O conceito de embriaguez definido pelo Legislativo brasileiro é a “perturbação psicológica mais ou menos intensa, provocada pela ingestão de álcool, que leva à total ou parcial incapacidade de entendimento e volição”. Para identificar um indivíduo “bêbado”, basta atentar para alguém falando enrolado, andando com dificuldade ou, apenas, mais sociável do que o costumeiro; mas por que os seres humanos ficam embriagados ao ingerir bebidas alcoólicas?
O professor Moacyr Aizenstein, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), diz: “Se nós fizermos uma gradação, no início ele se sente relaxado, com doses um pouco maiores fica alegre, um pouquinho maiores e ele já perde a crítica e a coordenação motora. Com doses maiores ainda, a bebedeira, ele perde totalmente o controle”.
O que acontece quando o álcool é ingerido?
Segundo o especialista, os efeitos agudos ocorrem no sistema nervoso central, uma vez que o álcool é uma droga depressora, que diminui a ansiedade e produz sentimentos de euforia e relaxamento muscular no indivíduo: “É quase como uma anestesia, o indivíduo perde o controle sobre si, porque o álcool deprime o sistema nervoso central”. Além disso, a droga é responsável por produzir a liberação da dopamina, um neurotransmissor relacionado com o prazer e, dessa forma, o etilista é alguém consumido por essa sensação.
De acordo com Aizenstein, dependendo da pessoa, o efeito é diferente, por conta do álcool ser um indutor de enzimas, e, quanto mais for ingerido, maior serão seus efeitos sobre o metabolismo. “Se o indivíduo nunca bebeu, o metabolismo do álcool é muito baixo, então, se bebe uma garrafa, fica bêbado. Agora, o indivíduo que vem bebendo constantemente, como ele metaboliza bastante até ficar bêbado, vai ingerir uma quantidade muito maior”. Ele ainda aconselha que as pessoas pratiquem a redução de dano: “Se restringir a doses compatíveis, não beber de estômago vazio e, enfim, não dirigir”.
Sob outro ponto de vista, Arthur Guerra, docente do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFMUSP), discorre que os efeitos são divididos em dois grupos: os fisiológicos — como a molécula de etanol interage no corpo humano — e os psicológicos — a resposta cerebral.
Quanto ao primeiro, ele explica que, após passar pelo esôfago, estômago e intestino, o álcool é encontrado no fígado, local em que é metabolizado e fracionado em pequenas porções de álcool etílico, ou seja, etanol; após isso, ele é jogado de volta ao sangue e espalhado por todo o corpo. “No próprio fígado, a célula hepática, chamada hepatócito, tem um poder de metabolização. Mas, quando é muito álcool, ele perde esse poder e, com isso, aumenta a enzima Gama GT”, conta.
No momento em que chega ao cérebro é que os efeitos psicológicos são acionados e, segundo Guerra, essa é a principal ação e o motivo do álcool ser usado há milhares de anos. Do ponto de vista bioquímico, a primeira depressão causada pela droga é a censura: “Por isso que o álcool é usado em várias celebrações, é usado para ficar com os amigos, usado para dar uma relaxada. Não em excesso, apenas para poder ficar um pouco mais social”.
Consequências a curto e longo prazo
A curto prazo, a primeira consequência do uso do álcool é a embriaguez, ou intoxicação alcoólica, na qual o indivíduo ganha uma confiança excessiva — ligado à perda da censura — e possui seus reflexos diminuídos significativamente. “Por isso que nunca se deve associar álcool ao uso de algum veículo e também podem acontecer acidentes, quedas, fraturas, violência doméstica e brigas”, alerta o psiquiatra.
Já a longo prazo, ele destaca as complicações causadas no fígado, especialmente a esteatose hepática — que seria o acúmulo de gordura no órgão — e, consequentemente, pode acarretar em cirrose, ou seja, insuficiência hepática. Assim como pode resultar em pancreatite crônica, miocardite alcoólica, úlcera, câncer no tubo gastrointestinal, entre outras sequelas.
Aizenstein ressalta que, dependendo da quantidade de álcool ingerida em um curto espaço de tempo, as implicações podem acarretar em coma alcoólico e até em morte. Ademais, uma das maiores consequências causadas por essa droga é a dependência, isto é, a pessoa não consegue mais usá-la de forma regular, pois, quando não usada, ela tem uma sensação intensa de desprazer.
Controle do problema
O professor Arthur Guerra destaca a importância da prevenção por meio da educação e informação: “Nós chamamos de diagnóstico precoce, a pessoa começa a ter problemas e, antes de se tornar crônico, o especialista já consegue avaliar e fazer uma ação mais rápida. Há campanhas de prevenção, por exemplo; não se deve beber álcool antes dos 18 anos, porque o cérebro está em desenvolvimento”. Ele ainda diz que o mais importante é que pessoas próximas aos indivíduos nessa situação crônica sejam um exemplo para elas.
De acordo com o bioquímico Moacyr Aizenstein, o ideal, e compatível com a saúde, é que a pessoa utilize baixas doses por dia: duas para os homens e uma para as mulheres — segundo ele, estas são mais sensíveis e metabolizam com menor eficiência o álcool. Uma dose seria o equivalente a uma lata de cerveja (350 ml), uma taça de vinho ou 40 ml de destilado.
“Agora, quando o indivíduo se torna um dependente e passa muito dessa quantidade, é necessário um tratamento farmacológico. Claro que tem o tratamento dos alcoólatras anônimos, isso funciona muito bem, são reuniões onde o indivíduo deve compartilhar com outros alcoólatras os seus problemas, mas ele tem que ser submetido a uma terapia psicológica para entender realmente por que não consegue se controlar”, desenvolve.
Para finalizar, ele reforça que nem todo indivíduo que usa bebida alcoólica se torna dependente, “o indivíduo pode tomar todo dia e pode não se tornar viciado. O álcool é potencialmente indutor de dependência”. Dessa forma, outros fatores estão envolvidos nesse processo, como elementos psicológicos, sociais, econômicos e, inclusive, genéticos: “Mas o mais importante é a motivação interna do indivíduo para deixar de beber”.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
FONTE: Jornal da USP