Tratamento contra câncer de cérebro modifica a forma como o DNA tumoral se comporta

Ao analisar um dos maiores grupos de amostras de pacientes com glioma da literatura científica, pesquisadores da USP observaram alterações em genes relacionados à agressividade do câncer após quimio e radioterapia. Descoberta pode orientar mudanças nas abordagens terapêuticas

Estudo publicado na revista Cancer Research revela que os tratamentos comumente usados no combate ao glioma – um dos tipos mais comuns de câncer no cérebro – podem alterar a forma como o DNA tumoral se comporta e sua agressividade. Segundo os autores, a descoberta pode representar um primeiro passo para modificações na abordagem terapêutica atual.

Os gliomas representam cerca de 42% de todos os tumores cerebrais, incluindo os benignos, e 77% dos malignos, ou seja, aqueles agressivos e incuráveis, de acordo com dados do A. C. Camargo Cancer Center. A incidência da doença, que é rara em crianças, aumenta com a idade, sendo mais comum em pessoas entre 75 e 84 anos.

Uma das características mais relevantes para a classificação da agressividade e gravidade desse tipo de tumor nos pacientes são as chamadas alterações epigenômicas, ou seja, processos bioquímicos que modificam o padrão de expressão dos genes, como a metilação do DNA (adição de um grupo metil à molécula). Tal fato foi constatado anteriormente, em 2016, pelo mesmo grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP que assina o novo artigo.

A pesquisa foi conduzida no Laboratório de Epigênomica do Câncer na FCFRP da USP – Foto: Arquivo pessoal dos pesquisadores

“Observamos nos pacientes com tumores de baixo grau que receberam tratamento uma alteração epigenética que deixou esses tumores parecidos com tumores de alto grau, que são muito mais agressivos; parece então haver uma associação entre o tratamento e as alterações no DNA desses pacientes”, explica Tathiane Malta, primeira autora do estudo e coordenadora do Laboratório de Epigenômica do Câncer da FCFRP da USP. “Agora, precisamos confirmar se essas alterações epigenéticas estão envolvidas na progressão para tumores mais agressivos.”

No estudo atual, realizado no âmbito de um Auxílio à Pesquisa Jovem Pesquisador da Fapesp, os cientistas avaliaram a evolução epigenética dos gliomas em resposta à pressão terapêutica, analisando os resultados de amostras de 132 pacientes. Os dados incluíam informações tanto sobre o tumor primário quanto sobre o recorrente após o tratamento, o que permitiu uma melhor comparação. Trata-se do maior grupo de glioma longitudinal já registrado na literatura científica.

Diversos aspectos relacionados a alterações no epigenoma puderam ser observados, como a maior proliferação de células tumorais, o aumento de células vasculares no tumor e mudanças no microambiente tumoral. No entanto, um se destacou: pacientes IDH1 mutantes (com melhor prognóstico inicial) que foram tratados com quimioterapia ou radioterapia apresentaram maior alteração no epigenoma tumoral.

“Vimos que esses gliomas apresentam níveis iniciais elevados de metilação do DNA, que são progressivamente reduzidos quando há recorrência da doença após a quimio ou radioterapia, e se tornam mais agressivos”, conta Malta. “Já o epigenoma dos pacientes IDH selvagem – os inicialmente mais agressivos – são mais estáveis, com níveis relativamente baixos de metilação, ou seja, nesse caso, os tumores primários são bastante parecidos com os recorrentes, inclusive porque já se encontravam em um grau máximo de agressividade.”

“Isso quer dizer que o tratamento, de alguma forma, modifica esse tumor, e essa mudança está associada à agressividade.”

Mudanças na abordagem terapêutica

De acordo com Malta, ao demonstrar que a regulação epigenética está associada com a progressão do câncer, o trabalho contribui para o melhor entendimento da biologia tumoral e, consequentemente, abre espaço para novas abordagens terapêuticas com esse direcionamento.

Os próximos passos para entender a implicação da descoberta e avaliar seu real impacto no tratamento dos gliomas devem incluir, em um primeiro momento, a realização de tratamentos in vitro em linhagens de tumores e, na sequência, em modelos in vivo para confirmar os resultados já obtidos.

“Como nesse estudo nos baseamos em uma coorte retrospectiva, com dados coletados de muitas instituições e manejos clínicos que passaram por alterações ao longo do tempo, é preciso considerar a presença de diversos vieses.”

O artigo The epigenetic evolution of glioma is determined by the IDH1 mutation status and treatment regimen pode ser lido em: https://aacrjournals.org/cancerres/article/84/5/741/734933/The-Epigenetic-Evolution-of-Glioma-Is-Determined.

*Da Agência Fapesp

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Nanopartículas são esperança para aprimorar diagnóstico de câncer de mama

Estudo multidisciplinar traz abordagem inovadora, demonstrando a viabilidade da aplicação das nanopartículas de óxido de ferro com revestimento polimérico.

O câncer de mama continua a ser uma preocupação global, exercendo um impacto significativo na vida de inúmeras mulheres ao redor do mundo. Entre os desafios enfrentados por pacientes diagnosticadas com esta enfermidade, destaca-se a condição daquelas com alta expressão de HER2, uma proteína encontrada em níveis anormalmente elevados na membrana das células cancerígenas. Tais pacientes enfrentam um risco aumentado de metástase, particularmente para o cérebro, e experimentam uma menor expectativa de vida.

Nesse cenário, um estudo realizado em parceria entre pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Centro Nacional de Pesquisa em Energias e Materiais (CNPEM), do Instituto de Pesquisas Técnológicas (IPT), e do Instituto de Física (IF) da USP, e publicado na revista Nanomedicine, apresenta uma abordagem inovadora para identificar esses pacientes de forma mais rápida e acessível. A pesquisa propõe a utilização de nanopartículas híbridas, compostas de óxido de ferro e com revestimento polimérico, adequadamente funcionalizadas para detectar esse tipo particular de células tumorais, promovendo um potencial promissor no diagnóstico do câncer de mama. Além da ampla e aprimorada caracterização do nanomaterial, a qual contou com o apoio do IF, o estudo oferece resultados sobre sua toxicidade e demonstra a viabilidade de sua aplicação.

O trabalho, que contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Apoio ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (FIPT), teve origem na tese de doutorado de Cyro von Zuben na Unicamp, e representa um exemplo destacado de colaboração multidisciplinar, envolvendo áreas como física, química, biologia e medicina. Tal diversidade reflete também a complexidade do projeto, abrangendo desde a caracterização das propriedades do material até seu potencial aplicação clínica.

Embora represente um avanço encorajador no diagnóstico do câncer de mama, o estudo está em estágios iniciais e enfrenta desafios futuros, como ensaios em animais e amostras humanas. No entanto, os autores acreditam que represente uma esperança tangível para melhorar os resultados clínicos, destacando a importância da colaboração entre diversas áreas e instituições na busca por soluções inovadoras para enfrentar essa doença devastadora.

Acesse o artigo HER2 aptamer-conjugated iron oxide nanoparticles with PDMAEMA-b-PMPC coating for breast cancer cell identification em http://bit.ly/4d3bEEe!

*Comunicação do Instituto de Física com informações dos autores

*Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Preconceito é um problema em casos de câncer de mama na população trans

O câncer de mama é o tipo da doença que mais acomete as mulheres no mundo, presente tanto em países desenvolvidos como subdesenvolvidos, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer. A instituição ainda mostra que a doença ocupa a primeira posição em mortalidade por câncer entre as mulheres no Brasil. Diante dessa gravidade, a campanha de conscientização acerca dos cuidados necessários para um diagnóstico precoce recebe expressiva atenção durante o mês de outubro, em que se recomendam o autoteste e os exames para idades determinadas.

No entanto, ainda há uma falta de reflexão acerca dos perigos do câncer de mama voltados à população não cisgênero, ou seja, aquela que se identifica com o sexo com o qual nasceu. Homens trans, por exemplo, também apresentam chances de desenvolver câncer de mama, mesmo após a mastectomia, e precisam tomar os cuidados necessários, como autoteste, mamografia e exames rotineiros. Além dessa reflexão, Ana Amorim, professora do Programa de Atenção Primária à Saúde da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e presidente da Associação Brasileira Profissional para Saúde Integral de Pessoas Travestis, Transexuais e Intersexo (Abrasitti), aponta que a própria negligência e a dificuldade no acesso aos serviços de saúde por essa população também fazem parte da conscientização sobre o tema.

Barreiras do preconceito 

A própria exclusão social da população não cisgênero, principalmente das pessoas trans, atinge uma série de direitos essenciais, como o acesso à saúde. A professora destaca que essas barreiras não impactam apenas os diagnósticos precoces a partir de exames preventivos, como também afetam a manutenção básica da saúde. “As pessoas têm sintomas e elas tendem a demorar mais para buscar serviços de saúde por conta dessas barreiras sociais que são colocadas para as pessoas trans de uma maneira mais geral”, afirma.

As inúmeras barreiras a essa população se estabelecem no Brasil – país que mais mata pessoas trans no mundo desde 2008, de acordo com os relatórios Trans Murder Monitoring (TMM) da organização Transgender Europe (TGEU). José Roberto Filassi, professor da Faculdade de Medicina da USP e chefe do Setor de Mastologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, chama a atenção para a relação entre a transfobia e a falta de discussão sobre os perigos do câncer de mama nessa população: “Tendo em vista que o Brasil é o campeão mundial de assassinatos de pessoas trans e a expectativa de vida dessa população é de 35 anos, por isso, talvez, o câncer de mama não chame atenção, porque a preocupação começa a aparecer, com maiores chances, nas mulheres após os 40 anos”.

Além da violenta realidade enfrentada por essa parcela, Ana Amorim também alerta sobre as transfobias institucionalizadas nos serviços de saúde, em que se reproduzem negligência e desrespeito aos direitos das pessoas trans. A falta da opção de nome social em prontuários eletrônicos e a restrição de alguns exames de acordo com o sexo de registro da pessoa são exemplos muito comuns no serviço público, segundo a professora.

Essa violência e preconceito, mesmo quando não produzidos pelos agentes de saúde, Ana explica, permanecem presentes nos ambientes dos serviços na forma, na medida em que são alvo de desrespeitos e até mesmo olhares discriminatórios. “Isso também afasta as pessoas trans do serviço de saúde, uma vez que elas não se sentem seguras para estar no serviço e se sentem ainda mais vulnerabilizadas”, aponta a especialista.

Impactos do preconceito

Uma das principais preocupações mencionadas por Ana Amorim trata do atendimento ginecológico, isto é, aquele voltado para questões relacionadas à vulva, vagina, útero, ovários e mamas. Situações de gestação, por exemplo, muitas vezes são enquadradas apenas como um atendimento direcionado à mulher e não a qualquer indivíduo que possua um útero.

“É importante enfatizarmos que identidade de gênero é completamente diferente de características corporais, assim, não é porque uma pessoa tem certo corpo que ela tem certa identidade de gênero”, explica Ana. Assim, essa conduta deve se estender para além da população transexual e englobar qualquer outra identidade de gênero, a fim de promover um serviço de saúde voltado para a necessidade corporal específica de cada um sem vinculá-lo a uma categoria identitária de gênero.

Essa desorganização no momento de atender à população não cisgênero, conforme a professora, pode impactar muito negativamente na saúde mental dos pacientes. “É muito frequente que pessoas trans relatem que os atendimentos em serviços de saúde são grandes motivadores de sintomas ansiosos e de questões que geram problemas emocionais”, pontua.

Formação profissional

O preparo dos profissionais de saúde para atender não só à população trans, mas qualquer outra parcela mais vulnerabilizada da sociedade, se mostra essencial para um atendimento mais efetivo, na visão dos especialistas. O professor Filassi ressalta que o despreparo profissional, ao lado da sensação de insegurança dos pacientes, não será meramente solucionado por meio de decreto e um esforço de diversas frentes será fundamental.

Com tamanha agressão, o registro dessas ocorrências se faz necessário para um diagnóstico melhor do cenário e a possível elaboração de políticas públicas. A professora esclarece a dinâmica dos serviços de saúde e sua importância: “Espero que  as pessoas tenham acesso às informações, que reconheçam os seus direitos e saibam que as ouvidorias nos serviços de saúde são importantes, não só para que haja uma penalidade, caso algo aconteça, mas, principalmente, para que os serviços possam identificar os pontos de fragilidade e melhorar as suas condições”. Além disso, “profissionais de saúde devem tentar estar mais atentos de como podemos oferecer um cuidado não excludente que possibilite que todas as identidades e as populações também se sintam confortáveis em entrar no serviço”, avalia Ana.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Nova técnica identifica “impressão digital” do câncer em amostras de saliva e urina

Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, pesquisadores desenvolveram uma técnica para fazer o diagnóstico de câncer a partir da análise de compostos orgânicos voláteis (VOCs) em amostras de saliva e urina. Com o uso de equipamentos de laboratório, o método transforma as amostras em vapor, de onde são extraídos os compostos voláteis para identificar alterações que servem como “impressões digitais” do câncer. A técnica ainda é experimental, mas os resultados obtidos no estudo abrem perspectivas para que futuramente seja uma opção simples de custo reduzido e não invasiva para diagnosticar diversas formas da doença. O trabalho rendeu um artigo publicado na revista científica Journal of Breath Research.

“Para diagnosticar o câncer, os médicos utilizam diversos exames, como mamografia, tomografia, ressonância magnética, endoscopia, colonoscopia, exames de sangue e biópsia. Esses métodos são seguros e eficazes. No entanto, esses procedimentos costumam ser invasivos, trabalhosos, envolvem custos consideráveis e exigem profissionais altamente qualificados”, disse ao Jornal da USP o farmacêutico bioquímico Bruno Ruiz Brandão da Costa, primeiro autor do artigo. “Sendo assim, muitas vezes os exames diagnósticos não são facilmente acessíveis a todos os tipos de pacientes. Por todos esses motivos, o desenvolvimento de técnicas acessíveis, rápidas e não invasivas de detecção do câncer representa uma demanda crítica e desafiadora em nossa sociedade.”

Costa explica que os compostos orgânicos voláteis (VOCs) são substâncias químicas produzidas naturalmente pelo organismo humano. “No entanto, em casos de doenças como o câncer, ocorrem alterações metabólicas que podem gerar novos VOCs ou modificar a concentração dos que já estão presentes no organismo. Essas mudanças no perfil podem ser detectadas por meio de análises químicas”, afirma. “Neste sentido, o objetivo principal da nossa pesquisa foi comparar o perfil dos VOCs presentes no fluido oral e na urina de pessoas saudáveis e de pacientes com câncer. Com isso, buscamos identificar se existe uma diferença significativa entre o perfil dessas substâncias nos dois grupos, o que poderia ser útil no diagnóstico da doença.”

Durante a pesquisa, foi feita a coleta de amostras de saliva e urina em pessoas saudáveis e em pacientes com câncer de cabeça e pescoço e gastrointestinal (CGI) dos ambulatórios da área de Oncologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP. Após a coleta, as análises foram realizadas no Laboratório de Análises Toxicológicas Forenses do Departamento de Química da FFCLRP.

As amostras eram colocadas em um frasco que era fechado, aquecido e agitado. Como as substâncias de interesse são voláteis, elas passavam para a fase de vapor, também chamada de headspace, que era analisada. “Essas substâncias presentes no headspace eram então injetadas no equipamento de cromatografia em fase gasosa com detector de ionização (GC-FID), o qual realiza a separação desses compostos”, relata Costa. “Após a separação, os compostos são detectados e geram um sinal analítico que chamamos de ‘pico’. O conjunto de picos presentes em toda a análise é chamado de ‘cromatograma’.”

“Impressão digital”

“Para comparar os perfis cromatográficos das amostras, utilizamos análises estatísticas para verificar se há diferenças significativas entre as amostras de pessoas saudáveis e com câncer, identificando assim as ‘assinaturas do câncer’”, diz o pesquisador. “Neste trabalho nós não identificamos as substâncias presentes nas amostras, para isso seria necessário um equipamento muito mais caro. A diferenciação foi feita exclusivamente pelos diferentes perfis dos picos presentes no cromatograma, o que também é chamado de fingerprint, ou uma ‘impressão digital’ do câncer”.

De acordo com Costa, um dos aspectos inovadores da pesquisa é avaliar a eficácia do diagnóstico tanto com os dados obtidos apenas de um material biológico, quanto com ambas as amostras doadas, denominado como “análise híbrida”. “Os modelos individuais que apresentaram os melhores resultados em termos de sensibilidade e especificidade foram o de câncer de cabeça e pescoço em urina, com 84,8% e 82,3%, e o de câncer gastrointestinal em saliva, com 78,6% e 87,5%”, enumera. “Com relação aos modelos híbridos, para câncer de cabeça e pescoço, obtivemos 75,5% de sensibilidade e 88,3% de especificidade. Já para câncer gastrointestinal, os índices foram de 69,8% e 87%.”

“Os dados indicam, por exemplo, que nosso método foi capaz de classificar 84,8% das amostras de urina de pessoas com câncer de cabeça e pescoço como sendo, de fato, de amostras ‘positivas’. Para um estudo preliminar, isso foi considerado muito bom”, observa o pesquisador. “O método desenvolvido é simples, mais barato do que aqueles aplicados atualmente. Além disso, um ponto importantíssimo é que a nossa coleta é não invasiva, realizada de maneira rápida e simples, causando o mínimo desconforto possível para o paciente, muito diferente de um exame de sangue ou biópsia, por exemplo.”

Costa lembra que há uma série de pesquisas, em todo o mundo, relacionadas ao diagnóstico do câncer através da análise dos VOCs. “Contudo, ainda não há nenhum método do tipo sendo adotado, de fato, em uma rotina clínica. Nossos resultados são promissores, porém, o número de voluntários que participaram da pesquisa foi relativamente pequeno”, aponta. “É necessário continuar a pesquisa com um número muito maior de participantes para depois pensar em usar o método nos serviços de saúde. Porém acredito, e espero, que um dia isso possa acontecer.”

Os resultados da pesquisa são descritos no artigo Hybrid volatilomics in cancer diagnosis by HS-GC-FID fingerprinting, publicado na revista científica Journal of Breath Research em 27 de janeiro. Colaboraram com o estudo Ricardo Roberto da Silva, do Núcleo de Pesquisa em Produtos Naturais e Sintéticos (NPPNS) do Departamento de Ciências Biomoleculares da FCFRP; Vítor Luiz Caleffo Piva Bigão, do Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas da FCFRP; Fernanda Maris Peria, da Divisão de Oncologica Clínica da FMRP; e Bruno Spinosa De Martinis, do Departamento de Química da FFCLRP.

Mais informações: e-mail bruno.ruiz.costa@usp.br, com Bruno Ruiz Brandão da Costa

FONTE: Jornal da USP

Inteligência Artificial na prevenção do câncer

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), 705 mil casos da doença são esperados a cada ano até 2025 somente no Brasil. Dentro desse cenário preocupante, pesquisadores do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP estudam o uso de inteligência artificial (IA) por machine learning na predição da mortalidade de pacientes com a doença. O algoritmo informa a equipe médica sobre o risco do paciente evoluir a óbito entre 12 a 24 meses após a data de diagnóstico, garantindo assim um panorama sobre a gravidade de seu estado e quais medidas preventivas específicas devem ser tomadas. A iniciativa é fruto de um financiamento garantido pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo.

De acordo com o doutorando Gabriel Silva, da FSP e pesquisador principal do estudo, os dados obtidos pela IA ficariam disponíveis desde o início do tratamento. “Digamos que o paciente fez os seus exames e voltou no retorno com o médico. Ali o profissional já vai ter algumas informações, por exemplo, quanto ao estadiamento clínico”, explica Gabriel ao Jornal da USP. Estadiar um caso de câncer implica a avaliação de seu grau de disseminação – dado-chave para se identificar pacientes de alto risco.

O pesquisador afirma que a rápida indicação de um caso grave ajudaria no conhecimento antecipado de medidas que possam aumentar a sobrevida de diagnosticados com câncer. “Isso pode ser uma ferramenta muito útil para priorizar o tratamento de determinados pacientes, para identificar qualquer pessoa que tem o maior risco de morrer. O que eu faço com esse paciente hoje? Eu passo ele na frente da fila de tratamento ou esse paciente apresenta um baixíssimo risco de morte e eu consigo priorizar uma outra pessoa em uma situação mais grave?”, explica Gabriel.

A pesquisa contou com o banco de dados do Registro Hospitalar de Câncer (RHC) da Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp), vinculada à Secretaria de Saúde, que tem como objetivo incentivar o estudo e o ensino de atividades de prevenção e detecção precoce do câncer. Apenas pacientes diagnosticados de 2014 a 2017 no Estado de São Paulo foram incluídos no estudo, que abrange todos os cânceres com maior incidência na população brasileira, como o de mama e o de próstata. O câncer de pele não melanoma, por apresentar altos índices de cura, não foi considerado para a pesquisa. Ao todo, 29 mil pacientes tiveram seus perfis analisados por inteligência artificial, sendo que 72,7% foram diagnosticados em hospitais públicos.

A aplicação prática do uso de IA ficaria a cargo da disponibilização das informações no prontuário digital, já utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017. O prontuário já é uma tecnologia que possibilita a consulta do histórico clínico, resultados de exames e dados sobre os pacientes.

O professor Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Labdaps e docente da FSP, explicita os benefícios da implementação da inteligência artificial. “Os algoritmos garantirão um subsídio à equipe médica. Hoje em dia o médico possui muita informação dispersa, mas nada que unifique tudo para dar exatamente o que esse profissional gostaria de saber, que é a gravidade desse paciente.”

A utilização de IA na área da saúde é um campo ainda pouco explorado. A aplicação por machine learning, neste caso, auxilia na tomada de decisões médicas ao utilizar algoritmos para realizar previsões precisas acerca das condições de saúde do paciente em questão. O doutorando aponta os benefícios da inteligência artificial para o campo médico. “O machine learning funciona a partir do aprendizado das regras gerais dos dados. Ao apresentarmos um conjunto de informações, são explicitadas uma série de relações que a olho nu não seriam identificadas”, explica Gabriel.

Agora, os pesquisadores prosseguem para a fase dois do estudo, utilizando uma inteligência artificial 2.0 e adotando um estudo clínico randomizado (com pacientes distribuídos aleatoriamente entre os grupos para evitar vieses). “Nós já descobrimos que esses algoritmos tomam decisões inteligentes na área da saúde. O segundo passo é se perguntar se o profissional de saúde que tem essa informação toma melhores decisões”, afirma o diretor do Labdaps. Além disso, uma possível melhora no prognóstico dos pacientes também será analisada na próxima fase.

O artigo descrevendo o estudo Machine learning for longitudinal mortality risk prediction in patients with malignant neoplasm in São Paulo, Brazil, foi publicado na revista científica Artificial Intelligence in the Life Sciences e faz parte da pesquisa de doutorado de Gabriel Silva.

Mais informações: e-mail gabriel8.silva@usp.br, com Gabriel Silva

Texto: Camilla Almeida
Arte: Carolina Borin Garcia

FONTE: Jornal da USP

3 direitos garantidos por lei à pacientes com câncer

Pacientes acometidos de doenças consideradas graves pela legislação brasileira possuem alguns direitos e garantias especiais que, de alguma forma, buscam aliviar o sofrimento do paciente em questão.  

O câncer (neoplasia maligna) é uma dessas doenças. Vamos te mostrar, de forma simples, como adquirir os principais diretos (FGTS, PIS/PASES e AUXÍLIO-DOENÇA) da forma mais objetiva possível, pois sabemos que seu tempo é precioso.  

O primeiro passo 

Organize uma pasta com diversos documentos (inclusive os laudos comprovando diagnóstico com CID) para tê-los facilmente em mãos quando necessário. Isso vai facilitar bastante sua jornada para adquirir seus direitos.  

1 – FGTS 

É previsto por lei que pacientes com câncer possam fazer saque de seu FGTS. Também é possível sacar ao comprovar ser responsável por um dependente com a patologia. 

A solicitação pode ser feita em qualquer Caixa Econômica Federal (CEF) e, após validação dos documentos, o dinheiro é liberado no prazo de cinco dias úteis, a partir da solicitação.  

O que levar quando for solicitar (via original e cópia): 

  • Carteira de Trabalho ou documento de identificação do trabalhador ou diretor não empregado 
  • PIS/PASEP ou Inscrição de Contribuinte Individual junto ao INSS 
  • Atestado médico com validade de 30 dias, contendo as seguintes informações:  

– Diagnóstico expresso da doença  

– Estágio clínico atual da doença/paciente  

– CID – Classificação Internacional de Doenças.  

– Data, nome, carimbo e CRM do médico com a devida assinatura 

  • Cópia do laudo do exame histopatológico ou anatomopatológico que serviu de base para a elaboração do atestado médico  
  • Comprovante de dependência, no caso de saque para o dependente do titular da conta acometida por neoplasia maligna (câncer)  
  • Atestado de óbito do dependente, caso este tenha vindo a falecer em consequência da doença

2 – PIS/ PASEP 

Se você possuir saldo no Fundo PIS/PASEP, você tem direito a sacar e o dinheiro é liberado em até cinco dias úteis. 

Como saber se tem saldo? 

  • Se você for trabalhador da iniciativa privada, procure a Caixa Econômica Federal e informe-se sobre saldos.  
  • Se você for servidor público, procure pelo Banco do Brasil e informe-se sobre saldos.  

Para solicitação, tenha os documentos já citados para o saque do FGTS e vá até uma Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil.   

3 – Auxílio-doença 

Ao ficar incapacitado de trabalhar em virtude da doença por mais de 15 dias, é seu direito receber auxílio-doença. 

O auxílio-doença é garantido depois da confirmação da patologia pela perícia médica realizada pela Previdência Social.  

Como fazer a solicitação?  

Você tem 3 opções:  

  1. Ligar para o telefone da Previdência Social 135  
  1. Solicitar pelo site (https://meu.inss.gov.br/#/login 
  1. Dirigir-se a uma agência de Previdência Social com os documentos requeridos: 
  • Carteira de Trabalho original ou documentos que comprovem a contribuição à Previdência Social 
  • Número de Identificação do Trabalhador – NIT (PIS/Pasep)  
  • Relatório médico original com as seguintes informações: diagnóstico da doença, histórico clínico do paciente, CID (Classificação Internacional de Doenças), eventuais sequelas provocadas pela doença, justificativa da incapacidade temporária para o trabalho. O relatório deve conter data, assinatura, carimbo e CRM do médico  
  • Exames que comprovem a existência da doença 

 Para ler os outros 6 direitos, baixe nossa cartilha completa! 

 Fonte: Manual dos direitos do paciente com câncer – Instituto Oncoguia  

BR-18659. Material destinado a todos os públicos. Jul/2022

FONTE: Blog Programa FazBem

Pesquisa testa linfócitos T-CAR para o tratamento do câncer

A utilização dos linfócitos T-CAR como alternativa para o tratamento do câncer tem se mostrado promissora. A terapia apresentou uma eficácia alta em casos de leucemias e linfomas de células B, mas um êxito ainda limitado para outros tipos de tumores.

Nesse sentido, diversos centros de pesquisa têm trabalhado para ampliar as possibilidades no combate à doença, incluindo o Centro de Terapia Celular (CTC) da USP, primeira instituição a desenvolver tecnologia 100% brasileira para a produção de células CAR-T.

Uma dessas abordagens é a polarização dos linfócitos para o fenótipo Th17, alvo de estudo da engenheira biotecnológica Heloisa Brand, mestranda em Oncologia Clínica, Células-Tronco e Terapia Celular pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Os resultados desta investigação fazem parte da dissertação Caracterização funcional de linfócitos T-CAR anti-CD19 polarizados para o fenótipo Th17 através da superexpressão de RORγt, que será defendida em setembro, orientada por Lucas Eduardo Botelho de Souza, coordenador do Laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro de Ribeirão Preto e pesquisador do CTC.

Saiba mais detalhes no vídeo produzido pela TV Hemocentro RP:

Por Centro de Terapia Celular da USP – CTC (Cepid)

FONTE: Jornal da USP

OMS aponta cobalto como provável causador de câncer

A carcinogenicidade do elemento químico é maior entre trabalhadores que se expõem ao cobalto em fábricas e mineradoras, mas também pode ocorrer em pessoas que ingerem alimentos contaminados

Como um componente da molécula da vitamina B12, em pequenas quantidades, o cobalto é essencial para o bom funcionamento do organismo. No entanto, em excesso, esse elemento químico pode causar diversas doenças, geralmente associadas à exposição desse mineral no trabalho. Agora, um estudo encomendado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) da Organização Mundial da Saúde (OMS) traz mais evidências para o que já se suspeitava: o cobalto também pode causar câncer.

Publicado na revista Lancet Oncology, o trabalho foi realizado por cientistas de treze países, entre eles o farmacêutico-bioquímico Thomas Prates Ong, professor do departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e membro do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC). Participaram do estudo 31 especialistas de diversas áreas (epidemiologistas, biólogos, químicos, toxicologistas, patologistas, farmacêuticos entre outros), com experiência reconhecida em pesquisas sobre câncer. Ong contribuiu na área de nutrição, câncer e epigenética (modificações hereditárias que ocorrem nas funções genéticas sem alterações no DNA).

Os cientistas fizeram uma revisão de centenas de artigos, analisando a carcinogenicidade de nove agentes: cobalto (metal, sais solúveis, dois tipos de óxidos, sulfetos e outros compostos de cobalto), antimônio (trivalente e pentavalente) e tungstênio para munição de armas (contém níquel e cobalto). Para o metal cobalto e os compostos de cobalto, partículas moleculares de todos os tamanhos foram incluídas na avaliação.

As evidências de associação ao câncer foram suficientes para o metal, sais e um tipo de óxido de cobalto. “O cobalto e o antimônio registraram o mais alto índice de carcinogenicidade nos parâmetros do IARC, classificando-se como prováveis elementos carcinogênicos. Já o tungstênio registrou evidências menores, então segue sendo um possível carcinogênico”, afirma. “Concluímos que o cobalto induz a formação de tumores ao proporcionar um aumento das inflamações e mutações. Além disso, modifica o padrão epigenético ao causar alterações na forma como as células se proliferam, se diferenciam e morrem”, acrescenta.

Contaminação de alimentos

Segundo o estudo, “o cobalto é usado em muitas indústrias, inclusive na fabricação de ferramentas de corte e retificação, em pigmentos e tintas, vidro colorido, implantes médicos, galvanoplastia e, cada vez mais, na produção de baterias de íon-lítio”. Para o trabalhador dessas indústrias, a exposição ao cobalto se dá, principalmente por inalação de poeira e contato com a pele.

Para a população em geral, a ingestão de alimentos contaminados é a principal fonte de exposição, podendo ocorrer também pela fumaça de cigarro, poluição do ar e implantes médicos. No caso dos alimentos, a contaminação geralmente se dá quando os resíduos da fabricação de produtos que usam o cobalto chegam aos rios, ao solo e às plantações. “É um problema grave porque coloca em risco um amplo número de pessoas, com o consumo de alimentos e água contaminados, e por isso é muito importante o processo de fiscalização”, afirma Ong.

Um consumo normal de cobalto pela alimentação varia entre 5 e 50 microgramas (μg) por dia, com uma concentração no plasma sanguíneo de até 0,2 μg/litro. Sabe-se que acima de 7 μg/litro de plasma, sintomas de toxicidade podem ocorrer e o excesso de cobalto no organismo é eliminado principalmente pela urina.

Os alimentos que mais contêm cobalto são nozes, vegetais folhosos, cerais, chocolate, café, peixes e manteiga. A vitamina B12, que contêm esse metal, é encontrada em carnes e derivados do leite, porém a ingestão diária de 2,4 μg dessa vitamina – quantidade considerada ideal pela Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos (conhecida como Institute of Medicine) – contêm apenas 0,1 μg de cobalto. Mas, segundo evidências científicas, o consumo de alimentos que naturalmente contêm cobalto não representa riscos à saúde.

Texto: Assessoria de Comunicação da FCF

Arte: Adrielly Kilryann

FONTE: Jornal da USP

No futuro, tratamento contra o câncer deve combinar dois tipos de imunoterapia

A imunoterapia contra o câncer é, atualmente, uma das abordagens mais eficazes para o tratamento de pacientes. Nela, as células cancerígenas são combatidas pelo próprio sistema imunológico do organismo. Apesar do sucesso clínico, nem todas as pessoas respondem satisfatoriamente a esse tipo de intervenção ou, se respondem, apresentam apenas respostas de curto prazo, além de muitos efeitos colaterais.

Mas uma revisão sistemática da literatura, realizada por Rafaela Rossetti, doutoranda pelo Programa de Oncologia Clínica, Células-Tronco e Terapia Celular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, observou que a combinação de dois tratamentos (conhecidos como bloqueio do checkpoint imunológico e transferência adotiva de células T geneticamente modificadas) pode trazer resultados promissores.

O artigo Combination of genetically engineered T cells and immune checkpoint blockade for the treatment of cancer foi publicado em janeiro de 2022 no jornal Immunoterapy Advances.

“Esses estudos fornecem ensinamentos sobre possíveis abordagens para potencializar a atuação das células do sistema imunológico contra o câncer, tornando-as mais resistentes aos mecanismos imunossupressores [que reduzem a atividade desse sistema] impostos pelo microambiente tumoral”, explica Rafaela Rossetti ao Jornal da USP.

Já as T-CARs são células T geneticamente modificadas em laboratório para produzir um tipo de proteína conhecida como CAR (que significa Receptor de Antígeno Quimérico) antes de serem cultivadas e “devolvidas” à pessoa doente. Existem seis produtos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) –  agência de regulação americana para medicamentos – para uso clínico e disponíveis no mercado.

“O uso dessas células tem fornecido resultados impressionantes para o tratamento de câncer no sangue. Por outro lado, ainda existem limitações na sua eficácia contra tumores sólidos”, afirma Lucas Eduardo Botelho, coordenador do Laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro de Ribeirão Preto e pesquisador associado do Centro de Terapia Celular (CTC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

“A ineficiência se deve, em parte, aos mecanismos de imunossupressão empregados pelos tumores para escapar do ataque mediado por células do sistema imunológico”, diz Botelho.

Já o bloqueio do checkpoint imunológico baseia-se em um grupo de proteínas presentes na superfície dos linfócitos T que precisam de ser ativadas ou inativadas para desencadearem uma resposta imunológica. Estudos anteriores, liderados por americanos e japoneses, mostraram que as células do câncer estimulam a expressão dessas proteínas (chamadas de checkpoints) e seus ligantes (acionadores) no tecido tumoral. Com isso, os tumores “desligam” o sistema imunológico, o que favorece o crescimento do câncer. Os mesmos cientistas também demonstraram que o uso de anticorpos capazes de inibir a interação entre os checkpoints e seus ligantes restaura a resposta antitumoral de defesa, permitindo a reativação dos linfócitos T.

“Esta revisão teve como objetivo avaliar se o bloqueio dos checkpoints imunológicos seria um caminho promissor para aumentar a eficácia terapêutica das células T geneticamente modificadas contra neoplasias sólidas”, resume Botelho.

Terapia para câncer com Células T-CAR

Ensaios pré-clínicos e clínicos

A revisão sistemática é um método de pesquisa que busca reunir estudos semelhantes avaliando-os criticamente em sua metodologia e reunindo-os numa análise estatística. Ao sintetizar estudos semelhantes e de boa qualidade, é considerado o melhor nível de evidência para tomadas de decisões sobre tratamentos, de acordo com a Cochrane, rede global de pesquisadores especializada em trabalhos de revisão sistemática.

Para realizar esta revisão, Rafaela e Botelho delimitaram os principais pontos a serem abordados e cada um deles contribuiu para a busca bibliográfica, contextualização e redação sobre os tópicos escolhidos. “Nessa revisão, buscamos trazer um compilado de estudos que forneceram conhecimentos importantes, bem como estudos pré-clínicos e clínicos publicados recentemente”, explica Rafaela Rossetti.

“O objetivo foi fornecer uma visão mais completa do cenário atual do uso de inibidores de checkpoints imunológicos em combinação com a infusão de células T geneticamente modificadas para o tratamento contra o câncer.” Ao final, 112 artigos foram selecionados para o trabalho da pesquisadora.

Na avaliação dela, este trabalho contribuiu para enriquecer o conhecimento na área e permitiu refletir sobre possíveis implementações em pesquisas que atualmente abordam principalmente células T geneticamente modificadas para o tratamento do câncer, visando a uma melhoria na eficiência dessas células.

Trabalhos no CTC

O Centro de Terapia Celular foi o pioneiro no Brasil a estabelecer uma infraestrutura para estudo e aplicação clínica de células-tronco e, há alguns anos, houve a incorporação do uso de células T modificadas geneticamente para reconhecer e destruir células tumorais nas áreas de pesquisa e desenvolvimento.

Como resultado, foi estabelecida uma plataforma para produção e uso clínico de células T expressando receptores quiméricos de antígenos contra a proteína CD-19 (expressa em leucemias e linfomas de células B). “Esse estudo resultou na primeira aplicação bem-sucedida de células T-CAR anti CD-19 para o tratamento compassivo de pacientes com linfoma na América Latina”, diz Botelho.

Já o laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro de Ribeirão Preto está empenhando esforços para contribuir com a ampliação da plataforma de produção e uso clínico das células CAR-T por meio da criação de ferramentas moleculares de controle de qualidade e ensaios pré-clínicos, além de desenvolver novas construções genéticas e estratégias para melhorar a eficácia e o acesso dos pacientes a esse tipo de terapia.

Botelho conta que, atualmente, existem projetos em andamento para avaliar construções genéticas contra três novos alvos expressos por células tumorais, incluindo tumores sólidos. Além disso, uma plataforma de edição gênica para geração de células T de uso alogênico está em fase de implementação.

Essa estratégia pode reduzir drasticamente os custos dessa tecnologia, e permite modificações celulares capazes de elevar sua eficácia por meio de deleção de genes que limitam sua atividade antitumoral, por exemplo.

“O levantamento que fizemos reforça a ideia de que utilizar ferramentas de edição genética para deletar os circuitos moleculares envolvidos nessa interação pode resultar em um produto mais eficaz, por não mais sofrer a ação supressora do microambiente tumoral”, ressalta o último autor do estudo. “Certamente essas informações serão incorporadas ao nosso esforço de desenvolver a próxima geração de imunoterapias celulares anticâncer”, conclui.

Mais informações: e-mail rafaelarossetti@usp.br, com Rafaela Rossetti; e-mail lucasebsouza@usp.br, com Lucas Eduardo Botelho

Reportagem: Fabiana Mariz
Arte: Guilherme Castro

FONTE: Jornal da USP

Gordura no fígado pode regredir com atividades físicas e alimentação balanceada

Débora Terrabuio fala sobre a doença hepática gordurosa não alcoólica, a qual é considerada epidemia global e pode evoluir para casos de fibrose no fígado, cirrose, câncer, infarto, derrame e até AVC

Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), também conhecida como esteatose hepática, já atinge 30% dos brasileiros e representa atualmente uma epidemia global. Ela é considerada uma manifestação hepática da síndrome metabólica, composta por obesidade ou sobrepeso, pré-diabete ou diabete, hipertensão e alterações de colesterol. Segundo a hepatologista e coordenadora da Clínica de Transplante Hepático do Hospital das Clínicas (HC) da USP, Débora Terrabuio, pessoas que possuem pelo menos três desses problemas têm mais risco de desenvolver a esteatose: “Nos pacientes com diabete, a prevalência pode chegar até 60%”.

Consequências da doença

A DHGNA ainda pode evoluir para uma esteato-hepatite com o passar do tempo, facilitando que o paciente acometido desenvolva fibrose no fígado, cirrose ou até câncer, sendo necessário, em alguns casos, realizar transplante hepático. De acordo com Débora, de um a dois pacientes em cada dez podem progredir para esse quadro. Além disso, a esteato-hepatite também está associada ao aumento do risco de infarto, derrame e AVC, ou seja, é uma doença com comprometimento sistêmico.

A hepatologista informa que as doenças do fígado são, geralmente, pouco sintomáticas: “A gente só descobre que tem algum problema no fígado quando o olho amarela, quando aparece água na barriga, quando a plaqueta, que é responsável pela coagulação do sangue, baixa além do valor normal em um exame de hemograma ou quando [o paciente] vai fazer um ultrassom e já tem um fígado de tamanho diminuído”.

Diagnóstico

Para ver se a esteatose está ou não comprometendo o fígado, é considerado o sexo do paciente, sua idade e comorbidades. “Começamos fazendo ultrassom e depois os exames de sangue do fígado, para ver como esse paciente está, com as enzimas do fígado alteradas ou não”, diz a especialista.

Por se tratar de uma doença progressiva, é importante atuar nas diversas partes da evolução da doença e fazer o diagnóstico precoce para obter mais chances de reverter o quadro. Conforme explica Débora, estudos mostram que aproximadamente 40% dos pacientes acometidos com hepatite sabem do seu diagnóstico e estão comprometidos com o tratamento, contra menos de 5% dos que possuem a esteatose hepática.

Tratamento e prevenção

Se um indivíduo possui a esteatose grau três no fígado, é preciso que ele mude seus hábitos de vida a partir da diminuição do consumo de produtos industrializados e da intensificação da atividade física, já que, perdendo cerca de 10% do peso quando é dado o diagnóstico, e controlando a síndrome metabólica, há uma melhora significativa da gordura no fígado. Aumentar o consumo de café sem adição de açúcar também pode diminuir a inflamação.

Débora reforça a importância de o paciente conversar com seu médico endócrino para avaliar a possibilidade de realizar ultrassom de abdômen e exames do fígado em casos em que ele possui outras doenças, como diabete e hipertensão. Para o público leigo, há ainda diversos formulários científicos feitos pela Sociedade Brasileira de Patologia e pelo site Tudo Sobre Fígado, o qual disponibiliza informações sobre a DHGNA.

FONTE: Jornal da USP