Pericardite é mais comum em adultos, mas não está descartada em crianças

Existem várias doenças que podem acometer o coração, um dos órgãos mais importantes do corpo humano. A parede do órgão é constituída por três diferentes camadas, uma delas é o pericárdio, uma membrana que é  uma espécie de saco que envolve o músculo. A pericardite é a inflamação do pericárdio.

A cardiologista Minna Moreira Dias Romano,  professora de Clínica Médica da Faculdade de Medicina  de Ribeirão Preto da USP  (FMRP-USP), explica que a pericardite inflamatória é mais comum, principalmente em adultos, mas não está descartada em crianças.

Em 90% dos casos, a doença é causada por um vírus, como o da gripe, caxumba, catapora ou sarampo,  por exemplo. Nas demais situações, pode ser gerada por bactéria, fungos, alguns parasitas, tumores e doenças reumatológicas.

Dor aguda

O principal sintoma da pericardite aguda é uma dor em pontada, repentina e forte, bem no meio do peito, que varia de intensidade com a mudança de posição: aumenta quando a pessoa deita e diminui quando senta ou inclina o corpo para a frente. Muitas vezes esses sintomas são confundidos com uma virose. Por esse motivo, é importante conhecer todas as manifestações e procurar ajuda médica.

É uma doença séria, que pode trazer muitas complicações na vida do paciente. Dessa maneira, o tratamento deve ser seguido à risca, sob pena de haver recorrência do processo, podendo até levar à necessidade de cirurgia. O exame de imagem  – eletrocardiograma,  ecocardiografia, além da ressonância cardíaca e a tomografia cardíaca – é a melhor maneira de diagnosticar a pericardite, segundo Minna Moreira.

Por Sandra Capomaccio

Fonte: Jornal da USP

Hábito de estalar o pescoço não representa riscos para a saúde

Algumas pessoas possuem a mania de estalar o pescoço e os dedos sempre que podem: seja para aliviar algum desconforto ou pela sensação prazerosa. Mas muitos pensam que estalá-los pode trazer algum problema ou que o barulho significa algo ruim. Esse ato também está relacionado com diversos mitos como AVCs e problemas nas articulações. No senso comum, mania geralmente tem uma conotação ruim. Porém, o pesquisador Daniel Assaz, do Instituto de Psicologia da USP, explica que não é bem assim: “Eu acho que você pode ter uma complicação do significado que essa palavra tem. Mania, em geral, vai estar associada a uma conotação negativa e com algo errado que a pessoa está fazendo, e várias dessas atitudes são coisas inofensivas ou que até nos ajudam a lidar com alguns desafios do dia a dia”. Porém, Assaz também acrescenta que mania não é o termo da literatura psicológica mais correto para atribuir, mas pode ser o mais próximo do dia a dia: “[Não tem um termo específico porque] pode ter diversos significados, diversas intenções, depende da pessoa e depende da situação que a gente está falando”.

Um ponto importante é: talvez a mania em si não seja ruim, mas não controlá-la pode ser um problema. “Alguns hábitos podem se desenvolver em algo mais complicado, que a gente deveria olhar com mais atenção quando isso começa a ganhar uma proporção muito grande ou quando começa a entrar numa dinâmica que se aproxima de certas obsessões ou até comportamentos autolesivos”, explica Assaz. No caso de estalar o pescoço e os dedos, a mesma consideração se aplica, como pontua o professor Arnaldo Hernandez, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da USP: “Normalmente, não tem problema para articulação. A única coisa são aquelas pessoas que têm o hábito de ficar estalando repetidamente a articulação, cada vez ela faz aquele movimento mais forte, mais intenso”.

O som

O som de “crec” quando se estala o pescoço e os dedos não vem de uma quebra de ossos ou algo mais grave. A hipótese científica mais aceita atualmente é a da existência de bolhas no líquido articular: “O líquido articular ou sinovial é um filtrado do nosso sangue e, da mesma forma que o sangue, contém gases que estão diluídos nele como o nitrogênio, o oxigênio e o gás carbônico. Quando a gente faz aquele movimento abrupto com a articulação, a gente cria uma pressão negativa e pode fazer com que esses gases se aglutinem e se juntem, fazendo pequenas bolhas na articulação. Quando ela estoura, pode ter esse ruído, tanto que, quando a gente estala uma articulação, se você tentar estalar logo em seguida, você tem que esperar uns 15 minutos para voltar lá, que é o tempo do gás novamente se dissolver no líquido”, explica Hernandez.

Mitos

Mesmo falando que não há problema em estalar o pescoço e os dedos, muitos mitos ainda circulam. Um deles é: “Estalar o pescoço causa AVC?”. Os AVCs são acidentes vasculares cerebrais, ou seja, alterações no fluxo sanguíneo cerebral responsáveis pela morte de células nervosas da região atingida.

Hernandez explica que estalar o pescoço não é capaz de causar um AVC: “O grande problema é quando as pessoas tentam fazer manobras muito vigorosas, muito intensas para conseguir o estalo e, numa dessas manobras, elas podem machucar essa articulação. Na região cervical é um pouco mais preocupante, mas não causaria um acidente vascular cerebral, é muito pouco provável”.

“Estalar engrossa os dedos” é outra ideia errada do senso comum. O médico Arnaldo Hernandez coloca que o maior problema é o trauma causado na hora de estalar os dedos de forma forçada e não o ato de estalar em si: “A junta engrossar só vai acontecer se você, pela repetição daquele movimento, começar a machucar seu ligamento, começar a ter outras lesões que vão, obviamente, causando alguma cicatriz, alguma fibrose que deixa a articulação mais grossa”.

FONTE: Jornal da USP

Como tranquilizar o estresse de nossas vidas

O estresse é algo muito comum no dia a dia, seja por coisas simples, como bater o mindinho na porta, ou por problemas mais complicados, como dívidas e intrigas. Mas poucas pessoas sabem o que é estresse e como funciona o seu controle pelo nosso organismo.

“O estresse é definido como um estado de quebra do equilíbrio, seja por um estímulo interno ou externo. Em muitos casos, as complicações fisiopatológicas devido ao estresse levam a considerá-lo como um fator desencadeante ou até agravante de muitas doenças“, diz Maria Cândida Villares Fragoso, professora da Faculdade de Medicina da USP e também membro do corpo clínico da disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas.

O que é o estresse?

 

Como a professora comentou, o estresse, do ponto de vista fisiológico, é responsável pela quebra da homeostase, isto é, o equilíbrio interno, químico e físico do organismo. Porém, ele também pode ser observado pelo viés psicológico, como explica o professor Antônio de Pádua Serafim, do Instituto de Psicologia da USP: “Ele depende da tipologia da problemática. O que é uma problemática aos olhos de uns, pode ser uma situação simples para outros”.

O professor ainda acrescenta que o estresse é uma carga tensional psicobiológica, muito relacionada à resposta do organismo ao medo e situações ameaçadoras. As diferentes vivências e percepções fazem com que as pessoas reajam de formas distintas, mas as reações emocionais mais comuns são o aumento da ansiedade, do medo, da atenção e da fragilidade.

Sistema de resposta

Mas por que nós temos alguma reação ao estresse? A professora Maria Cândida explica que o nosso corpo possui um sistema de resposta a ele controlado por hormônios: “A organização neuroendócrina desse sistema de resposta ao estresse envolve o eixo hipotálamo, hipófise e adrenal e também o locus cœruleus”.

Conhecido como cerúleo, o locus cœruleus é uma estrutura do cérebro humano, localizada na massa cinzenta, e é formado por um aglomerado de neurônios capazes de sintetizar e produzir quantidades significativas de, especialmente, noradrenalina. Ele é fundamental no desencadeamento da resposta ao estresse e nas situações de perigo e fuga. Quanto à questão diretamente hormonal, a adrenalina e o cortisol, ambos produzidos pelas glândulas adrenais, são os responsáveis mais conhecidos pelo controle do estresse. O cortisol induz a produção de adrenalina, porém, caso ele se mantenha num nível elevado por um longo período, a professora adverte: “Quando um organismo tenta manter a homeostase frente aos diferentes desafios que o organismo tenta responder, se a carga for muito prolongada, pode levar a doenças e a uma situação de estresse crônico”.

Controle

O Brasil, segundo dados da Associação Internacional do Controle do Estresse, ocupa o segundo lugar no mundo com o maior nível de estresse. Serafim comenta sobre o fator ambiental ser uma das causas do aumento do estresse: “Ele naturalmente vai afetar as pessoas, mas, quando você tem um ambiente que favorece, ele passa a ser um fator causal e até moderador do agravo desses quadros. Ou seja, ambientes que geram instabilidade, que geram vulnerabilidade às populações são ambientes causadores e desencadeadores do estresse”. O professor complementa explicando que uma forma importante de reduzir o estresse é identificando quais são os fatores desencadeadores.

A professora Maria Cândida acrescenta a naturalidade do estresse e a necessidade de nos adaptarmos a ele na atual sociedade: “Essa é a grande questão da sociedade moderna: como equilibrar o crescimento do nível de estresse, seja por qualquer motivação? É preciso adaptar-se a essa situação que é constante na nossa vida através da utilização de modelos melhores de qualidade de vida”. A especialista coloca que uma pausa é necessária para tranquilizar o organismo. Fazer atividades físicas, ter uma boa alimentação, obter tempo para si mesmo e fazer coisas que goste são algumas opções: “Cada um tem que descobrir o quanto deve ser feito para diminuir esse estímulo estressor, para que não apresentem efeitos maléficos comprometendo o bem-estar e, consequentemente, a qualidade de vida. É preciso buscar essa adaptação, porque não temos como tirar o estresse da vida”.

Entenda a toxoplasmose

Desconhecida por boa parte da população, a infecção pelo protozoário Toxoplasma gondii (toxoplasmose) é um problema de saúde pública significativo. Para disseminar informações sobre a doença, pesquisadores elaboraram uma animação didática que explica como o parasita se reproduz. A professora Hilda Fátima de Jesus Pena, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, participou do projeto em parceria com o Moredun Research Institute, da Escócia.

O vídeo foi desenvolvido pelo estúdio de animação Ping Creates, liderado por Selina Wagner, como parte do projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o UK Research and Innovation e a Moredun Foundation. A iniciativa tem a proposta de investigar as diferenças de virulência das variantes de Toxoplasma gondii e como elas agem no organismo, a fim de promover maior saúde comunitária, segurança alimentar e controle da toxoplasmose. O vídeo foi disponibilizado em inglês e português. “Nós contribuímos com ideias e com a tradução da narração. O vídeo é uma ferramenta educacional incrível para todos os públicos pois é claro, leve e muito informativo”, afirma a professora ao Jornal da USP.

Toxoplasma gondii é um dos parasitas mais bem-sucedidos em infecções no mundo inteiro. Em agosto de 2018, o surto da doença na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, registrou 647 casos confirmados e foi considerado o maior do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a estimativa é de que cerca de metade da população mundial já tenha sido infectada.

Apesar da alta incidência de casos, a doença ainda é desconhecida para grande parte da população e carece de políticas públicas de conscientização e enfrentamento da zoonose. “No Brasil, a maior parte das ações envolvendo a toxoplasmose acontece nas universidades públicas”, afirma Hilda. Ela destaca a falta de ações envolvendo a prevenção da doença em pessoas grávidas, que são as mais vulneráveis à infecção.

A infecção ocorre quando o hospedeiro ingere pela primeira vez um alimento contaminado, o que leva o protozoário até o estômago, onde ele se reproduz rapidamente. O parasita pode ultrapassar as células intestinais e invadir outras unidades do corpo, o que possibilita sua expansão para outros tecidos do organismo. Em resposta à infecção, o sistema imunológico envolve os protozoários em cistos, que podem ficar alocados em diferentes tecidos do hospedeiro pelo resto de sua vida. “Os cistos formam bolsões que envolvem o protozoário, diminuindo a multiplicação do parasita no organismo”, explica Hilda.

A ingestão de carne mal preparada de animais com esses cistos presentes no organismo, bem como de vegetais e água contaminados, é a principal maneira de infecção do protozoário em humanos. Em sistemas imunológicos saudáveis, o parasita não causa sintomas no hospedeiro na maioria dos casos. Pessoas imunossuprimidas, grávidas ou que vivem com o vírus HIV e pacientes em tratamento quimioterápico ou com drogas imunossupressoras para o transplante de órgãos são as mais propensas a apresentarem sintomas mais graves da doença, que incluem febre, dor de cabeça, confusão mental, falta de coordenação e convulsões. No caso de pessoas grávidas, ocorre a transmissão congênita para os bebês, que podem nascer apresentando amarelamento da pele e dos olhos, macrocefalia, microcefalia e crises convulsivas, além da ocorrência de abortamentos.

Água contaminada, carne mal passada de animais com cistos e vegetais infectados são as principais vias de infecção de humanos pelo parasita. A higiene alimentar é a principal forma de prevenção à doença, pois, apesar de já haver vacinas disponíveis para ovinos, imunizantes próprios para humanos e outros animais ainda estão em fase de pesquisa.

A toxoplasmose pode afetar todos os animais, mas atinge, principalmente, os gatos, que se contaminam pela primeira vez ao caçarem presas infectadas. Nesse caso, milhões de ovos parasitários (oocistos) são espalhados através das fezes durante duas semanas e levam alguns dias para amadurecer e tornarem-se infecciosos para outros animais. Apesar disso, a probabilidade de infecção de humanos através dos felinos é baixa.

Mais informações: e-mail hfpena@usp.br, com Hilda Fátima de Jesus Pena

Texto: Pedro Ferreira
Arte: Rebeca Fonseca

FONTE: Jornal da USP

Novo biossensor pode indicar a presença de vírus

Uma pessoa vai à farmácia, compra um pequeno tubo, abre a tampa e coloca um pouco de saliva no interior. Passados cinco minutos ela fica sabendo se contraiu, por um biossensor, algum vírus.

Este poderá ser o cenário em um futuro muito próximo no que diz respeito a um novo teste para a covid-19, que pode ser estendido para outros vírus, graças à criação de um novo biossensor desenvolvido por uma equipe de cientistas do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e de outras instituições. Parte dos resultados desses estudos foi publicada na ACS Applied Materials & Interfaces.

Tendo como principal autora da publicação científica a pesquisadora Elsa Materón, do IFSC, este novo biossensor é constituído por nanopartículas de ouro recobertas com um anticorpo. Ao entrarem em contato com a proteína spike do vírus sars-cov-2, a dispersão com as nanopartículas muda de cor. Isso ocorre mesmo para concentrações baixas do vírus, ou seja, mesmo para os estágios iniciais da doença, quando a carga viral ainda é pequena.

A mudança de cor acontece porque as nanopartículas recobertas com anticorpos se aglomeram em torno do vírus no tubo. Para altas cargas virais, a mudança é facilmente visível, de vermelho para roxo, em apenas cinco minutos. Para pacientes com carga viral baixa, ou seja, que estejam no início da covid-19, a mudança de cor poderá ser quase imperceptível, podendo suscitar dúvidas devido à dificuldade de verificação. Essa dificuldade foi resolvida pelos pesquisadores simplesmente fotografando o tubo com o biossensor usando um telefone celular. As fotos são processadas com um aplicativo específico que permite determinar a carga viral. Tal determinação é feita com uso de inteligência artificial para correlacionar imagens à carga viral.

Para o professor e pesquisador do IFSC, Osvaldo N. Oliveira Jr., que também assina o estudo, “este método é inovador na medida em que permite diagnosticar a covid-19 no início sem usar outros instrumentos, mas apenas um telefone celular. É possível facilmente estender o método para outros vírus, bastando alterar o anticorpo”, pontua o pesquisador.

Contaminação de águas

Além de servir para o diagnóstico da covid, o biossensor pode ser usado para verificar se há contaminação de águas com o vírus sars-cov-2. Nos testes descritos no artigo científico, comprovou-se a determinação da carga viral em águas colocadas diretamente no tubo contendo as nanopartículas (biossensor), sem necessidade de pré-tratamento. Assim, a tecnologia desenvolvida permite um monitoramento rápido de contaminação ambiental, que ajuda a acompanhar a epidemia, sem necessitar de instrumentos ou operadores especializados para as análises.

As pesquisas continuam com testes em voluntários em hospitais de Brasília, cujos resultados têm se mostrado excelentes. Numa bateria de testes, o diagnóstico com o biossensor de nanopartículas teve acerto de 100% em comparação ao padrão de PCR (teste molecular denominado polymerase chain reaction).

Este trabalho foi feito no âmbito do projeto da Rede Nanoimunoteste, coordenada pelo professor Ricardo Bentes de Azevedo, da Universidade de Brasília (UnB), tendo recebido também os apoios da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),  Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp).

Colaboraram neste estudo pesquisadores das seguintes instituições, mencionados no artigo científico: Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP; Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP; Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioanalítica (INCTBio – Campinas); Instituto de Física Gleb Wataghin (Unicamp); Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Laboratório Nacional de Nanotecnologia para a Agricultura (Embrapa – Instrumentação); Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Instituto Nacional do Câncer (RJ); Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), e Departamento de Física da Universidade del Valle, na Colômbia.

Mais informações: e-mail rsintra@gmail.com, na Assessoria do IFSC

Texto: Redação
Arte: Guilherme Castro

FONTE: Jornal da USP

Amnésia digital é fruto do volume de informação disponibilizado pelo avanço tecnológico

O esquecimento de atividades e assuntos corriqueiros pode ter relação com o uso descompensado de telas de computadores, celulares e aparelhos eletrônicos. O fenômeno é denominado “amnésia digital” e ocasiona déficits na capacidade de armazenamento de memória e no declínio cognitivo.

Isso decorre da quantidade de informações disponibilizadas pelas mídias digitais e a velocidade com que o volume de dados é processado pelo cérebro. Com o avanço e a facilidade com que as informações são disponibilizadas para a sociedade, as agendas digitais e os calendários, que marcam datas e eventos importantes, assim como dados necessários, nos deixam em uma situação confortável, levando ao esquecimento de pequenas tarefas, dados ou informações.

Cristiano Nabuco, coordenador do grupo Pro-Amiti do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, explica que o fenômeno decorre da forma como são processadas as informações em nosso cérebro. Ele esclarece que as informações disponibilizadas via internet passam por áreas específicas de leituras de dados, de modo muito ágil e de pouca apreensão.

A maneira como ocorre o processamento dessas informações do meio digital no cérebro é similar às interações cerebrais que fazemos para a solução de um jogo de sete erros. Nabuco explica que esse é um raciocínio mais rápido, diferente daquele realizado quando lemos um livro em material impresso, por exemplo, que precisa de um certo tempo de processamento. “É preciso dar um certo aspecto de atenção. Só que minha atenção não é profunda o suficiente para me fazer consolidar aquilo que estou lendo”, completa ele.

Tecnologia e falhas de memória

Devido à importância desse tempo de processamento, a leitura em aparelhos e telas digitais impede a consolidação da memória de longo prazo, por dispor de uma área do cérebro de apreensão de dados mais veloz. Isso gera a falta de “ancoragem de informações”, ocasionando a chamada amnésia digital, que repercute não apenas na obtenção de dados em longo prazo como na consolidação de informações e dados, estendendo-se para o esquecimento de tarefas simples e rotineiras.

Para a reabilitação e atenuação dos efeitos da tecnologia sobre a memória, Nabuco defende a prática de atividades que envolvam o exercício do foco, em especial as que envolvam concentração. Além disso, evitar atividades multitarefas, que fragmentam a atenção necessária, pode auxiliar no processo de retomada cognitiva.

Por Fernanda Real

FONTE: Jornal da USP

Busca por medicamentos para a saúde mental cresce a cada ano no Brasil

A comercialização de antidepressivos e estabilizadores de humor para tratamento da Saúde Mental cresce a cada ano no Brasil. Conforme dados do Conselho Federal de Farmácia a venda desses medicamentos cresceu cerca de 58% entre os anos de 2017 e 2021. A população brasileira recorre de forma progressiva aos fármacos em situações relacionadas à saúde mental. De acordo com um levantamento divulgado em 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é um dos países mais depressivos e ansiosos do mundo. Cerca de 5,8% da população sofre com a depressão e 9,3% possui problemas com ansiedade. Esses dados podem explicar o “sucesso” de ansiolíticos, antidepressivos e sedativos nos últimos anos.

Wellington Barros da Silva, professor da área de Epidemiologia da Universidade Federal de Sergipe e consultor do Conselho Federal de Farmácia, aborda a atuação dos antidepressivos e estabilizadores de humor no organismo humano: “Esses medicamentos, de uma forma geral, alteram o que nós chamamos de mediadores químicos, substâncias que o nosso organismo produz, responsáveis pelos estágios de humor.” Como, por exemplo, a dopamina e a serotonina, importantes neurotransmissores.

A produção dessas substâncias pelo corpo humano influencia diretamente o estado de humor das pessoas. Problemas como depressão e ansiedade alteram o funcionamento dos mediadores químicos e os medicamentos agem regulando a produção desses mediadores, com o objetivo de estabilizar a condição emocional de quem passa por isso.

Sobre os efeitos dos ansiolíticos e sedativos, Alline Cristina de Campos, professora do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, explica: “Eles vão atuar primeiramente no nosso cérebro, nele existem receptores específicos para esses fármacos. O que os remédios vão fazer é facilitar a inibição do nosso cérebro através de um neurotransmissor chamado Gaba e diminuir a ansiedade.” O Gaba é o ácido aminobutírico, principal neurotransmissor inibidor do sistema nervoso central. Ele atua como indutor de relaxamento e facilitador de concentração.

Por agirem diretamente no sistema nervoso, os antidepressivos e ansiolíticos devem ser utilizados com cuidado. Andréa, nome fictício que utilizamos para identificar uma pessoa que faz uso dos medicamentos, conta os efeitos colaterais do uso do Zolpidem, indicado para atenuar os efeitos de um antidepressivo: “Não deu muito certo, eu tinha muitas alucinações, cheguei a ser atendida pelo Samu por conta delas. Eu tinha amnésia muito forte e esquecia que eu tinha tomado o remédio, algumas vezes eu tomei novamente e as alucinações só aumentaram. Eu tive que ir ao médico porque acabei me tornando um perigo para minha própria vida por conta de tanta alucinação com esse remédio”.

O acompanhamento médico é fundamental para entender e controlar os efeitos desses fármacos. “Quando nós estamos há muito tempo sob o efeito desse medicamento, nosso corpo se acostuma e é como se o nosso cérebro começasse a produzir menores quantidades desses neurotransmissores. Se você retirar abruptamente esse medicamento, vai causar a ausência desse neurotransmissor, não completamente, mas no nível que o nosso cérebro precisa”, alerta a professora Alline. Desse modo, um processo de adaptação é necessário para readaptação do cérebro.

Perigo do uso indiscriminado

Assim como qualquer medicamento, os antidepressivos ou ansiolíticos podem causar a dependência dos pacientes se forem utilizados de forma indiscriminada. Wellington da Silva explica os aspectos fisiológicos desse uso: “Quando há alteração na produção dessas substâncias no organismo, ele tenta se reequilibrar reagindo ao medicamento, porque é uma substância estranha no nosso corpo”. A dependência passa pelas diversas alterações no mecanismo biológico do organismo humano.

Além disso, Silva também menciona os fatores sociais e culturais, em especial da sociedade brasileira. “É o uso abusivo e, muitas vezes, desnecessário de medicamentos que induz você a provocar um desequilíbrio entre o uso desse medicamento e a resposta do organismo. Isso vai provocar o fenômeno que nós chamamos de dependência”, aponta.

Andréa detalha a sua relação com os medicamentos e alerta para a importância de um suporte profissional: “Eu não tinha uma dependência química, mas eu tive uma dependência psicológica dele, às vezes, o fato de eu ter ou não ter é muito significativo na questão da ansiedade. Se eu não tenho remédio, às vezes eu fico ansiosa só pelo fato de não ter, eu gosto da segurança de ter, às vezes eu sinto necessidade de tomá-lo por conta dessa questão psicológica”.

Ela ainda comenta que são remédios muito perigosos, mas necessários em alguns casos. Para Andréa, o principal é saber até que ponto é necessário consumir o medicamento, ter o acompanhamento médico, saber a hora de parar e parar da forma certa. O processo de desmame, que consiste em uma redução gradual da dose para minimizar os efeitos do remédio, é fundamental.

A pandemia ocasionada pelo vírus da covid-19 também foi um fator considerável para o aumento da comercialização desses fármacos. De 2019 para 2020, o crescimento foi de 17% e, de 2020 para 2021, foi de 12%. O período de isolamento social e a incerteza sobre o coronavírus deixaram marcas na sociedade. “É um indício de que a pandemia de fato afetou a saúde mental das pessoas, provavelmente em função de algumas questões, como o confinamento a que nós fomos obrigados a ficar e a própria situação de ansiedade que é provocada por uma doença da qual não se tinha conhecimento nem nada”, indica Wellington da Silva.

Por João Dall’ara

FONTE: Jornal da USP

A saúde deve ser cuidada não só na velhice, mas ao longo da vida

A população brasileira está cada vez mais velha. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2021, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a parcela de pessoas de 60 anos ou mais cresceu em 39,8% entre 2012 e 2021. Com o crescimento desse grupo etário, a sua qualidade de vida durante o envelhecimento depende de uma integração de cuidados individuais, familiares e governamentais.

Em 2012, a população brasileira de 60 anos ou mais era de aproximadamente 23,5 milhões. Nove anos depois, a quantia é de quase 33 milhões, o terceiro grupo mais numeroso das faixas etárias calculadas. Em um recorte de sexo, o feminino prevalece como o mais longevo e cresceu, em média, 30,2% desde a primeira pesquisa.

O cuidado com idosos

Para que os idosos estejam física e mentalmente saudáveis são necessárias as medidas tomadas durante a vida. É o que diz Rosa Chubaci, professora do Departamento de Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP: “Tudo vai depender da ação que o próprio idoso e sua família vai fazer para que esse idoso fique por mais tempo possível saudável e com qualidade de vida”, diz. Ela explica que é preciso fazer um planejamento de rotina de exercícios físicos, de modo que o indivíduo esteja ativo, mas reconhece que uma parcela limitada tem a condição financeira para isso.

A garantia de saúde plena dos idosos começa com atividades físicas, porém, não se restringe a elas. A professora aponta a importância de estabelecer vínculos sociais, além daqueles com os familiares. “Construir novas amizades e incluir também pessoas jovens nesse rol de amigos para que ele tenha esse inter-relacionamento social”, comenta ela. Com esses primeiros passos, ligados ao bom funcionamento cognitivo, a memória e a saúde mental tendem a ser preservadas no processo de envelhecimento.

Rosa vê motivos para o aumento no porcentual de idosos no Brasil: “É o resultado de toda uma política pública em relação à saúde. E, hoje, é comum a longevidade das pessoas”, afirma. Ela desenvolve o raciocínio ao mencionar o avanço da tecnologia em termos de medicamentos, procedimentos e tratamentos de saúde. O incentivo à prática de atividades físicas e alimentação saudável são outros pontos fundamentais no quadro e são consequência da “escolaridade e da informação”, na visão dela: “Tudo isso faz com que nós tenhamos cada vez mais condições de atingirmos 80, 90, 100 anos”.

Em grupos específicos, os cuidados a serem tomados também são específicos. No caso da doença de Alzheimer, que afeta diretamente a memória do indivíduo, a professora conta: “A Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), além de oferecer apoio ao idoso, oferece à família, que muitas vezes não sabe lidar com uma pessoa com demência”. Esquecer das atividades, dos nomes dos familiares e de acontecimentos recentes são exemplos da conduta de pacientes com Alzheimer. Ela ainda indica que a assistência e atendimento a esse público também ocorre em centros de convivência, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e universidades.

A mudança necessária

O envelhecimento e a velhice sofreram uma mudança gradativa, na opinião da professora da EACH: “Hoje, a questão dos idosos tem muito mais direitos sendo atribuídos a essa população e isso faz com que as pessoas mudem seus hábitos diários para que cuidem de si mesmos”. Serviços públicos e privados auxiliam no processo de envelhecimento e Rosa exemplificou com dois deles : o programa Centro-Dia para o idoso (CDI), executado pela Prefeitura Municipal de São Paulo, e as Instituições de Longa Permanência para Idosos (Ilpi).

No primeiro, o idoso dá entrada no acompanhamento pela manhã e vai embora no final da tarde. “Nesses centros de convivência, eles fazem atividades, têm momentos de lazer, exercitam a memória e praticam atividades físicas. Então, esses hábitos estão mudando e as pessoas idosas, como seus familiares, precisam saber que isso é importante para o envelhecimento deles”, esclarece.

Por sua vez, o Ilpi, também conhecido como asilos e casas de repouso, é “um paradigma que está em mudança”, para ela. A melhoria na qualidade e a crescente necessidade das famílias tem rompido com o preconceito na utilização desse espaço de acolhimento de idosos. “Tem um momento da vida em que a família vai precisar desse serviço, não é abandono. É um cuidado que a família vai ter, mas dentro de uma instituição de longa permanência, onde ele [o idoso] vai ter mais qualidade de vida, principalmente no caso de idosos mais dependentes ou mais demenciados”, conclui.

A professora ressalta a necessidade de serviços e políticas públicas que possam ajudar a população a envelhecer melhor. Com assistências voltadas aos idosos e aos seus familiares, ela recomenda que seja considerado o seguinte pensamento: “É sempre importante destacar que o velho não é o outro. O velho é você amanhã”.

Por Tulio Shiraishi

FONTE: Jornal da USP

Qual a diferença entre Doença Renal Crônica e a Injúria Renal Aguda?

Você sabia que, além das doenças renais, também existe a injúria renal?

Os rins têm um importante papel dentro do nosso organismo. Eles devem ser cuidados com muito carinho e atenção para que não sejam prejudicados ao longo da sua vida.

Eles são peças-chave na hora de eliminar as toxinas do seu corpo e deixar tudo em ordem aí dentro, mas, assim como todo órgão, eles requerem alguns cuidados. Isso porque existem diversas doenças que podem afetá-los, bem como injúria renal.

Você sabe a diferença entre eles? Se não souber, vai ficar sabendo agora!

O que é injúria renal aguda?

A injúria renal aguda é uma agressão inesperada e repentina aos rins. Geralmente, é uma agressão temporária, mas que, em alguns casos, pode levar à doença renal crônica. Já conseguiu entender por que estamos falando dos dois no mesmo texto, né?

É uma síndrome caracterizada pela piora na capacidade do rim em excretar as toxinas, aumentando a creatinina e os compostos nitrogenados, como a ureia no sangue.

O nome “injúria” começou a ser usado depois de muito tempo, já que antes era conhecida como insuficiência renal aguda. A mudança ocorreu porque o nome atual representa muito melhor o quadro de agressão dos rins.

Causas da injúria renal aguda

Existem diversos fatores que podem causar a injúria renal aguda, entre eles, temos a redução do fluxo de sangue nos rins, podendo ser resultado de uma grande cirurgia, desidratação severa e ataques cardíacos.

Também temos a injúria no tecido renal causada diretamente, que pode ser resultado de um acidente, intoxicação, infecção grave ou substância radioativa. Outros pontos que podem causar a injúria renal são obstruções na saída da urina, causada, por exemplo, por pedras nos rins.

Sintomas da injúria renal aguda

Como ela pode acontecer em questão de dias, os sintomas podem aparecer de diferentes formas:

  • Redução do volume de urina;
  • Retenção de líquido;
  • Alteração na cor da urina;
  • Redução do volume normal da urina;
  • Cansaço;
  • Falta de concentração;
  • Falta de apetite e vômito.

Apesar disso, em alguns casos, pode não aparecer nenhum sintoma.

Diagnóstico da injúria renal aguda

Para descobrir o diagnóstico da injúria renal, os exames laboratoriais são as melhores opções. Só assim o médico vai conseguir entender melhor a evolução da sua função renal.

Um exame de urina também costuma ser pedido pelo médico, já que ajuda a identificar uma injúria renal inicial e com grande chance de ser reversível. A injúria renal aguda é confirmada pela análise do sangue, avaliando os níveis de creatinina e/ou pela quantidade de urina excretada no tempo de observação.

Diferença entre doença renal e injúria renal

As doenças renais causam alterações que afetam a função renal. Elas podem ser causadas por diversos fatores de risco. Além disso, um paciente com doença renal pode ter a sua função renal perdida definitivamente, coisa que pode acontecer no caso de injúria renal, se ela não for tratada corretamente.

Os sintomas também mudam, sendo os de doença renal crônica:

  • Dificuldade em controlar a pressão arterial;
  • Inchaço;
  • Perda de peso;
  • Falta de apetite;
  • Mudanças na urina;
  • Vômitos e náuseas.

Sendo os últimos cinco, iguais ao da injúria renal.

A importância de cuidar de uma injúria renal é exatamente evitar que ela se torne uma doença renal crônica, prejudicando muito mais a sua função renal e, automaticamente, prejudicando a sua saúde. 4

Tratamento da injúria renal

Depois do tratamento de injúria renal, é comum que a função dos seus rins vá se recuperando e voltando ao normal com o tempo.

As formas de tratamento mais recomendadas para isso são:

  • Verificar fatores que possam causar ou contribuir com a evolução da função renal, como algumas doenças crônicas, por exemplo;
  • Seguir todas as orientações médicas;
  • Ter suporte nutricional para manter uma dieta equilibrada;
  • Tomar os medicamentos recomendados pelo seu médico nas doses corretas.

O FazBem está aqui para ajudar você a entender melhor a importância dos seus rins e como cuidar deles para que nada comprometa a sua função renal.

Além disso, no blog está cheio de conteúdos exclusivos sobre rins, doenças renais e tratamentos. Uma forma de você ficar por dentro de tudo e ter uma jornada de paciente e uma adesão ao tratamento muito mais tranquila e eficiente.

Retorne às consultas e siga as orientações do seu médico. Essa é parte fundamental da sua jornada!

FONTE: Blog Programa Faz Bem

Terapia biofotônica elimina vírus e bactérias de órgãos para transplante

Uma nova técnica que possibilita descontaminar órgãos para transplante com uso de radiação ultravioleta e luz vermelha foi desenvolvida por pesquisadores brasileiros e canadenses e descrita em artigo publicado na revista Nature Communications.

O trabalho conta com apoio da Fapesp e foi parcialmente desenvolvido no Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (Cepof), sediado na Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos.

“Esta técnica biofotônica é revolucionária, pois ajuda a evitar a transmissão de doenças durante transplantes de órgãos”, disse Vanderlei Bagnato, diretor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) e coordenador do Cepof, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela Fapesp.O grupo de Bagnato trabalhou em parceria com pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, que abriga o maior programa de transplante de pulmão do mundo, com 197 cirurgias realizadas em 2018. Segundo o coordenador do serviço, Marcelo Cypel, um dos obstáculos para a realização dos procedimentos é a necessidade de descontaminar os órgãos a serem transplantados, principalmente quando o doador era portador do vírus da hepatite C.

“Já foram realizados dez testes com pacientes [usando a terapia biofotônica]. Em oito casos, a nova técnica se mostrou capaz de reduzir significativamente a carga viral dos órgãos para transplante. Em outros dois, o procedimento praticamente eliminou a presença do vírus”, contou Cypel.

O método foi descrito no artigo Inactivating hepatitis C virus in donor lungs using light therapies during normothermic ex vivo lung perfusion. Os cientistas fizeram uso de luz ultravioleta e de luz vermelha para reduzir a carga viral e bacteriana de órgãos para transplante, evitando que doenças como hepatite sejam transmitidas para os receptores.

Além da Fapesp também financiaram a pesquisa o Canadian Institutes of Health Research, do Toronto General & Western Hospital Foundation, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Segundo Bagnato, a técnica foi inicialmente desenvolvida para tratar pulmões, mas já está sendo adaptada para fígado e rins. “Isso deverá melhorar muito as condições pós-operatórias dos transplantados e, ao mesmo tempo, permitirá aproveitar melhor órgãos que hoje, dependendo do nível de contaminação, são descartados”, disse.

Descontaminação em dois passos

No caso do transplante de pulmão, o órgão a ser transplantado tem o sangue substituído por um líquido de preservação – procedimento conhecido como perfusão, desenvolvido no Canadá por Cypel.

“A perfusão consegue reduzir a carga viral e bacteriana, mas não eliminá-la. Isso obriga o paciente a ser submetido a um tratamento com antibióticos e antivirais nos três meses seguintes ao transplante”, explicou o cientista.

“Pensando em formas de reduzir ainda mais ou eliminar a carga viral dos órgãos para transplante, especificamente o vírus da hepatite C, considerei a possibilidade de usar métodos de descontaminação por luz ultravioleta, que são comuns na descontaminação de sangue, por exemplo. Foi assim, há cerca de quatro anos, que iniciou nossa parceria com Bagnato e sua equipe de São Carlos. Ele e seus parceiros vieram nos visitar, conheceram o problema e, passado apenas um mês, nos enviaram um primeiro protótipo da máquina de descontaminação por radiação ultravioleta”, contou Cypel.

“A técnica de descontaminação biofotônica desenvolvida nos laboratórios de São Carlos consiste de dois procedimentos específicos, que acontecem simultaneamente”, explicou Cristina Kurachi, professora no IFSC e participante do projeto.

Durante o processo de perfusão, enquanto os pesquisadores fazem circular o líquido no pulmão a ser transplantado, adicionam-se moléculas no tecido pulmonar e a descontaminação biofotônica ocorre diretamente no órgão, que é exposto à radiação de luz vermelha com comprimento de onda de 660 nanômetros (nm). Essa radiação, por ação fotodinâmica oxidativa, elimina microrganismos aderidos ao tecido.

Ao mesmo tempo, a carga viral é também carregada pelo líquido circulante, que está em constante descontaminação por receber radiação ultravioleta de comprimento de onda de 254 nm.

“A função da radiação ultravioleta é destruir diretamente os microrganismos por meio do rompimento e da quebra das moléculas presentes em bactérias e vírus. Assim, as bactérias são mortas, e os vírus, totalmente inativados. Já com o banho de luz vermelha a ação de descontaminação ocorre de forma indireta, pela fotossensibilização”, disse Cristina Kurachi.

 

Uma patente foi depositada no Canadá e já existe interesse de duas empresas internacionais em estudar a possibilidade da fabricação e comercialização do equipamento – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Essa terapia biofotônica envolve a introdução de um fármaco fotossensibilizador no líquido da perfusão. A ativação do fármaco requer moléculas de oxigênio (presente nos vírus) e irradiação de luz em um comprimento de onda específico (a luz vermelha de 660 nm). Uma vez que a droga fotossensibilizadora é banhada pela luz vermelha, suas moléculas absorvem energia. Tal energia é transferida às moléculas de oxigênio do vírus, que se tornam extremamente oxidantes, causando danos irreversíveis às membranas e ao material genético de diversas cepas virais, incluindo o vírus da hepatite C (HCV) e da Aids (HIV-1).

“O líquido de preservação da perfusão é especial, muito caro, composto de tal forma a preservar o órgão. Pelo seu custo, utiliza-se uma quantidade mínima nos procedimentos. Agora com a técnica e o equipamento desenvolvidos, com apenas um litro do líquido é possível circular no órgão por centenas de vezes, limpando por completo os contaminantes”, disse Bagnato.

O método foi primeiro testado em pulmões humanos rejeitados para transplante, a fim de verificar se a carga viral nos tecidos poderia ser reduzida pelo banho de radiação. Segundo Cypel, a carga viral caiu drasticamente após o procedimento.

“O passo seguinte foi repetir a técnica em pulmões de porcos, que eram então transplantados, para verificar se o procedimento causava algum tipo de dano bioquímico ou morfológico nos tecidos, o que não ocorreu”, disse Cypel.

Por fim, tiveram início os testes com pacientes. “Nos primeiros dez transplantes que fizemos, a nova técnica eliminou o vírus da hepatite C nos órgãos doados a dois pacientes. Nos outros oito pacientes, a carga viral caiu muito, mas sete dias após a cirurgia o vírus da hepatite voltou a se multiplicar e os pacientes tiveram de receber tratamento antiviral por três meses”, disse.“Foi importante verificar que o vírus, quando não era eliminado, reaparecia nos testes laboratoriais dos pacientes após sete dias. Com essa informação, nós já realizamos outros dois transplantes, nos quais o tratamento antiviral se concentrou na primeira semana posterior à cirurgia. Nos dois casos o vírus foi eliminado”, disse Cypel.

De acordo com Bagnato, o aperfeiçoamento da terapia biofotônica, com a queda da carga viral e bacteriana cada vez mais acentuada, proporcionará melhores chances de sucesso dos transplantes. “Nosso objetivo é que a terapia com luz elimine totalmente os contaminantes bacterianos e virais dos órgãos a serem transplantados. Se conseguirmos, o uso do líquido perfusivo poderá mesmo vir a ser eliminado”, disse.

Toda a parte clínica do trabalho vem sendo realizada pela equipe chefiada por Cypel, em Toronto. Coube aos pesquisadores de São Carlos propor a nova técnica biofotônica, desenvolver os instrumentos e participar das análises dos resultados. Além de Bagnato e Cristina Kurachi, a equipe brasileira tem a participação de Natalia Inada, também do IFSC-USP.

Uma patente foi depositada no Canadá e já existe interesse de duas empresas internacionais em estudar a possibilidade da fabricação e comercialização do equipamento. A equipe trabalha agora para implantar o programa de descontaminação de fígados e rins no Brasil.

“Tudo isso só foi possível graças à filosofia introduzida pelo programa Cepid, da Fapesp, que nos estimula a colaborar internacionalmente e, ao mesmo tempo, gerar conhecimento de relevância prática”, afirmou Bagnato.

O artigo Inactivating hepatitis C virus in donor lungs using light therapies during normothermic ex vivo lung perfusion, de Marcos Galasso, Jordan J. Feld, Yui Watanabe, Mauricio Pipkin, Cara Summers, et.al., pode ser lido em: https://doi.org/10.1038/s41467-018-08261-z.

Peter Moon/Agência Fapesp

FONTE: Jornal da USP