Certas moléculas são essenciais para os efeitos da luz na pele

Não importa a parte do corpo humano exposta à luz – cabelos, pele ou olhos – nem se a fonte luminosa é natural ou artificial, as consequências biológicas das reações de oxidação induzidas pela luz dependem em grande parte das propriedades fotoquímicas intrínsecas e da localização de fotossensibilizadores presentes naturalmente em tecidos biológicos, chamados de fotossensibilizadores endógenos, que são moléculas que transformam a energia da luz em reatividade química.

Quando nos expomos ao Sol, são os fotossensibilizadores endógenos na nossa pele que provocam transformações tanto benéficas quanto prejudiciais. Em um artigo de revisão publicado no periódico Chemical Reviews, os cientistas Erick Bastos, Frank Quina e Maurício Baptista, do Instituto de Química (IQ) da USP, apresentam uma análise abrangente dos fotossensibilizadores endógenos na pele humana, investigando as conexões entre a excitação de seus elétrons pela luz e subsequente ativação ou danos a biomoléculas. O trabalho indica as possíveis causas do aumento contínuo dos casos globais de câncer de pele e aponta as limitações das abordagens atuais de proteção solar.

A pele é formada por três camadas: epiderme, derme e hipoderme. A luz atinge profundidades diferentes, dependendo do comprimento da radiação, das características das espécies absorventes presentes e das propriedades ópticas da pele. Raios ultravioleta B (UVB), que representam cerca de 5% da radiação UV que chega à Terra, penetram apenas nas camadas mais superficiais (epiderme), mal alcançando a derme. Já os raios ultravioleta A (UVA) e a luz visível atingem a camada celular basal e a derme e são absorvidos por fotossensibilizadores endógenos.

A luz visível representa cerca de 47% da radiação solar total que atinge a pele humana e é a faixa espectral que forma os maiores níveis de radicais livres gerados sob exposição ao Sol, respondendo por 50% do total.

Fotossensibilização

Embora a radiação UVB seja considerada mais deletéria por ser absorvida diretamente pelo DNA, os pesquisadores afirmam que uma mensagem importante deste trabalho de revisão é que a fotossensibilização permite que a luz visível e a radiação UVA produzam grandes efeitos na pele. As oxidações fotossensibilizadas são reações provocadas pela interação da luz com uma molécula fotossensibilizadora na presença de oxigênio.

Os fotossensibilizadores estão presentes em concentrações e locais específicos e incluem tanto pequenas moléculas, como vitaminas, aminoácidos e cofatores, quanto macromoléculas, como proteínas, ácidos nucleicos e glicanos. Na presença de oxigênio molecular, eles absorvem a radiação e geram oxidantes reativos – quais são essas moléculas e em que reações se envolvem após absorção de radiação solar são questões discutidas com profundidade inédita nesta revisão. Desta forma, segundo os pesquisadores, o artigo pode se tornar uma fonte de consulta para informações que hoje se encontram espalhadas por centenas de artigos da literatura científica.

“Conseguimos posicionar a fronteira da fotoquímica que acontece na pele sob exposição solar. Mostramos os fotossensibilizadores e as reações. Falamos de proteínas, lipídios, carboidratos e tudo mais que tenha relevância no tema. É um artigo importante tanto pela abrangência quanto pela profundidade, e o formalismo químico está perfeito. Minha expectativa é que esse trabalho fomente mais pesquisas nessa área”, afirmou Maurício Baptista, que também é membro do Redoxoma – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

As respostas biológicas à exposição excessiva ao Sol, como apoptose (morte celular programada), queimadura solar, hiperproliferação e mutação, são iniciadas tanto por danos diretos nas nucleobases do DNA, quanto por danos indiretos causados pela oxidação dessas nucleobases ou de outras moléculas importantes para a sobrevivência celular.

De fato, as células sobreviverão ou morrerão dependendo da extensão do dano causado aos seus principais componentes intracelulares, como mitocôndria, retículo endoplasmático e lisossomo. Mesmo baixas concentrações de fotossensibilizadores eficientes desencadeiam diferentes formas de morte celular regulada ao afetar esses componentes celulares. Isto quer dizer que os efeitos da radiação dependem não somente das propriedades fotoquímicas intrínsecas dos fotossensibilizadores, mas também de sua localização.

A radiação UVA causa tanto dano direto quanto reações que podem comprometer a viabilidade de células localizadas muito mais profundamente na pele e nos olhos. Isso pode ocorrer por vários mecanismos, levando à disfunção celular, inflamação e risco potencialmente aumentado de distúrbios cutâneos e oculares, como ceratose actínica, fotoenvelhecimento, carcinoma basocelular, carcinoma de células escamosas, catarata e degeneração macular relacionada à idade.

A luz visível, principalmente no intervalo do violeta ao azul, também atinge os fotossensibilizadores endógenos na derme e até tecidos e órgãos mais profundos do corpo, podendo gerar danos ao DNA. Mesmo a melanina, que é o pigmento responsável pela coloração da pele e pela proteção contra os raios UVB, pode causar estresse oxidativo e lesões indiretas ao DNA em reações de fotossensibilização induzidas pela luz visível. “Interessantemente, a luz pode ser também usada para tratar doenças e, por penetrar mais profundamente na pele, a luz visível hoje é usada para tratar muitas doenças”, conta Baptista.

Dois erros

“Em termos de saúde pública, há dois problemas principais nas orientações quanto à exposição ao Sol: é um engano dizer que as pessoas podem usar protetor solar e se expor ao Sol por muito tempo; e, por outro lado, também é um engano dizer que o Sol é perigoso sempre, em qualquer condição”, afirma o pesquisador.

Uso de protetor não anula riscos da exposição excessiva ao sol – Foto: Pexels

Sobre os aspectos benéficos do Sol para a saúde, ele menciona um estudo controlado com aproximadamente 30 mil suecas sem histórico de câncer, que descobriu que a baixa exposição ao Sol é um fator de risco para mortalidade por todas as causas.

“Poucas coisas estudadas aumentam ou diminuem a expectativa de vida com significância estatística. O Sol é uma delas.”

A ativação da vitamina D, por exemplo, depende de reações intracelulares iniciadas pela absorção de fótons UVB pelo 7-desidrocolesterol, um precursor do colesterol. Este processo tem uma infinidade de consequências biológicas benéficas, incluindo a regulação do cálcio e do metabolismo ósseo, a inibição da proliferação de células tumorais e a prevenção de doenças autoimunes e cardiovasculares. Além disso, principalmente a radiação UVB e UVA, mas também a luz azul com menor eficiência, podem promover a liberação de óxido nítrico, contribuindo para a redução da pressão arterial sistêmica por meio da vasodilatação; o controle de danos a células de defesa; e a estimulação da cicatrização de feridas.

Segundo os pesquisadores, o hábito de ficar em ambientes fechados e de evitar a exposição ao Sol resultaram em uma epidemia de deficiência de vitamina D, cujo impacto financeiro só nos EUA foi estimado em quase seis vezes mais do que o gasto com doenças relacionadas à superexposição ao Sol.

Saia do sol!

Exposição prolongada ao sol provoca vermelhidão ou eritema – Foto: Freepik

As estimativas do tempo ideal de exposição ao Sol variam, pois dependem da latitude, da estação do ano e das características individuais da pele. No entanto, é fácil saber quando a dose é excessiva: a pele fica vermelha. É a reação de eritema ou queimadura solar, um mecanismo de proteção natural selecionado durante a evolução humana para evitar as consequências do excesso de exposição solar. A vermelhidão da pele significa: saia do sol!

Por quê? Porque essa reação surge principalmente como uma resposta fisiológica à absorção da radiação UVB por bases do DNA nas células da pele, produzindo moléculas que ativam uma resposta inflamatória aguda. Essas moléculas, os fotoprodutos, também geram mutações que, dependendo das proteínas afetadas, aumentam o risco do desenvolvimento de câncer de pele.

O uso de protetor solar evita a vermelhidão, mas não as consequências de ser superexposto à radiação UVA e à luz visível. Além disso, o protetor bloqueia os efeitos benéficos da exposição aos raios UVB.

Aliás, o famoso FPS – fator de proteção solar – não é um parâmetro preciso, pois a medição é realizada em voluntários de pele clara e utiliza apenas fontes de irradiação UVB. Consequentemente, o FPS considera apenas a proteção contra as respostas agudas da pele, ignorando todas as outras consequências positivas e negativas da exposição ao Sol.

“Infelizmente, a crença de que o FPS define e quantifica adequadamente a eficácia da proteção solar não passa de outro equívoco, que ainda ilude os profissionais de saúde e o público em geral”, escrevem os autores.

Além disso, pessoas com tons de pele mais escuros dependem de resultados de testes que podem não ser totalmente aplicáveis a eles. Mesmo a classificação de Fitzpatrick, que varia do tipo I ao VI, da pele mais clara à mais escura, foi criada na década de 1970 para estimar a tolerância à radiação UV de pessoas de pele clara e só posteriormente incluiu outras tonalidades. A classificação se baseia nas respostas a um questionário simples sobre a experiência anterior da pessoa com exposição solar (queimadura solar, bronzeado, eritema, edema e desconforto e dor).

A quantidade de melanina, pigmento selecionado pela evolução para proteger a pele humana da exposição solar, é o fator determinante para a absorção e dispersão da luz visível pela epiderme e, portanto, contribui para a cor da pele humana. Mas, ainda que menos suscetíveis à radiação UVB, pessoas com tons de pele mais escuros superexpostas ao Sol vão enfrentar problemas crônicos em longo prazo, porque a penetração da luz visível é apenas parcialmente reduzida.

Segundo os pesquisadores, a melhor maneira de aprimorar as estratégias de proteção solar passa pelo conhecimento das propriedades dos fotossensibilizadores descritos neste trabalho e das transformações químicas e biológicas induzidas pela luz, que podem ocorrer durante e após a exposição da pele humana ao Sol, com e sem aplicação dos bloqueadores solares atualmente utilizados.

“Uma compreensão mais profunda das interações entre a luz solar e a pele de diferentes tipos abrirá caminho para estratégias inovadoras de cuidados com a pele, que não envolvam somente evitar os efeitos maléficos mas também considerem os efeitos benéficos da exposição solar, e para o desenvolvimento de produtos de proteção solar adaptados a tipos específicos de pele”.

O artigo Endogenous Photosensitizers in Human Skin, de Erick L. Bastos, Frank H. Quina e Maurício S. Baptista, pode ser lido aqui.

*Da Assessoria de Comunicação do Cepid Redoxoma, com edição de Luiza Caires

**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

Mais informações: e-mail elbastos@iq.usp.br, com Erick Bastos

FONTE: Jornal da USP

Porque a luz azul do celular não faz mal para sua pele?

Atualmente passamos longos períodos de tempo em frente a telas de computadores, tablets e celulares, recebendo luz azul de diferentes intensidades. Também usamos sistemas de iluminação baseados em diodo emissor de luz (LED), que emitem luz no comprimento de onda visível, incluindo uma fração importante da luz azul. Embora seja complexo avaliar efeitos biológicos da exposição à luz, estudos mostram que a luz azul tem um papel importante na regulação do ritmo circadiano de sono-vigília, por sua influência nas células fotorreceptoras da retina. O excesso de radiação, no entanto, pode ser prejudicial aos olhos.

Mas será que a luz azul do celular faz mal para a pele?

Essa questão surgiu após uma notícia no jornal O Globo vincular, no título, a luz azul do Sol à luz azul do celular. A reportagem divulgava um estudo realizado pelo grupo do pesquisador Maurício Baptista sobre os efeitos da luz visível, especialmente a faixa do violeta e do azul, em células da pele humana.

“A relação no título da notícia foi infeliz e pode levar a entendimentos errôneos por parte dos leitores. Muito embora tanto o Sol quanto o celular emitam luz na região do azul, o artigo científico mencionado não estudou o efeito da luz emitida por aparelhos celulares e sim, o efeito de irradiação a partir de fontes que imitam os raios solares”, afirmou Baptista, que dirige o Laboratório de Processos Fotoinduzidos e Interfaces no Instituto de Química da USP e é membro do Cepid Redoxoma.

A principal diferença é a dose. As irradiâncias do celular são muito menores do que as vindas do Sol e o efeito da radiação luminosa na pele não é linear, sendo que doses pequenas são benéficas enquanto as maiores são danosas. Irradiância (W.m-2.) é uma medida da energia luminosa por unidade de tempo e de área.

Luz natural versus luz artificial

Considerando a irradiância total direta do Sol versus a do celular em toda faixa do visível, a irradiância solar é de aproximadamente 1000 W.m-2 e a dos aparelhos celulares, a 10 centímetros (cm) de distância da superfície, é de 0,05 W.m-2. Isso quer dizer que a irradiância do celular é cerca de 20 mil vezes menor do que a do Sol.

Mesmo considerando a irradiância difusa do Sol, isto é, quando a exposição não é direta, por exemplo, se estivermos embaixo do guarda-sol, a irradiância é em torno de 100 W.m-2, ainda assim duas mil vezes maior do que a do celular. Considerando somente a região do azul e a irradiância por faixa de comprimento de onda (W.m-2.nm-1), celulares emitem em torno de 0,03 W.m-2.nm-1 enquanto a irradiância difusa do Sol é de cerca de 30 Wm-2nm-1, ou seja, a do celular é mil vezes menor.

“A primeira comparação que devemos fazer é da irradiância dos aparelhos celulares com a dos raios solares que atingem a pele dos humanos. A diferença é gigantesca, mas as variáveis envolvidas são muitas. Por exemplo, a emissão do celular depende do modelo e da marca do aparelho, de ajustes feitos pelo próprio usuário na claridade da tela, bem como da distância entre o aparelho e a pele. As irradiâncias luminosas vindas do Sol dependem da localização — latitude, longitude, altitude —, da hora do dia, da estação do ano, do clima etc. Enfim, precisamos considerar sempre valores médios e há estudos científicos que fizeram isso,” afirma o pesquisador.

Na pele

Um aspecto importante, segundo Baptista, é o efeito que diferentes exposições causam na pele. À medida que evoluímos sob a influência da luz solar, desenvolvemos mecanismos para utilizá-la eficientemente em funções fisiológicas essenciais e para proteger o corpo contra sua quantidade excessiva. Desta forma, exposições curtas ao Sol geralmente trazem efeitos benéficos. Atualmente, equipamentos que imitam essas doses saudáveis de exposição estão sendo utilizados em tratamentos médicos.

No caso do estudo realizado em queratinócitos, os pesquisadores observaram efeitos deletérios ao irradiar as células durante várias horas com fontes que imitam a irradiância do Sol. Doses menores não causam efeitos ou causam efeitos favoráveis. “Considerando a pequena irradiância dos celulares, podemos afirmar que, se houver algum efeito, este será favorável à pele de humanos saudáveis”, disse o pesquisador.

Já em relação aos olhos, a estrutura do tecido favorece a penetração de luz visível e há muitas pesquisas demonstrando como a exposição desprotegida à luz azul do Sol e de equipamentos diversos que emitem luz nesta faixa pode afetar a retina. Entretanto, segundo Baptista, não há consenso, pois, com base em diversos trabalhos, muitos oftalmologistas defendem que a dose de luz dos celulares é muito pequena para causar problemas na visão. O que é certo é que a exposição noturna à luz azul de celulares, tablets, laptops etc. perturba o ciclo natural de sono/vigília do nosso corpo, conhecido como ritmo circadiano.

A luz azul é uma faixa do espectro da luz visível, que por sua vez é uma faixa do espectro eletromagnético da radiação solar. A luz visível, à qual nossos olhos são sensíveis, representa cerca de 47% da radiação solar total que atinge a pele humana, em comparação com cerca de 5% de radiação ultravioleta. E também é a faixa espectral que forma os maiores níveis de radicais livres gerados na pele sob exposição solar, respondendo por 50% do total. Os mecanismos de dano induzidos pela radiação solar se devem principalmente à fotossensibilização, um processo no qual fotossensibilizadores transformam a energia da luz em reatividade química.

Da Assessoria de Comunicação do Cepid Redoxoma

FONTE: Jornal da USP