Estudo piloto realizado com 31 pacientes do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) sugere que a terapia por fotobiomodulação, com dosagem individualizada de energia e em uma faixa de luz específica, tem eficácia no tratamento da dor da osteoartrite de joelho, doença de caráter inflamatório e degenerativo que provoca a destruição da cartilagem, dores, inchaços e deformidades na articulação. Na configuração de 850 nanômetros (nm), os feixes de luz no infravermelho atingem camadas mais profundas dos tecidos e estimulam uma variedade de processos bioquímicos nas células, promovendo efeitos anti-inflamatórios de diminuição da dor e reparo tecidual no local da aplicação.
Os resultados da pesquisa feita no Laboratório de Neuroanatomia Funcional da Dor (Land) do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP estão descritos no artigo Customized Photobiomodulation Modulates Pain and Alters Thermography Pattern in Patients with Knee Osteoarthritis: A Randomized Double-Blind Pilot Study, publicado na Photobiomodulation, Photomedicine, and Laser Surgery.
A fotobiomodulação consiste em um recurso fototerápico – terapia com luzes artificiais que podem estimular ou inibir a atividade celular – , com aparelho de laser ou LED, em que são aplicados feixes de luz em um tecido-alvo para obter respostas favoráveis aos objetivos propostos. Segundo a pesquisa, o método apresenta eficácia terapêutica em humanos e animais, com excelentes resultados em várias especialidades médicas e sem qualquer tipo de efeito colateral. “No entanto, existem lacunas que impedem a adoção em larga escala de tais procedimentos, como o cálculo preciso dos comprimentos de ondas e da quantidade de energia emitida pelos feixes de luz”, relata ao Jornal da USP Marucia Chacur, professora do ICB, pesquisadora responsável pelo estudo e uma das autoras do artigo.
A pesquisa
O tratamento piloto foi aplicado em pacientes com osteoartrite no joelho grau 3 (com mais de 50% da cartilagem deteriorada), duas vezes por semana, por um período de cinco semanas. Ao todo, foram dez sessões. Um grupo de 15 pessoas recebeu efetivamente as aplicações na região do joelho, e o restante (grupo placebo) teve o mesmo procedimento, porém, com a sonda de emissão de energia desligada. O comprimento de onda infravermelho utilizado foi de 850 nm e a potência total de energia individualizada ficou entre 526 a 1402 joules, variando de acordo com as características físicas de cada paciente.
Dosagem individualizada
Segundo a pesquisadora, o que promove o efeito terapêutico no tratamento por fotobiomodulação é a absorção pelas células das partículas de luz, emitidas em determinados comprimentos de ondas e intensidade de energia. Internamente, ocorre um processo fotoquímico em que as mitocôndrias – estruturas celulares – são estimuladas a produzir mais energia. Isso aumenta o metabolismo celular, resultando em produção de substâncias analgésicas, redução da inflamação, regeneração de tecidos, cicatrização de feridas e diminuição da fadiga muscular, dentre outros efeitos.
Chacur explica que a dosagem individualizada da potência de energia transmitida por feixe de luz foi calculada correlacionando-se o Índice de Massa Corporal (IMC) do paciente, o tom da pele e a energia necessária para se atingir o tecido-alvo, no caso, o joelho. O IMC é calculado a partir da divisão do peso do paciente pela altura elevada ao quadrado.“Quanto maior a espessura das camadas da pele (epiderme, derme, hipoderme) e dos músculos, menor será a quantidade de energia absorvida no tratamento. O mesmo acontece com o indivíduo com tom de pele mais escuro. Ele absorve mais energia, porém esta energia fica ‘contida’ na pele e não é absorvida pelo tecido-alvo”, diz.
Dessa forma, indivíduos obesos, com maior índice de massa corporal (IMC>30) e com a pele mais escura, por exemplo, precisam receber maior quantidade de energia, 1402 joules, para obter efeitos benéficos do tratamento. Já indivíduos com menor índice de massa corporal (entre 18 e 24) e com pele mais clara necessitam de menor quantidade de energia, 526 joules.
Redução da dor e da inflamação
As variáveis de níveis de dor dos pacientes foram analisadas no início e no final de cada sessão de terapia e antes e depois do tratamento completo. Os parâmetros considerados foram os da escala EVA, instrumento de aferição da intensidade de dor que vai de zero a dez, sendo zero para ausência de dor e dez para dor máxima.
Segundo a pesquisadora, os pacientes tratados com fotobiomodulação, quando comparados com os do grupo placebo, sentiram melhora já a partir da quarta sessão, relatando em torno de 45 a 50% menos dor do que sentiam no início do tratamento. O nível de dor foi se mantendo baixo, entre 2 e 4 da escala EVA, até cinco semanas após o término do tratamento. Depois desse período, a dor voltou aos poucos.
Perguntado à pesquisadora o que poderia ser feito para que o quadro doloroso não voltasse, Marucia Chacur sugeriu uma dose de reforço ou aplicações mais espaçadas, a cada uma ou duas semanas, de forma a se manterem os níveis de dor baixo e proporcionar melhora da qualidade de vida.
Quanto à inflamação, a avaliação foi feita com uma câmera de termografia que detecta a luz infravermelha emitida pelo corpo, para visualizar mudanças de temperatura corporal relacionadas a alterações no fluxo sanguíneo. “O tratamento foi eficaz pois interferiu com a temperatura local, levando, de forma indireta, ao aumento da vascularização e drenagem venosa e consecutivamente, levando a um quadro de maior fortalecimento [das estruturas] da área afetada”, disse a pesquisadora.
Os níveis de inflamação também puderam ser verificados através da análise de exames de urina coletada dos pacientes antes e depois do tratamento. Após o término da terapia, foi detectada uma porcentagem de dopamina aumentada em 29%. A dopamina é um neurotransmissor com várias funções, sendo popularmente conhecida como um dos “hormônios da felicidade” pois, quando liberada, provoca a sensação de prazer, satisfação e aumento da motivação.
Antes e ao final do tratamento, os pacientes responderam a um questionário avaliando seus parâmetros de qualidade de vida. Finalizada a terapia, os pacientes relataram ter tido ganhos significativos em relação a diminuição da dor, recuperação da mobilidade, e execução de atividades físicas e tarefas do dia a dia.
A cientista diz que esse foi o primeiro passo para se demonstrar os efeitos benéficos da terapia por fotobiomodulação em pacientes com osteoartrite de joelho. “Conseguimos mostrar que os parâmetros propostos foram eficazes, e o próximo passo seria ampliar esse modelo em outros pacientes e até mesmo em outros modelos experimentais”. Atualmente, no Land, está sendo utilizada a mesma terapia de fotobiomodulação em pacientes com Parkinson, observando-se uma possível alteração de sensibilidade motora em níveis encefálicos com o auxílio de ressonância magnética funcional.
Mais informações: e-mail chacurm@icb.usp.br Marucia Chacur
Osteoartrite do joelho
A osteoartrite é uma doença de caráter inflamatório, mecânico, degenerativo e metabólico das articulações. Está relacionada a genética, idade avançada, lesões articulares e obesidade. De acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia , a articulação mais comumente afetada pela osteoartrite é a do joelho (cartilagem, osso subcondral e líquido sinovial), respondendo por 80% dos casos da doença. Os pacientes se queixam de dor, inchaço, rigidez matinal, crepitação no movimento articular, restrição da mobilidade e entortamento e desalinhamento do joelho. O processo degenerativo é complexo e inicia-se com o envelhecimento, porém, aspectos genéticos, a obesidade e o uso excessivo da articulação (sobrecarga) são fatores de risco para a doença, que é classificada entre o grau 1 e 4, a forma mais grave.
A doença não tem cura, mas com o tratamento adequado o paciente pode conviver com o problema e manter sua qualidade de vida. Em geral, são prescritos anti-inflamatório e analgésicos, dependendo do grau. Como intervenções não farmacológicas coadjuvantes são recomendados exercícios físicos e terapias como a aplicação da fotobiomodulação, que alivia a dor e o processo inflamatório.
FONTE: Jornal da USP