Obesidade feminina pode estar associada a baixas concentrações de cobalto no sangue

Níveis menores de cobalto no sangue de mulheres com obesidade sugerem que o mineral pode influenciar a regulação genética e o metabolismo, impactando o ganho de peso e doenças associadas

O cobalto é um componente da vitamina B12 (cobalamina) que pode ser encontrado em alguns alimentos como vegetais, chocolate e carnes. Este mineral também é um metal essencial para as tecnologias atuais, sendo amplamente utilizado em baterias de lítio. O que até então não se sabia, e está sendo revelado por pesquisas recentes, é sua possível relação com a obesidade em mulheres.

O estudo multicêntrico Concentração sérica de cobalto e assinaturas de metilação de DNA em mulheres com obesidade, publicado pela revista científica Obesities, observou diferenças significativas nos níveis sanguíneos de cobalto na comparação entre mulheres com e sem obesidade. Identificou também alterações genéticas associadas ao metal, sugerindo que o cobalto pode influenciar processos biológicos relacionados ao metabolismo e ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. Os resultados destacam ainda a importância de considerar fatores ambientais e nutricionais na prevenção e tratamento da obesidade.

As investigações foram conduzidas por pesquisadores da USP, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em Portugal, que analisaram dados de 33 mulheres brasileiras: 16 com obesidade e 17 na faixa normal de IMC (Índice de Massa Corporal). Como principal achado, os cientistas verificaram que os níveis de cobalto no sangue das participantes com obesidade eram muito menores. A deficiência, segundo os pesquisadores, pode estar relacionada à dieta pobre em nutrientes e às alterações metabólicas associadas à obesidade.

O grupo também observou a relação do cobalto com a metilação do DNA, o fator epigenético mais caracterizado que controla a expressão dos genes. A epigenética envolve as alterações genéticas em resposta a estímulos ambientais ou estilo de vida, sem contudo modificar a sequência do DNA, mas que pode influenciar a regulação de um gene (ativando ou desativando a sua atividade) e afetando as funções metabólicas. As diferenças nos padrões de metilação do DNA entre os grupos estudados, adiantam os cientistas, indicam que o cobalto pode desempenhar um papel na regulação epigenética relacionada à progressão da obesidade.

No início da vida, a regulação epigenética é responsável pela diferenciação de células, possibilitando a formação de vários tecidos. Na vida adulta a epigenética tem muita relação com o estilo de vida, como nutrição, atividade física e qualidade do sono, que é capaz de modificar os padrões de metilação – um tipo de modificação química do DNA – seja pelo aumento ou pela diminuição. Esses mecanismos podem estar relacionados à manutenção da saúde e ao desenvolvimento de doenças como, por exemplo, o câncer, explica a professora Carla Barbosa Nonino, do Departamento de Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, responsável pela pesquisa.

Impacto do cobalto no organismo

Segundo Natália Yumi Noronha, doutoranda no Departamento de Clínica Médica da FMRP e orientanda da professora Carla, o cobalto é um mineral essencial para a produção de células do sangue e o funcionamento do sistema nervoso. “O cobalto pode influenciar processos metabólicos, uma vez que uma alimentação pobre em alimentos de origem animal, como carne, leite e ovos, pode acarretar redução do metal no organismo, afetando o metabolismo e possivelmente contribuindo para o ganho de peso e outros problemas de saúde”, afirma.

Ainda segundo Natália, a obesidade está associada a deficiências nutricionais já que, mesmo com um consumo calórico alto, a qualidade da alimentação pode ser inadequada, com baixa ingestão de vitaminas e minerais essenciais. “Os achados do estudo reforçam a importância de investigar não apenas a quantidade de alimentos consumidos pelos pacientes com obesidade, mas também a qualidade, para entender melhor os impactos da dieta na obesidade e na saúde em geral”, diz.

Padrões alimentares e metilação do DNA

Para a professora Carla, o cobalto pode ser considerado essencial ao organismo quando em quantidades adequadas. O excesso, por outro lado, se torna um contaminante. Assim, as causas da deficiência de cobalto na obesidade feminina precisam ser mais bem investigadas com acompanhamento nutricional e clínico. Quanto à epigenética, que explica como o ambiente e o estilo de vida podem alterar o funcionamento de nossos genes, Carla acredita que possa ser mais uma ferramenta para entender as vias metabólicas associadas à obesidade. Segundo a professora, essa ferramenta deve permitir a identificação de padrões alimentares interessantes na ativação e inativação de genes específicos, usando padrões de metilação modificáveis.

Esses resultados devem servir de base para os novos estudos da equipe, agora interessada nos aspectos da obesidade da miscigenada população brasileira. “São escassas as pesquisas sobre metilação do DNA em populações miscigenadas. Além disso, as novas pesquisas também incluirão mais indivíduos e com diferentes condições de saúde, não só a obesidade”, adianta a professora. Seu grupo atualmente trabalha em análises de bioinformática para identificação da ancestralidade. O objetivo é descobrir as origens geográficas e características específicas, “demonstrando como o ambiente pode impactar no desenvolvimento do indivíduo e, potencialmente, o de gerações futuras”, afirma.

O estudo sobre obesidade contou com a colaboração da equipe liderada pelo professor Fernando Barbosa Jr., da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, e foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), através do projeto de pesquisa Do biomonitoramento ao reconhecimento de assinaturas do exposoma humano visando antecipar riscos para uma saúde contínua. Participaram ainda os pesquisadores: Luísa Maria Diani (bolsista da Fapesp que compartilha a primeira autoria do projeto), Guilherme da Silva Rodrigues, Isabela Harumi Yonehara, Vanessa Aparecida Batista Pereira, Marcela Augusta de Souza Pinhel, Lígia Moriguchi Watanabe e Déborah Araújo Morais.

Mais informações: carla@fmrp.usp.br, com a professora Carla Barbosa Nonino

* Estagiário sob orientação de Rita Stella

FONTE: Jornal da USP

Células-tronco mostram potencial para tratar lesões ósseas em pessoas com osteoporose

Pesquisa realizada em células e animais revela como a terapia celular pode regenerar tecido ósseo, abrindo caminho para desenvolver tratamentos mais eficazes para a osteoporose

Uma pesquisa demonstrou que um tipo de célula-tronco encontrada em vários tecidos do corpo humano é capaz de reparar defeitos ósseos em animais com osteoporose. No estudo, foram analisadas as interações entre as células saudáveis e as células osteoporóticas tanto em experimentos in vitro (realizados em um ambiente controlado fora de um organismo vivo) quanto em animais com defeitos ósseos e osteoporose. Os resultados do trabalho da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP estão publicados em artigo na Life Sciences.

A capacidade das células-tronco multipotentes – que podem se diferenciar em vários tipos de tecidos – de induzir regeneração tecidual já é conhecida devido às suas propriedades de autorrenovação e diferenciação. Neste processo, células menos especializadas adquirem funções específicas, neste caso se especializam e se transformam em osteoblastos, que são responsáveis pela formação de tecido ósseo.

O uso de células-tronco mesenquimais no tratamento de lesões ósseas também já é conhecido e promissor, mas a utilização desse tratamento em condições de osteoporose ainda é desafiador. É que o tecido ósseo em condições saudáveis tem uma capacidade regenerativa adequada para restabelecer sua função normal após uma lesão, porém, em presença de osteoporose, o reparo ósseo é prejudicado.

A explicação, segundo especialistas, se deve ao fato de que a osteoporose enfraquece o tecido ósseo, tornando-o menos denso e mais poroso, aumentando o risco de fratura e dificultando o tratamento de lesões. Além disso, a literatura científica indica que a osteoporose afeta negativamente a função das células-tronco mesenquimais, prejudicando sua proliferação e sua capacidade de induzir formação de tecido ósseo.

Relevância da relação células saudáveis com osteoporóticas

Nos experimentos in vitro, as células foram mantidas em coculturas, o que significa que dois tipos de células foram cultivadas juntas em um mesmo ambiente. Neste caso, foi avaliada a interação entre células saudáveis e células osteoporóticas.

O professor da Forp e líder do grupo de pesquisa, Adalberto Luiz Rosa, afirma que avaliar as relações entre esses dois tipos de células é importante pois, no caso da terapia celular, “uma das interações relevantes para o sucesso do tratamento é a das células saudáveis, que são utilizadas como tratamento, sendo recepcionadas pelas células presentes em ambiente acometido pela doença”.

Entre as conclusões obtidas, a partir dos experimentos in vitro, o pesquisador informa que as células-tronco originadas de ratos com osteoporose têm sua capacidade de regeneração reduzida, que é parcialmente recuperada pela interação com células saudáveis. Da mesma maneira, o contrário também é verdade, já que células saudáveis têm seu potencial regenerativo reduzido quando em contato com células osteoporóticas.

Efeito de células-tronco mesenquimais de doadores saudáveis ​​(HE-MSCs) injetadas localmente na formação óssea em defeitos calvários de ratos submetidos à orquiectomia – Foto: Reprodução ScienceDirect

Terapia é mais desafiadora para diabéticos e hipertensos

Nos experimentos in vivo, ratos com osteoporose, nos quais foram criados defeitos ósseos, receberam aplicações de células-tronco mesenquimais, obtidas da medula óssea de ratos jovens saudáveis, diretamente na lesão óssea. O professor destaca que o diferencial da pesquisa foi criar os defeitos ósseos nos animais e aguardar duas semanas para realizar a terapia celular, “o que simula melhor o tratamento de defeitos preexistentes e aproxima nossa abordagem da realidade clínica”.

Como resultado, constataram que as células-tronco induziram a formação de tecido ósseo e, além disso, continuavam detectáveis até cinco dias após a injeção, em contraste com a permanência celular em locais saudáveis, onde permaneceram por até 14 dias. Outros estudos demonstram que o mesmo ocorre em ratos diabéticos e hipertensos, o que “nós atribuímos à presença das doenças, embora não tenhamos nos debruçado sobre os mecanismos envolvidos”, afirma o pesquisador.

Segundo o professor, esse fato indica o quanto o tratamento de defeitos ósseos em portadores de doenças sistêmicas é complexo: “Esses resultados ressaltam que o tratamento de defeitos ósseos pela terapia celular é ainda mais desafiador em pacientes acometidos por essas doenças (diabéticos e hipertensos), mas é viável, uma vez que bons resultados foram obtidos com a terapia celular em animais com osteoporose”.

Potencial para prevenir lesões ósseas

O professor ressalta que os resultados são interessantes, mas ainda devem ser aperfeiçoados: “Nosso estudo focou no tratamento de defeitos ósseos e constatamos que a terapia celular induz formação óssea, mas não regenerou por completo os defeitos”.

Rosa ainda explica que esse tratamento tem potencial para ser um método de prevenção de lesões, apesar de não ser o ideal para o tratamento da osteoporose sistêmica. “Há pesquisas sugerindo que ela poderia ser utilizada naqueles ossos que apresentam maior fragilidade e risco de fraturas”, adianta.

Esses resultados criam expectativas interessantes para um futuro tratamento de lesões ósseas em pessoas com osteoporose, “nossa perspectiva é que nossos resultados contribuam para que no futuro o tratamento de defeitos ósseos com células-tronco e seus derivados seja uma realidade clínica eficaz e acessível aos pacientes que dele necessitem”, finaliza Rosa.

*Estagiário sob orientação de Rita Stella

FONTE: Jornal da USP

Frutose de ultraprocessados em excesso pode alterar intestino, fígado e descontrolar glicose

Excesso de frutose, presente em alimentos ultraprocessados, causa alterações intestinais e está ligado a possível risco de diabetes tipo 2 e doenças no fígado; consumido em frutas, açúcar não gera problemas

Pesquisadores da Université Laval (Ulaval), do Canadá, e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP descobriram que o consumo excessivo de frutose, comum em dietas com alto teor de alimentos ultraprocessados, modifica a forma como o intestino responde à glicose, aumentando a absorção desse açúcar e comprometendo o controle da glicemia. Esses efeitos precedem a intolerância à glicose e o acúmulo de gordura no fígado, dois fatores ligados ao desenvolvimento do diabetes tipo 2 e da Doença Hepática Gordurosa Associada à Disfunção Metabólica (MASLD, na sigla em inglês). O artigo que descreve o estudo, High fructose rewires gut glucose sensing via glucagon-like peptide 2 to impair metabolic regulation in mice, foi capa da edição de março da revista científica Molecular Metabolism.

A pesquisa, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi conduzida pelo pesquisador Paulo Evangelista Silva, doutorando do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Biologia Funcional e Molecular do ICB, em coautoria com Eya Sellami, pesquisadora da Ulaval, e Caio Jordão Teixeira, pós-doutorando do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB. O trabalho foi coordenado por Fernando Forato Anhê, professor assistente da Faculdade de Medicina da Université Laval e pesquisador do Institut Universitaire de Cardiologie et de Pneumologie de Québec (IUCPQ).

No estudo, camundongos foram alimentados durante sete semanas com uma dieta na qual 8,5% da energia vinha da frutose – proporção considerada elevada, mas ainda próxima do consumo humano médio. Em apenas três dias, os animais já apresentavam um aumento na capacidade do intestino de absorver glicose, antes mesmo do surgimento da intolerância à glicose. Após quatro semanas, a glicose já não era eficientemente removida do sangue, e ao fim do estudo, observou-se acúmulo de gordura no fígado, condição que pode evoluir para quadros mais graves, como a cirrose.

Curiosamente, mesmo com esses efeitos adversos, os camundongos não desenvolveram resistência à insulina nos músculos ou no tecido adiposo, indicando que o descontrole glicêmico inicial ocorre por alterações no intestino, e não por falha na resposta insulínica periférica. A explicação para esse fenômeno pode estar na ação de um hormônio chamado GLP-2, produzido por células do intestino. Os pesquisadores constataram que o consumo excessivo de frutose eleva os níveis circulantes de GLP-2, hormônio que estimula o crescimento da superfície intestinal e o aumento da absorção de nutrientes. Ao bloquear o receptor desse hormônio (Glp2r) com uma droga, foi possível impedir o aumento da absorção de glicose, evitando tanto a intolerância quanto o acúmulo de gordura no fígado.

Bloqueio
No entanto, a estratégia de bloqueio do Glp2r não é facilmente aplicável a humanos, pois esse mesmo receptor está envolvido na proteção da barreira intestinal contra infecções e inflamações. Isso reforça a complexidade do papel do GLP-2 na saúde metabólica. “Mostramos que o aumento da absorção de glicose pelo intestino ocorre antes da intolerância à glicose. Isso abre caminho para o uso desse mecanismo como um biomarcador precoce”, afirma o professor Anhê. “O teste de absorção intestinal de glicose é barato, seguro e já utilizado em humanos — bastaria aplicá-lo em um novo contexto.”

Uma nova fase da pesquisa, com apoio do Canadian Institutes of Health Research (CIHR), vai investigar como o microbioma intestinal pode ser manipulado para reduzir os efeitos nocivos do excesso de frutose. O pesquisador Evangelista Silva ressalta que os resultados do estudo se referem ao consumo de frutose adicionada a alimentos ultraprocessados. “Frutas in natura são ricas em fibras, que ajudam a retardar a absorção de glicose e aumentam a saciedade. Além disso, contêm nutrientes benéficos para a saúde intestinal e hepática”, explica.

A pobreza nutricional dos ultraprocessados, com baixo teor de fibras e altos níveis de açúcares adicionados – como o xarope de milho e o açúcar de cana –, sobrecarrega o organismo. Evangelista Silva recomenda priorizar alimentos in natura, conforme orienta o Guia Alimentar para a População Brasileira, desenvolvido pelo Ministério da Saúde com apoio da Opas/Brasil. O açúcar de cana-de-açúcar e o xarope de milho são exemplos de açucares ricos em frutose amplamente utilizados pela indústria em alimentos ultraprocessados.

Alimentos ultraprocessados com alta concentração de frutose incluem refrigerantes e sucos industrializados (mesmo os néctares “100% fruta”), cereais matinais e barras adoçadas, biscoitos recheados e doces industrializados, pães e bolos prontos (como bisnaguinhas e pão de forma), chás prontos e bebidas esportivas adoçadas, molhos industrializados (ketchup, barbecue etc.), iogurtes adoçados, sobremesas lácteas e geleias. O estudo teve apoio das agências Fonds de Recherche du Québec – Santé (FQRS), Fondation IUCPQ e Fapesp.

Da Assessoria de Comunicação do ICB

FONTE: Jornal da USP

Estimulação transcraniana proporciona alta taxa de melhora na depressão resistente

Quase metade das pessoas com depressão acaba desenvolvendo a forma resistente da doença, que não melhora após pelo menos dois tratamentos diferentes. Pesquisadores têm se engajado em fornecer uma resposta mais satisfatória a esses pacientes e seus familiares, que às vezes passam anos tentando diversas terapias e chegam a desistir, com custos individuais e coletivos. Uma nova gama de recursos vem sendo pesquisada, incluindo as chamadas terapias não farmacológicas.

Uma delas acaba de ganhar novo impulso após um estudo clínico feito na USP – a estimulação magnética transcraniana do tipo theta-burst. Por meio da técnica, grandes redes cerebrais são estimuladas com bobinas, em um protocolo que utiliza rajadas rápidas (theta-burst), mas em sessões de curta duração.

Enquanto pesquisas anteriores com esta terapia mostravam resultados promissores, porém preliminares, o protocolo empregado no estudo do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da  Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) proporcionou melhora de quase 55% nos pacientes. Mais do que isso, na fase aberta do estudo (quando já se sabia que estavam sendo tratados e não recebendo placebo) os pacientes receberam sessões adicionais, e 85% dos que completaram o tratamento apresentaram melhora.

“A estimulação magnética transcraniana já tem 30 anos de uso, não é uma técnica experimental. Mas as taxas de resposta foram aumentando ao longo do tempo, com mudanças no protocolo de aplicação [intensidade, duração e frequência]”, conta ao Jornal da USP André Brunoni, professor associado do Departamento de Psiquiatria da FMUSP e coordenador do estudo publicado na Jama Psychiatry, tendo Matheus Rassi Ramos como primeiro autor.

“O tratamento em si é muito seguro, tolerável, não requer anestesia nem sedação, e praticamente não tem efeitos colaterais. A principal desvantagem é que o paciente precisa ir em uma clínica fazer a estimulação”, explica Brunoni.

Evolução da técnica

Nos primeiros anos do uso da estimulação magnética transcraniana, as taxas de resposta eram modestas e havia o complicador adicional das sessões demorarem muito, conta o pesquisador, o que deixava o tratamento acessível a poucos. “Eram feitas sessões de 40 minutos por dia e que duravam 30 dias, de segunda a sexta-feira”, lembra.

Um dos grandes avanços veio com um estudo em 2018, que mostrou que era possível fazer estimulação usando protocolos curtos, de três minutos de duração, ao invés dos usuais 40 minutos de sessão. Depois começaram a vir os protocolos acelerados, que envolviam fazer várias sessões rápidas por dia. E nesse meio tempo, também foi aumentando a taxa de resposta.

Em 2021, surgiu um estudo de um grupo da Universidade de Stanford que teve um grande impacto, ficando conhecido como o Stanford Neuromodulation Therapy (SNT). “Eles alcançaram uma grande eficácia usando um protocolo de 10 sessões por dia, por 5 dias, com intervalo de quase uma hora entre as sessões”, relata o pesquisador. O protocolo incluía a necessidade de fazer neuronavegação personalizada guiada por neuroimagem, um procedimento que tem um alto custo.

A neuroimagem era feita só na primeira sessão para achar a região alvo no cérebro. Mas a neuronavegação tinha que ser feita em todo tratamento, para mostrar onde colocar exatamente a bobina. Além dessa dificuldade, tratava-se de um estudo clínico pequeno, com apenas  29 pacientes. “Então ficou algo em aberto, porque era uma amostra pequena de pacientes, mas por outro lado houve uma grande resposta clínica.”

Nesse contexto, a equipe do IPq desenhou e desenvolveu o estudo atual, liderado pelo aluno de doutorado Matheus Ramos, com orientação de Brunoni.

A pesquisa da USP

O tratamento realizado no IPq, que não realizava neuronavegação e sim medidas com fita, consistia em três sessões por dia de estimulação rápida (theta-burst), com seis minutos de estimulação e 30 de intervalo entre elas. “Então, durava 78 minutos cada dia, durante 15 dias, de segunda a sexta-feira. E o desfecho primário [principal resultado investigado na pesquisa] era a melhora clínica avaliada na quinta semana”, detalha André Brunoni ao Jornal da USP.

Houve uma taxa de resposta maior no grupo ativo, que recebeu o tratamento, comparado ao grupo placebo, que recebia uma simulação da estimulação. 52% dos pacientes no grupo ativo apresentaram resposta clínica dos sintomas de transtorno depressivo, contra 22% no grupo em que o tratamento foi simulado.

Além da maior praticidade para a terapia, o rigor metodológico também é um ponto forte do estudo feito na USP: foram excluídos pacientes que apresentassem outros transtornos psiquiátricos, para evitar uma confusão nos resultados. E além de controlado (com o grupo que recebeu a simulação) o estudo foi randomizado (pacientes que receberam tratamento foram selecionados aleatoriamente) e triplo cego, o que significa que, durante a pesquisa, nem mesmo quem fazia as análises estatísticas sabia a qual grupo se referiam os números obtidos. “Isso é feito para garantir que não haja manipulação de dados, porque se o estatístico sabe os grupos, os pesquisadores podem ir pedindo para fazer uma análise a mais aqui, outra ali, o que pode influenciar nos resultados”, explica o psiquiatra.

Depressão resistente

A definição de depressão resistente ao tratamento varia um pouco na literatura científica, mas normalmente se considera que ocorre quando a pessoa não responde a dois tratamentos e está indo para o terceiro. “Metade dos casos de depressão são refratários de acordo com essa definição – ou seja, o segundo tratamento e o primeiro juntos têm uma eficácia acumulada de 50%”, diz Brunoni.

De acordo com o psiquiatra, muitas pessoas que passam por vários tratamentos acabam desistindo, a depressão tende a se cronificar, comprometendo a qualidade de vida.

“A depressão resistente tem um custo econômico e social bastante relevante. As pessoas começam a faltar mais ao trabalho ou acontece aquilo que é chamado de ‘presenteísmo’, quando a pessoa está oficialmente no local de trabalho, mas na prática não está produzindo.” A condição pode também levar a mais divórcios e, no caso de pais com filhos pequenos, aumentar o risco de depressão nas crianças. “Há uma série de consequências já verificadas.”

Ainda vem sendo estudado o que estaria por trás da resistência ao tratamento, mas uma hipótese com que os pesquisadores que atuam com a eletroestimulação trabalham está relacionada a determinados circuitos cerebrais funcionando mal, e a estimulação ajudaria e recuperar sua função.

“[A hipótese é que] haveria um mau funcionamento de certos neurocircuitos implicados na fisiopatologia da depressão, os principais sendo aqueles que fazem a comunicação do córtex pré-frontal, que é um corpo que fica mais externo, com o córtex cingulado anterior. Parece que há uma disfunção no processamento da informação entre essas duas áreas. E aí até temos a justificativa do uso da neuronavegação com neuroimagem, que é colocar a bobina da estimulação mais próxima dessa área”, detalha o médico ao Jornal da USP.

Apesar de o problema ainda ser desafiador, as perspectivas de novas terapias para a depressão resistente são animadoras. No IPq, a especialidade do grupo coordenado por André Brunoni é a psiquiatria intervencionista, que busca justamente a inovação, com tratamentos que são feitos em apenas poucos centros no mundo todo.

Além da magnética, eles trabalham com outros tipos de estimulação: elétrica por corrente contínua; elétrica por corrente alternada; de luz cintilante; e por laser, chamada de fotobiomodulação. “Temos também outra vertente, que é o uso da cetamina na forma intranasal ou endovenosa”, acrescenta.

Chamada para participação nos estudos

Os cientistas do grupo têm planos de ampliar a pesquisa com a estimulação magnética. “Estamos iniciando novos estudos piloto. E temos um em fase mais avançada, em que iremos randomizar os pacientes para serem tratados ou com navegação personalizada ou com o método tradicional – mas ambos recebendo o tratamento que já demonstra eficácia nesta pesquisa publicada agora”, prevê. Informações sobre participação no estudo no site redcap.link/lux; e pelo e-mail lux.ipq.sin@gmail.com.  A página do grupo no Instagram é @sin.ipq.

O artigo pode ser acessado neste link.

Mais informações: e-mail brunoni@usp.br, com André Brunoni

FONTE: Jornal da USP

Estudo revela caminho para tratar déficits respiratórios em pacientes com Parkinson

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP descobriram um possível caminho para tratar déficits respiratórios em pacientes com Doença de Parkinson – um sintoma pouco estudado, mas que pode levar a complicações graves como a pneumonia, uma das principais causas de óbito nesses pacientes. Embora as dificuldades motoras sejam as manifestações mais conhecidas da doença, a pesquisa revelou que também ocorrem problemas respiratórios durante o sono – o que ainda não possui um tratamento eficaz. O estudo, publicado na revista iScience, mostrou que a estimulação seletiva de um núcleo cerebral foi capaz de reverter essas falhas respiratórias em camundongos, apontando para novas possibilidades terapêuticas.

“As complicações respiratórias no Parkinson geralmente surgem em estágios mais avançados da doença e, por isso, são menos exploradas. Mas elas têm um impacto significativo na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes”, explica a professora Ana Carolina Takakura, coordenadora do estudo. “Nosso objetivo foi entender quando essas alterações acontecem e se há uma forma de revertê-las. Descobrimos que elas ocorrem exclusivamente durante o sono, e conseguimos restaurar a função respiratória nos camundongos estimulando seletivamente um grupo específico de neurônios.”

Coordenado pela professora Takakura, do Departamento de Farmacologia do ICB-USP, o Laboratório Controle Neural Cardiorrespiratório dedica-se há mais de 10 anos ao estudo de problemas respiratórios causados pelo Parkinson. Sua prevalência está relacionada com os casos de pneumonia, uma das principais causas de óbito de pacientes. “Minha formação, desde o doutorado, tem sido voltada para o controle neural da respiração. Quando comecei a estudar o Parkinson, minha pergunta fundamental era: será que, além das regiões do cérebro responsáveis pelos movimentos, as áreas que controlam a respiração também se degeneram?”, explica a pesquisadora.

Ao longo dos anos, os resultados mostraram que sim: em animais — ratos e camundongos — submetidos ao modelo experimental da doença, há uma redução na frequência respiratória, além da degeneração de alguns núcleos específicos que controlam a respiração. O grande avanço do novo estudo, liderado pela pesquisadora Nicole Miranda, foi observar a relação de tudo isso com o sono.

“Apneias respiratórias são uma consequência comum da Doença de Parkinson: afetam, junto de outras alterações no sono, cerca de 70% dos pacientes. E, apesar de serem classificadas dentro de estudos do sono, as apneias também são um problema respiratório”, explica Takakura.

Foi dessa intersecção, notada por Miranda durante seu doutorado, que surgiu a ideia de investigar se as alterações respiratórias observadas nos estudos anteriores tinham alguma relação com o ciclo de sono. Antes, não se sabia se as mudanças na respiração aconteciam quando o animal estava acordado ou dormindo. Os camundongos estudados podiam dormir durante os registros, mas esse fator não era monitorado diretamente. “Foi algo que nunca havíamos medido antes. Com os novos experimentos, conseguimos finalmente estabelecer essa relação, o que abriu uma nova perspectiva para os estudos”, diz Takakura.

Sono e Parkinson: mesmo núcleo do cérebro

O primeiro passo de Miranda foi mapear, por meio de eletroencefalogramas e eletromiografias, as fases de sono dos camundongos e, paralelamente, observar a respiração dos animais. O estudo diferenciou as fases de sono REM (movimento rápido dos olhos) e não REM, que têm características distintas em termos de atividade cerebral e tônus muscular. O que foi constatado é que as alterações na respiração observadas em estudos anteriores não só eram mais expressivas durante o sono, como aconteciam exclusivamente nesse estado. Além disso, foi analisada a quantidade de episódios de apneia, que também foi maior enquanto os animais dormiam.

Com essa informação em mãos, o grupo buscou investigar possibilidades terapêuticas por meio do estímulo seletivo de algum núcleo do cérebro. “Escolhemos o núcleo tegmental látero-dorsal, também chamado de LDT, por ser um núcleo conhecido por sua correlação forte tanto com o sono quanto com a Doença de Parkinson. E, além disso, também se projeta para as regiões respiratórias”, explica a professora.

Para realizar esse estímulo, foi injetado um vírus no núcleo LDT, fazendo com que os neurônios desejados dessa região passassem a expressar um receptor — ou seja, deixando-os “capazes de serem estimulados seletivamente”. Depois, foi aplicado um fármaco, capaz de se ligar exclusivamente ao receptor e que foi responsável por provocar os estímulos nesses neurônios. Dessa forma, as alterações respiratórias foram revertidas, bem como o aumento na quantidade de apneias.

“O núcleo LDT também sofre perda de neurônios devido à Doença de Parkinson, mas vimos que mesmo o estímulo dos neurônios restantes foi suficiente para tratar problemas respiratórios”, diz Takakura. Ela aponta que o metabólito clozapina-N-oxide (CNO) – que é gerado a partir de uma substância injetada e atua ativando seletivamente os neurônios modificados no experimento – ainda precisa ser melhor estudado quanto à segurança e eficácia em humanos.

Denominado quimiogenética, o método ainda é pouco acessível e restrito às pesquisas clínicas, mas pode ser uma possibilidade futura para tratamentos. Segundo a professora, existem, atualmente, outras possibilidades terapêuticas de estímulo cerebral, mas que afetam regiões inteiras e não apenas tipos de neurônios específicos. “Não sabemos se uma estimulação geral teria o mesmo efeito, é algo a ser investigado. De qualquer forma, a estimulação seletiva é sempre melhor, pois elimina efeitos adversos. Existem estudos trabalhando para viabilizar uma estimulação seletiva, e quando isso acontecer, será um grande passo para o tratamento dos sintomas do Parkinson.”

Hoje, um dos tratamentos para o Parkinson é a estimulação cerebral profunda, utilizada para melhorar os sintomas motores da doença. No entanto, essa abordagem não trata diretamente as alterações respiratórias, que continuam sem uma solução terapêutica eficaz. Para o futuro, Takakura pretende caracterizar as alterações de sono em humanos, em uma parceria com o Instituto do Coração (InCor) e com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).

O artigo Sleep-related respiratory disruptions and laterodorsal tegmental nucleus in a mouse model of Parkinson’s disease está acessível neste link.

*Da Assessoria de Comunicação do ICB, adaptado para o Jornal da USP

FONTE: Jornal da USP