in vitro, ou seja, fora de organismos vivos, o experimento relatado no artigo oferece uma base promissora para testes em modelos animais e, futuramente, em humanos.

A ideia de usar bactérias inativadas ou modificadas para instigar o sistema imunológico e torná-lo mais eficiente contra o câncer é uma abordagem inovadora, que resgata conceitos da imunoterapia do século 19, agora combinados com alta tecnologia.

Em suma, os cientistas começam a entender melhor como manipular o microambiente tumoral para tornar os tratamentos mais potentes. “O futuro da terapia contra o câncer pode estar exatamente aí, ou seja, no uso inteligente de luz, bactérias e do próprio sistema imune”, conclui Barbara.

Experimentos com animais envolvendo este novo conceito já estão em elaboração no IFSC e na Texas A&M University, relata Bagnato. “O sistema imunológico é uma arma poderosa no combate ao câncer e se pudermos realizar isto de forma natural e sem riscos para o paciente, será fantástico”, planeja.

O artigo Enhancement of activity in the Cancer immune system due to the presence of microcomponents when Exposed to Photodynamic: An in Vitro Experiment foi publicado na revista científica Photodiagnosis and Photodynamic Therapy.

*Texto: Rui Sintra, da Assessoria de Comunicação do IFSC. Adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Fonte: Jornal da USP

Estudo indica que dieta rica em proteína pode afetar saúde dos ossos

Embora preserve músculos, dieta rica em proteína e pobre em calorias pode aumentar gordura na medula óssea; restrições na adolescência são prejudiciais à massa óssea futura

Uma dieta com alto teor de proteínas, amplamente adotada por quem busca emagrecer ou ganhar massa muscular, pode comprometer a saúde dos ossos se for combinada à restrição calórica. É o que revela o estudo Uma dieta hipocalórica e rica em proteínas tem impactos diversos nos tecidos adiposos muscular, ósseo e da medula óssea (em tradução livre)conduzido na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, publicado em 2025 na revista JBMR Plus e escolhido como o artigo do mês pela The International Bone Marrow Adiposity Society.

O trabalho foi desenvolvido durante o mestrado da nutricionista Beatriz Coimbra Romano, sob orientação do professor Francisco José Albuquerque de Paula do Departamento de Clínica Médica da FMRP. Os pesquisadores acompanharam as dietas de um grupo de ratas que seguiram diferentes padrões alimentares ao longo de oito semanas.

Os resultados indicam que, embora a dieta rica em proteínas ajude a preservar os músculos, ela agrava a perda óssea e aumenta a gordura na medula óssea, um fator associado ao risco de osteoporose.

Dietas da moda e os efeitos ocultos ao organismo

A pesquisa foi motivada por um padrão alimentar cada vez mais popular: a combinação de poucas calorias com aumento de proteínas, adotada por pessoas que buscam emagrecer sem perder massa muscular. “A restrição calórica tem sido utilizada como hábito saudável e existe evidência de que pode aumentar a expectativa de vida, mas também é comum entre pessoas que querem emagrecer por conta própria, sem acompanhamento profissional”, afirma Beatriz.

Para entender o impacto dessa estratégia sobre o organismo como um todo, os pesquisadores avaliaram três grupos de ratas: um grupo controle com alimentação normal; um com dieta de 30% a menos de calorias e outro com 30% a menos de calorias e 40% a mais de proteína. Como principal descoberta, observaram preservação da massa muscular no grupo que recebeu a dieta hiperproteica, mas com acentuada redução da massa óssea e aumento expressivo de gordura dentro da medula óssea. “Essa contradição mostra que nem sempre uma estratégia que funciona para uma parte do corpo funciona para todas”, comenta Beatriz, acrescentando que “a proteína ajuda o músculo, mas pode prejudicar os ossos em dietas restritivas.”

Por que a gordura da medula é um problema?

Segundo o professor Albuquerque de Paula, o aumento da gordura na medula óssea, também chamada de MAT (do inglês marrow adipose tissue), já é conhecido como um fator de risco para baixa densidade mineral óssea. “Diversos trabalhos mostram que há relação negativa entre gordura na medula e saúde óssea. O nosso estudo reafirma esta colocação. Os animais que apresentaram maior expansão de tecido adiposo da medula óssea mostraram menor massa óssea.”

O grupo identificou ainda que as células-tronco hematopoiéticas da medula apresentam maior potencial para se diferenciar em osteoclastos — células responsáveis pela reabsorção óssea, o que significa que o processo natural de degradação do osso pode ser acelerado.

Mais proteína nem sempre é a solução

O estudo acende um alerta importante para quem segue dietas da moda ou muda a alimentação por conta própria. “Mudanças alimentares sem orientação podem ter efeitos negativos silenciosos, como os vistos em nossa pesquisa”, alerta Beatriz.

Apesar dos resultados promissores na preservação da massa magra, os autores recomendam cautela e acompanhamento profissional ao adotar esse tipo de dieta. “É preciso considerar não apenas o benefício muscular ou a perda de gordura, mas os efeitos no organismo como um todo”, destaca o professor.

Alerta para mulheres jovens e adolescentes

A pesquisa foi realizada somente com fêmeas, por uma razão clínica: a anorexia nervosa, condição de restrição alimentar crônica, afeta principalmente mulheres jovens — fase decisiva para a formação da “poupança óssea” que será usada ao longo da vida.

“Nossos dados sugerem que a estratégia de aumentar proteínas na dieta durante a restrição calórica pode ser prejudicial à massa óssea, o que é especialmente preocupante nessa fase da vida”, reforça o professor. No entanto, é preciso considerar que este é um estudo experimental e que não pode ser extrapolado diretamente para a clínica.

A equipe continua investigando os efeitos de diferentes padrões alimentares sobre a saúde óssea. Estudos com proteína vegetal, dieta cetogênica e outros modelos estão em andamento. “Nosso objetivo é ampliar o entendimento sobre o impacto da nutrição na integridade do esqueleto”, conclui Albuquerque de Paula.

*Da Assessoria de Comunicação da FMRP

*Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Estudo identifica moléculas “desreguladas” no diabetes e no câncer de mama

Artigo de revisão analisou microRNAs desregulados em pacientes com diabetes tipo 2 e suas associações com a progressão do câncer de mama

O diabetes tipo 2 (DT2) é um distúrbio metabólico que afeta cerca de 25 milhões de pessoas na América do Sul e cerca de 387 milhões no mundo, com projeção de atingir 592 milhões de indivíduos até 2035. Embora diversas pesquisas já associem o DT2 a uma maior predisposição de desenvolvimento de vários tipos de câncer, os mecanismos celulares e moleculares específicos que ligam estas duas condições permanecem desconhecidos.

Pesquisadores da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP realizaram uma revisão de literatura sobre a conexão do diabetes tipo 2 com o câncer de mama em nível molecular, especialmente por meio dos microRNAs (miRNAs). Como essas moléculas regulam diversos processos biológicos, o estudo buscou compreender como sua desregulação em indivíduos diabéticos pode sinalizar e até contribuir para o desenvolvimento do câncer.

“Realizamos uma análise abrangente da expressão de miRNAs, levando à criação de um diagrama de Venn. O diagrama revelou 52 miRNAs desregulados no diabetes tipo 2 e 46 miRNAs desregulados no câncer de mama. Curiosamente, nove miRNAs foram identificados como sobrepostos em ambas as condições”, afirmam os pesquisadores no artigo, publicado no World Journal of Diabetes.

Os nove microRNAs “sobrepostos” – que estavam desregulados tanto no diabetes tipo 2 quanto no câncer de mama – desempenham um papel importante na regulação de processos biológicos, como a proliferação celular e a progressão do câncer. O estudo destaca a relevância dos microRNAs para melhorar o prognóstico do câncer de mama em pacientes diabéticos, apontando para o desenvolvimento de terapias gênicas específicas que possam aumentar a eficácia dos tratamentos tradicionais e prolongar a expectativa de vida.

No entanto, os cientistas ponderam: é crucial reconhecer que estudos futuros são essenciais para compreender completamente os papéis diferenciados e bidirecionais dessas moléculas na complexa interação diabetes-câncer.

Perfil molecular das doenças

Diagrama mostrou sobreposição de miRNAs desregulados tanto no diabetes tipo 2 quanto no câncer de mama – Imagem: Extraído do artigo

Diabetes tipo 2

Na diabetes tipo 2, há um aumento constante dos níveis de glicose no sangue, causado pela resistência à insulina. Isso acontece porque os tecidos do corpo, como o fígado, os músculos e o tecido adiposo, não respondem adequadamente a esse hormônio. Trata-se de uma doença complexa, cujas causas envolvem diversas partes do organismo.

Na área genética, estudos de associação genômica de grande escala identificaram mais de 500 locais no genoma relacionados à diabetes tipo 2. Essa descoberta sugere que a genética tem um papel fundamental tanto na produção de insulina quanto na progressão da doença. Exames clínicos encontraram diversos microRNAs desregulados em indivíduos com diabetes tipo 2 ou em estágios pré-diabéticos.

Um estudo, por exemplo, observou o comportamento do microRNA-126 em indivíduos saudáveis, diabéticos e pré-diabéticos, concluindo que havia reduções significativas dessa molécula nos pacientes com a doença. O miRNA-126 está associado à regulação do endotélio, uma camada celular que controla a pressão arterial e protege os vasos sanguíneos. Quando os níveis dessa molécula estão reduzidos ocorre uma disfunção endotelial, o que pode contribuir para o desenvolvimento de complicações vasculares em pessoas com diabetes tipo 2, como AVC, aneurismas e doenças cardíacas.

Outra pesquisa encontrou níveis elevados do microRNA-375 em pessoas com diabetes tipo 2 – uma molécula que afeta diretamente o pâncreas, especialmente as células responsáveis pela secreção de insulina. A secreção de insulina é o processo pelo qual esse hormônio é liberado pelas células pancreáticas, permitindo o controle da glicose. Quando o miRNA-375 está superexpresso, a liberação de insulina é comprometida, causando a resistência à insulina e a hiperglicemia (aumento contínuo do açúcar no sangue).

Câncer de mama

Já o câncer de mama se origina com a multiplicação desordenada de células anormais na mama, que se tornam células cancerígenas e formam tumores malignos capazes de invadir outros órgãos. Essa enfermidade apresenta uma grande diversidade no nível celular e genético, o que orienta o uso de diferentes estratégias de tratamento para aumentar sua eficácia e minimizar os efeitos colaterais.

As pesquisas genéticas buscam compreender o papel dos microRNAs nessas “marcas do câncer”, investigando as modificações na expressão genética e como essas moléculas ativam ou silenciam genes durante o desenvolvimento do câncer de mama.

O microRNA-145, por exemplo, impede a divisão celular descontrolada e previne comportamentos celulares que podem levar ao câncer, reduzindo o crescimento de células tumorais. No câncer de mama, estudos evidenciaram uma baixa expressão dessa molécula em pacientes acometidos pela doença. Ou seja, ao comparar tecidos mamários saudáveis e cancerígenos, os níveis de miRNA-145 eram significativamente menores nos tecidos não sadios, o que favorece a evolução e a disseminação do câncer.

Pesquisas também apontam o microRNA-10b como um biomarcador relevante, já que ele atua na regulação de genes ligados ao desenvolvimento e à migração celular.

Em experimentos com células de câncer de mama observou-se que o miRNA-10b apresenta níveis elevados nas células metastáticas – aquelas com capacidade de se espalhar pelo corpo humano. Isto é, sua desregulação estimula o avanço da doença, o que torna o miRNA-10b um biomarcador importante para prever a agressividade e a progressão do câncer de mama.

MicroRNAs como biomarcadores

A identificação dos nove microRNAs compartilhados entre a diabetes tipo 2 e o câncer de mama reforçam o potencial dessas moléculas para contribuir com a progressão da diabetes tipo 2 e para o desenvolvimento do câncer de mama em pacientes diabéticos.

Quando um indivíduo desenvolve diabetes, a desregulação de seus miRNAs afeta processos biológicos importantes e provoca alterações significativas. Consequentemente, a superexpressão ou a redução dessas moléculas pode contribuir para o surgimento do câncer de mama nesse paciente, já que foram encontradas vias afetadas comuns em ambas as doenças.

Para os pesquisadores, além de atuarem como biomarcadores dos níveis de expressão no organismo, os microRNAs podem auxiliar tanto em tratamentos tradicionais quanto em terapias genéticas mais específicas. Essas possibilidades beneficiam os pacientes com abordagens mais eficazes e com menos efeitos colaterais, contribuindo para o aumento da expectativa de vida de pessoas com diabetes tipo 2 e câncer de mama.

O estudo Dysregulated microRNAs in type 2 diabetes and breast cancer: Potential associated molecular mechanisms está disponível neste link.

*Estagiária sob supervisão de Paula Bassi, da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE.
Adaptado por Tabita Said

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Fonte: Jornal da USP

Nova abordagem acelera o diagnóstico de demência em hospitais

A princípio, fala-se em esquecimentos sutis: palavras que escapam à memória, compromissos esquecidos e tarefas inacabadas. Com o tempo, afazeres do dia a dia — como vestir-se, preparar refeições ou transitar pela cidade — tornam-se inviáveis. É assim que, pouco a pouco, manifesta-se a demência, termo genérico usado para caracterizar a perda progressiva do desempenho cognitivo e comportamental, causada por doenças degenerativas como o Alzheimer.

Essas doenças, porém, nem sempre são fáceis de identificar, especialmente no ambiente hospitalar onde pode haver fatores confundidores. Em busca de métodos que contornem a lacuna nos diagnósticos, pesquisadores do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) quiseram medir a eficiência de técnicas existentes para a detecção de demência no ambiente hospitalar.

A Escala Clínica de Avaliação de Demência — ou Clinical Dementia Rating (CDR), em inglês — é objeto de foco na pesquisa, mas desta vez repaginada. Comumente feito através de entrevistas com ambos os pacientes e informantes (sejam familiares, cuidadores ou pessoas próximas), o instrumento passou por um processo de validação baseado somente neste último, ou seja, diagnosticar a doença tendo como apoio apenas aqueles próximos do enfermo. Em entrevista ao Jornal da USP, Márlon Aliberti, pós-doutorando da FMUSP e um dos autores do artigo, indica que, além de qualificar a precisão, parte do objetivo era comparar sua performance ao padrão de diagnóstico da condição.

Os desafios

O Ministério da Saúde estima que, somente no Brasil, sejam cerca de 2,78 milhões de pessoas com 60 anos ou mais vivendo com demência. À medida que o País envelhece, a realidade aflige: apesar de estudos indicarem que a região da América Latina e Caribe é a de maior prevalência da doença no globo, grande parte desses casos não é diagnosticada.

Em um cenário ideal, a avaliação do estado cognitivo que comprova o quadro clínico de demência envolve uma série de etapas. Aliberti explica que, em clínicas, o médico de referência tem acesso a uma gama completa de informações sobre o paciente para atestar o declínio neurológico. Entre anamneses, conversas com informantes e exames neurológicos, o ambiente clínico dispõe de uma ferramenta a qual hospitais não têm: tempo.

O senso de emergência é maior quando o idoso dá entrada na ala do pronto-socorro. Como muitos não são diagnosticados, diferenciar o que é manifestação do problema agudo do que é demência se torna uma tarefa complexa. “Na hora que eu vou fazer os testes de memória, o paciente pode ir mal tanto porque ele está com dor, com infecção ou pela demência”, revela o pesquisador.

O processo ainda sofre de outros dilemas, como o risco de pessoas com 60 anos ou mais desenvolverem delirium. Segundo ele, a síndrome “é um estado de confusão mental aguda que causa mudança repentina na consciência” e é ocasionada por infecções, doenças graves e até mesmo desidratação. Sendo ela um efeito colateral que se apresenta mais em idosos, as possibilidades de diagnósticos se tornam múltiplas.

Como resposta, a solução foi pensar em táticas que retirassem os pacientes da equação. O novo modelo da Escala Clínica de Avaliação de Demência, baseado apenas em informantes, foi adotado em 43 hospitais no Brasil, Angola, Chile, Colômbia e Portugal, todos envolvidos com o Projeto Change. A iniciativa, que aborda novos modelos de cuidado para o idoso, avaliou a condição de pacientes com mais de 65 anos entre outubro e dezembro de 2023. No entanto, dos 43, apenas cinco hospitais foram usados na amostra da pesquisa — com um total de 65 pacientes.

Nos hospitais, até 40% dos idosos podem ter demência, mas quase metade não é diagnosticada – Imagem: Arquivo pessoal

À semelhança das diretrizes originais foram aferidos os níveis de memória, orientação, resolução de problemas, assuntos comunitários, passatempos e cuidados pessoais.

Alternativa diagnóstica

O método provou ser preciso na identificação de problemas cognitivos em idosos hospitalizados. Antes de ser aplicado, 70% das ocorrências não estavam documentadas nos registros médicos. O estudo também confirmou que a escala poderia reduzir pela metade o número de casos não diagnosticados, com falsos positivos mínimos (1%).

“Ninguém tinha percebido [os sintomas de demência]. A família não sabia, o médico e a equipe médica não sabiam. O que confirma a nossa preocupação original de que esse trabalho é importante” – Márlon Aliberti

Aliberti expressa que, por isso, é possível entendê-lo como uma boa alternativa ao modelo padrão de diagnóstico, o IQCODE-16 — um questionário de 16 perguntas respondidas por informantes. Segundo ele, apesar de ser este o parâmetro mais confiável na detecção de demência, o recurso tem a fraqueza de não graduá-la. “Demência não é uma só questão de ter ou não. Fala-se, principalmente, em estágios, o leve, o moderado e o grave”, comenta.

Um ganho da escala CDR é a capacidade de avaliar em qual etapa se encontra a doença. Ideal para diagnosticar casos precoces, a ferramenta mostrou um cuidado hospitalar mais direcionado e, em particular, conciso. Enquanto o questionário IQCODE-16 leva 90 minutos para ser aplicado, o objeto da pesquisa demora, em média, 15 a 20 minutos. Ainda que não seja o tempo ideal para ocasiões de emergência, ele representa uma redução significativa quando comparada ao método de referência.

Para Aliberti, no entanto, a real limitação da técnica se encontra na rigidez no perfil dos informantes. “Não pode ser qualquer um. Tem que ser um acompanhante que conheça bem o paciente, que convive diariamente com ele há pelo menos seis meses.” Foram esses os critérios usados pelo grupo — e recomendados por especialistas — que resultaram em um sistema um pouco melhor que o IQCODE-16.

Ganhos concretos

Os resultados do estudo trazem à tona a importância do diagnóstico precoce e eficaz. O tratamento muda com a descoberta da demência. “A maneira que você trata alguém com, por exemplo, pneumonia e demência é diferente, porque essa pessoa não pode ter alta e ir sozinha para casa”, enfatiza o médico. A perda da memória desencadeia desafios no cuidado, uma vez que é difícil que eles se lembrem de tarefas como tomar os remédios ou seguir as instruções dadas pelo médico.

Em tempos de crescimento de casos na América Latina, Aliberti considera o cuidado humanizado um ganho ainda mais expressivo.“[Isso abre espaço para] discutir com a família até que ponto intervir, se vale a pena ir para a UTI ou não. Quer dizer, é a oportunidade de você ter um diálogo melhor com o familiar e com seu paciente”, destaca.

O artigo Pulling Back the Curtain on Hospital Dementia Detection: Validation of the Informant-Based Clinical Dementia Rating descrevendo os resultados pode ser acessado neste link.

Mais informações: maliberti@usp.br, com Márlon Romero Aliberti

*Estagiária com orientação de Luiza Caires

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Fonte: Jornal da USP

Pesquisa investiga impactos da radioterapia no cérebro de pacientes com câncer

Ressonância magnética revela alterações pós-radioterapia, como maior difusão de líquidos pelos tecidos; estudo não contraindica tratamento, mas achados podem orientar proteção de áreas sensíveis

Apesar de imprescindível para o tratamento de muitos tumores, a radioterapia pode lesar tecidos saudáveis. Preocupadas com a qualidade de vida daqueles que cada vez mais sobrevivem à doença, pesquisadoras da USP em Ribeirão Preto decidiram avaliar os impactos da radiação no cérebro e verificaram que, antes das perdas de volume e espessura cortical (camada que envolve o cérebro), há um aumento da difusão de líquidos entre os tecidos.

Para além de analisar como a radiação pode prejudicar tecidos saudáveis, uma vez que não se questiona a radioterapia como tratamento, o objetivo do estudo foi obter informações para proteger estruturas sensíveis, garante a pesquisadora Érika Joselyn Ludeña Maza, que trabalha sob orientação da professora Renata Ferranti Leoni do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Para as pesquisadoras, essa circulação mais fluida da água pelas regiões afetadas com a radiação pode ser útil ao planejamento da terapia.

Segundo Érika, já se conhecia a ação da radioterapia sobre a espessura cortical (camada que recobre o cérebro) e sobre o hipocampo (controle da aprendizagem, memória e emoções), obtida em pesquisa com carcinoma nasofaríngeo (região do nariz e da boca).

Assim, ela decidiu concentrar sua investigação em portadores de glioma (tumor que se origina nas células gliais, fundamentais para o sistema nervoso central) e analisar, além das estruturas cerebrais, como estava a difusão de líquidos entre os tecidos.

As pesquisadoras avaliaram imagens de ressonância magnética de 42 pessoas entre 19 e 66 anos em tratamento no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP). Analisaram imagens anteriores à radioterapia pós-operatória e aquelas feitas até oito meses após a radiação, para um grupo de 25 pacientes (grupo A), e entre nove e 16 meses após a radioterapia para um grupo de 13 pacientes (grupo B). A diferença de tempo entre as imagens serviu para avaliar os efeitos a curto prazo da radiação no grupo A e os de longo prazo no grupo B.

“Se existe uma região com mais células, a difusão é mais restrita, se as células vão morrendo, existe mais espaço para a água se difundir”, afirma Renata, informando que o aumento da difusão da água nos tecidos cerebrais indica a perda das células, uma atrofia daquele local, o que significa que o volume dos tecidos saudáveis diminuiu.

A redução do volume das estruturas cerebrais é explicada pela perda de neurônios e, “acredita-se que essa perda seja efeito indireto da radiação que altera a permeabilidade dos vasos sanguíneos, favorecendo a chegada de toxinas e aumento da inflamação na região irradiada, continua a professora. Como a difusão da água depende da estrutura cerebral (axônios e neurônios), “se algo acontece a essas estruturas, o fluxo da água muda de direção”.

Mas essa alteração não foi observada em todos os pacientes do estudo. As pesquisadoras afirmam que “alguns pacientes vão ter uma atrofia maior e algumas regiões vão ter uma alteração na difusão de água maior que outras”. Esses aspectos, segundo Érika, são multifatoriais e sofrem influência da idade dos pacientes, “sugerindo que pessoas mais velhas podem ser mais suscetíveis”, da dosagem de radiação, pois “os danos são maiores quando a dose é maior em determinada região”, e do tempo entre a finalização da radioterapia e a realização da ressonância magnética.

Porém, ao analisarem os efeitos mais precoces e os mais tardios, viram que “algumas alterações aparecem primeiro e outras aparecem depois de meses ou anos”, comenta Érika, adiantando que a mudança na difusão da água foi observada antes do aparecimento da atrofia e da perda de volume cerebral. “Pode ser que esse seja um biomarcador precoce, algo para se olhar logo depois da radioterapia”, acrescenta a professora Renata.

Planejamento radioterápico para proteção de áreas sensíveis

Como forma de tentar mitigar os efeitos negativos da radiação nos tecidos saudáveis, equipes de saúde já realizam planejamento prévio e a proteção dessas regiões durante o procedimento. Com a evolução da radioterapia, “a primeira coisa a se pensar é o planejamento; se o médico, o radioterapeuta e o físico médico conseguem fazer um planejamento que consiga proteger essas regiões, já é interessante”, afirma Renata.

Quanto aos tratamentos de gliomas, a professora informa que, para alguns casos, já existe forma de proteção da região do hipocampo (sede da memória). “A nossa ideia foi ver se existem outras regiões que também seriam importantes, e vimos algumas próximas ao hipocampo, o que indica que a região do lobo temporal é crítica, então se o planejamento puder ser feito protegendo essas regiões é ótimo.”

As regiões mais sensíveis, de acordo com o estudo, são os lobos frontal e temporal (além do próprio hipocampo). São estruturas que sofrem naturalmente com atrofia, perda de volume e espessura cortical no envelhecimento saudável, podendo facilitar o desenvolvimento do Alzheimer na população idosa.

A pesquisa confirma que existem outras partes do cérebro, além do hipocampo, que precisam de um cuidado mais específico durante o planejamento radioterápico, pois os danos podem levar a uma piora na qualidade de vida dos pacientes após o tratamento do glioma. Porém, dependendo do grau da doença, “os pacientes podem ter sequelas por conta do tratamento”, dizem as pesquisadoras, adiantando que “em momento algum o estudo aponta a não realização da radioterapia”.

Estudos recentes sugerem que o uso de anti-inflamatórios pode minimizar os danos. “Se um dos efeitos da radiação é aumentar a neuroinflamação, então o uso de anti-inflamatórios específicos poderia prevenir esses impactos”, afirmam.

No entanto, a proteção não deve ser mais importante do que o tratamento. Tanto Érika quanto Renata enfatizam a necessidade de combater a doença, até porque na radioterapia existe o princípio de que “a radiação tem que ser tão baixa quanto razoavelmente possível”, lembra Érika, afirmando que dessa forma os pacientes não recebem quantidades desnecessárias de radiação.

Os resultados desse estudo podem ser conferidos no artigo publicado em março de 2025 na revista Journal of Neuro-Oncology.

Mais informações: leonirf@usp.br, com a professora Renata Leoni

*Estagiária sob supervisão de Rita Stella

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Tecnologia vestível assegura recuperação total de lesão de joelho

Lesões no joelho são comuns em atletas: os jogadores de futebol, por exemplo, frequentemente sofrem com a ruptura do ligamento cruzado anterior (LCA). O problema, como verificado agora, é que a recuperação da cirurgia de reconstrução deste ligamento não depende somente de tempo, mas do restabelecimento da capacidade biomecânica (habilidade de suportar forças e cargas sem sofrer danos) do movimento. O achado, publicado em abril deste ano em artigo da Knee Surgery, Sports Traumatology,  Arthroscopy, vem de estudos do educador físico João Belleboni Marques realizados durante o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Segundo o orientador da pesquisa, o professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP Paulo Roberto Santiago, o ligamento cruzado anterior é uma estrutura essencial do joelho para a estabilidade, principalmente durante movimentos de giro e mudança de direção. A preocupação dos especialistas com a recuperação biomecânica desses movimentos se deve ao fato de que mudanças dessas estruturas podem causar lesões em outras, como os meniscos e a cartilagem.

Assim, os pesquisadores decidiram analisar a qualidade desses movimentos, o que só foi possível graças à tecnologia vestível, dispositivo capaz de rastrear frequência cardíaca, padrões de sono e atividade física.

Entre os resultados,  os pesquisadores verificaram que o atleta com o LCA operado consegue executar movimento de mudança de direção em tempo similar ao atleta que nunca passou pelo problema, mas com déficits biomecânicos (limitações do movimento) e estratégias de movimentos compensatórios (ajustes ao realizar um padrão de movimento).

O achado, afirma o professor Santiago, traz mudança fundamental na análise da recuperação de um atleta com esse tipo de lesão, pois, “além do tempo de recuperação pós-cirúrgico, outros fatores como a avaliação biomecânica do movimento são igualmente ou mais importantes”.

Quanto ao uso da tecnologia vestível, o pesquisador acredita que os sensores e dispositivos acoplados ao corpo podem revolucionar os parâmetros de avaliação da saúde e do desempenho de atletas, já que conseguem “identificar padrões e tendências imperceptíveis ao olho humano, permitindo intervenções preventivas, antes que lesões ocorram”.

Teste de mudança de direção em “L”, realizado com os sensores vestíveis, mede, além do tempo, as estratégias de compensação e força aplicadas pelos atletas – Foto: Reprodução/ Artigo

Reaprendizagem motora eficiente para evitar lesões

A pesquisa contou com a participação 26 atletas profissionais de futebol masculino que atuam na Qatar Stars League, primeira divisão do futebol catari. Dez desses jogadores possuíam histórico de reconstrução cirúrgica do LCA, enquanto os outros 16 atletas não possuíam lesão nos membros inferiores no momento do estudo, e portanto, foram designados como grupo controle.

Para avaliar a qualidade do movimento de cada atleta foi solicitado que realizassem uma corrida de 20 metros e uma mudança abrupta de direção em 90°, ou seja, em “L”, utilizando trajes com sensores na pelve, laterais das coxas, canelas e no pé, apropriados para medir os ângulos de flexão das articulações do quadril, joelho e tornozelo. Além disso, os jogadores usaram palmilhas capazes de identificar a força vertical aplicada durante a atividade.

Com a experimentação, verificaram que a diferença na performance dos dois grupos de atletas não foi o tempo de execução do movimento e sim a mudança na angulação do tornozelo e do joelho, caracterizados como déficits biomecânicos, e na força aplicada nos membros inferiores daqueles que tinham o LCA operado.

O professor Santiago explica que a mecânica do movimento é fundamental para avaliar a recuperação de um atleta, que não deve ficar apenas na capacidade de realizar o exercício. “O verdadeiro desafio reside na capacidade do atleta de realizar uma reaprendizagem motora eficiente, adaptando-se à sua nova realidade estrutural.”

O risco dos déficits mecânicos observados nos atletas após a recuperação inicial e a cicatrização do tecido é que, em resposta, “o corpo desenvolve estratégias de movimento compensatório, ou seja, adaptações que permitem a continuidade funcional apesar das limitações”, afirma o pesquisador. A situação é problemática por aumentar a probabilidade de novas lesões, já que propiciam transferência de carga para o lado não lesionado, gerando maior estresse nas estruturas, exigem maior gasto energético, provocando fadiga precoce, além de reduzir a estabilização em movimentos rápidos e inesperados.

Atletas que operaram o joelho utilizam estratégias compensatórias para manter o mesmo tempo de execução de corrida em “L” – Foto: Reprodução/ Artigo

Fronteira da medicina esportiva e reabilitação

A tecnologia vestível funciona como uma ferramenta informativa, capaz de colher dados do indivíduo analisado. A possibilidade de uma análise mais precisa e completa do desempenho de um atleta “tem potencial para revolucionar a análise de performance esportiva, é substancial e já começa a se materializar”, afirma o professor.

Dispositivos de tecnologia vestível mais sofisticados são encontrados apenas em experimentação científica. “A transição destes recursos avançados do laboratório para a clínica representa uma das fronteiras mais promissoras na medicina esportiva moderna e ciências da reabilitação”, assegura Santiago.

Nesse contexto, as perspectivas de futuro são promissoras para a área. “A conexão entre tecnologia vestível e inteligência artificial é animadora, pois ilustra um sistema que não apenas coleta dados, mas os interpreta e fornece orientações práticas em tempo real”, finaliza Santiago.

Mais informações: e-mail paulosantiago@usp.br, com o professor Paulo Roberto Pereira Santiago

*Estagiário sob orientação de Rita Stella

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Pesquisa estima quanto tempo de vida saudável perdemos comendo mal

O consumo contínuo de cerca de 115 gramas de bolachas recheadas – menos de um pacote – está associado à perda média de 39 minutos de vida saudável. O dado integra uma avaliação inédita de impacto combinado para a saúde humana e o meio ambiente dos principais alimentos consumidos no País.

estudo foi publicado nesta sexta-feira (9) na revista científica International Journal of Environmental Research and Public Health e se ancora no Índice Nutricional de Saúde (Heni) – um sistema de pontuação sobre o impacto da alimentação à saúde em anos de vida saudável (sem incapacidades). O índice utiliza dados epidemiológicos para classificar e avaliar alimentos e dietas conforme as características nutricionais dos itens.

A pesquisa analisou os 33 alimentos que mais contribuem para a ingestão energética dos brasileiros usando o índice. Além disso, os cientistas calcularam o impacto ambiental das porções em emissão de gases de efeito estufa (CO₂ equivalente) e volume de água utilizado. O trabalho é assinado por pesquisadores da USP, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Técnica da Dinamarca (DTU).

No geral, produtos derivados de animais, particularmente carne vermelha, tiveram os maiores custos ambientais. Já alimentos de origem vegetal, como feijão e frutas, tiveram melhores pontuações no Heni e menores impactos ambientais. Ao Jornal da USP, a professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP Aline Martins de Carvalho explica que a quantidade de minutos de vida perdidos está associada aos hábitos de consumo.

 “Não se trata do consumo de uma única bolacha, nem de uma única vez na vida, mas sim um consumo contínuo dessa porção de bolachas. Se a pessoa consome por muitos anos e de forma diária, esse hábito irá reduzir o tempo de vida saudável dela” – Aline Martins de Carvalho

De acordo com a pesquisa, o Índice Nutricional de Saúde médio no Brasil foi de -5,89 minutos, variando de -39,69 minutos para bolachas recheadas a +17,22 minutos para o consumo de peixes de água doce. Entre os piores colocados também estão a carne suína (-36,09 minutos), margarina com ou sem sal (-24,76 minutos), carne bovina (-21,86 minutos) e biscoitos salgados (-19,48 minutos). Por outro lado, alimentos in natura como peixes de água doce (+17,22 minutos), banana (+8,08 minutos), feijão (+6,53 minutos); e arroz com feijão (+2,11 minutos ) mostraram bom desempenho tanto para a saúde humana quanto para a sustentabilidade do planeta.

A pizza de muçarela se destacou negativamente com o uso de mais de 306 litros de água para uma porção média de 280 gramas. Além do impacto negativo para a saúde, um prato de carne bovina emite mais de 21 kg de CO₂ equivalente, enquanto a banana tem emissão de apenas 0,1 kg de CO₂ equivalente e utiliza 14,8 litros de água por porção.

“Nossas descobertas fornecem entendimentos valiosos sobre as consequências reais das escolhas alimentares individuais e institucionais, demonstrando seus impactos mensuráveis na saúde e no meio ambiente”, informam os pesquisadores no artigo.

Na avaliação dos impactos ambientais, a pizza de muçarela se destacou negativamente pelo consumo excessivo de água na produção – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Monotonia in natura

O levantamento avaliou o consumo dos alimentos em quatro agrupamentos regionais. Em comum entre as regiões brasileiras, está a dieta centrada em arroz, feijão, carnes bovina, suína e de frango. De forma geral, os pesquisadores também identificaram monotonia alimentar e consumo reduzido de alimentos nativos e biodiversos — essenciais para melhorar tanto a nutrição quanto a sustentabilidade.

Porém, o artigo identifica as piores médias do índice nos dois agrupamentos regionais que correspondem ao Nordeste e a parte da região Norte. Nessas regiões, a variação foi de -61,15 minutos para o consumo de carne seca até +41,43 minutos para o consumo de açaí com granola.

“Esses achados reforçam que a melhoria dos sistemas alimentares exige ações que vão além da promoção de informações sobre escolhas saudáveis e sustentáveis: é necessário garantir acesso real, contínuo e economicamente viável a esses alimentos, especialmente para populações em situação de vulnerabilidade”, afirma Marhya Júlia Silva Leite, primeira autora do estudo.

A pesquisa também chama a atenção para o contraste entre agricultura familiar e agronegócio, um desafio para a promoção de dietas saudáveis e sustentáveis.

“Em termos ambientais, o agronegócio é responsável por 70,45% do consumo de água no País, especialmente no que diz respeito à carne bovina, que é o alimento mais intensivo em recursos e está associado a minutos perdidos por incapacidade. Por outro lado, a produção de alimentos como feijão, mandioca, frutas e hortaliças está intimamente ligada à agricultura familiar que, apesar de ocupar uma parcela menor de terra em comparação ao agronegócio, desempenha papel fundamental no fornecimento de alimentos para consumo doméstico e na promoção da segurança alimentar”, alertam os cientistas.

“Políticas que incentivem a produção local e diversificada e o acesso a alimentos saudáveis podem ser orientadas por esses achados, promovendo sistemas alimentares mais resilientes, justos e sustentáveis. Também é uma oportunidade para valorizar a sociobiodiversidade brasileira, com estímulo ao cultivo e consumo de alimentos nativos que hoje são pouco explorados e consumidos em algumas regiões”, conclui a pesquisadora.

Vida saudável em números

Para calcular a carga benéfica ou prejudicial à saúde, os cientistas determinaram o índice em termos de minutos de vida saudável vinculados ao tamanho médio das porções dos alimentos mais consumidos no Brasil, considerando as características demográficas e as condições de saúde da população brasileira. A pesquisa utilizou informações do banco de dados de consumo alimentar da população brasileira derivadas da Pesquisa de Orçamentos Familiares – Pesquisa Nacional de Alimentação (INA 2017-2018) da Classificação Nova de processamento de alimentos, da classificação dos sistemas alimentares regionais brasileiros identificados pelo Índice Multidimensional de Sistemas Alimentares Sustentáveis Revisado para o Brasil (MISFS-R), além de parâmetros ambientais.

Cada fator de risco alimentar foi multiplicado pela quantidade do respectivo componente de risco (em gramas) presente no tamanho médio da porção do alimento analisado – por exemplo, o teor de sódio em uma porção média de arroz. Em seguida, os riscos foram agregados e a estimativa líquida foi convertida de μDALYs (do inglês Disability-Adjusted Life Year, refere-se a um ano de vida saudável perdido) para minutos de vida saudável.

A pesquisa não abordou o consumo excessivo de açúcar como fator de risco para a saúde humana, dado ausente nas análises da Carga Global de Doenças, nem a influência de fatores como estilo de vida e predisposição genéticaO artigo está disponível aqui.

*Com informações da Agência Bori

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP