Alopecia areata: controvérsias na abordagem indicam necessidade de melhores diretrizes

Doença que causa queda de cabelo pode estar associada a outras condições autoimunes; utilização de exames laboratoriais para diagnóstico não é consenso entre especialistas

A alopecia areata é uma condição autoimune que causa a perda de cabelo em placas arredondadas ou ovais, podendo também afetar as sobrancelhas e pelos do corpo de forma variável. Ela é um dos nove tipos de alopecia mais conhecidos, atingindo cerca de 1% a 2% da população.

Porém, a prática clínica ainda enfrenta contradições: algumas diretrizes internacionais de referência, como a da Associação Britânica de Dermatologia (BAD), desaconselham testes laboratoriais de rotina em pacientes com alopecia areata, devido à possível oneração do sistema público. “A solicitação de investigação laboratorial é muito controversa e variável entre especialistas”, afirma Isabella Doche, médica dermatologista e doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina (FM) da USP. Evidências recentes têm associado a este tipo de alopecia outras condições autoimunes, o que preocupa a pesquisadora.

Isabella está entre os três brasileiros que participaram de uma ampla revisão sobre o tema, publicada no Jornal JEADV Clinical Practice. O estudo reuniu dados de 30 especialistas de 14 países e seis continentes, sistematizando informações demográficas sobre os profissionais, os métodos de avaliação da gravidade da alopecia areata e a exigência de exames laboratoriais; 80% dos participantes atuavam com foco em couro cabeludo: embora a tricologia não seja uma subespecialidade reconhecida, ela é parte do hall de doenças de pele e dermatologistas se subespecializam em ambulatórios para conferir tratamentos mais específicos e detalhados para os pacientes.

Os resultados indicam uma alta taxa de testes para condições autoimunes (50,9% testaram rotineiramente, 39,3% em pacientes selecionados). “A função tireoidiana foi o que os colegas mais concordaram (75%) que deve ser pesquisada, e um hemograma completo para avaliar a condição geral de saúde do paciente foi acordado em 66%”, ressalta a médica. O estudo identificou taxas moderadas de testes para condições contributivas, como déficit nutricional (39,7% testaram rotineiramente, 38,8% em pacientes selecionados) e baixas taxas para diagnósticos alternativos (24,3% testaram rotineiramente, 50% em pacientes selecionados).

Os fatores mais decisivos para solicitar exames foram a presença de sintomas sugestivos de condições coexistentes, incerteza diagnóstica, progressão rápida da doença ou resistência ao tratamento e histórico familiar de autoimunidade.

Acompanhamento do diagnóstico

Menos de dois terços (63,6%) dos médicos informaram que se baseiam na Ferramenta de Gravidade da Alopecia (Salt, ou Severity of Alopecia Total Score, em inglês) para realizar o diagnóstico e monitorar a resposta ao tratamento. O Salt é uma escala de avaliação da perda de cabelo que vai de 0 a 100: abaixo de 20, a alopecia é leve; entre 21 e 49, moderada, e acima de 50, grave. “Um gráfico divide o couro cabeludo em quadrantes, e por ali conseguimos determinar a porcentagem de acometimento, a fim de uniformizar a gravidade da doença entre os especialistas”, explica Isabella. Acima do Salt 50, passam a ser indicados os inibidores da Janus quinase (JAK) – enzimas que desempenham papel fundamental na ativação de proteínas e na sinalização celular.

Apenas 38% utiliza o Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQI, Dermatology Life Quality Index), questionário que visa a mensurar as repercussões da doença na vida, bem-estar e saúde mental do paciente. “Ele aborda diversas questões sociais, emocionais e laborais do paciente, determinando, nos últimos sete dias, o impacto da condição na vida do doente”, informa a pesquisadora. “Um paciente que tenha pouco acometimento clínico pode ter muito impacto emocional ou vice-versa.”

Acompanhamento do diagnóstico

Pesquisas recentes demonstraram que a alopecia areata pode ter repercussões sistêmicas que vão além dos sintomas locais. “Muitos trabalhos defendem que a alopecia areata pode vir associada a outras doenças autoimunes com maior frequência, como doenças da tireoide (tireoidite de Hashimoto), distúrbios metabólicos, cardiovasculares e psiquiátricos”, relata Isabella. Levantamentos indicam que a doença da tireoide afeta aproximadamente 14% dos pacientes com alopecia areata.

Apesar de ser uma doença inflamatória com predisposição genética, fatores emocionais, traumas físicos e quadros infecciosos podem desencadear ou agravar um quadro. “Se questiona muito se o estresse causa alopecia areata, ou a alopecia areata causa estresse”, afirma Isabella.

A pesquisadora acrescenta que a evolução da alopecia areata é imprevisível: em muitos casos o cabelo volta a crescer novamente sem intervenção médica. “Em até um ano, 50% dos casos repilam espontaneamente, e muitas vezes pacientes da rede pública nem conseguiram uma consulta a tempo para fazer o diagnóstico”, aponta a cientista.

Isso porque a doença não destrói os folículos pilosos, o sistema imunológico do corpo apenas os mantêm inativos e interrompe o crescimento do cabelo – Imagem: Freepik

Entretanto, novos surtos podem ocorrer, e estudos sugerem que cerca de 5% dos pacientes perdem todos os pelos do corpo. A pesquisadora ressalta que a queda do cabelo, principalmente em mulheres, está intimamente relacionada a questões de saúde mental. A estigmatização social dos pacientes pode causar prejuízos na autoestima e na percepção de si, propiciando condições como ansiedade, isolamento e piora na qualidade de vida.

Frente à essa fragilidade, Isabella faz um alerta sobre os tratamentos não-oficiais que se disseminam na mídia. “Atualmente, temos visto um crescimento preocupante de profissionais que se autointitulam tricologistas ou especialistas em queda de cabelo e que muitas vezes indicam tratamentos sem respaldo científico com promessas falsas de crescimento capilar”, critica. “Estas pessoas desconhecem o processo patológico das doenças e visam somente o lucro nas redes sociais”, afirma.

Inovações no tratamento

A terapia sistêmica convencional para alopecia areata consiste no uso de corticoides e drogas imunossupressoras por via oral ou injeção, com o objetivo de controlar a resposta autoimune do corpo. Contudo, os inibidores da JAK são medicamentos que têm se popularizado no meio acadêmico: eles bloqueiam a atividade de enzimas que atuam na sinalização de citocinas e, consequentemente, na inflamação. Os inibidores já são um tratamento vitalício fornecido pelo SUS para tratar condições reumatológicas, mas vêm ganhando força de evidência também para o tratamento da alopecia areata.

“Eles demonstraram potencial de ajudar diversos pacientes, principalmente aqueles que não tiveram respostas com imunossupressores por um ano”, complementa; 30% a 40% dos pacientes que não eram responsivos, tiveram melhoria nos resultados. “Os testes clínicos foram feitos em pacientes já com doenças resistentes, mas se [a medicação] fosse utilizada em pacientes que não tentaram tratamento convencional, provavelmente o nível de resposta seria maior”, opina.

Atualmente, esse tipo de medicamento é mais comum nos Estados Unidos e nos países europeus, normalmente associado ao tratamento tradicional. No Brasil, embora já tenha aprovação em bula para a alopecia areata, eles podem ser prescritos em consultório particular e mediante judicialização. “Estudos recentes buscam determinar em que momento os inibidores da JAK deveriam entrar no tratamento, e alguns até questionam se não deveriam ser uma medicação de primeira linha para essa doença”, ressalta Isabella.

Os médicos concordaram que é necessário consolidar diretrizes mais coerentes para exames de triagem antes do início da terapia. Isabella complementa que é necessário desenvolver meios mais pragmáticos de avaliar o impacto e a gravidade da alopecia areata nos pacientes — principalmente à medida que a prescrição de inibidores de JAK se torna mais difundida na prática médica.

O artigo COLLAB: A Global Survey of Clinical and Laboratory Assessment in Alopecia Areata by Hair Specialists está disponível on-line e pode ser lido aqui.

Mais informações: isabelladoche@gmail.com, com Isabella Doche

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Alopecia areata pode ser desencadeada por fatores emocionais

A alopecia areata é uma doença autoimune que causa queda de cabelos, mas qualquer pessoa pode ter após uma crise emocional, por exemplo. A forma mais comum da doença é a localizada, com pequenas falhas, e mais raramente a que se espalha pela cabeça, por isso é importante procurar um especialista assim que as falhas aparecem, segundo o médico dermatologista Marcelo Arnone, da Divisão de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. https://50maissaude.com.br/wp-content/uploads/2022/04/ALOPECIA-AREATA-SANDRA-CAPOMACCIO-1.mp3?_=1

 

A boa notícia é que existe tratamento para a alopecia areata, seja ela crônica ou transitória. Outro ponto positivo é que a doença pode ser tratada no serviço público e não apenas nos consultórios particulares. Marcelo Arnone ressalta que, por ser uma doença de pele, que mexe com a aparência de seus pacientes, muitas vezes afeta a pessoa de forma negativa, trazendo problemas psicológicos.  A alopecia não é contagiosa, é uma doença inflamatória, e fatores emocionais podem desencadear esse distúrbio. A queda acentuada de fios de cabelo pode estar relacionada a vários fatores, como emocionais, condições  inflamatórias e doenças autoimunes. A alopecia, em geral, pode afetar  ambos os sexos, mas é mais  frequente nos homens. O risco de desenvolver a doença é de 2%. A doença pode se manifestar em qualquer faixa de idade. O diagnóstico é feito pelo dermatologista de forma clínica, ou seja, sem necessidade de exames ou biópsias.

Por Sandra Capomaccio

FONTE: Jornal da USP