Glicose alta estimula acúmulo de células nos vasos e aumenta risco de trombose

Uma pesquisa de cientistas do Cepid Redoxoma, sediado no Instituto de Química (IQ) da USP, revelou novos mecanismos pelos quais a hiperglicemia provoca a trombose. Os pesquisadores identificaram uma proteína que, em situações onde há excesso de glicose no sangue, favorece o acúmulo de plaquetas (células sanguíneas) na parede dos vasos, levando à formação de trombos, coágulos que obstruem o fluxo sanguíneo. O estudo pode levar a estratégias direcionadas para prevenir disfunção cardiovascular em pessoas com diabetes ou naquelas que apresentam hiperglicemia prolongada. Os resultados estão em artigo publicado no Journal of Thrombosis and Haemostasis.

“A principal causa de morte na população brasileira e em vários outros países latino-americanos são eventos isquêmicos, doenças cardiovasculares, como infarto e AVC isquêmico, nos quais a trombose arterial é o evento causal precipitante. Essas doenças podem ser desencadeadas por uma série de fatores de risco, como hiperglicemia, dislipidemia e hipertensão”, afirmou Renato Gaspar, que realizou a pesquisa durante o pós-doutorado, sob a supervisão de Francisco Rafael Martins Laurindo, do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e do Cepid Redoxoma. Atualmente, Gaspar é professor do Departamento de Medicina Translacional da Universidade de Campinas (Unicamp). “Desses fatores, a hiperglicemia parece se associar de maneira muito importante com as doenças cardiovasculares. Então, a relevância do problema que a gente aborda parte desse ponto”.

A hiperglicemia ocorre quando há um excesso de glicose (açúcar) no sangue e é uma das manifestações do diabetes. Em um artigo publicado em 2022 na revista Plos One, os pesquisadores mostraram que, no Brasil, entre 2005 e 2017, a hiperglicemia foi o fator de risco que mais se associou a mortes por doenças cardiovasculares em comparação a outros fatores modificáveis. Condições de hiperglicemia prolongada estão associadas ao aumento do risco de trombose, ao provocar disfunção endotelial, que promove adesão plaquetária e a formação de trombos, ou coágulos sanguíneos. O endotélio é o revestimento interno dos vasos sanguíneos e plaquetas são células produzidas pela medula óssea que circulam na corrente sanguínea e ajudam o sangue a coagular.

Agora, os pesquisadores mostraram que, na hiperglicemia, a proteína dissulfeto isomerase A1 peri/epicelular (pecPDI) endotelial regula a interação entre as plaquetas e o endotélio, por meio de proteínas relacionadas à adesão e de alterações na biofísica da membrana endotelial. “Mostramos uma via da PDI na célula endotelial que é mediadora da trombose no diabetes em condições de hiperglicemia, envolvendo um mecanismo molecular específico, que foi identificado,” afirma Laurindo. A PDI é uma enzima do retículo endoplasmático, estrutura da célula que sintetiza proteínas e lipídios, também encontrada no meio extracelular, na forma de pecPDI, em vários tipos de células, incluindo plaquetas e células endoteliais. Estudos vêm demonstrando que a pecPDI regula a trombose em vários modelos.

Modificações

Para investigar a relação das plaquetas com o endotélio na hiperglicemia, os pesquisadores criaram um modelo com células endoteliais da veia umbilical humana (HUVECs) cultivadas em diferentes concentrações de glicose. Produziram assim células normoglicêmicas, com níveis normais de glicose, e hiperglicêmicas, com excesso de glicose. A contribuição da proteína dissulfeto isomerase A1 (PDI) foi avaliada usando inibidores de PDI de célula inteira ou de pecPDI. Inicialmente, as células foram incubadas com plaquetas coletadas de pessoas saudáveis. Nas células hiperglicêmicas, as plaquetas aderiram quase três vezes mais do que nas normoglicêmicas. Como a inibição da PDI anulou esse efeito, os pesquisadores concluíram que o processo é regulado pela pecPDI do endotélio.

Para entender melhor o resultado, os cientistas investigaram processos biofísicos, como o remodelamento do citoesqueleto das células endoteliais, e viram que as células hiperglicêmicas tinham fibras mais bem estruturadas do que as células não hiperglicêmicas. Também mediram a produção de peróxido de hidrogênio (H202), substância mediadora da reorganização da adesão celular. Neste caso, as células hiperglicêmicas geraram duas vezes H202.

A etapa seguinte foi investigar se a reorganização do citoesqueleto afetava a rigidez das membranas celulares, pois plaquetas tendem a aderir às superfícies mais rígidas. Com o uso de microscopia de força atômica, comprovaram que as células hiperglicêmicas eram mais rígidas que as normoglicêmicas. Os estudos de microscopia de força atômica foram realizados em colaboração com o grupo da pesquisadora Luciana Magalhães Rebelo Alencar, do Departamento de Física da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). “Foi importante no trabalho abordar aspectos bioquímicos e biofísicos. Eu acho que a gente quase nunca pensa na biofísica, por exemplo, na rigidez de proteínas. Mostrar que a PDI de alguma forma regula essa rigidez na célula endotelial talvez abra uma forma de pensar um pouco além da bioquímica”, afirma Gaspar.

Células normais e hiperglicêmicas com e sem inibidores da proteína pecPDI, que anula o aumento da adesão plaquetária no revestimento dos vasos sanguíneos; células foram incubadas com plasma rico em plaquetas isoladas de doadores saudáveis e as setas indicam agregados plaquetários densos  – Imagem: Reprodução/CEPID Redoxoma

As imagens obtidas por microscopia também mostraram a formação de prolongamentos das células, com vesículas extracelulares que pareciam se separar dos prolongamentos. Essa observação levou os pesquisadores a investigar o conjunto de proteínas secretadas pelas células, o secretoma, para saber se estavam liberando proteínas que pudessem aumentar a adesão plaquetária. “A ideia desse experimento era detectar proteínas que estariam exclusivamente expressas ou presentes em células hiperglicêmicas, e não nos controles ou naquelas tratadas com os inibidores da PDI”, explica o pesquisador do InCor.

Para isso, realizaram estudos de proteômica, identificando as proteínas presentes nas células, em colaboração com o grupo da pesquisadora Graziella Eliza Ronsein, do Instituto de Química (IQ) da USP e do Cepid Redoxoma. No secretoma, encontraram 947 proteínas, das quais selecionaram oito com papel na adesão celular. Eles então diminuíram a expressão gênica de três dessas proteínas usando a ferramenta de RNA de interferência e chegaram a duas proteínas, a SLC3A2 e a LAMC1, como moduladoras da adesão plaquetária. A SLC3A2 é uma proteína ligada à membrana e LAMC1 é a subunidade gama da laminina, um componente-chave da matriz extracelular.

A conclusão foi que a exposição à hiperglicemia induziu a secreção de proteínas específicas relacionadas à adesão e que a inibição da PDI e da pecPDI impediu que as células endoteliais secretassem essas proteínas. A PDI é uma proteína envolvida na formação de trombos. Em estudos anteriores independentes, tanto Gaspar quanto Laurindo mostraram a relação da PDI com a NADPH oxidase 1 (Nox 1) em diferentes situações, inclusive na adesão plaquetária. As Noxs são enzimas que catalisam a redução do oxigênio molecular e participam da geração de outros oxidantes.

Segundo os pesquisadores, já existem ensaios clínicos com inibidores da pecPDI, com foco em doenças como anemia falciforme e trombose associada ao câncer. “Nosso trabalho adiciona a perspectiva de tratamento de uma nova doença, o diabetes. Talvez a gente possa olhar para a prevenção secundária de isquemia no diabetes,” afirmou Gaspar.

Para Laurindo, a perspectiva de que possam existir inibidores específicos da trombose no diabetes inclui não apenas a PDI, mas também as proteínas SLC3A2 e LAMC1 (laminina). “Inibir a LAMC1 é um pouco mais complicado, porque ela é uma proteína que tem várias funções, mas a SLC3A2 seria um alvo potencial e não tem nada na literatura sobre a inibição dessa proteína como um antitrombótico.”

O artigo Endothelial protein disulfide isomerase A1 enhances membrane stiffness and platelet-endothelium interaction in hyperglycemia via SLC3A2 and LAMC1, de Renato S. Gaspar, Álefe Roger Silva França, Percillia Victoria Santos Oliveira, Joel Félix Silva Diniz-Filho, Livia Teixeira, Iuri Cordeiro Valadão, Victor Debbas, Clenilton Costa dos Santos, Mariana Pereira Massafera, Silvina Odete Bustos, Luciana Magalhães Rebelo Alencar, Graziella Eliza Ronsein e Francisco R. M. Laurindo, pode ser lido aqui.

*Texto: Maria Célia Wilder, Cepid Redoxoma. Adaptado por Júlio Bernardes e Luiza Caires

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

“Relógios cerebrais” indicam que envelhecimento neurológico é maior na América Latina

Método usa dados de ressonância magnética funcional e eletroencefalografia para calcular diferença entre idade cerebral e cronológica, associada a risco de doenças neurodegenerativas

Um grupo de 75 pesquisadores de instituições de 15 países identificaram que desigualdades socioeconômicas, poluição e disparidades de saúde estão associados a uma maior idade cerebral, especialmente nas populações da América Latina e Caribe. A pesquisa, que teve a colaboração da USP, usou o método dos “relógios cerebrais” (do inglês, “brain clocks”) para calcular, com base em dados de eletroencefalograma (EEG) e ressonância magnética funcional (RMf) de mais de 5 mil pacientes, a discrepância com a idade cronológica. Os fatores apontados pelo estudo podem levar a um envelhecimento cerebral acelerado e risco aumentado de doenças neurodegenerativas.

Os resultados da pesquisa são apresentados em artigo publicado no site Nature Medicine, do último dia 26 de agosto. “Especificamente, o estudo buscou quantificar a lacuna de idade cerebral, medindo as discrepâncias com a idade cronológica dos participantes, a fim de entender melhor a saúde do cérebro”, explica ao Jornal da USP a neuropsicóloga Maira Okada de Oliveira, uma das pesquisadoras que assinam o artigo, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Foram analisados pacientes na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, Cuba, China, Estados Unidos, Escócia, França, Grécia Inglaterra, Irlanda, Itália e Turquia.

O estudo analisou a diversidade e as disparidades no envelhecimento cerebral e na demência em populações geograficamente diversas, usando o conceito de “relógios cerebrais”. “Os ‘relógios cerebrais’ servem como indicadores da saúde cerebral e podem refletir os efeitos de vários fatores, incluindo genética, estilo de vida e influências ambientais no envelhecimento”, relata a pesquisadora.

“O trabalho explorou a influência da diversidade, investigando como fatores geográficos, socioeconômicos, sociodemográficos, sexos e neurodegeneração afetam a lacuna de idade cerebral, especialmente em países da América Latina e do Caribe (LAC) em comparação com países de fora da região”, aponta Maira. “Também criou uma arquitetura de ‘deep learning’ que usa interações de alta ordem entre dados de ressonância magnética funcional (RMf) e eletroencefalograma (EEG) para prever lacunas e ser sensível aos impactos da diversidade”.

“Deep learning” é um tipo de aprendizado de máquina que usa algoritmos para processar e interpretar dados em profundidade. “Esse modelo foi desenvolvido para capturar a diversidade e as disparidades no envelhecimento cerebral e na demência em populações geograficamente diversas”, diz a pesquisadora da USP. “O estudo sugere que, ao integrar dados de diferentes regiões e contextos socioeconômicos, é possível criar ferramentas mais inclusivas e acessíveis para avaliar a saúde cerebral”.

Gráfico mostra como os pesquisadores elaboraram os “relógios cerebrais” baseados em exames de Eletroencefalograma (EEG) e Ressonância Magnética Funcional (RMf) na América Latina e Caribe (LAC) e em outros países fora da região.

 

Fatores de risco

De acordo com a neuropsicóloga, os pesquisadores identificaram fatores de risco associados ao comprometimento cognitivo leve (CCL), à doença de Alzheimer (DA) e à variante comportamental da demência frontotemporal (vcDFT), contribuindo para a caracterização e identificação da disseminação dos processos das doenças. “Esses objetivos visam não apenas aumentar a compreensão do envelhecimento cerebral, mas também fornecer ferramentas que possam ser utilizadas em contextos clínicos para melhorar a detecção e o manejo de doenças neurocognitivas”.

O estudo analisou 5.306 participantes, dos quais 2.953 passaram por ressonância magnética funcional (RMf) e 2.353 por eletroencefalografia (EEG), incluindo 3.509 pessoas saudáveis, 517 com CCL, 828 com DA e 463 com vcDFT. “A pesquisa verificou várias questões, entre elas a lacuna de idade cerebral, calculando a partir dos dados de RMf e EEG, a discrepância com a idade cronológica dos participantes”, descreve Maira. “A aplicação do modelo indica que os participantes da América Latina e Caribe apresentaram idades cerebrais mais velhas em comparação com os de outras regiões”.

“O estudo sugere que desigualdades socioeconômicas, poluição e disparidades de saúde estavam associados a lacunas de idade cerebral aumentadas, especialmente nas populações LAC”, salienta a neuropsicóloga. “Esses fatores podem contribuir para um envelhecimento cerebral acelerado e maior risco de doenças neurodegenerativas”.

Segundo Maira Okada de Oliveira, os pesquisadores recomendam que futuros trabalhos deveriam incluir mais variáveis, como identidade de gênero, status socioeconômico e estratificação étnica, para enriquecer a compreensão do envelhecimento cerebral em populações diversas. “A pesquisa sugere que, ao integrar dados de diferentes regiões e contextos socioeconômicos, é possível criar ferramentas mais inclusivas e acessíveis para avaliar a saúde cerebral”, afirma. “O uso de EEG, que é portátil e mais acessível em comparação com técnicas de imagem como RMf, facilitaria a implementação do modelo em ambientes clínicos, especialmente em regiões com recursos limitados”.

“No futuro, os modelos de lacunas de idade cerebral poderão ser utilizados para estabelecer protocolos globais para o envelhecimento e os transtornos neurocognitivos, permitindo uma abordagem mais personalizada no tratamento e na prevenção dessas condições”, ressalta a pesquisadora. “Essas estratégias contribuirão para a implementação prática dos ‘relógios cerebrais’ na clínica, melhorando a detecção precoce e o manejo de doenças neurodegenerativas”.

O artigo tem como primeiro autor Sebastian Moguilner, da Universidad Adolfo Ibañez (Chile), além de pesquisadores da Universidad de San Andrés (Argentina) e do Massachusetts General Hospital and Harvard Medical School (Estados Unidos). Na USP, o pesquisador principal foi o neurologista Leonel Takada, médico assistente do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FMUSP). Também participaram Renato Anghinah e Luís Almeida Manfrinati, do Centro de Referência em Distúrbios Cognitivos (Ceredic) do HC.

Mais informações: email maira.okada@gmail.com, com Maira Okada de Oliveira

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Pesquisadores buscam melhor atendimento para doença respiratória de alta mortalidade

Programa internacional produzirá indicadores da qualidade do atendimento a pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) nos serviços de saúde da Argentina, Brasil e Peru; doença é quarta causa de morte no continente

Em conjunto com pesquisadores da Universidade de Birmingham (Reino Unido), da Universidad Científica del Sur do Peru e da Universidad de Buenos Aires (Argentina), pesquisadores da USP estão lançando projeto que ajudará a identificar e tratar pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) nesses três países. Trata-se do projeto Breathe Well South America, financiado pelo National Institute for Health and Care Research (NIHR) com o objetivo abordar o acesso deficiente e desigual a cuidados de saúde primários de qualidade para pacientes com DPOC.

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica é a quarta causa de morte no continente e afeta desproporcionalmente as pessoas que vivem na pobreza e, mais importante ainda, pelo menos três quartos dos casos permanecem sem diagnóstico, portanto, sem tratamento. Desde o último mês de julho, o programa vem avaliando a qualidade atual dos cuidados primários para DPOC nesses países (Argentina, Peru e Brasil). No território brasileiro, a pesquisa ocorrerá na região do Butantã, no munícipio de São Paulo (SP), e nas cidades de São Bernardo do Campo (SP), Manaus (AM) e Alcântara (MA).

O líder do projeto no Brasil é o professor Paulo Andrade Lotufo, da Faculdade de Medicina (FMUSP) e Superintendente de Saúde da USP. “Os resultados do Breathe Well permitirão melhorar muito o atendimento à população com doenças respiratórias na atenção primária à saúde, com resultados que serão inéditos em populações indígenas e quilombolas”, destaca.

Indicadores

Os investigadores irão então desenvolver um conjunto de indicadores de qualidade da DPOC e uma identificação e via de tratamento para pacientes com DPOC na atenção primária. Eles testarão a viabilidade destes em diferentes ambientes e modelarão a relação custo-eficácia, além do impacto potencial das desigualdades na saúde.

Através destas atividades de capacitação, o programa visa desenvolver uma infraestrutura de investigação sustentável e de líderes, a fim de fornecer investigação sobre DPOC de alta qualidade no futuro. Isto incluirá a formação de indivíduos numa série de competências e métodos genéricos, clínicos e de investigação.

Os investigadores desenvolverão um envolvimento sustentável com membros da comunidade, líderes clínicos e partes interessadas políticas, para garantir que o estudo esteja enraizado nas necessidades locais, nacionais e regionais, com caminhos claros para impactar a saúde e os cuidados de saúde. Irão também colaborar com as partes interessadas em todos os níveis para garantir que os resultados da investigação sejam postos em prática e para explorar oportunidades para estudos futuros.

Mais informações: e-mail cpce@hu.usp.br

*Do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP, adaptado para o Jornal da USP

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Microplástico é detectado no cérebro humano pela primeira vez

Com efeitos ainda desconhecidos, o polipropileno usado em roupas, embalagens e garrafas foi o tipo mais comum encontrado, com a inalação como provável forma de acesso via bulbo olfatório

Pela primeira vez, pesquisadores encontraram microplástico no cérebro humano. O estudo, feito na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) em parceria com a Universidade Livre de Berlim e com o apoio do Laboratório Nacional de Luz Nacional de Luz Synchronton (LNLS), em Campinas, analisou o cérebro de 15 pessoas falecidas que moravam em São Paulo. Em oito deles foram encontrados resíduos como fibras e partículas de plástico. Estas pessoas não tinham contato com a indústria de produção do material, afirmam os pesquisadores, e o polipropileno foi o tipo mais comum encontrado. Ele é usado em roupas, embalagens de alimentos e garrafas e pneus, que liberam partículas que são inaladas ao respirarmos.

Os resíduos consistem em minúsculos fragmentos de plástico menores que 5 milímetros provenientes da decomposição e outros processos que os transformam nesses micropedaços, e os encontrados no estudo são particulas entre 5.5 a 26.4 nanômetros.  Eles também já foram encontrados em órgãos como pulmões, no sistema reprodutivo e até na corrente sanguínea dos seres humanos. A presença no órgão do sistema nervoso chama atenção por ele ser “um dos mais protegidos do corpo humano devido à barreira hematoencefálica [estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sistema nervoso central e o sangue]”, explica a líder do trabalho e professora da FMUSP, Thais Mauad. O objetivo do estudo era justamente verificar se esse material conseguia chegar até o cérebro.

O artigo publicado no Journal of the American Medical Association (Jama), uma das mais importantes revistas acadêmicas de saúde, indica a via olfativa como uma das prováveis rotas de entrada dos microplásticos no cérebro, uma vez que foram identificados fragmentos dessas partículas no bulbo olfatório, a área responsável por processar odores. Enquanto isso, a via sanguínea ainda deve ser estudada para analisar a capacidade desses materiais passarem a barreira hematoencefálica.

O bulbo olfativo, conjunto de células nervosas na região nasal, é indicado como provável via de entrada dos microplásticos – Imagem: IB-UNESP adaptada do National Institute of Environmental Health Sciences

Possíveis riscos à saúde

Apesar de pesquisas já apontarem efeitos prejudiciais à saúde da presença desses resíduos em outros sistemas, a exemplo de um importante estudo que identificou um risco quatro vezes maior de problemas cardíacos graves e morte em pessoas com o coração contaminado, ainda faltam mais evidências para determinar os efeitos do microplástico no sistema nervoso.

Além dos danos cardíacos, a exposição contínua aos microplásticos e seus aditivos químicos está associada a uma série de outras consequências graves para a saúde humana, como distúrbios endócrinos e redução da fertilidade.

Ainda assim, pesquisas iniciais em animais como camundongos sugerem que o microplástico é neurotóxico, levando a alterações no comportamento, lesão celular e até modificações de enzimas que são importantes para os neurotransmissores (moléculas responsáveis pela comunicação entre neurônios). Essas consequências são preocupantes porque  “provavelmente, as partículas se acumulam no nosso corpo, já que são materiais não degradáveis pelas nossas enzimas, o que pode levar ao acúmulo ao longo do tempo”, como explica Thais Mauad, o que agrava os possíveis riscos.

As partículas podem assim ser internalizadas pelas células e interferir em seu metabolismo, o que eleva os riscos à saúde, principalmente em crianças com o cérebro em desenvolvimento – o que pode causar alterações irreversíveis na fase adulta. Com isso, a pesquisadora faz um alerta para proteger o desenvolvimento infantil:

É importante evitar o contato de crianças com brinquedos de plástico, especialmente aquelas que colocam os objetos na boca. Não sabemos exatamente o que, além do plástico, pode estar presente, como os aditivos que dão características secundárias ao material.

Os brinquedos de plástico são vistos pela pesquisadora como um risco para o desenvolvimento na primeira infância – Foto: Freepik

Proteger a saúde e o meio ambiente

Esses resultados chamam atenção às consequências do uso do plástico na nossa sociedade. Mais de 500 milhões de toneladas de plástico são produzidas anualmente, e mais de 4 mil produtos químicos utilizados na fabricação de plásticos são considerados perigosos para a saúde e o meio ambiente, de acordo com o GreenPeace, indicando a necessidade de diminuição do consumo deste produto.

O estudo, apoiado pela Plastic Soup Foundation, uma organização ambiental dedicada ao combate à poluição plástica, reforça a necessidade de medidas globais urgentes. Com as negociações finais do Tratado Global de Plásticos da ONU marcadas para novembro, na Coreia do Sul, a comunidade científica pede que os formuladores de políticas ouçam a ciência e ajam para proteger a saúde humana e o meio ambiente.

O papel das instituições de pesquisa deve se dar também pelo exemplo, diz a médica, ao mencionar eventos na Universidade em que as bebidas são servidas em copos de plástico. “Acho que, primeiro, é necessário conscientizar a sociedade, incluindo a própria Universidade, que ainda tem práticas frágeis nesse sentido”, alerta ela.

Conscientizar a sociedade a começar a se preocupar mais com o assunto é relevante principalmente para pressionar a indústria, especialmente a do plástico. “A indústria plástica costuma jogar a culpa no consumidor, dizendo que ele é responsável por reciclar. Mas sabemos que grande parte dos plásticos não é reciclável. Toda a cadeia do plástico não é sustentável nem circular”, conclui.

O artigo científico publicado em 16 setembro na revista Jama tem Luis Fernando Amato-Lourenço, da Universidade Livre de Berlim, como primeiro autor, e pode ser acessado neste link.

Mais informações: e-mail imprensa@fm.usp.br

*Estagiário com orientação de Luiza Caires
**Estagiários sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Chumbo é encontrado no leite humano e associado a problemas no desenvolvimento de bebês

Estudo avaliou a contaminação por metais no leite humano e sua associação com o desenvolvimento neuropsicológico em crianças de três a 16 meses

Estudo desenvolvido pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em parceria com outras instituições mostrou que há contaminação por chumbo no leite humano e ela pode estar associada ao atraso no desenvolvimento da linguagem de bebês.

O leite humano continua a ser o mais recomendado para alimentação no início da primeira infância, mas a contaminação ambiental de quem amamenta – a que provém do ambiente, seja ar, água ou alimento – é um alerta aos governantes sobre os riscos da poluição por diversas atividades humanas.

A pesquisa, feita com 185 bebês da cidade de São Paulo, investigou a presença de metais no alimento e  possível relação com problemas no neurodesenvolvimento. Os pesquisadores puderam identificar arsênio, mercúrio e chumbo no leite, mas focaram as avaliações na presença de chumbo e seus impactos para o desenvolvimento. Muito utilizado na indústria siderúrgica, no agronegócio em fertilizantes e emitido por carros e queimadas, o chumbo contamina e polui os solos, as reservas de água e o ar. O metal pesado não desempenha processo fisiológico algum no organismo humano. Ao invés disso, ele é conhecido amplamente como neurotóxico, devido à sua capacidade de passar pela barreira hematoencefálica, estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sistema nervoso central e o sangue.

“[A contaminação] pode comprometer principalmente os astrócitos, que são células de suporte aos neurônios que fornecem tanto estrutura quanto energia. Quando não estão funcionando bem, como no caso de mitocôndrias comprometidas e metabolismo de gorduras alterado pela substituição de cálcio por chumbo, o neurônio funciona de forma diferente. Ele também altera a liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica, como acetilcolina, GABA [ácido gama-aminobutírico] e glutamato”, explica Nathalia Ferrazzo Naspolini, nutricionista que realiza pós-doutorado no ICB e é a primeira autora do artigo.

A fenda sináptica é o espaço entre o terminal de um neurônio pré-sináptico (terminação do axônio) e a membrana de outro neurônio pós-sináptico (dendritos) ou uma célula-alvo. Esse espaço contém fluído extracelular, moléculas e íons importantes para o processo de comunicação entre neurônios (processo conhecido como sinapse), como os citados por Nathália.

Essa alteração nos níveis desses neurotransmissores na fenda sináptica pode levar a um declínio na habilidade linguística e de cognição”, detalha.

O método Bayley-III utilizado pelo estudo avalia marcos de desenvolvimento, como engatinhar ou balbuciar – Foto: Reprodução/Freepik

Avaliação do atraso na linguagem

A pesquisa realizou o teste Bayley-III para avaliação dos marcos de desenvolvimento, aplicado por psicólogos do Projeto Germina, uma iniciativa colaborativa sem fins lucrativos composta de 15 grupos de pesquisa de diferentes áreas do conhecimento da USP que estuda o desenvolvimento e a primeira infância. Eles avaliaram o desenvolvimento dos bebês em três períodos diferentes: o primeiro com 3 meses, o segundo entre 5 e 9 meses e o terceiro entre 10 e 16 meses, e constatou-se um atraso no desenvolvimento da linguagem relacionado ao leite contaminado.

“A criança com certo número de meses já deve sentar, já deve engatinhar. Existem esses marcos, e eles vão verificando isso a cada seis meses. O que testamos foi o Bayley-III, que avaliou domínios de cognição, linguagem, memória e capacidade motora. O único afetado foi o de linguagem. Por exemplo, em uma criança muito pequena, isso pode se manifestar como o início tardio do balbucio, que é um primeiro passo no processo de linguagem. Conforme a criança cresce, ela começa a fazer mais coisas, e isso vai mudando com o tempo”, detalha a pesquisadora.

Nathalia Naspolini ainda chama a atenção para o fato de que a maioria dos voluntários que participou do estudo é de média para alta renda. “Se nessas pessoas encontramos contaminação, em pessoas de baixa renda, que são mais expostas à contaminação ambiental, poderíamos encontrar níveis mais altos”, preocupa-se.

“Aqui [no Hospital das Clínicas da USP] encontramos que 30% das amostras tinham níveis [de chumbo] detectados, enquanto em estudo da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizado com amostras de pessoas de baixa renda, mais de 90% do material estava contaminado”, conta a pesquisadora que fez seu doutorado na Fiocruz, no Rio de Janeiro, também com a avaliação da exposição a poluentes ambientais, mas durante o período perinatal e na microbiota dos nascidos.

 

Alimentação com leite humano é o mais recomendado por profissionais da saúde para desenvolvimento na primeira infância – Foto: Reprodução/Freepik

Proteger o desenvolvimento infantil

Apesar dos resultados, a orientadora da pesquisa e professora do ICB, Carla Taddei, destaca que “não podemos afirmar que o leite humano é ruim”. Sua linha de pesquisa é toda baseada em microbiota humana e ela busca, junto com Nathália, mecanismos de defesa desses bebês em exposição a partir dessas bactérias.

“Já sabemos pela literatura que existe um processo chamado biorremediação, em que, por exemplo, bactérias são usadas para recuperar um ambiente contaminado, como uma lagoa com problemas ambientais. O metabolismo bacteriano ajuda a limpar a lagoa, restaurando o ecossistema. Isso é algo muito conhecido na ciência, na pecuária e na agricultura”, explica a professora.

Se esse processo ocorre na natureza, é provável que também aconteça no ser humano. Alguns estudos em animais mostram que, ao tratar o animal com probióticos, como o lactobacilo, é possível remover metais do organismo. Embora isso ainda seja pouco discutido na prática humana, pois seria complicado testar a contaminação em humanos, é uma observação que Carla pôde fazer nos seus vários anos pesquisando microbiota.

“Embora encontremos leite humano contaminado, será que a microbiota do bebê não está agindo para oferecer uma proteção biológica, evitando níveis maiores de contaminação? Ainda precisamos de muitos estudos para responder a isso, mas também devemos explorar a possibilidade de distribuir probióticos para essas populações mais afetadas, se comprovado esse processo”, conclui.

O artigo Lead contamination in human milk affects infants’ language trajectory: results from a prospective cohort study foi publicado na revista Frontiers in Public Health.

Mais informações: e-mail nfnaspolini@gmail.com, com Nathalia Ferrazzo Naspolini.

*Estagiário com orientação de Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP

Estimulação transcraniana melhora sintomas do Alzheimer

De acordo com o Relatório Nacional sobre Demências, ao menos 2 milhões de pessoas com mais de 60 anos vivem com algum tipo de demência no Brasil, condição que não tem cura. O Alzheimer está entre as formas mais comuns em mais velhos, causando alterações na memória, na personalidade e em habilidades essenciais, como as visuais e espaciais.

Como uma alternativa não invasiva de tratamento, pesquisadores do Instituto de Medicina Física e Reabilitação (IMREA) em parceria com o Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) utilizaram a estimulação de pulso transcraniana (EPT) e observaram melhoras comportamentais e de sintomas neuropsiquiátricos nos pacientes.

A estimulação de pulso transcraniana utiliza ondas de choque, feita de maneira difusa por todo o crânio para atingir todas as regiões do cérebro. “A onda de choque é uma onda sonora especial e focalizada, com um pico de pressão que atinge até cinco centímetros de profundidade nos tecidos”, conta Gilson Shinzato, médico fisiatra e primeiro autor da pesquisa. A técnica já é utilizada há algumas décadas em outras áreas da medicina, e tem benefícios como vasodilatação – em que os vasos sanguíneos se “abrem”, melhorando a passagem do sangue –, ação anti-inflamatória e estímulo à regeneração de tecidos. Neste estudo exploratório, as aplicações de EPT foram feitas em todo o crânio, de forma difusa, buscando contemplar todas as regiões do cérebro.

Os pacientes que receberam a intervenção tiveram melhora nos sintomas neuropsiquiátricos, como delírios, alucinações e irritabilidade; nos sintomas cognitivos, como perda de memória; e nos sintomas comportamentais, como paranoia, comportamentos repetitivos e perambulação.

Todos esses sintomas foram avaliados através de questionários, que mediam também a independência do paciente e sobrecarga dos cuidadores. No Questionário de Inventário Neuropsiquiátrico, NPI-Q, que avaliou os sintomas neuropsiquiátricos, houve uma redução de 23 pontos nos primeiros 30 dias, de uma escala que vai de 0 a 144, demonstrando a evolução dos pacientes.

 

Demonstração de aplicação de EPT em manequim, com profissional acompanhando os locais atingidos através de tela – Foto: Disponibilizada pelo pesquisador

Aplicação da estimulação de pulso transcraniana

Os dez pacientes que receberam a intervenção tinham acima de 50 anos e a doença de Alzheimer provável e possível segundo critérios diagnósticos. “A diferença entre um e outro é a quantidade de lesão vascular [nas células do cérebro]. Na doença ‘provável’ você espera que tenha pouquíssima lesão vascular, e na ‘possível’ você já admite que tenha um pouco mais de conteúdo de lesão vascular”, explica Orestes Forlenza, professor do IPq e co-autor da pesquisa.

Ao serem submetidos à EPT, era necessária a aplicação de um gel comum, como o de ultrassom, sobre cabeça do paciente, que passava por “uma varredura lenta no cérebro todo ao longo de meia hora. Os pacientes faziam dez sessões e, ao final, eram submetidos de novo aos questionários”, diz Shinzato, que completa destacando que o tratamento é indolor.

As sessões eram realizadas duas vezes na semana, com duração de 30 minutos e com a presença dos acompanhantes dos pacientes. Os questionários de avaliação foram reaplicados um, três e seis meses depois das aplicações. No artigo, constam os resultados encontrados para um e três meses após as sessões, dos dez pacientes incluídos na publicação.

A pesquisa ainda é inicial, e foi feita com uma amostra pequena de pacientes, mas deve progredir. “O estudo entra agora numa nova fase randomizada [com amostra de pacientes selecionada de modo aleatório] e controlada com placebo em 45 pacientes, mantendo o rigor científico, com o cegamento [não se sabe em qual dos pacientes é aplicado o tratamento ou o placebo] dos avaliadores, pacientes e acompanhantes, para sedimentar as evidências que já tivemos”, relata Shinzato. A aplicação do placebo acontece de forma idêntica, mas sem a emissão das ondas de choque.

Após as avaliações, os indivíduos que receberam o placebo também serão convocados para receber o tratamento com EPT.

 

A tela do dispositivo demonstra a aplicação difusa por todo o cérebro dos pacientes – Foto: Disponibilizada pelo pesquisador

Melhora comportamental

Como detalha Forlenza, a doença de Alzheimer tem início na formação hipocampal, região relacionada aos processos de aprendizado e memória. “Ela se espalha depois para outras regiões do sistema límbico e acaba acometendo de uma maneira mais difusa o neocórtex [região responsável pela linguagem e pensamento lógico], e leva progressivamente à perda de funções cognitivas”, explica o professor.

“Nós já sabíamos que o estímulo cerebral poderia ser uma ferramenta interessante, que poderia nos ajudar a entender melhor esse declínio cognitivo, e também diminuir a sua velocidade”, relata Linamara Battistella, professora da FMUSP e co-autora da pesquisa. “Não era nova a questão da neuromodulação cerebral [técnicas que atuam no sistema nervoso e estimulam o funcionamento das vias neurais] por diferentes mecanismos”, completa. Mas, diferente de outros métodos de neuromodulação, que costumam ser estacionários – em que é necessário precisão na posição do equipamento e do paciente para atingir a área desejada – a aplicação do EPT contemplou todo o crânio dos pacientes.

“Além da aplicação difusa, escolhemos uma estratégia de concentrar energia em áreas relacionadas à conectividade geral do cérebro, e em outras relacionadas ao comportamento, regulação e estabilidade de humor”, diz Shinzato.

“A impressão é que o método realmente entrega um benefício, que é mais evidente nos sintomas comportamentais [como comportamentos repetitivos, paranoia e perambulação], o que é interessante, porque é uma das demandas menos atendidas nessa área”, destaca Forlenza. “Essa estimulação feita a partir da onda de choque poderia se colocar como uma alternativa bastante entusiasmante”, completa Battistella.

O Brasil, assim como outros países do mundo, espera um aumento de sua população de idosos nos próximos anos. “A gente vê uma população que envelhece e, claro, espera que todo mundo envelheça com qualidade de vida, no entanto, as condições crônicas de saúde, o próprio estilo de vida acaba condicionando ao aparecimento do declínio cognitivo”, reflete Battistella.

Por isso, a professora destaca que uma pesquisa voltada ao tratamento da doença de Alzheimer atende a um desafio mundial: o de construir uma lógica de cuidados, garantindo qualidade de vida para os pacientes e suas famílias. Forlenza acredita que a EPT pode funcionar como uma terapia conjunta ao que já é utilizado atualmente, promovendo uma boa sobrevida aos pacientes.

“Às vezes, não é possível impedir a evolução. Apesar dos tratamentos, a doença ainda progride”, diz Forlenza. Mas o professor lembra que atenuar a progressão pode transformar a trajetória do paciente, deixando mais suportável também para a família, tentando “promover o máximo possível a capacidade funcional e a capacidade de aproveitar a vida dessas pessoas”, finaliza.

Mais informações: e-mail g.shinzato@hc.fm.usp.br, com Gilson Shinzato

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz e Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP

O que causa a morte súbita em atletas?

A morte recente do lateral Juan Izquierdo, jogador do Clube Nacional do Uruguai, em uma partida contra o São Paulo, levanta questões sobre a saúde dos atletas e como casos assim ocorrem. A morte de Serginho em 2004, quando disputava uma partida do Campeonato Brasileiro, é outro exemplo emblemático.

Estima-se que entre um e três em cada 100 mil atletas jovens aparentemente saudáveis morrem subitamente durante exercícios. As causas disso geralmente estão associadas ao coração e implicam problemas ocultos e por vezes difíceis de serem detectados. Patrícia Alves de Oliveira, cardiologista e médica assistente do Instituto do Coração da USP, comenta o tema: “Na maioria dos casos, os atletas e os familiares não sabem, não têm conhecimento de qualquer doença e a primeira manifestação pode ser fatal”.

Acompanhamento médico

Em vista de reduzir ao máximo as chances de descobrirem uma doença quando é tarde demais, os atletas passam por uma avaliação médica pré-participação esportiva, além de acompanhamentos constantes. Os exames buscam, por exemplo, deformações no coração, que é o caso da cardiomiopatia hipertrófica. Essa condição vem do nascimento e ocorre quando os músculos do coração se tornam excessivamente espessos, dificultando o bombeamento de sangue e podendo causar arritmias.

A cardiomiopatia hipertrófica era a principal causa de morte de jogadores jovens e aparentemente saudáveis, mas Patrícia afirma que a situação tem melhorado nos últimos tempos: “Com avaliações médicas mais sistêmicas foi possível a desqualificação de grande parte dos atletas que tinham doenças como essa, assim como outras doenças da estrutura do coração ou do músculo cardíaco que são mais facilmente detectadas por avaliações clínicas”. Ainda assim, é impossível ter uma taxa de 100% de eficácia, e mesmo fatores adversos, como desidratação, temperaturas extremas ou altitudes muito elevadas, podem também desencadear complicações.

Condição dos atletas

Iker Casillas, famoso goleiro espanhol, sofreu de arritmia e foi obrigado a se aposentar. Sobre seu caso, ele afirmou o seguinte: “Os esportistas de elite estão mais expostos devido às demandas físicas que nos obrigam a chegar perto dos limites”. Patrícia Alves concorda com a declaração: “No caso dos atletas com alguma cardiopatia ou com doença do coração, os exercícios de alta intensidade podem ser um gatilho para as complicações ou manifestações dessas doenças cardíacas”. Não quer dizer, então, que o exercício físico de alta intensidade criou um problema novo, mas sim que manifestou uma condição preexistente que passou despercebida nos exames.

A cardiologista afirma que os atletas com alguma condição cardiopática têm em média de duas a duas vezes e meia mais risco de sofrer de uma complicação do que um indivíduo normal com a mesma doença. Foi também o caso de Christian Eriksen, jogador dinamarquês que caiu desacordado em campo durante uma partida da Eurocopa em 2021. Mas, diferentemente dos outros exemplos, ele pôde retornar aos campos depois de um ano.

Patrícia explica por que, neste caso, o jogador pôde voltar aos campos: “Parece que não se conseguiu detectar nenhum tipo de doença cardíaca, então foi colocado um card de desfibrilador implantado no tórax, que é um aparelho que reverte essas arritmias fatais e que são responsáveis pela morte súbita”. Por outro lado, Cláudia Lúcia Forjaz, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP, complementa que o desfibrilador não garante 100% de eficácia. Ainda que ele ofereça uma etapa a mais de segurança, o acompanhamento e análise intensiva, em especial no caso de atletas profissionais, é essencial.

Riscos para indivíduos comuns

Cláudia Lúcia Forjaz ressalta que um indivíduo jovem e saudável não tem nenhuma chance de sofrer de morte súbita. Se uma complicação acontece, isso indica necessariamente que havia uma questão anterior. E, mesmo para esses casos, a indicação é que a pessoa portadora de alguma doença cardiovascular faça, sim, exercícios de acordo com sua capacidade e que os benefícios disso superam em muito os potenciais riscos de uma morte súbita, que é mínima.

“Um aumento do trabalho cardíaco para pessoas que têm uma doença de base pode deflagrar uma doença cardíaca, mas é raro. Os benefícios do treinamento adequado suplantam muito os riscos. Se na década de 70 os indivíduos com doenças cardiovasculares eram contraindicados a fazer atividades, hoje é exatamente ao contrário”, afirma ela.

Os riscos são muito maiores no caso de atletas que levam seu corpo ao limite e pessoas que se exercitam casualmente, mesmo com condições cardíacas, têm muito a ganhar com uma melhor condição física. Já para aqueles que não têm nenhuma doença, ela garante que não há com o que se preocupar: “Se o indivíduo é jovem, com o coração saudável, pode fazer o exercício que ele quiser que o coração vai ficar bem”. Ela ressalta, no entanto, que o mesmo não vale para usuários de substâncias como cocaína e anabolizantes, e que estes, mesmo sem uma doença prévia, podem sofrer de mal súbito.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Médico publica livro sobre os limites éticos da inteligência artificial na área da saúde

O uso de Inteligência Artificial na criação de produtos de saúde demanda uma regulação específica em que transparência, responsabilidade, segurança e eficácia são elementos centrais

A percepção do físico Stephen Hawking de que a inteligência artificial “será a melhor ou a pior coisa que já aconteceu à humanidade” resume as esperanças e preocupações que vêm com a transformação tecnológica em curso. De algoritmos que ajudam os médicos a fazer diagnósticos até a predição de quais tratamentos podem funcionar melhor com um determinado paciente, a saúde é talvez um dos mais promissores campos para a IA, mas parâmetros regulatórios se fazem urgentes.

Publicado pela Abeto, selo de não ficção do Grupo Aboio, o livro Inteligência Artificial e Saúde: Conexões éticas e regulatórias discute fundamentos e diretrizes para uma regulação da inteligência artificial (IA) na área. A obra é baseada na pesquisa de doutorado do autor, Daniel Dourado, médico, advogado e pesquisador no Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da USP. “É totalmente diferente entrar no mercado de saúde e entrar no mercado de tecnologia”, afirma Dourado. “O estado tem obrigação de regular produtos que estão na saúde”.

Por essa obrigação, ele lembra que “se o produto é para uso clínico, passa a ser um dispositivo médico, um produto de saúde; e a saúde tem fundamentos próprios”. Assim, estabelece três desses fundamentos: a privacidade dos que alimentam os dados usados para treinar a IA, a ética específica para o desenvolvimento desses produtos (uma mistura de ética para IA e bioética) e os direitos humanos que estabelecem a saúde como direito fundamental.

“Se você quiser pegar três pedaços de madeira, emendar com um prego, serrar e colocar para vender como uma cadeira, você pode, mas se você fala que ela alivia dor nas costas, dor lombar, vai ter que registrar esse produto”, exemplifica.

Para cumprir esses fundamentos, por sua vez, ele elenca três elementos centrais para pensá-los: a transparência de como os dados da IA são utilizados, a responsabilidade no uso dos dados, além de, principalmente, segurança e eficácia dos produtos. Dentro desse último, ele propõe o conceito de equidade ou justiça, pela preocupação dos modelos desenvolvidos, por seus vieses “só acertarem para homem branco ou [norte] americano”, ou seja, não serem seguros para outras populações.

Avanço das discussões

O uso de IA na saúde avança no mundo todo e tem resultados promissores para a análise de exames e predição de doenças hereditárias. Apesar disso, o desenvolvimento de regulação específica para área ainda caminha a passos curtos. Esse atraso tem levado a discussões recentes no mundo, principalmente na Inglaterra, sobre a criação de sandboxes.

O conceito de sandbox é um teste em que a equipe vai avaliar o sistema com os dados que possui em situações reais, mas sem alterar a conduta dos profissionais de saúde. “Por exemplo, se o modelo sugere uma dose diferente de medicamento, o profissional é informado, mas não precisa seguir a recomendação; ele apenas observa o que o modelo indica e, com o tempo, esses dados são comparados para avaliar se o sistema é seguro e se poderia ser usado na prática”, explica Daniel Dourado.

Ele ressalta que a criação desses modelos evita ações judiciais que poderiam atrasar ou complicar a regulação desses produtos. Ele afirma que “é muito melhor ter uma regulação que se faz pelo debate da sociedade e é fundamentada no direito administrativo” do que por ações judiciais fundamentadas em casos particulares.

Mais informações: e-mail dadourado@gmail.com, com Daniel Dourado. O livro está disponível para compra no site da editora

*Estagiário com orientação de Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP

Ultraprocessados são fonte de proteína na alimentação de vegetarianos estritos

Estudo mostra que vegetarianos estritos consomem níveis adequados de proteína – e mesmo com ultraprocessados, ingerem mais alimentos in natura que a população em geral

O veganismo é um estilo de vida em que a pessoa não consome nenhum produto de origem animal, inclusive roupas e produtos de beleza testados em animais, por exemplo. Quando se fala exclusivamente de alimentação, a dieta recebe o nome de vegetarianismo estrito. Nesses casos, existe uma grande preocupação em relação à quantidade de proteína ingerida. A pesquisa conduzida pelo Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), coordenada pelo professor Hamilton Roschel, mostrou que a quantidade de proteína consumida por vegetarianos estritos é adequada, mas se apoia no consumo de alimentos ultraprocessados.

Entre os mais de 500 participantes do estudo, a mediana do consumo de proteína foi de 1,12 gramas por quilo de peso corporal, valor que atinge e supera a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 0,8 a 1,0 grama de proteína por quilo de peso corporal. No entanto, para atingir a recomendação de ingestão proteica, os vegetarianos estritos recorrem a alimentos ultraprocessados, em particular, à proteína texturizada de soja – que passa por uma etapa chamada extrusão, por isso é considerada ultraprocessada – e aos suplementos proteicos à base de proteína vegetal.

A pesquisa também analisou se vegetarianos estritos ingerem quantidades adequadas de aminoácidos essenciais – moléculas que formam as proteínas, mas que não são produzidas pelo corpo e têm funções específicas no metabolismo. Assim como no caso das proteínas, a adequação foi superior a 90%.

As dietas dos participantes foram analisadas com base em diários alimentares. Enquanto o recordatório alimentar é preenchido por um nutricionista, como uma entrevista, o diário é preenchido individualmente com relatos das refeições em medidas caseiras, mas também passa pela conferência de um nutricionista. Os participantes tiveram acesso a instruções para registrarem os alimentos de forma padronizada. O trabalho contou com pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, e da FMUSP.

Nível de processamento na dieta vegetariana estrita

Mesmo dependendo do consumo de ultraprocessados para atingir a quantidade adequada de proteína ingerida, 66% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vêm de alimentos in natura, alimentos que não sofrem alteração para serem consumidos, e minimamente processados – que passaram apenas por processos que não envolvem adição de sal, gordura, açúcar ou outras substâncias.

A porcentagem de calorias vindas de ultraprocessados na dieta dos participantes do estudo é de 13%. “Esses indivíduos comem menos ultraprocessados e consequentemente mais alimentos in natura e minimamente processados que a população em geral. Então, esse é um achado interessante, porque mostra que as premissas de uma boa dieta à base de plantas estão sendo seguidas”, diz Roschel.

Em comparação com os dados encontrados para a população geral no Brasil, os vegetarianos estritos têm 22% a mais de calorias da dieta vindas de alimentos in natura, e 10% a menos vindos de ultraprocessados.

Além disso, apesar de alimentos como a proteína texturizada de soja serem classificados como ultraprocessados, devido aos processos a que são submetidos e suas composições, alguns pesquisadores afirmam que eles se diferem dos ultraprocessados conhecidos pelos malefícios à saúde, já que não têm adição de sal, açúcar e gordura. “Apesar de se enquadrarem na mesma categoria, em termos de qualidade nutricional, é razoável assumir que uma proteína texturizada de soja não pode ser comparada a um pacote de salgadinho, por exemplo. Mesmo dentro da classificação de ultraprocessados, há nuances que precisam ser consideradas”, pondera o docente. A ideia não é consenso entre os cientistas, e já foi objeto de debate.

Roschel lembra que os resultados encontrados no trabalho em momento nenhum vão contra a classificação Nova – que divide os alimentos em in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. “A Nova é absolutamente fantástica em termos de saúde pública”, ressalta o pesquisador. Ele acredita porém, que existem nuances dentro da classificação que merecem consideração.

Calorias vindas de alimentos in natura

Vegetarianos estritos: 66,5%
População geral: 44,9%

Calorias vindas de alimentos ultraprocessados

Vegetarianos estritos: 13,2%
População geral: 23,7%

Aumento da variedade de ultraprocessados

O mercado de ultraprocessados cresce em variedade, e os alimentos voltados ao vegetarianismo estrito não são exceção, relata Roschel. Mas, ao contrário da proteína texturizada de soja e do suplemento proteico, boa parte desses alimentos que têm ganho espaço nos mercados são ricos em açúcar, gorduras saturadas e sal, ao mesmo tempo que são baixos em fibras. Ou seja, são alimentos que trazem prejuízo à saúde.

Na França, de acordo com uma pesquisa realizada em 2021, 39% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vinham de alimentos ultraprocessados com baixa qualidade nutricional. “Esse [aumento do consumo de ultraprocessados] é o medo. Para eles [indústria alimentícia] começarem a fazer opções veganas para atender esse público com a mesma baixíssima qualidade nutricional, basta que enxerguem isso como um mercado interessante”, relata Roschel sobre as perspectivas no Brasil.

Para o pesquisador, o resultado do trabalho mostra a importância de uma análise de contexto. “É um alerta de que a gente precisa de uma melhor educação nutricional do indivíduo que adere a uma dieta plant-based [baseada em plantas, vegetariana estrita]. É também um alerta para políticas públicas de regulação do mercado e para a indústria, que precisa entender a sua responsabilidade na elaboração de alimentos de melhor qualidade nutricional”, finaliza.

Participaram do estudo os pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição da EEFE/FMUSP e do Centro de Medicina do Estilo de Vida da FMUSP: Alice Erwig Leitão, Gabriel Esteves, Bruna Mazzolani, Fabiana Smaira, Martin Santini, Heloísa Santo André, Bruno Gualano e Hamilton Roschel.

Mais informações: e-mail hars@usp.br, com Hamilton Roschel

*Estagiária sob supervisão de Luiza Caires
**Estagiário sob supervisão de Simone Gomes

FONTE: Jornal da USP

Vírus Epstein-Barr dá pistas sobre queda imunológica

Em um estudo piloto desenvolvido na Faculdade de Odontologia (FO) da USP, foi observado em pacientes com cirrose hepática uma relação entre a diminuição de células do sistema imunológico e o aumento da presença do vírus Epstein-Barr (EBV) na saliva. Os linfócitos, células que apresentaram a queda, estão envolvidos diretamente na resposta imune a esse vírus, o que permite inferir que seu declínio levaria à menor vigilância contra o microrganismo.

O vírus Epstein-Barr pertence à família do herpesvírus humano (HHV), e além de causar mononucleose infecciosa – conhecida como “doença do beijo” – está relacionado a outros quadros. “Ele é um vírus importante porque, em estados de imunodepressão, pode ocasionar doenças que costumam ser severas”, destaca Karem Ortega, professora da FO e orientadora do trabalho.

O grupo de pacientes era formado por pessoas que aguardavam por um transplante de fígado, majoritariamente homens ex-alcoolistas. “Por causa da vigilância imunológica alterada nesse grupo, alguns desses vírus podem ser perigosos quando se trata de um prognóstico de transplante”, diz Gabriella Marinho, que realizou a pesquisa em seu doutorado na FO.

Mas, “o que a gente pode dizer nesse momento, com este estudo, é que os pacientes com cirrose e diminuição de linfócitos podem ter uma chance maior de transmitir o vírus para outras pessoas”, afirma Karem Ortega. A pesquisadora também destaca que a presença desse vírus em um nível alto, e que afeta a imunidade circulante, acende um alerta quanto ao contágio entre os próprios pacientes.

Vírus Epstein-Barr e imunidade comprometida

Os resultados do trabalho mostram que a deficiência imunológica dos pacientes com cirrose pode afetar a eliminação do vírus Epstein-Barr na saliva, uma vez que ele é relativamente comum nesse fluido por ter afinidade com algumas células das glândulas salivares.

Foi identificado o vírus Epstein-Barr em 30% entre os 72 indivíduos que fizeram parte do estudo. Além disso, dos sete subgrupos restantes da família do herpesvírus humano (HHV), o HHV-7, um vírus que causa doenças em momentos de baixa imunidade, apareceu em 43% dos voluntários, mas não foi encontrada relação entre o vírus e o declínio ou aumento de células do sistema imunológico, medidas através de exames de sangue.

O grande problema no caso do grupo estudado é que, em quadros de disfunções imunológicas, esse vírus já foi relacionado a infecções que podem levar à rejeição de órgãos transplantados. “Portanto, ainda que o vírus na saliva desse grupo de pacientes não traga nenhum sinal clínico nesse momento, pode causar um mau prognóstico depois do transplante”, esclarece Gabriella Marinho. Pacientes transplantados utilizam medicamentos imunossupressores, que diminuem a atividade do sistema imunológico, para evitar a rejeição ao órgão. Por isso, há uma preocupação sobre a reativação de vírus latentes nesses casos.

Além disso, o estudo apontou uma relação entre o aumento do EBV e a diminuição do número de linfócitos, que estão envolvidos diretamente na resposta imune a esse vírus, inferindo que essa queda pode levar a menor vigilância contra o microrganismo.

Saliva como ferramenta de diagnóstico

A grande protagonista do estudo é a saliva. Os resultados do trabalho, de acordo com as pesquisadoras, mostram a importância da saliva na identificação da presença dos herpesvírus. “[A saliva] pode ser uma ferramenta importante e é muito mais fácil de se colher que o sangue. Você não tem que ‘espetar’ a pessoa se a gente consegue estabelecer [a presença do vírus]. A saliva é um meio bom para fazer esse diagnóstico e o acompanhamento do paciente”, afirma Karem Ortega.

Gabriella ainda explica que, no caso de outros vírus, a presença na saliva pode atuar como um biomarcador da imunidade do paciente. Um exemplo é o torque teno vírus (TTV), um vírus que não causa doença, que tem seus níveis alterados em casos de infecção e que mostrou potencial para avaliar a intensidade da infecção por sars-cov-2.

Para pacientes com cirrose, ainda não há um biomarcador para a imunidade. Para Karem, o estudo abre novas possibilidades: “Neste momento, não é possível afirmar isso com este trabalho, mas ele abre um leque de hipóteses. Uma das hipóteses é essa que, talvez, o EBV possa ser um biomarcador de imunidade do paciente, assim como temos outros vírus que são candidatos a biomarcadores de imunidade”.

Mais informações: e-mail gabi_bm10@hotmail.com, com Gabriella Marinho; e e-mail klortega@usp.br, com Karem Ortega

*Estagiária com orientação de Fabiana Mariz
**Estagiária com orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP