Pomada com própolis vermelha é testada para cicatrização de queimaduras

Experimentos iniciais em células e animais mostraram que pomada orgânica à base de própolis vermelha pode acelerar processo de cura, fechando feridas de forma rápida

Uma pomada feita a partir da própolis vermelha pode representar um avanço na cicatrização rápida de queimaduras. Um estudo da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP desenvolveu e testou o produto em cultura de células e animais. Os resultados mostraram que graças aos componentes químicos do princípio ativo, a formulação tem potencial para auxiliar vítimas dessas lesões.

A própolis vermelha é um produto típico do Nordeste brasileiro. Neste caso, a utilizada para a pomada tem como origem a cidade de Maceió, capital de Alagoas. A substância é produzida por abelhas (Apis mellifera) que retiram resina vermelha da planta nativa rabo-de-bugio.

Lauriene Luiza de Souza Munhoz, biomédica e autora do trabalho, explica que existem outras própolis no mercado, que são usuais nas práticas do campo da saúde, mas revela que o estudo foi pioneiro na aplicação desta em específico para produtos de pele.

A pesquisadora aponta, em entrevista ao Jornal da USP, que as queimaduras possuem um tratamento difícil e pouco eficaz, e, em geral, apresentam alguma inconstância na cicatrização. Sua ideia era criar um produto inovador e natural que tivesse a capacidade de curar cicatrizes complexas.

“Os produtos disponíveis na área da saúde ainda não garantem uma cicatrização completa, em geral, deixam alguma irregularidade. A ideia era trazer um produto não só inovador, mas que seja eficaz”, completa Lauriene.

Formulação da pomada

A composição química da própolis vermelha contribui para uma cicatrização mais acelerada. A alta concentração de compostos fenólicos, flavonoides e outros bioativos com propriedades antioxidantes, antimicrobianas e anti-inflamatórias permitem auxiliar as células a se proliferarem e assimilarem melhor o processo de fechamento da ferida.

Assim, o potencial da própolis vermelha em ser um ator eficaz na cicatrização já era esperado, explica Daniele dos Santos Martins, professora da FZEA e orientadora da pesquisa.

Além do produto, foi utilizado como veículo – material base, onde é diluído o princípio ativo – o emulsificante Olivem 1000, uma substância orgânica comercializada, criada a partir do óleo de oliva.

Os pesquisadores optaram por um produto que não influenciasse as respostas do princípio ativo. Entretanto, usar um item comercial serviu como garantia do funcionamento da própolis vermelha, que foi incorporada ao veículo. “Os resultados que encontramos realmente são da própolis. Nós nos certificamos que foi a própolis quem teve esses achados e não tem a ver com o veículo usado”, garante a professora.

Em relação a outros produtos já disponíveis no mercado, a biomédica aponta vantagens como a cicatrização acelerada e a formulação natural da pomada com própolis vermelha. Segundo ela, essa composição diminui os riscos de alergias.

Daniele destaca também que outros fatores são contemplados. Por exemplo, se em um eventual uso por animais, eles lamberem, ou ainda, se crianças por acidente levarem o produto à boca, não haverá graves problemas.

Avaliações

Para avaliar a queimadura no modo experimental, somente a lesão de 2º grau – quando a derme e a epiderme são atingidas – foi testada. Segundo as pesquisadoras, primeiro foram realizados testes in vitro e posteriormente in vivo, em ratos Wistar. Nos testes da pomada em si, foram realizadas análises físico-químicas e bacteriológicas.

A legislação exige testes acelerados de 90 dias em que os pesquisadores devem deixar o produtos sob estresse térmico e estresse mecânico. Esses testes simulam o tempo de estocagem e transporte, além de temperaturas altas e baixas, ajudando a entender a durabilidade do produto e como ele vai se comportar no dia a dia.

A partir dessa etapa, pode-se comprovar que a formulação é estável, por não ter mudado seu PH e cor, não ter tido separação de fase e não ter perdido a viscosidade. “Ela [a pomada] se manteve dentro dos parâmetros iniciais durante esse período, entre esses estresses que a gente submeteu à formulação”, explica Lauriene.

Durante os experimentos in vitro, foram realizados testes que demonstraram o potencial de cicatrização da própolis por meio da migração e proliferação celular, resultando na contração e redução do espaço entre as bordas da área lesada. Após o sucesso nessa etapa, os pesquisadores passaram a realizar os testes in vivo, em que faziam a comparação em animais do grupo de controle – sem tratamento nenhum – e em outro grupo com a formulação da pomada.

No grupo controle, os resultados foram negativos, enquanto o grupo com a própolis vermelha obteve resultados positivos em relação ao tempo de cura e uniformidade na cicatrização, comprovando a eficácia do princípio ativo.

“Nossos resultados mostram que a pomada formulada propiciou a melhor cicatrização, mantendo a borda da ferida regular”, explica a professora. Segundo ela, além de a pomada ser eficiente, também deixa a cicatriz com um aspecto visualmente agradável.

Daniele acredita que isso seja um ganho principalmente para o estado mental de vítimas com queimaduras visíveis. “Muitos pacientes têm que fazer um acompanhamento psicológico, porque, dependendo de onde a queimadura fica, a pessoa não quer mostrar, opta por cobrir. Conseguir um produto que deixa uma cicatriz de queimadura mais homogênea evitaria esse constrangimento.”

Em relação ao uso em queimaduras, os pesquisadores entendem que os testes já apontam para a eficácia da formulação. Segundo a professora, novos testes foram iniciados com a incorporação da pomada a um biomaterial contendo células-tronco para compreender se os seus resultados também se aplicam em outros tipos de cicatrização.

O produto orgânico se destaca pela cicatrização rápida e uniforme – Foto: cedida pela pesquisadora

Influência do sexo

A pomada se mostrou eficaz para machos e fêmeas, mas diferenças no tempo e organização da cicatrização foram observados. Os pesquisadores deram preferência em mesclar o sexo dos roedores durantes os testes, o que demonstrou a diferença na ação em cada um dos organismos.

Segundo a professora, a literatura já fazia alguns apontamentos sobre essa tendência que está relacionada, possivelmente, aos hormônios. Porém a comprovação foi inesperada para os avaliadores dos testes.

A biomédica explica que a cicatrização em machos é mais rápida, porém nas fêmeas, mesmo que mais lenta, as células migram mais corretamente, formando um tecido mais bem organizado. “No macho, o processo foi um pouco mais rápido, mas a estrutura da pele não ficou tão bem organizada quanto a da fêmea”, completa .

O artigo Red propolis cream and its therapeutic potential for skin lesions caused by burns está disponível on-line e pode ser lido aqui.

Mais informações: lauremunhoz@usp.br, com Lauriene Luiza de Souza Munhoz, e daniele@usp.br, com Daniele dos Santos Martins

*Estagiária sob orientação de Tabita Said

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Tratamento com luz elimina bactéria causadora de pneumonia resistente

Testado em laboratório, método emprega luz e corante para liberar partículas que destroem a bactéria Klebsiella pneumoniae, comum em hospitais

Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP desenvolveram um tratamento inovador para a pneumonia causada por bactérias resistentes a antibióticos, um dos maiores problemas atuais da saúde mundial. A técnica usa luz e um corante para liberar partículas que eliminam a bactéria Klebsiella pneumoniae, causadora de infecções hospitalares. O método teve sua eficácia demonstrada em testes de laboratório, primeiro passo rumo a seu uso clínico.

O trabalho foi realizado em colaboração com cientistas do Departamento de Engenharia Biomédica da Texas A&M University, nos Estados Unidos, e do Departamento de Química da Universidade de Coimbra, em Portugal. Os resultados do estudo são apresentados em artigo da revista científica internacional Pathogens.

Segundo a pesquisadora Fernanda Alves, do IFSC, que realiza estudos na Texas A&M University, a cada 15 segundos, aproximadamente, uma pessoa morre de pneumonia no mundo. “Isso acontece, principalmente, porque os antibióticos já não são eficazes contra muitas bactérias super-resistentes”, ressalta. “Nesse cenário, a terapia fotodinâmica surge como uma alternativa promissora no combate às infecções.”

Entre os agentes mais perigosos da pneumonia resistente está a bactéria Klebsiella pneumoniae, comum em hospitais. O método estudado é conhecido como terapia fotodinâmica (TFD). Primeiro, aplica-se um corante especial no organismo, seguindo-se à aplicação de uma luz sobre a região infectada. A combinação faz com que o corante libere partículas capazes de destruir as bactérias sem prejudicar as células humanas.

Nos testes em laboratório, a técnica conseguiu eliminar totalmente a bactéria, mas havia um problema: dentro dos pulmões existe uma camada natural chamada surfactante pulmonar, que protege os alvéolos durante a respiração. Essa camada acabava “aprisionando” o corante e diminuindo a eficácia do tratamento.

Para superar esse desafio, os cientistas combinaram o corante com uma substância chamada Gantrez, um tipo de polímero seguro para uso médico, que funciona como um “carregador”, ajudando o corante a atravessar a barreira natural dos pulmões e a alcançar as bactérias. Com essa combinação, o número de microrganismos foi reduzido em milhares de vezes, mesmo na presença da barreira pulmonar. Ou seja, a técnica mostrou que pode funcionar também em condições mais próximas da realidade do corpo humano.

“Cada passo para tornar o método clinicamente aplicável traz novos desafios. O mais recente foi vencer a barreira natural dos pulmões: o surfactante”, destaca Fernanda Alves. “Com a adição do Gantrez ao tratamento, conseguimos resultados muito animadores, que nos deixam esperançosos para as próximas etapas, primeiro em modelos animais e, depois, em estudos clínicos.”

Embora os testes ainda estejam na fase de laboratório, os resultados trazem esperança. Se confirmada em estudos com animais e, depois, com pacientes, a terapia poderá se tornar uma alternativa aos antibióticos em casos de pneumonias graves e resistentes. Segundo os autores do estudo, esse é um passo importante no combate às chamadas “superbactérias”, que já representam uma das maiores ameaças à saúde pública no século 21.

O trabalho é assinado por Fernanda Alves, Isabelle Almeida de Lima, Lorraine Gabriele Fiuza e Natalia Mayumi Imada, do IFSC e da Texas A&M University, Zoe Arnaut, da Universidade de Coimbra, e Vanderlei Salvador Bagnato, professor do IFSC e da Texas A&M University.

Pulicado na revista científica Pathogens, o artigo Optimizing Photosensitizer Delivery for Effective Photodynamic Inactivation of Klebsiella pneumoniae Under Lung Surfactant Conditions pode ser acessado neste link.

*Rui Sintra, da Assessoria de Comunicação do IFSC. Adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Nanovacinas contra o câncer: panorama, problemas e desafios

Um artigo de revisão, produzido por pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, traçou um panorama sobre as nanovacinas contra o câncer, abordagem que utiliza a nanotecnologia para ativar o sistema imunológico contra tumores.

A diversidade de estratégias adotadas para desenhar as nanovacinas, incluindo os tipos de antígenos, nanocarreadores, suas funções e a incorporação de adjuvantes, é abordada pelos pesquisadores. Os achados do trabalho podem orientar futuras pesquisas e contribuir para o avanço dessa terapia na luta contra a doença.

“O desenvolvimento de vacinas para câncer já existe há décadas, mas muitos problemas vêm sendo enfrentados, como a baixa imunogenicidade [capacidade de uma substância ativar uma resposta imune]”, afirma Gabriel de Camargo Zaccariotto, primeiro autor do artigo, ao Jornal da USP. “Mas, com o avanço da nanotecnologia, as coisas mudaram. Agora colocamos um antígeno dentro da nanopartícula e conseguimos fazer com que ela chegue aonde a gente quer [no caso, nas células do sistema imune] para que elas processem esses antígenos e reconheçam as células do câncer.”

As nanovacinas geralmente são compostas de três elementos fundamentais e cada um deles desempenha um papel importante para a formação da resposta imunológica.

 Os antígenos, considerados um dos componentes-chave da fórmula, estimulam o sistema imunológico a reconhecer e desencadear uma resposta contra alvos específicos. No caso do câncer, eles podem ser originados do próprio tumor, ou ainda de mRNA, peptídeos sintéticos e DNA.

Os adjuvantes são os responsáveis por aumentar a resposta imune aos antígenos, levando a uma maior eficácia da vacina. O terceiro componente são os nanocarreadores, veículos de entrega que encapsulam antígenos e/ou adjuvantes, protegendo-os da degradação, facilitando sua liberação controlada e promovendo sua entrega direcionada a células ou tecidos específicos. Eles podem ser de lipídios, polímeros ou materiais inorgânicos, cada um oferecendo vantagens diferentes em termos de estabilidade, biocompatibilidade e personalização.

Esquema de ação das vacinas no corpo humano – Fonte: Retirado do artigo

Prevenir e tratar

As nanovacinas podem ser do tipo preventivas ou terapêuticas. As preventivas visam interromper o crescimento e a proliferação tumoral antes que eles se manifestem clinicamente. Já as terapêuticas são projetadas para tratar tumores existentes, sensibilizando o sistema imunológico para reconhecer e destruir células cancerígenas. “Estamos acostumados com as vacinas preventivas, como as que protegem contra a covid-19”, explica Valtencir Zucolotto, coordenador do GNano e orientador da pesquisa. “Para o câncer, os estudos, em sua maioria, são para o desenvolvimento de vacinas terapêuticas, que estimulam o sistema imunológico a atacar aquele alvo.”

O câncer é considerado uma das mais complexas doenças existentes e, apesar dos avanços em diagnóstico e tratamento, ele ainda representa um desafio para a medicina devido à sua capacidade de escapar do sistema de defesa e à sua resistência aos tratamentos convencionais.

Em geral, a terapia do câncer é baseada na retirada do tumor seguida de quimioterapia e radioterapia, mas esses tratamentos podem ser muito debilitantes, além de proporcionar melhoras modestas na sobrevida do paciente.

Por isso, as imunoterapias, como as vacinas contra o câncer, surgiram como um novo paradigma, aproveitando a capacidade do sistema imunológico de atacar as células cancerígenas. De acordo com o estudo, uma grande vantagem dessa abordagem é a sua versatilidade: ela pode ser adaptada para diferentes tipos de câncer, estágios da doença e diferentes pacientes.

“Isso se tornou uma revolução industrial, não é mais uma revolução científica nem tecnológica”, comemora Valtencir Zucolotto, ao relembrar que esses avanços foram possíveis com a produção da vacina de RNA da Pfizer e da Moderna contra a covid-19.

Futuro

Ensaios clínicos em andamento vêm demonstrando que as nanovacinas podem aumentar significativamente a eficácia de outros tratamentos, como os inibidores de checkpoint imunológico (classe de medicamentos utilizados em vários tipos de câncer, visando às vias regulatórias do sistema imunológico, conhecidas como checkpoints). Neste caso, houve redução nos riscos de metástase, recorrência da doença e morte entre os pacientes.

Apesar de inovadora e revolucionária, a aplicação das nanovacinas ainda enfrenta muitos desafios. Poucas formulações já chegaram à fase de testes clínicos avançados e nenhuma foi aprovada até o momento para uso comercial em pacientes com câncer.

Outro ponto importante abordado pelos cientistas no artigo é a logística para fabricação. “Diferente do que a gente conhece [vacinas já prontas, disponíveis em postos de saúde e clínicas], essa [nanovacina] é fabricada de acordo com o tumor do paciente”, explica Gabriel Zaccariotto. “Temos que fazer a biópsia do tumor, levá-la ao laboratório, fazer o sequenciamento genético e produzir a vacina. O processo todo pode demorar até nove semanas e isso significa um longo período para um paciente oncológico.”

Principais desafios na produção de nanovacinas contra o câncer – Infográfico: retirado do artigo

Zucolotto é coordenador do GNano, um laboratório que estuda a nanotecnologia aplicada à saúde e ao agronegócio. “Produzimos, na parte de diagnóstico, testes rápidos como os da covid-19, que vendem na farmácia”, explica Zucolotto, que também está à frente do Centro de Nanotecnologia Aplicada ao Câncer e Doenças Raras, sediado no IFSC. “Recentemente desenvolvemos uma patente, um teste específico para tuberculose. É algo inédito e muito importante.”

Na área terapêutica, Zucolotto explica ao Jornal da USP o que o grupo vem desenvolvendo: “Criamos uma nanopartícula, que é uma partícula mil vezes menor do que uma célula humana, mil vezes menor do que a espessura de um fio de cabelo. Fabricamos essa nanopartícula e dentro dessa partícula colocamos, por exemplo, um fármaco, um remédio que é muito usado, por exemplo, para glioblastoma (tumor cerebral agressivo), o padrão ouro para tratamento quimioterápico”.

Já no agronegócio, há vários alunos estudando métodos para utilização de defensivos de maneira controlada. “Em vez de aplicar aquele monte de defensivo agrícola, nutrientes ou fertilizantes – em que enfrentamos problemas de segurança, contaminação –, colocamos esses defensivos dentro dessas nanocápsulas, que os entregam para as plantas.”  Para isso, o grupo faz parcerias com empresas nacionais e multinacionais.

Zucolotto diz que, mais recentemente, o grupo está aplicando a nanotecnologia para silenciamento genético para câncer. “Os principais são pâncreas, pulmão e glioblastoma”, relata.  Já Zaccariotto segue com seu projeto de doutorado, desenvolvendo nanopartículas naturais provenientes de microalgas, para tratamento do glioblastoma. “Não necessariamente para desenvolver uma resposta imune contra o glioblastoma, mas para afetar o tumor diretamente e fazer com que ele se torne menos agressivo”, completa o pesquisador.

*Com informações da Assessoria de Comunicação do IFSC

FONTE: Jornal da USP

Novo medicamento traz resultados inéditos no tratamento da hipertensão arterial pulmonar

Um novo tratamento pode melhorar a vida de pacientes com hipertensão arterial pulmonar (HAP), doença rara e progressiva que afeta os vasos sanguíneos dos pulmões. Um ensaio clínico mostrou que o medicamento sotatercept reduziu em 76% o risco de morte, hospitalização ou necessidade de transplante em pacientes com quadros avançados da doença. Os resultados foram considerados tão expressivos, na eficácia do ativo em comparação ao placebo, que o estudo foi interrompido na análise interina (antes do término formal), para que todos participantes recebessem o medicamento.

Aplicado por injeção subcutânea a cada três semanas, o sotatercept atua diretamente nas artérias pulmonares, reduzindo a espessura das paredes dos vasos e facilitando a circulação do sangue entre o coração e os pulmões. Com isso, alivia a sobrecarga sobre o ventrículo direito, que costuma ser forçado a trabalhar mais em pacientes com HAP. Um total de 172 pacientes participaram do ensaio, divididos entre o grupo sotatercept e placebo.

“É muito difícil desenvolver um medicamento que funcione mesmo quando o paciente já toma todas as opções terapêuticas existentes. Para fazer efeito em cima dos outros, ele precisa ter um impacto muito grande — e foi o que vimos com o sotatercept”, observa Rogério Souza, professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), em entrevista ao Jornal da USP. Junto a outros 15 pesquisadores da Europa e dos EUA, ele é coautor do estudo publicado no The New England Journal of Medicine e tem acompanhado o desenvolvimento do fármaco desde sua concepção, em 2018.

Sem cura e com alto índice de mortalidade, os sintomas da HAP costumam ser inespecíficos, o que dificulta o diagnóstico. A dispneia relacionada aos esforços é o sintoma mais frequente. Outras manifestações incluem: fadiga, síncope, dor torácica e palpitações. Sua origem pode ser desconhecida (idiopática), hereditária, induzida por drogas e toxinas, ou pode estar associada a outras condições, como esclerose sistêmica, insuficiências cardíacas congênitas, hipertensão portal e infecção por HIV.

 

“Demora-se muito para fazer o diagnóstico de hipertensão arterial pulmonar porque as pessoas, inclusive a população médica, têm pouco conhecimento a respeito”

Tratamento até aqui

Embora o nome possa remeter à conhecida pressão alta, a hipertensão arterial pulmonar tem origem e evolução distintas da forma sistêmica. A HAP é uma síndrome caracterizada por um aumento progressivo na resistência vascular pulmonar, resultante de circulação restrita na artéria pulmonar, o que leva à sobrecarga e falência do ventrículo direito.

Souza explica que, como o sangue encontra resistência para circular pelos pulmões, o sistema circulatório fica comprometido. “Muitas vezes o diagnóstico demora porque se pensa em asma, doença pulmonar obstrutiva crônica [DPOC], insuficiência cardíaca, e não em HAP. A própria comunidade médica conhece pouco a doença”, adiciona. A condição tem alta mortalidade, sobretudo nos pacientes classificados como de alto risco, grupo-alvo do estudo.

Durante anos, o tratamento se baseou em vasodilatadores pulmonares que agem em vias específicas, como os antagonistas de endotelina (ambrisentana, bosentana e macitentan), inibidores da fosfodiesterase (sildenafila e tadalafila) e prostanóides. “Mas essas opções tinham impacto limitado. E os remédios de pressão sistêmica não servem para a HAP porque baixam a pressão do corpo inteiro, o que seria perigoso”, reforça o professor.

Apesar dos riscos envolvidos, os pesquisadores decidiram testar o sotatercept justamente em pacientes que já usavam todos os tratamentos possíveis e ainda assim se mantinham em condição crítica. A eficácia observada foi tamanha que a análise interina — feita no meio do estudo para avaliar segurança — acabou antecipando o fim da pesquisa. “Não seria mais ético manter pacientes graves em placebo, principalmente sabendo que o medicamento já estava disponível em outros países”, explica Souza. A partir de então, todos os participantes passaram a receber o fármaco.

A hipertensão pulmonar é definida como aumento da pressão média da artéria pulmonar acima de 25 mmHg em repouso ou > 30 mmHg durante o exercício. Os vasos dos pulmões tendem a trabalhar com pressões mais baixas — cerca de 20/10 mmHg – Foto: Freepik

Medicamento biológico

O sotatercept pertence à classe dos medicamentos biológicos, ou seja, produzidos a partir de substâncias derivadas de organismos vivos. Ele age equilibrando as vias de sinalização que controlam o crescimento celular nas paredes dos vasos sanguíneos pulmonares. “Ele [sotatercept] não é uma molécula sintética que vai se ligar em alguma parte do nosso corpo. Ele interage como parte nossa, então tem um comportamento biológico, mas com metade sintética.” Segundo Souza, essa estrutura híbrida permite que o remédio tenha maior especificidade de ação.

Como medicamento em teste, o sotatercept apresentou efeitos colaterais, os mais comuns sendo aumento da hemoglobina, leve elevação da pressão sistêmica e sangramentos nasais (epistaxis). Casos de telangiectasias (pequenos vasos visíveis na pele) também foram observados, evidenciando o impacto vascular da droga.

No Brasil, o sotatercept já foi registrado pela Anvisa, mas ainda depende de etapas adicionais para ser incorporado ao SUS. “Quanto mais falarmos sobre doenças como a HAP, maior a chance de que os gestores de saúde compreendam sua gravidade e priorizem políticas públicas adequadas. Nosso papel, como universidade, é justamente trazer luz a essas condições que, embora raras, não podem ser negligenciadas”, afirma.

O artigo Sotatercept in Patients with Pulmonary Arterial Hypertension at High Risk for Death pode ser acessado neste link.

Mais informações: rogerio.souza@hc.fm.usp.br, com Rogério Souza.

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FOTO: Jornal da USP

Pitaya fermentada com probióticos ativa gene que previne inflamações no intestino

Estudo em células abre possibilidades para o uso de alimentos fermentados na regulação da saúde celular por caminhos até então não descritos

A polpa da pitaya vermelha fermentada com as cepas probióticas Lacticaseibacillus paracasei subsp. paracasei F-19 e Bifidobacterium animalis subsp. lactis BB-12 aumentou duas vezes a expressão do gene responsável pela regulação do processo celular conhecido como autofagia – Foto: Frederico Banana/Wikimedia

Conhecida por seus benefícios à saúde, a pitaya vermelha tem despertado o interesse da comunidade científica pelo seu potencial terapêutico. Rica em compostos antioxidantes, como a betacianina e a rutina, que possuem propriedades anti-inflamatórias, a fruta vem sendo estudada por seu possível uso coadjuvante no tratamento de doenças inflamatórias do intestino. Uma pesquisa da USP identificou que a polpa da pitaya vermelha fermentada com probióticos é capaz de ativar o gene ATG16L1, responsável pela regulação da autofagia – processo biológico de “limpeza” celular que remove componentes danificados e ajuda a prevenir inflamações, especialmente no intestino.

A pesquisa foi realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP em parceria com o Food Research Center (FoRC) e utilizou as cepas probióticas Lacticaseibacillus paracasei F-19 e Bifidobacterium animalis BB-12. O resultado foi um aumento de duas vezes na expressão do gene ATG16L1 em células de câncer do cólon cultivadas em laboratório.

De acordo com a autora do estudo, Juliana Yumi Suzuki, essa ativação da autofagia é essencial não só para manter a saúde celular, mas também para ajudar na prevenção de doenças inflamatórias intestinais, como a retrocolite ulcerativa e a doença de Crohn. “Além disso, o processo retarda o envelhecimento celular”, afirma.

Mecanismo alternativo de ativação do gene independe da vitamina D

Um dos achados mais importantes da pesquisa foi a constatação de que a ativação do gene ATG16L1, responsável pela autofagia, ocorreu sem necessidade da participação do receptor de vitamina D, o VDR, que é uma proteína geralmente envolvida nesse tipo de regulação. Juliana explica que, até então, acreditava-se que o VDR fosse essencial para a ativação desse gene, mas os experimentos revelaram um novo mecanismo de ação dos alimentos fermentados.

Segundo o estudo, embora seja mais conhecido por sua atuação na saúde dos ossos, o receptor da vitamina D (VDR) também desempenha papéis importantes no organismo, como regular o sistema imunológico, controlar a multiplicação das células, manter a integridade da barreira do intestino e ajudar a equilibrar a microbiota intestinal. Juliana diz que “o receptor VDR, presente em quase todas as células do organismo — especialmente no intestino delgado e no cólon —, atua como um receptor nuclear e funciona como um ‘interruptor genético’ que regula a expressão de genes quando ativado por alguns tipos de moléculas”. “Por estar amplamente distribuído no organismo, o VDR desempenha diversas funções biológicas, muitas ainda não totalmente compreendidas. Entre seus papéis conhecidos, está a regulação de genes ligados à autofagia, o processo de limpeza celular que remove componentes danificados e ajuda a controlar inflamações”, diz.

“Essa descoberta é relevante, pois abre possibilidades para o uso de alimentos fermentados na regulação da saúde celular por caminhos até então não descritos”, destaca a pesquisadora, que defendeu tese na FCF sob orientação da professora Susana Marta Isay Saad. Os resultados foram publicados na revista científica Food Bioscience.

A escolha de células de câncer colorretal humano nos experimentos foi estratégica, relata a professora Susana, orientadora do estudo. Ela diz que a linhagem HCT-116, embora derivada de tumor de cólon, é amplamente utilizada em pesquisas sobre saúde intestinal, inclusive em estudos que não têm relação direta com o câncer. “As células HCT-116 são um modelo importante porque expressam naturalmente o receptor de vitamina D (VDR), que é o foco principal da investigação”, afirma. Por serem originadas do cólon humano, essas células permitem avaliar como o intestino responde a processos inflamatórios e ajudam a compreender as vias de sinalização envolvidas nesses mecanismos.

Propriedades anti-inflamatórias

De acordo a pesquisa, a pitaya vermelha se destaca por ser rica em betacianinas — pigmentos naturais que dão à fruta sua coloração rosa-avermelhada intensa — e em rutina, um tipo de flavonoide. Estudos anteriores já haviam mostrado que o extrato da fruta reduz lesões no cólon e diminui marcadores inflamatórios em modelos experimentais. Além disso, os probióticos usados no estudo são conhecidos por melhorar a composição da microbiota intestinal e fortalecer o sistema imunológico.

Outro trabalho demonstrou que algumas cepas probióticas também estimulam a expressão do VDR. No entanto, no caso da pitaya fermentada com  F-19 e BB12 a ativação do VDR não ocorreu. Uma das hipóteses, segundo Juliana, é que a rutina presente na fruta não foi convertida em quercetina, composto que normalmente ativa o VDR.

“Outra possibilidade é que a própria fermentação tenha gerado substâncias capazes de inibir ou bloquear esse receptor”, diz, completando que “ainda não se compreende totalmente como esses microrganismos modulam a sinalização do VDR e contribuem para a redução de processos inflamatórios, tema que segue em estudo”.

Entre os resultados, Juliana diz que a descoberta científica mais relevante foi a constatação de que a polpa de pitaya fermentada tanto com os probióticos F-19 quanto BB-12 aumentou a ativação do gene ATG16L1, independentemente do receptor de vitamina D (VDR).

“O resultado revela um mecanismo alternativo e inédito de controle da autofagia, o que abre novas possibilidades para o uso de alimentos fermentados na promoção da saúde celular”, relata a pesquisadora.

Aroma floral de rosas

Além dos efeitos da polpa fermentada, a pesquisadora também analisou os compostos químicos da fruta antes e depois da fermentação. Em comparação com a polpa in natura, as versões fermentadas apresentaram níveis mais elevados de betacianina — pigmento com propriedades antioxidantes — e maior estabilidade desse composto por até 28 dias de armazenamento, o que contribui para a conservação e valor nutricional do produto. Adicionalmente, a fermentação com a cepa F-19 também gerou alterações bioquímicas na formulação, formando o 2-feniletanol, um composto orgânico com propriedades antifúngicas, antimicrobianas e aroma floral suave, semelhante ao de rosas. Segundo a pesquisadora, esse composto pode ser empregado amplamente em indústrias cosméticas, farmacêuticas e alimentícias.

Ainda sobre a aplicabilidade da pesquisa, a professora Susana destaca que os resultados são promissores e podem, no futuro, impulsionar o desenvolvimento de alimentos ou produtos funcionais com alto valor nutritivo, capazes de oferecer os mesmos benefícios observados nos testes laboratoriais. Segundo ela, o estudo também considerou o uso de probióticos em diferentes matrizes alimentares, incluindo opções de origem vegetal. Com isso, ampliam-se as possibilidades de consumo para públicos como veganos, flexitarianos (alimentação predominantemente vegetariana) e pessoas com alergia à proteína do leite.

O artigo Gene expression analysis and metabolomics of red pitaya fermented with probiotic strains: Implications for vitamin D receptor and inflammatory pathways foi publicado na Food Bioscience em junho de 2025.

Mais informações: suzuki.jyumi@gmail.com, com Juliana Yumi Suzuki,  e susaad@usp.br, com Susana Saad

*Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Cranberry em leite fermentado mostra potencial contra infecção urinária

Nova formulação combina os benefícios dos probióticos com os compostos bioativos do cranberry

Pesquisadores da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) e da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), ambas da USP, desenvolveram um leite fermentado probiótico enriquecido com suco de cranberry com potencial para prevenir infecções do trato urinário. A formulação combina os benefícios de bactérias probióticas, presentes no leite fermentado, com os compostos bioativos da cranberry, fruta pesquisada por sua ação na prevenção de infecções urinárias — condição que afeta cerca de 150 milhões de pessoas anualmente no mundo.

Testes laboratoriais indicaram a presença significativa de proantocianidinas, especialmente do tipo A – substância associada à redução da aderência de bactérias como Escherichia coli (E. coli) à parede do trato urinário – e cepas de Lactobacillus acidophilus, conhecidas por contribuir para o equilíbrio da flora intestinal. Em testes de aceitação, a formulação com 5% de suco de cranberry foi a mais bem avaliada pelos consumidores em sabor e intenção de compra.

De acordo com a autora da pesquisa, Karina de Fátima Bimbatti, o tratamento padrão da doença, em casos agudos, envolve antibióticos. No entanto, ela explica que o uso excessivo ou inadequado desses medicamentos tem contribuído para o aumento da resistência bacteriana, o que tem levado cientistas a buscarem alternativas naturais para prevenir reincidência da doença. “A infecção urinária é provocada pela presença de bactérias na urina que atingem a bexiga e outras estruturas do trato urinário. Agravado o quadro, evolui para pielonefrite (infecção renal). O problema é considerado recorrente quando o paciente apresenta mais de dois episódios em seis meses ou mais de três ao longo de um ano”, diz.Em uma revisão sistemática, na qual foram reunidos resultados de outras pesquisas publicadas, Karina encontrou vários achados demonstrando que o extrato de cranberry tinha ação antimicrobiana, não apenas contra a Escherichia coli — principal causadora da infecção urinária —, mas também contra outras bactérias, como Staphylococcus aureusKlebsiella pneumoniaeSerratia marcescens e Enterococcus faecalis, reforçando o potencial da cranberry na prevenção da doença.

O assunto foi descrito em artigo publicado na revista internacional Food Research International e faz parte da pesquisa de mestrado Desenvolvimento de um leite fermentado probiótico com cranberry com potencial para reduzir infecções no trato urinário, realizada na EERP em conjunto com a FZEA e finalizada em agosto de 2024.

Em um primeiro momento, Karina fez uma pesquisa de mercado on-line com 687 participantes para avaliar a frequência de infecções urinárias, a recorrência dos casos e o interesse do público por produtos funcionais voltados à prevenção. Dos respondentes, 79,9% eram mulheres e metade declarou já ter tido infecção urinária em algum momento da vida; 10,8% relataram sofrer com episódios recorrentes. Os dados confirmaram a maior prevalência da doença entre o público feminino. O levantamento também apontou uma boa receptividade a alternativas naturais: 45,7% dos participantes disseram estar dispostos a pagar R$ 5 ou mais por um produto com propriedades funcionais que auxilie na prevenção do problema.

Análises de compostos bioativos

Antes de ser incorporado ao leite fermentado, o suco concentrado de cranberry foi analisado isoladamente para avaliação de suas propriedades e compostos bioativos. Os resultados indicaram que a cada 100 gramas do produto havia a presença de 117 miligramas de proantocianidinas totais e 16 miligramas do tipo A.

Em seguida, foram desenvolvidas três amostras de leite fermentado: uma sem suco de cranberry (C) e duas com 5% (C1) e 10% (C2) de suco, que foram analisadas durante 28 dias de armazenamento em geladeira, com medições periódicas nos dias 1, 7, 14, 21 e 28 para analisar fatores como acidez, pH, sinérese (liberação de soro), capacidade de retenção de água, umidade, cor e teor de proantocianidinas. Ao final desse período, 116 consumidores participaram de testes para avaliar atributos sensoriais, como sabor, aroma, acidez, viscosidade e cor, além da intenção de compra do produto.

Resultados

Foram avaliadas duas formulações da bebida, uma com 5% e outra com 10% do suco e se constatou que ambas apresentaram bons níveis de proantocianidinas — compostos antioxidantes — e crescimento satisfatório do probiótico Lactobacillus acidophilus. As duas versões também tiveram boa aceitação sensorial entre os consumidores, embora a bebida com 5% de suco fosse considerada a mais promissora para futura comercialização porque ela  apresentou o melhor equilíbrio entre benefícios funcionais, estabilidade do produto e sabor. “Já esperávamos que a versão com 5% fosse mais bem-aceita por ser mais adocicada. Como se trata de um alimento pensado para o consumo diário, o sabor é um fator essencial”, diz Karina.

Quanto ao armazenamento da bebida, logo no primeiro dia de armazenamento foi observada uma queda na viabilidade dos Lactobacillus acidophilus: a formulação sem suco tinha 9,74 log UFC/mL, enquanto as versões com 5% e 10% apresentaram 9,34 e 8,95 log UFC/mL, respectivamente. Após 28 dias, a redução foi mais acentuada na amostra com 10% de cranberry, que caiu para 5,04 log UFC/mL — abaixo do valor mínimo recomendado para produtos probióticos. A versão com 5% manteve melhor estabilidade, com 7,11 log UFC/mL.

Karina explica que, para que um alimento seja considerado probiótico, é necessário que contenha pelo menos 6 log UFC/mL (unidades formadoras de colônia de microrganismos vivos) no momento do consumo, quantidade mínima para que os microrganismos cheguem vivos ao intestino e exerçam seus efeitos benéficos à saúde. De acordo com a pesquisadora, o aumento da concentração de cranberry elevou o teor de proantocianidinas, especialmente as do tipo A, associadas à prevenção de infecções urinárias. No entanto, o pH da bebida caiu com o aumento do suco, comprometendo a viabilidade dos probióticos durante o armazenamento e reduzindo a aceitação sensorial, devido ao sabor mais ácido.

Segundo uma das orientadoras da pesquisa, a professora Carmem Sílvia Favaro Trindade, da FZEA, onde foram feitos todos os testes laboratoriais, o desenvolvimento dessa formulação é inovador, pois representa um avanço na área de saúde preventiva e de alimentos funcionais. Ela destaca que o leite fermentado foi desenvolvido considerando o possível efeito sinérgico de um microrganismo probiótico – com potencial para restaurar o equilíbrio da microbiota urogenital – com o do suco concentrado de cranberry com seus compostos bioativos.Apesar dos resultados promissores em laboratório, a professora Carmem ressalta que a eficácia do produto ainda precisa ser comprovada por meio de ensaios clínicos. Além disso, ela aponta que a viabilidade comercial depende do interesse da indústria em levá-lo para o mercado e torná-lo acessível aos consumidores. A orientadora da pesquisa pela EERP foi a professora Fabiana Faleiros Castro.

Infecção urinária

A Infecção do Trato Urinário é considerada um problema de saúde pública global, com cerca de 150 milhões de novos casos registrados anualmente. Na atenção primária, responde por até 20% das infecções tratadas, enquanto no ambiente hospitalar pode representar até 40% dos casos. Pessoas idosas, imunocomprometidas e sexualmente ativas estão entre os grupos mais vulneráveis à doença, que atinge especialmente as mulheres — devido à menor extensão da uretra feminina, que facilita a entrada de bactérias. A infecção é provocada pela presença de microrganismos na urina, que desencadeiam uma resposta inflamatória no revestimento interno do trato urinário. A bactéria Escherichia coli é apontada como a principal responsável, sendo identificada em até 85% dos casos. A condição de saúde pode se tornar recorrente quando o paciente apresenta mais de dois episódios em um intervalo de seis meses ou mais de três ao longo de um ano.

O artigo Development and evaluation of fermented milk with Lactobacillus acidophilus added to concentrated cranberry (Vaccinium macrocarpon) juice with the potential to minimize the recurrence of urinary tract infections está disponível neste link e a dissertação intitulada Desenvolvimento de um leite fermentado probiótico com cranberry com potencial para reduzir infecções no trato urinário pode ser lida aqui.

Mais informações: Karina de Fátima Bimbatti (autora da pesquisa), ka.bimbatti@gmail.com; Fabiana Faleiros Castro, fabifaleiros@eerp.usp.br; e Carmem Sílvia Favaro Trindade, carmenft@usp.br

Tarefas cognitivas têm prioridade quando há atividade física

Em testes, atletas mantiveram precisão e tempo de resposta nas tarefas cognitivas, mas a performance física foi impactada pelas atividades simultâneas

Um estudo realizado pelas pesquisadoras Lara de Souza e Luciane Aparecida Moscaleski, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, analisou como o cérebro reage quando precisa executar, ao mesmo tempo, uma tarefa física e uma tarefa cognitiva. A atividade elétrica do cérebro foi monitorada por eletroencefalograma (EEG), com foco em diferentes faixas de frequência, e medidas de esforço físico e mental, tempo de resposta e precisão em tarefa de controle cognitivo, e desempenho físico foram registradas. Os resultados revelaram que os atletas conseguiram manter a precisão e o tempo de resposta nas tarefas cognitivas, mas a performance física foi impactada durante a tarefa simultânea, sugerindo uma priorização de certas funções cerebrais em relação ao corpo. Quando o corpo está sob pressão, o cérebro parece “roubar a cena”.

A Teoria do Cérebro Egoísta explica que, em momentos de escassez de energia, o cérebro tende a priorizar seu próprio funcionamento para garantir que suas funções essenciais continuem ativas. Essa estratégia faz com que ele direcione a maior parte dos recursos energéticos para si mesmo, mesmo que isso cause uma diminuição no desempenho físico do corpo.

A pesquisa, orientada pelo professor Alexandre Moreira, foi conduzida com 13 atletas que estavam treinando para competições por pelo menos seis meses ininterruptos, entre 18 e 40 anos. Eles participaram de três sessões em laboratório: uma para familiarização e coleta de dados e duas experimentais. Em uma das sessões experimentais, realizaram as tarefas físicas e cognitivas de forma isolada; na outra, executaram as duas simultaneamente. A ordem foi randomizada para evitar interferências.

A tarefa física consistiu em pedalar durante 12 minutos em uma bicicleta ergométrica com carga ajustada para o peso e sexo dos participantes. Após um breve aquecimento, os atletas foram orientados a manter o maior ritmo possível durante todo o exercício, enquanto a cadência era registrada em intervalos regulares. Já a tarefa cognitiva era realizar uma versão adaptada da tarefa de Stroop, na qual os participantes precisavam identificar rapidamente a cor da palavra exibida na tela, ignorando o significado da palavra em si.

Participantes da pesquisa perceberam um esforço mental maior durante o experimento, mas não sentiram maior esforço físico – Foto: Lívia Borges/EEFE

Cérebro egoísta

Quando as tarefas eram feitas de forma simultânea, os dados de EEG mostraram um aumento das ondas cerebrais de baixa frequência (frequências lentas), associadas a atenção distribuída e controle motor, e uma redução das ondas mais rápidas, que modulam comportamentos como o raciocínio lógico, atenção seletiva e memória de trabalho (operacional). Além disso, houve um aumento da razão entre as ondas teta (frequência lenta) e beta (frequência alta) (TBR), marcador que pode indicar maior esforço atencional e carga cognitiva.

Os atletas não relataram maior percepção de esforço físico durante a tarefa combinada, mas um aumento perceptível de carga mental. Isso indica que o corpo pode manter uma sensação de esforço constante, mesmo com queda de desempenho físico, devido à redistribuição interna de recursos.

A forma como os atletas modularam sua cadência durante o exercício físico sugere uma adaptação estratégica: ao perceber o aumento da exigência mental, eles naturalmente reduziram o ritmo físico. Interessantemente, este ajuste no ritmo ocorreu desde o início da atividade simultânea.

Foi possível observar que os resultados corroboram a Teoria do Cérebro Egoísta. Isso porque o ritmo de pedalada variou ao longo do tempo na condição de tarefa simultânea, e foi inferior ao da tarefa física isolada; enquanto na tarefa física isolada o desempenho foi mais constante e o ritmo mais alto, o que sugere que, diante da necessidade de realizar tarefas físicas e mentais ao mesmo tempo, o cérebro tende a direcionar mais energia e recursos para si, mesmo que isso reduza o desempenho físico, como ocorreu no estudo.

O estudo também reforça a necessidade de pensar o desempenho esportivo não apenas do ponto de vista físico, mas também cognitivo e cerebral. Atletas que enfrentam situações de alta exigência mental, como as que ocorrem em competições oficiais, seja nos jogos coletivos, modalidades de combate, modalidades de endurance, ou esportes de precisão, podem se beneficiar ao treinar sob condições de esforço físico e mental simultâneo. Para os autores, treinos que simulam esses desafios, bem como o uso de tecnologias como EEG para monitorar o funcionamento cerebral, podem abrir novos caminhos para otimizar desempenho e prevenir sobrecargas mentais em contextos de alta pressão.

Mesmo com essas descobertas é necessário ter cautela, visto que o número de atletas foi pequeno e envolveu várias modalidades, o que limita as generalizações. Estudos futuros devem confirmar se as medidas do EEG realmente capturam esse “conflito” cérebro-corpo de forma confiável. O artigo The competition between brain and body: Does performing simultaneous cognitive and physical tasks alter the cortical activity of athletes compared to performing these tasks in isolation? foi publicado pela revista Physiology & Behavior e pode ser acessado na íntegra clicando aqui.

*Guilherme Ike, estagiário sob Supervisão de Paula Bassi, Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE. Adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Células de tumor agressivo são eliminadas por composto à base de metal raro

Testado em laboratório por cientistas brasileiros, substância não afeta células saudáveis, podendo abrir caminho para tratamentos mais seguros e eficazes do melanoma

Pesquisadores brasileiros estão mais próximos de oferecer uma nova esperança para o tratamento do melanoma, o tipo mais perigoso de câncer de pele. Em um estudo publicado na revista Pharmaceuticals, os cientistas mostraram que uma substância criada em laboratório, que combina o metal rutênio e uma molécula derivada de um composto orgânico, a antraquinona, foi capaz de interromper o crescimento de células de melanoma e ainda induzir sua morte.

O melanoma é considerado um dos cânceres de pele mais agressivos por sua alta capacidade de se espalhar para outras partes do corpo. Apesar dos avanços recentes em tratamentos como a imunoterapia e medicamentos-alvo, muitos pacientes ainda enfrentam limitações, seja pela baixa resposta clínica ou pelos efeitos colaterais severos. Por isso, o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas segue sendo uma das grandes prioridades da ciência médica.

O composto desenvolvido pelos pesquisadores atua como uma espécie de bloqueio para as células tumorais. Em condições normais, as células do corpo passam por diversas etapas para crescer, se dividir e se multiplicar. O novo composto interrompe esse ciclo logo no início, impedindo que as células do melanoma avancem em sua multiplicação.

Um dos grandes diferenciais desse novo composto é sua seletividade. Enquanto os tratamentos convencionais contra o câncer, como a quimioterapia, costumam afetar tanto células doentes quanto saudáveis, provocando efeitos colaterais como queda de cabelo, náuseas e fadiga, os testes laboratoriais com a nova substância indicaram uma ação preferencial sobre as células de melanoma, com mínima interferência nas células normais.

Composto impede que as células doentes cresçam e se multipliquem, sem afetar as células saudáveis, com interferência mínima nas células normais – Imagem: Extraída do artigo

Menos toxicidade

O rutênio é um metal de transição ainda pouco conhecido pelo grande público, mas que apresenta propriedades químicas interessantes. Diferentemente de outros metais utilizados em terapias anticâncer, como a platina, compostos de rutênio podem ser menos tóxicos e mais eficazes na identificação e destruição seletiva de células tumorais.

O estudo reforça o papel da química medicinal e da química bioinorgânica na criação de moléculas inteligentes, que interagem de maneira mais precisa com alvos celulares, ampliando as possibilidades de tratamentos mais seguros e eficazes. Até o momento, o composto foi testado apenas em células cultivadas em laboratório. Segundo o professor Javier Ellena, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), que participou da pesquisa, ainda será necessário avançar para testes em modelos animais e, posteriormente, em humanos – um processo que pode levar vários anos.

Ainda assim, os cientistas estão otimistas, pois os resultados iniciais apontam para uma estratégia promissora na luta contra o melanoma. Se os próximos testes confirmarem o potencial da substância, ela poderá, no futuro, tornar-se uma alternativa mais eficaz e menos agressiva no combate ao câncer de pele mais perigoso.

Estrutura da molécula do composto criado para atuar contra células tumorais de câncer de pele, que contém rutênio, um metal raro, e um derivado de antraquinona, composto orgânico – Imagem: Extraída do artigo

O estudo contou com a colaboração de pesquisadores de diversas instituições de ensino e pesquisa do País, incluindo o Instituto de Química da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), em Minas Gerais, o Departamento de Ciências Biomédicas da Unifal, o Departamento de Química da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o Instituto de Química (IQ) da USP, o IFSC e o Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), também em Minas. Para acessar o artigo científico completo, publicado na Pharmaceuticals, clique no link.

Mais informações: javiere@ifsc.usp.br, com o professor Javier Ellena

* Por Rui Sintra, da Assessoria de Comunicação do IFSC, adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Alopecia areata: controvérsias na abordagem indicam necessidade de melhores diretrizes

Doença que causa queda de cabelo pode estar associada a outras condições autoimunes; utilização de exames laboratoriais para diagnóstico não é consenso entre especialistas

A alopecia areata é uma condição autoimune que causa a perda de cabelo em placas arredondadas ou ovais, podendo também afetar as sobrancelhas e pelos do corpo de forma variável. Ela é um dos nove tipos de alopecia mais conhecidos, atingindo cerca de 1% a 2% da população.

Porém, a prática clínica ainda enfrenta contradições: algumas diretrizes internacionais de referência, como a da Associação Britânica de Dermatologia (BAD), desaconselham testes laboratoriais de rotina em pacientes com alopecia areata, devido à possível oneração do sistema público. “A solicitação de investigação laboratorial é muito controversa e variável entre especialistas”, afirma Isabella Doche, médica dermatologista e doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina (FM) da USP. Evidências recentes têm associado a este tipo de alopecia outras condições autoimunes, o que preocupa a pesquisadora.

Isabella está entre os três brasileiros que participaram de uma ampla revisão sobre o tema, publicada no Jornal JEADV Clinical Practice. O estudo reuniu dados de 30 especialistas de 14 países e seis continentes, sistematizando informações demográficas sobre os profissionais, os métodos de avaliação da gravidade da alopecia areata e a exigência de exames laboratoriais; 80% dos participantes atuavam com foco em couro cabeludo: embora a tricologia não seja uma subespecialidade reconhecida, ela é parte do hall de doenças de pele e dermatologistas se subespecializam em ambulatórios para conferir tratamentos mais específicos e detalhados para os pacientes.

Os resultados indicam uma alta taxa de testes para condições autoimunes (50,9% testaram rotineiramente, 39,3% em pacientes selecionados). “A função tireoidiana foi o que os colegas mais concordaram (75%) que deve ser pesquisada, e um hemograma completo para avaliar a condição geral de saúde do paciente foi acordado em 66%”, ressalta a médica. O estudo identificou taxas moderadas de testes para condições contributivas, como déficit nutricional (39,7% testaram rotineiramente, 38,8% em pacientes selecionados) e baixas taxas para diagnósticos alternativos (24,3% testaram rotineiramente, 50% em pacientes selecionados).

Os fatores mais decisivos para solicitar exames foram a presença de sintomas sugestivos de condições coexistentes, incerteza diagnóstica, progressão rápida da doença ou resistência ao tratamento e histórico familiar de autoimunidade.

Acompanhamento do diagnóstico

Menos de dois terços (63,6%) dos médicos informaram que se baseiam na Ferramenta de Gravidade da Alopecia (Salt, ou Severity of Alopecia Total Score, em inglês) para realizar o diagnóstico e monitorar a resposta ao tratamento. O Salt é uma escala de avaliação da perda de cabelo que vai de 0 a 100: abaixo de 20, a alopecia é leve; entre 21 e 49, moderada, e acima de 50, grave. “Um gráfico divide o couro cabeludo em quadrantes, e por ali conseguimos determinar a porcentagem de acometimento, a fim de uniformizar a gravidade da doença entre os especialistas”, explica Isabella. Acima do Salt 50, passam a ser indicados os inibidores da Janus quinase (JAK) – enzimas que desempenham papel fundamental na ativação de proteínas e na sinalização celular.

Apenas 38% utiliza o Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQI, Dermatology Life Quality Index), questionário que visa a mensurar as repercussões da doença na vida, bem-estar e saúde mental do paciente. “Ele aborda diversas questões sociais, emocionais e laborais do paciente, determinando, nos últimos sete dias, o impacto da condição na vida do doente”, informa a pesquisadora. “Um paciente que tenha pouco acometimento clínico pode ter muito impacto emocional ou vice-versa.”

Acompanhamento do diagnóstico

Pesquisas recentes demonstraram que a alopecia areata pode ter repercussões sistêmicas que vão além dos sintomas locais. “Muitos trabalhos defendem que a alopecia areata pode vir associada a outras doenças autoimunes com maior frequência, como doenças da tireoide (tireoidite de Hashimoto), distúrbios metabólicos, cardiovasculares e psiquiátricos”, relata Isabella. Levantamentos indicam que a doença da tireoide afeta aproximadamente 14% dos pacientes com alopecia areata.

Apesar de ser uma doença inflamatória com predisposição genética, fatores emocionais, traumas físicos e quadros infecciosos podem desencadear ou agravar um quadro. “Se questiona muito se o estresse causa alopecia areata, ou a alopecia areata causa estresse”, afirma Isabella.

A pesquisadora acrescenta que a evolução da alopecia areata é imprevisível: em muitos casos o cabelo volta a crescer novamente sem intervenção médica. “Em até um ano, 50% dos casos repilam espontaneamente, e muitas vezes pacientes da rede pública nem conseguiram uma consulta a tempo para fazer o diagnóstico”, aponta a cientista.

Isso porque a doença não destrói os folículos pilosos, o sistema imunológico do corpo apenas os mantêm inativos e interrompe o crescimento do cabelo – Imagem: Freepik

Entretanto, novos surtos podem ocorrer, e estudos sugerem que cerca de 5% dos pacientes perdem todos os pelos do corpo. A pesquisadora ressalta que a queda do cabelo, principalmente em mulheres, está intimamente relacionada a questões de saúde mental. A estigmatização social dos pacientes pode causar prejuízos na autoestima e na percepção de si, propiciando condições como ansiedade, isolamento e piora na qualidade de vida.

Frente à essa fragilidade, Isabella faz um alerta sobre os tratamentos não-oficiais que se disseminam na mídia. “Atualmente, temos visto um crescimento preocupante de profissionais que se autointitulam tricologistas ou especialistas em queda de cabelo e que muitas vezes indicam tratamentos sem respaldo científico com promessas falsas de crescimento capilar”, critica. “Estas pessoas desconhecem o processo patológico das doenças e visam somente o lucro nas redes sociais”, afirma.

Inovações no tratamento

A terapia sistêmica convencional para alopecia areata consiste no uso de corticoides e drogas imunossupressoras por via oral ou injeção, com o objetivo de controlar a resposta autoimune do corpo. Contudo, os inibidores da JAK são medicamentos que têm se popularizado no meio acadêmico: eles bloqueiam a atividade de enzimas que atuam na sinalização de citocinas e, consequentemente, na inflamação. Os inibidores já são um tratamento vitalício fornecido pelo SUS para tratar condições reumatológicas, mas vêm ganhando força de evidência também para o tratamento da alopecia areata.

“Eles demonstraram potencial de ajudar diversos pacientes, principalmente aqueles que não tiveram respostas com imunossupressores por um ano”, complementa; 30% a 40% dos pacientes que não eram responsivos, tiveram melhoria nos resultados. “Os testes clínicos foram feitos em pacientes já com doenças resistentes, mas se [a medicação] fosse utilizada em pacientes que não tentaram tratamento convencional, provavelmente o nível de resposta seria maior”, opina.

Atualmente, esse tipo de medicamento é mais comum nos Estados Unidos e nos países europeus, normalmente associado ao tratamento tradicional. No Brasil, embora já tenha aprovação em bula para a alopecia areata, eles podem ser prescritos em consultório particular e mediante judicialização. “Estudos recentes buscam determinar em que momento os inibidores da JAK deveriam entrar no tratamento, e alguns até questionam se não deveriam ser uma medicação de primeira linha para essa doença”, ressalta Isabella.

Os médicos concordaram que é necessário consolidar diretrizes mais coerentes para exames de triagem antes do início da terapia. Isabella complementa que é necessário desenvolver meios mais pragmáticos de avaliar o impacto e a gravidade da alopecia areata nos pacientes — principalmente à medida que a prescrição de inibidores de JAK se torna mais difundida na prática médica.

O artigo COLLAB: A Global Survey of Clinical and Laboratory Assessment in Alopecia Areata by Hair Specialists está disponível on-line e pode ser lido aqui.

Mais informações: isabelladoche@gmail.com, com Isabella Doche

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Associação entre bactérias e luz pode aumentar reação do corpo contra câncer de pele agressivo

Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e da Texas A&M University (Estados Unidos) demonstraram que a combinação de luz, bactérias e células do sistema imune pode ser uma arma poderosa contra um dos mais agressivos tipos de câncer de pele: o melanoma. A ideia é introduzir um estímulo ao sistema imunológico do organismo que possa eliminar o câncer mais rapidamente, combinado com o uso de terapia fotodinâmica (TFD). Os resultados do estudo, realizado em laboratório, são descritos em artigo da revista científica Photodiagnosis and Photodynamic Therapy.

A técnica de fototerapia dinâmica já é conhecida por utilizar substâncias sensíveis à luz (fotossensibilizadores) que, quando ativadas por luz de um comprimento específico, produzem espécies reativas de oxigênio capazes de matar células doentes. Mas os cientistas foram além: criaram um modelo celular que simula o microambiente tumoral, onde colocaram células de melanoma, macrófagos (um tipo de célula de defesa do organismo) e a bactéria Escherichia coli. Ao introduzirem a bactéria no ambiente tumoral, os pesquisadores verificaram uma mudança drástica no comportamento dos macrófagos. Sob efeito da luz e do fotossensibilizador, as células de defesa passaram a “acordar”, intensificando sua capacidade de identificar e destruir as células cancerígenas.

Para a pesquisadora Barbara Detweiler, pós-doutora sob a supervisão do professor Vanderlei Salvador Bagnato e autora principal do estudo, o mais surpreendente foi perceber que o sistema imune respondia melhor quando todos os componentes estavam juntos (macrófagos, bactéria e a luz ativando a fototerapia).

Outro ponto relevante do estudo foi a descoberta de que a ordem em que cada componente é introduzido no sistema influencia diretamente os resultados. Quando os macrófagos eram expostos à luz antes da infecção bacteriana, a eficácia diminuía, porém quando a exposição era simultânea, o efeito era potencializado.

A explicação pode estar no fato de que a bactéria, ao ser atacada, libera substâncias químicas que servem como sinalizadores para o sistema imune agir de forma mais precisa. Esses sinais parecem ser mais efetivos quando são liberados no mesmo momento em que o sistema imune é ativado pela luz. O ponto alto da pesquisa foi quando os cientistas reuniram o melanoma, macrófagos e a bactéria Escherichia coli. Nesse cenário, a fototerapia não só aumentou a toxicidade para as células cancerígenas, como também reduziu drasticamente sua sobrevivência, sendo que a resposta coordenada dos macrófagos foi essencial para esse resultado.

Tratamentos eficazes

Para o professor Bagnato, coautor do estudo, que atualmente também realiza pesquisas nos laboratórios da Texas A&M University, nos Estados Unidos, o achado pode inspirar novas estratégias terapêuticas: “A complexidade do ambiente tumoral muitas vezes é ignorada em estudos simplificados”, destaca o pesquisador. “Aqui mostramos que simular essa complexidade pode levar a tratamentos mais eficazes e, portanto, tornar os experimentos um pouco mais próximos da realidade.”

Apesar de ter sido realizado in vitro, ou seja, fora de organismos vivos, o experimento relatado no artigo oferece uma base promissora para testes em modelos animais e, futuramente, em humanos.

A ideia de usar bactérias inativadas ou modificadas para instigar o sistema imunológico e torná-lo mais eficiente contra o câncer é uma abordagem inovadora, que resgata conceitos da imunoterapia do século 19, agora combinados com alta tecnologia.

Em suma, os cientistas começam a entender melhor como manipular o microambiente tumoral para tornar os tratamentos mais potentes. “O futuro da terapia contra o câncer pode estar exatamente aí, ou seja, no uso inteligente de luz, bactérias e do próprio sistema imune”, conclui Barbara.

Experimentos com animais envolvendo este novo conceito já estão em elaboração no IFSC e na Texas A&M University, relata Bagnato. “O sistema imunológico é uma arma poderosa no combate ao câncer e se pudermos realizar isto de forma natural e sem riscos para o paciente, será fantástico”, planeja.

O artigo Enhancement of activity in the Cancer immune system due to the presence of microcomponents when Exposed to Photodynamic: An in Vitro Experiment foi publicado na revista científica Photodiagnosis and Photodynamic Therapy.

*Texto: Rui Sintra, da Assessoria de Comunicação do IFSC. Adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Fonte: Jornal da USP