Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos exigem cautela antes de ser prescritos

Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos (MPI) têm se tornado uma preocupação crescente no mundo da medicina. Lincoln Marques, farmacêutico clínico e doutorando da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, explica que esses medicamentos, listados pela Sociedade Norte-Americana de Geriatria desde 1991, são atualizados a cada três anos e trazem riscos específicos para pacientes idosos. “Devemos ficar atentos à idade do paciente e saber se os medicamentos vão trazer mais risco do que benefício. A lista traz aqueles medicamentos que podem trazer mais risco para os pacientes que têm acima de 65 anos”, afirma.

Esses medicamentos incluem aqueles que podem provocar reações adversas significativas, dependendo do grupo do paciente, seja devido ao envelhecimento ou a alterações metabólicas. O especialista destaca que, embora muitos remédios sejam amplamente usados e considerados seguros, a idade avançada e o uso prolongado podem aumentar os riscos, exigindo uma avaliação cuidadosa antes da prescrição.

Consequências de cada medicamento

Além dos efeitos dos MPI, Marques fala sobre a importância da relação risco-benefício na medicina. A escolha de um medicamento não depende apenas de seu potencial para aliviar sintomas, mas também dos efeitos adversos e do perfil do paciente. “Quem prescreve é geralmente o médico, mas a avaliação, principalmente em hospitais, é feita também pelo farmacêutico. Ele também pode estar fazendo análise desse risco-benefício”, pontua.

Ele ainda informa que, na indústria, geralmente os testes desses medicamentos são feitos com pacientes saudáveis, e complementa: “Isso deixa de fora grupos vulneráveis, que seriam as crianças, as gestantes e também os idosos. E aí essa lista sempre traz, a cada três anos, os artigos e estudos que vão sendo publicados em outras populações, para saber que tipos de reações os pacientes estão tendo e, a partir disso, trazer quais são os potencialmente inapropriados”. Segundo o farmacêutico, os medicamentos da parte neurológica, como os para insônia, estão entre os que exigem mais atenção.

Situações específicas dos pacientes

A lista de MPI também é uma referência internacional e amplamente usada no Brasil. O doutorando observa que, com o avanço da idade, aumenta-se o número de medicamentos usados por um paciente, o que pode trazer riscos de interações medicamentosas. “Quando a pessoa vai envelhecendo, alguns desses medicamentos deixam de funcionar da forma mais adequada e quando nós vamos fazer a análise do uso desses medicamentos temos que fazer não só a partir das interações medicamentosas, mas também outras coisas, que seja a reação adversa ou saber se a pessoa tem uma função cognitiva, se ela vai estar sendo prejudicada através desses medicamentos ou não”, comenta.

Marques explica que alguns medicamentos, como os utilizados para colesterol, para terem uma maior efetividade, possuem um prognóstico de vida mais curto, de até no máximo dois anos. “Então, não teria necessidade de adicionar esse medicamento, de manter ele, já que não vai ter tanto benefício assim. Vai trazer mais risco, por exemplo, para os rins do paciente. Eles podem prejudicar. E aí, nós, a equipe de farmácia, em conjunto com a equipe médica, conversamos para conseguir tirar esse medicamento”, afirma.

Além da vigilância com medicamentos específicos, o farmacêutico destaca a importância da personalização do tratamento, considerando fatores como função cognitiva e capacidade de metabolização, que podem ser diferentes em pacientes idosos. Marques reforça que nem todos os medicamentos listados como MPI são proibidos, mas exigem monitoramento rigoroso.

O especialista também reforça a contraindicação da automedicação, sendo necessária a procura da orientação de um profissional adequado. “Mas nem todo médico, nem todo prescritor tem conhecimento dessa lista. Às vezes, ele acaba prescrevendo o medicamento. Por isso que é sempre bom o farmacêutico estar dando uma olhada, porque nós somos treinados para individualizar cada tratamento para cada paciente”, conclui.

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Busca por medicamentos para a saúde mental cresce a cada ano no Brasil

A comercialização de antidepressivos e estabilizadores de humor para tratamento da Saúde Mental cresce a cada ano no Brasil. Conforme dados do Conselho Federal de Farmácia a venda desses medicamentos cresceu cerca de 58% entre os anos de 2017 e 2021. A população brasileira recorre de forma progressiva aos fármacos em situações relacionadas à saúde mental. De acordo com um levantamento divulgado em 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é um dos países mais depressivos e ansiosos do mundo. Cerca de 5,8% da população sofre com a depressão e 9,3% possui problemas com ansiedade. Esses dados podem explicar o “sucesso” de ansiolíticos, antidepressivos e sedativos nos últimos anos.

Wellington Barros da Silva, professor da área de Epidemiologia da Universidade Federal de Sergipe e consultor do Conselho Federal de Farmácia, aborda a atuação dos antidepressivos e estabilizadores de humor no organismo humano: “Esses medicamentos, de uma forma geral, alteram o que nós chamamos de mediadores químicos, substâncias que o nosso organismo produz, responsáveis pelos estágios de humor.” Como, por exemplo, a dopamina e a serotonina, importantes neurotransmissores.

A produção dessas substâncias pelo corpo humano influencia diretamente o estado de humor das pessoas. Problemas como depressão e ansiedade alteram o funcionamento dos mediadores químicos e os medicamentos agem regulando a produção desses mediadores, com o objetivo de estabilizar a condição emocional de quem passa por isso.

Sobre os efeitos dos ansiolíticos e sedativos, Alline Cristina de Campos, professora do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, explica: “Eles vão atuar primeiramente no nosso cérebro, nele existem receptores específicos para esses fármacos. O que os remédios vão fazer é facilitar a inibição do nosso cérebro através de um neurotransmissor chamado Gaba e diminuir a ansiedade.” O Gaba é o ácido aminobutírico, principal neurotransmissor inibidor do sistema nervoso central. Ele atua como indutor de relaxamento e facilitador de concentração.

Por agirem diretamente no sistema nervoso, os antidepressivos e ansiolíticos devem ser utilizados com cuidado. Andréa, nome fictício que utilizamos para identificar uma pessoa que faz uso dos medicamentos, conta os efeitos colaterais do uso do Zolpidem, indicado para atenuar os efeitos de um antidepressivo: “Não deu muito certo, eu tinha muitas alucinações, cheguei a ser atendida pelo Samu por conta delas. Eu tinha amnésia muito forte e esquecia que eu tinha tomado o remédio, algumas vezes eu tomei novamente e as alucinações só aumentaram. Eu tive que ir ao médico porque acabei me tornando um perigo para minha própria vida por conta de tanta alucinação com esse remédio”.

O acompanhamento médico é fundamental para entender e controlar os efeitos desses fármacos. “Quando nós estamos há muito tempo sob o efeito desse medicamento, nosso corpo se acostuma e é como se o nosso cérebro começasse a produzir menores quantidades desses neurotransmissores. Se você retirar abruptamente esse medicamento, vai causar a ausência desse neurotransmissor, não completamente, mas no nível que o nosso cérebro precisa”, alerta a professora Alline. Desse modo, um processo de adaptação é necessário para readaptação do cérebro.

Perigo do uso indiscriminado

Assim como qualquer medicamento, os antidepressivos ou ansiolíticos podem causar a dependência dos pacientes se forem utilizados de forma indiscriminada. Wellington da Silva explica os aspectos fisiológicos desse uso: “Quando há alteração na produção dessas substâncias no organismo, ele tenta se reequilibrar reagindo ao medicamento, porque é uma substância estranha no nosso corpo”. A dependência passa pelas diversas alterações no mecanismo biológico do organismo humano.

Além disso, Silva também menciona os fatores sociais e culturais, em especial da sociedade brasileira. “É o uso abusivo e, muitas vezes, desnecessário de medicamentos que induz você a provocar um desequilíbrio entre o uso desse medicamento e a resposta do organismo. Isso vai provocar o fenômeno que nós chamamos de dependência”, aponta.

Andréa detalha a sua relação com os medicamentos e alerta para a importância de um suporte profissional: “Eu não tinha uma dependência química, mas eu tive uma dependência psicológica dele, às vezes, o fato de eu ter ou não ter é muito significativo na questão da ansiedade. Se eu não tenho remédio, às vezes eu fico ansiosa só pelo fato de não ter, eu gosto da segurança de ter, às vezes eu sinto necessidade de tomá-lo por conta dessa questão psicológica”.

Ela ainda comenta que são remédios muito perigosos, mas necessários em alguns casos. Para Andréa, o principal é saber até que ponto é necessário consumir o medicamento, ter o acompanhamento médico, saber a hora de parar e parar da forma certa. O processo de desmame, que consiste em uma redução gradual da dose para minimizar os efeitos do remédio, é fundamental.

A pandemia ocasionada pelo vírus da covid-19 também foi um fator considerável para o aumento da comercialização desses fármacos. De 2019 para 2020, o crescimento foi de 17% e, de 2020 para 2021, foi de 12%. O período de isolamento social e a incerteza sobre o coronavírus deixaram marcas na sociedade. “É um indício de que a pandemia de fato afetou a saúde mental das pessoas, provavelmente em função de algumas questões, como o confinamento a que nós fomos obrigados a ficar e a própria situação de ansiedade que é provocada por uma doença da qual não se tinha conhecimento nem nada”, indica Wellington da Silva.

Por João Dall’ara

FONTE: Jornal da USP