Peptídeos e o diagnóstico de aneurismas

Moléculas derivadas de proteínas aparecem apenas em pacientes com ruptura das artérias causada por aneurismas.

Uma pesquisa com participação da Faculdade de Medicina (FMUSP) e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP abre caminhos para o uso de uma nova forma de diagnosticar aneurismas cerebrais. Os cientistas descobriram, em um líquido existente no cérebro, peptídeos (moléculas derivadas de proteínas) que aparecem somente em pacientes que tiveram ruptura das artérias causada por aneurisma ou em casos de ruptura tardia. As características específicas desses peptídeos podem servir como marcadores da condição do paciente, aprimorando o diagnóstico e ajudando os médicos a definir estratégias para o tratamento da doença.

A pesquisa investigou a presença de peptídeos intracelulares ou não no líquido cefalorraquidiano (LCR) e sua associação com casos de aneurismas saculares intracranianos (ASI). “O LCR, também conhecido como líquor ou fluido cérebro-espinhal, é encontrado no cérebro e medula espinhal. Caracteriza-se por ser uma solução salina pura, com baixo teor de proteínas e células, atuando como um amortecedor para o córtex cerebral e a medula espinhal”, relata ao Jornal da USP o professor Emer Ferro, do ICB, um dos coordenadores da pesquisa. “Os ASI são dilatações arteriais no cérebro que ocorrem devido à fraqueza na camada média da parede arterial, levando à formação de bolsas anormais e rupturas das artérias.”

Segundo o professor Eberval Gadelha Figueiredo, da FMUSP, responsável pelos diagnósticos clínicos feitos na pesquisa, os ASI representam de 90% a 95% de todos os casos de aneurismas intracranianos. “As rupturas levam a hemorragias, comprometimento cognitivo e motor, bem como à morte do paciente”, destaca. Devido à falta de sintomas, atualmente os ASI são geralmente encontrados incidentalmente, quando ocorre a ruptura. “Isso porque o LCR pode ser acessado pelo médico por procedimento minimamente invasivo, à semelhança de um exame de sangue, sem comprometer a saúde do paciente. A meta da pesquisa era demonstrar que alterações na presença de peptídeos específicos no LCR podem indicar determinada condição de doença do paciente.”

Tipos de aneurismas

Ao todo, foram testados 11 pacientes com três tipos de aneurismas, identificados em exames clínicos: sem ruptura, com ruptura e com ruptura tardia. “No laboratório, o LCR de cada um dos pacientes passou por ensaios de separação de peptídeos individuais, seguida de identificação das sequências de aminoácidos de cada um desses peptídeos”, relata Ferro. “Uma vez identificados os peptídeos em cada grupo de pacientes, utilizamos recursos de bioinformática para comparar os peptídeos existentes nos diferentes grupos de pacientes.”

Por meio de dois softwares (Mascot e Peaks), foram identificados 2.199 peptídeos, dos quais 484 (22,0%) eram únicos de cada grupo de pacientes. “Descobrimos que os peptídeos únicos em pacientes com diagnóstico de aneurismas intracerebrais saculares com ruptura têm um peso molecular maior quando comparados aos peptídeos dos outros grupos de pacientes”, ressalta Ferro. “Todos os peptídeos únicos apresentaram uma ‘assinatura’, com cadeias conservadas de aminoácidos, domínios funcionais, regiões de modulação de proteínas ou sítios de modificação relacionados a doenças humanas.”

De acordo com o professor do ICB, seria possível usar a informação contida nessa “assinatura” para o diagnóstico molecular dos aneurismas, complementando o diagnóstico clínico do neurocirurgião. “Nós ainda não utilizamos pacientes saudáveis. Além desse limitante dos nossos estudos, o nosso maior limitante para afirmar que os peptídeos já podem ser utilizados no diagnóstico é que nossos ensaios foram realizados com um número ainda pequeno de pacientes”, observa. “Estamos caminhando para estudos com mais pessoas, possivelmente superando a casa de uma centena.”

A pesquisa foi realizada por Carolina Angélica Parada, Rosangela A. Eichler e Emer S. Ferro, do Laboratório de Farmacologia dos Peptídeos Intracelulares do Departamento de Farmacologia do ICB, e Gabriel Reis Sakaya, Vitor Nagai Yamaki e Eberval Gadelha Figueiredo, do Grupo de Neurocirurgia Vascular do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP. Também colaboraram com o trabalho Ami Navon, professor do Weizmann Institute of Science (WIS) em Israel, e Andrea S. Heimann, sócia-proprietária da Proteimax Biotecnologia, sediada em São Paulo e da Proteimax Israel. Os estudos tiveram apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O artigo Peptidomic profiling of cerebrospinal fluid from patients with intracranial saccular aneurysms foi publicado na revista Journal of Proteomics.

Mais informações: email emersferro@gmail.com, com o professor Emer Ferro

Por Júlio Bernardes

FONTE: Jornal da USP

Pesquisa da USP traz dados inéditos sobre malária na gestação

Pesquisa teve o objetivo de preencher uma lacuna envolvendo a falta de dados sobre a repercussão da doença nas gestantes. Com informações de mais de 60 mil mulheres, foi possível identificar os principais pontos de atenção para malária gestacional, chamados de hotspots, e assim definir quais regiões e Estados requerem mais esforços sanitários para o seu controle – Foto: Reprodução/Pixnio e Flickr

Cientistas do Instituto de Ciências Biomédicas analisaram dados de 2004 a 2018 e fizeram mapeamento das regiões mais afetadas pela doença no País. Estudo oferece subsídios ao Ministério da Saúde para a tomada de decisões.

Um estudo feito por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP revelou dados importantes para o combate da malária gestacional no Brasil. A pesquisa, publicada na Lancet Regional Health – Americas, analisou a série histórica da doença na região da Floresta Amazônica durante um período de 15 anos, descobrindo as áreas mais afetadas, os grupos de maior risco e informações sobre os tratamentos receitados aos pacientes.

Coordenado pelo professor Claudio Romero Farias Marinho e realizado pela pesquisadora Jamille Gregório Dombrowski, ambos do Laboratório de Imunoparasitologia Experimental, o trabalho teve o objetivo de cobrir uma lacuna da falta de um conhecimento amplo sobre o problema para viabilizar o planejamento de políticas públicas. “Até então, os estudos que forneciam dados sobre a doença eram pontuais e não apresentavam um panorama do número de casos de uma forma mais ampla; agora podemos transformar esses dados em informações que possam subsidiar o Ministério da Saúde na tomada de decisões”, afirma Marinho.

A malária é uma doença infecciosa causada pelo protozoário Plasmodium e transmitida pelo mosquito Anopheles, com duas espécies prevalentes: a Plasmodium vivax, a mais incidente na região, e a Plasmodium falciparum. Junto das crianças menores de cinco anos, as gestantes são consideradas o principal grupo de risco para a doença, devido às mudanças fisiológicas e à presença do parasita na placenta. Além dos sintomas característicos (febre alta, calafrios, tremores, sudorese e dor de cabeça) serem mais intensos nelas, a doença aumenta os riscos de anemia materna, partos prematuros, baixo peso da criança no nascimento, abortos espontâneos e até microcefalia.

Levantamento amplo – Na pesquisa, foram utilizados modelos estatísticos para mapear a incidência de casos na região no período entre 1º de janeiro de 2004 e 31 de dezembro de 2018. Depois, foi rastreado o número de grávidas entre 10 e 49 anos e feito o mapeamento da população dos locais analisados com base em dados do Serviço de Informação de Vigilância Epidemiológica de Malária do DataSUS.

Com informações de mais de 60 mil mulheres, foi possível identificar os principais pontos de atenção para malária gestacional, chamados de hotspots, e assim definir quais regiões e Estados requerem mais esforços sanitários para o seu controle.

Áreas e grupos de risco – Ao longo dos anos, os números apontaram uma incidência significativa de malária gestacional em municípios dos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Pará. Destacam-se neste contexto as cidades de Mâncio Lima (Acre), situado na microrregião do Juruá, que fica entre o Acre e o Amazonas; Anajás, Bagre, Breves, Curralinho, Limoeiro do Ajuru, Muaná, Oeiras do Pará, São Sebastião da Boa Vista e Cachoeira do Piriá, no Pará; e São Gabriel da Cachoeira, Japurá, Santa Isabel do Rio Negro, Barcelos, Fonte Boa e Maraã, no Amazonas.

O estudo também mostra que a maior prevalência da doença se dá entre gestantes de 15 a 24 anos de idade. “Isso ocorre porque é nessa faixa etária que se observa o maior número de primigestas [mulheres que engravidaram pela primeira vez], pois é o grupo que, na maioria dos casos, ainda não foi infectado, fator que as deixa mais suscetíveis à infecção. É também um grupo que sofre muito com os efeitos mais graves da doença”, explica a pesquisadora.

O grupo de maior risco é o das grávidas mais jovens e a pesquisa aponta que a situação é preocupante. “Quando se considera a falta de imunidade, as alterações fisiológicas associadas à gestação e a infecção por Plasmodium, o resultado é muito preocupante. Infelizmente, não é raro encontrar meninas de 10 a 14 anos grávidas nessas regiões. Durante o período analisado, tivemos 2.674 casos, um número que totaliza mais de 4% do total de notificações”, afirma Dombrowski.

Medicação equivocada –
 Por ser de notificação compulsória, os pesquisadores obtiveram dados sobre o esquema de tratamento utilizado e descobriram que, em alguns, houve o registro de distribuição da primaquina para as gestantes, um medicamento utilizado no tratamento de malária, mas contraindicado para grávidas porque pode acarretar abortos espontâneos. “Como nosso trabalho foi desenvolvido com informações secundárias, provenientes de um banco de dados, não é possível afirmar que essa medicação foi realmente prescrita. Pode ter havido erro no preenchimento da ficha de notificação ou o profissional escolheu a medicação que mais se aproximava da que foi de fato prescrita, por exemplo”, aponta ela.

Apesar dos problemas encontrados, os pesquisadores observaram uma melhora na notificação correta do tratamento. “Para avançarmos ainda mais é fundamental que tenhamos mais treinamentos e capacitações dos profissionais para o correto preenchimento da ficha de notificação, pois é um documento importante para os programas de controle e eliminação da doença”, afirma a pesquisadora.

A capacitação de profissionais de saúde na região é fundamental para a correta atuação no acompanhamento de gestantes que contraíram a doença – Foto: Reprodução/Freepik

Redução de casos

O estudo mostrou que houve uma redução de cerca de metade dos casos de malária gestacional ao longo do período analisado. Este fato deve-se à ampliação da rede de diagnóstico e tratamento em toda a região. Além disso, a partir de 2006, foram inseridos no tratamento os combinados de artemisinina, um fármaco com ação potente contra a doença. Porém, a tendência de queda sofre o empecilho da descentralização das ações públicas para o combate à malária. Os municípios possuem autonomia para lidar com os casos e podem sofrer perdas com a alternância de equipes vinculadas aos órgãos de saúde a cada nova eleição.

Apesar da redução do número de casos, a doença permanece sendo um grande problema de saúde pública. “Os índices de malária caíram devido a uma série de medidas adotadas para o controle da doença, mas continuam oscilando, ainda que apresentem uma tendência de queda”, pondera Dombrowski.

Diagnóstico precoce

Em anos anteriores, o laboratório voltou seus esforços para desenvolver novas terapias contra a doença por meio do sequenciamento de genomas e do bloqueio de receptores envolvidos no processo inflamatório decorrente da infecção. Agora, com o aspecto epidemiológico já completo, o foco das pesquisas será em ações de diagnóstico precoce. Atualmente, por mais que as gestantes não apresentem sintomas, elas podem estar com o parasita na placenta (malária placentária). Na maioria dos casos, a constatação da doença só é feita após o nascimento do bebê, sem a possibilidade de intervenção ou tratamento. “Estamos trabalhando com a identificação de biomarcadores para a detecção da malária placentária no sangue periférico da mãe”, conta a pesquisadora.

A malária placentária é uma das consequências graves da malária gestacional que acontece em cerca de 20% a 50% dos casos. Como as gestantes geralmente não apresentam sintomas, trata-se de um dos principais desafios para os programas de triagem e tratamento da doença. “A identificação de biomarcadores é fundamental para o diagnóstico precoce dessa complicação, melhorando o cuidado com a gestante e o bebê. A molécula ou as moléculas candidatas devem ser de rápida mensuração, bem como ter um custo razoável para ser acessível e introduzido à rotina de pré-natal”, afirma Dombrowski.

Da Assessoria de Comunicação do ICB

Texto: Redação
Arte: Adrielly Kilryann

FONTE: Jornal da USP

Pessoas que não sentem dor podem ser a chave para novos analgésicos

Análise de mutações genéticas em pessoas insensíveis à dor leva à descoberta de novo alvo para analgésicos. Estudo conduzido por pesquisadores do Instituto de Química e do Instituto de Ciências Biomédicas da USP foi capa da revista Science Signaling. Com base nessa ideia, pesquisadores liderados pela professora Deborah Schechtman, do departamento de Bioquímica do Instituto de Química (IQ) da USP, analisaram mutações genéticas em pacientes com insensibilidade congênita à dor com anidrose (CIPA) e identificaram proteínas modificadas que impedem a transmissão do impulso doloroso. A partir dos dados obtidos, eles desenvolveram um peptídeo, o TAT-pQYP, que apresentou efeito analgésico em um modelo animal de dor inflamatória. Os resultados foram publicados como matéria de capa da revista Science Signaling.

“Pessoas que têm mutações no receptor do fator de crescimento neural (NGF) não sentem dor. Fizemos um estudo detalhado das mutações descritas na literatura para essa doença e modelamos os efeitos das diferentes mutações encontradas em pacientes. Ao entender o que acontece com pessoas que não sentem dor, podemos mimetizar essa situação para tratar quem sente dor e também tentar uma inibição mais específica para algum processo, evitando efeitos colaterais,” afirma a professora Débora Schechtman.

Especialista em dor e coautora do estudo, a professora Camila Squarzoni Dale, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, explica que “os analgésicos usados hoje para dor crônica são moduladores da neurotransmissão, no caso dos antidepressivos e dos anticonvulsivantes, ou moduladores da resposta inflamatória, no caso dos anti-inflamatórios. Nosso peptídeo é diferente, ele modula diretamente uma via de dor. Nossa intenção é modificar como o cérebro interpreta a dor, modificando como os impulsos dolorosos vão entrar no sistema nervoso”.

Cerca de 10% da população adulta mundial é portadora de dor crônica. Nos Estados Unidos, para cerca de 7% das pessoas a dor crônica é incapacitante. “O que é impactante é que esses números superam o total de diabéticos ou de pessoas com doenças cardíacas ou mesmo de pessoas com câncer”, afirma a pesquisadora. A dor crônica já é um problema de saúde pública, tornando a busca por novos analgésicos cada vez mais urgente. Em pacientes com dores crônicas, a modificação e deterioração das vias nociceptivas, que transmitem os estímulos dolorosos, faz com que os remédios muitas vezes não funcionem adequadamente, ou ainda percam efeito com o tempo. Além disso, alguns países têm enfrentado a chamada epidemia de opioides, que já levou a mais de 500 mil mortes por overdose nos últimos 20 anos só nos Estados Unidos. Embora analgésicos opioides sejam indicados principalmente para alivio de dor aguda, como a dor pós-operatória, eles podem causar vício e têm efeitos colaterais.

Caminhos da dor

A insensibilidade congênita à dor com anidrose (CIPA) é uma doença autossômica recessiva rara que tem como principais sintomas a falta de percepção da dor sensorial e a incapacidade de suar. Como a dor física tem função protetora, sendo fundamental para nossa sobrevivência, é comum que pessoas com essa doença morram na infância, por lesões ou doenças não percebidas.

Como explica Déborah, pacientes com CIPA têm mutações no gene NTRK1, que codifica o receptor de tropomiosina quinase (TrkA), afetando a expressão e/ou atividade desse receptor. Um dos principais fatores que levam à doença é a perda de função do TrkA, que é ativado pelo fator de crescimento neural (NGF). A dor inflamatória se inicia com a liberação do NGF, que ativa o TrkA nos neurônios sensoriais periféricos, seguida da despolarização neuronal, atingindo o Sistema Nervoso Central (SNC).

Níveis de NGF elevados são encontrados em diversas condições de dor, como artrite reumatóide, endometriose e dores de cabeça crônicas. Anticorpos bloqueadores de NGF têm sido usados para tratar a dor da osteoartrite em humanos, mas eles apresentam efeitos colaterais como osteonecrose, que é a morte de um segmento de osso. Segundo os pesquisadores, isso pode acontecer devido à inibição da remodelação óssea, uma vez que a sinalização de NGF é necessária para o ‘brotamento’ (sprouting) e sobrevivência de fibras nervosas simpáticas durante a formação óssea. Igualmente, foram desenvolvidos inibidores do domínio quinase do receptor TrkA, mas, por não serem seletivos, também apresentam efeitos colaterais. “Se você inibe completamente a atividade de quinase, você também vai impedir o crescimento dos neuritos e o remodelamento dos neurônios”, explica Deborah.

As mutações ligadas à CIPA estão espalhadas pelo gene, resultando em sintomas variados da doença. A maior parte delas, no entanto, está concentrada no domínio de quinase. Para obter informações sobre o impacto na função da proteína e na sinalização, os pesquisadores mapearam as alterações moleculares causadas pelas mutações numa estrutura em 3D do TrkA. Com esse estudo de modelagem molecular, realizado em parceria com o grupo do professor Paulo de Oliveira, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), e análise bioquímica, realizada pelo grupo de Deborah, eles identificaram mutações que diminuem a interação entre o receptor TrkA e um de seus substratos, a fosfolipase C gama (PLC). Esta fosfolipase está envolvida na ativação de canais iônicos, que são como condutores elétricos na membrana celular, possibilitando a comunicação no sistema neural.

A partir dos dados obtidos, eles desenharam um peptídeo permeável à célula, baseado na região de ancoragem da fosfolipase C no receptor TrkA. O peptídeo foi testado em células, nas quais inibiu a ligação entre TrkA e PLC e reduziu a ativação de PLC mediada pelo fator de crescimento neural (NGF). O passo seguinte foi testar em um modelo animal de dor inflamatória para confirmar o papel da PLC na sinalização celular da dor e a eficácia do peptídeo. “Vimos que o peptídio reverte a dor nos animais provocada por estímulos mecânicos e térmicos, por um período prolongado. Temos um peptídeo que modula uma das vias mediada pelo NGF e pode funcionar para dor tanto aguda quanto crônica”, disse Dale.

O peptídeo potencialmente terá menos efeitos colaterais. “Mostramos que o peptídeo inibe a fosforilação da fosfolipase C, mas não inibe toda a sinalização mediada pelo NGF. Dessa maneira, ele inibe pontualmente uma via da dor”, afirmou Deborah, acrescentando que “o peptídeo pode ser um lead para um fármaco. Um bom alvo de droga pode modular a atividade enzimática ou uma interação proteína-proteína, como é o nosso caso”. Os pesquisadores agora estão trabalhando para resolver a estrutura do complexo TrkA/PLC.

Outro objetivo é encontrar a melhor formulação terapêutica do peptídeo. “Nossa intenção é dividir esse trabalho com a indústria farmacêutica, para podermos desenvolver um produto. Como ele é uma molécula pequena, acreditamos que possa ser usado em formulações como pomadas, em apresentações tópicas, para ser absorvido pela pele. Achamos que ele vai ter uma eficácia diferenciada em termos de efeito para a dor”, conclui Dale.

O estudo contou com colaboradores das áreas de modelagem molecular, biologia celular e experts em dor e foi realizado no âmbito de um Projeto Temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O artigo Structural analysis of TrkA mutations in patients with congenital insensitivity to pain reveals PLCγ as an analgesic drug target pode ser lido aqui.

Texto: da assessoria de comunicação do ICB

FONTE: Jornal da USP

Parkinson, pesquisa identifica substância para evitar agravamento

Uma pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP traz uma perspectiva promissora para o desenvolvimento de novos alvos terapêuticos para o tratamento da doença de Parkinson, caracterizada pela morte precoce ou degeneração das células na região da substância negra do cérebro, responsável pela produção de dopamina (um neurotransmissor.) A ausência ou diminuição da dopamina afeta o sistema motor, causando tremores, lentidão de movimentos, rigidez muscular, desequilíbrio, além de alterações na fala e na escrita. Há também sintomas não-motores, como alterações gastrointestinais, respiratórias e psiquiátricas, por exemplo. Não há cura, apenas controle dos sintomas.

Publicada na revista Molecular Neurobiology, a pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Neurobiologia Celular, sob a coordenação do professor Luiz Roberto G. Britto, em conjunto com pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da USP e da Universidade de Toronto, no Canadá. “Em camundongos, conseguimos diminuir cerca de 60% da morte celular inibindo o TRPM2 – um dos canais de entrada de cálcio nas células do cérebro. Isso foi feito com uma substância à base da molécula tirfostina, chamada de AG-490”, afirma Britto. “Os camundongos que não receberam a substância apresentaram um resultado 70% pior nos testes comportamentais”, acrescenta.

A estratégia, segundo ele, interferiu com uma das quatro vertentes conhecidas pela ciência pelas quais o Parkinson promove a morte dos neurônios. “Entre as causas estão algumas disfunções metabólicas e acúmulo anormal de proteínas, a neuroinflamação do cérebro, o estresse oxidativo provocado pelo acúmulo de espécies reativas de oxigênio e o aumento na atividade dos canais de entrada de cálcio — que nós conseguimos impedir ao menos em parte”, explica Britto. “Em todas as células do organismo, quando esses canais estão muito ativos, a tendência é que ocorra uma sobrecarga de cálcio. Isso ativa uma série de enzimas que degradam as estruturas das células, levando à sua morte”, complementa.

“Com o estudo, chegamos à conclusão de que quando bloqueamos o canal, a degeneração de neurônios, especificamente naquelas regiões onde os neurônios são mortos pela doença, diminuiu bastante. O mesmo aconteceu nos locais onde aqueles neurônios se projetam e têm contatos sinápticos, o que ajudou a preservar a dopamina, um neurotransmissor fundamental para os movimentos, entre outras funções”, explica.

Os testes foram realizados em camundongos que receberam injeção da toxina 6-hidroxidopamina, que simula os efeitos da doença de Parkinson. Os animais foram então divididos em dois grupos. Em um deles foi aplicada a substância AG-490; no outro, não. Após seis dias, passaram a ser realizados testes para avaliar a capacidade de equilíbrio e outros comportamentos motores dos animais. Depois de sacrificados, foi feita a contagem de neurônios que produzem dopamina na substância negra, que classicamente está envolvida com a doença. A região onde elas se conectam, o estriado, também foi estudada em termos da presença de sinapses dopaminérgicas. Em ambas as regiões, houve menor prejuízo com a administração do AG-490, tanto em termos comportamentais como em termos do número de células e terminais degenerados.

Próximos passos

Segundo Britto, antes de avançar para testes clínicos serão necessários muito mais estudos. “Para que tenhamos um fármaco à base de AG-490, precisamos ter certeza de que essa substância funciona depois da aplicação da toxina, já que, por enquanto, ela foi administrada ao mesmo tempo da injeção da toxina que produz o modelo de Parkinson. Vamos também testar animais geneticamente modificados para o TRPM2, esperando que eles sejam mais resistentes em termos da morte neuronal neste modelo. Além disso, é preciso estudar as possíveis consequências colaterais da injeção da substância.”

O estudo é fruto de uma linha de pesquisa de Britto, que investiga o assunto há mais de dez anos. Esta etapa da pesquisa foi desenvolvida

durante a tese de doutorado da bióloga Ana Flávia Fernandes Ferreira. Em um estudo anterior, feito pelo mesmo grupo, foi obtido um resultado similar com outra substância, o carvacrol, para bloquear outro canal celular, o TRPM7, que faz parte da mesma família de canais para o íon cálcio que o TRPM2.

Avanços nos estudos que buscam a cura da doença de Parkinson são urgentes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a condição atinge 1% das pessoas com mais de 65 anos e chega a 4% entre a população com mais de 80 anos. Um estudo publicado na revista Lancet mostra que entre 1990 e 2015 os casos de Parkinson dobraram em virtude do envelhecimento da população mundial, saltando de cerca de 26 mil para cerca de 62 mil a cada um milhão de habitantes.

“Neste sentido, as perspectivas para o futuro não são boas, porque imagina-se que até 2050 parte considerável dos idosos esteja vivendo até os 120 anos. As soluções então precisam ser imediatas para a segunda doença neurodegenerativa mais comum, atrás apenas da doença de Alzheimer. Hoje a Medicina trata apenas dos sintomas da doença para tentar melhorar a qualidade de vida do paciente, mas não impede que, com o tempo, eles progridam e que a degeneração das células do cérebro continue e agrave a doença.”

Da assessoria de comunicação do ICB

FONTE: Jornal da USP

Sol que incide na Antártida causa altos níveis de lesões em DNA

Pesquisadores da USP e da Universidade de Havana, em Cuba,  realizaram medições do sol que incide sobre o continente antártico, em regiões onde se forma o buraco na camada de ozônio, e detectaram elevados níveis de lesões em amostras de DNA causadas pelos raios ultravioleta (UV). O estudo pioneiro envolvendo pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e do Instituto de Química (IQ) mostrou que, quanto mais fina a camada de ozônio, mais lesões foram observadas. O índice de lesões foi tão alto quanto o observado em regiões tropicais, como São Paulo e HavanaOs resultados foram publicados em artigo na revista Photochemistry and Photobiology.

Os testes foram realizados em novembro e dezembro de 2017, na Estação Antártica Comandante Ferraz, base brasileira de pesquisa. Segundo o pesquisador Carlos Frederico Martins Menck, do ICB, que coordenou o estudo, as amostras de plasmídeos (fragmentos de DNA bacteriano) foram expostas ao sol durante quatro horas e a equipe mediu tanto as lesões no DNA quanto a incidência de radiação UV, comparando os resultados com a espessura da camada de ozônio em cada dia, medida em Unidades Dobsons (UD) pela Agência Aeroespacial Norte-Americana (Nasa) e pela base argentina vizinha. “A espessura varia ao longo do ano. Durante a pesquisa, variou de 360 a 270 UD [correspondente a 3,6 a 2,7 mm]. Nossos dados comprovaram que, quanto menor a espessura da camada, mais lesões são induzidas no DNA”, afirma.

Os cientistas compararam os dados obtidos na primavera da Antártida com medições feitas no verão de São Paulo e de Havana, regiões com clima tropical. Normalmente, o esperado é que locais com sol mais incidente apresentem um nível muito mais alto de lesões. No entanto, os danos no DNA ocorridos na Antártida foram quase tão altos quanto nas cidades tropicais (cerca de uma lesão a cada mil pares de bases). A diferença na temperatura – dois graus Celsius (2ºC) na Antártida e 30ºC em São Paulo e Havana – também não interferiu na quantidade de lesões. “Para ser considerado ‘buraco’, a camada deve estar abaixo de 200 UD. Mas mesmo a medida de 270 UD já foi suficiente para aumentar as lesões – e esse valor nós também observamos no Brasil. Isso é gravíssimo para a pele e evidencia a importância do uso do protetor solar.”

A medição foi feita através de um dispositivo desenvolvido e patenteado pela equipe de Menck: um dosímetro de lesões no DNA que permite fazer o experimento no meio ambiente em vez de no laboratório, como normalmente é feito em outros estudos da área. “Trata-se de um gel onde inserimos o plasmídeo para ser feita a análise. A substância permite a passagem de luz ultravioleta e preserva a estrutura molecular do DNA, diferente de quando ele é irradiado a seco, em uma lâmina”, explica o professor. A equipe do ICB e da Universidade de Havana pretende retornar à Antártida em outubro de 2021 para fazer novas medições. Nesse mês, a espessura da camada de ozônio costuma chegar a 100 UD (quando de fato ocorre o buraco) e deve resultar em uma quantidade muito elevada de danos no DNA. Além disso, os pesquisadores devem analisar as lesões em organismos vivos, como algas e musgos.

Nascer do sol na Antártica – Foto: ESA / IPEV / PNRA – S. Thoolen

Desafios da Antártida

Durante a viagem de um mês na estação brasileira da Antártida, os pesquisadores viram poucos dias de sol e conseguiram realizar oito medições, feitas em um local próximo à base. Para Carlos Menck, o trabalho representou uma grande conquista – acompanhada de muitos desafios. “O clima é uma das maiores dificuldades. Você sai da base, está tudo bem e de repente começa uma ventania de 80 quilômetros por hora. Nós fomos de avião de Punta Arenas, Chile, e, de lá, até a base chilena (Presidente Eduardo Frei), depois pegamos um navio até a base brasileira. Na volta, tivemos que ir de navio direto até Punta Arenas, cruzando o Estreito de Drake (entre o Continente Antártico e o sul do Chile). Não é uma viagem fácil.”

Para fazer as medições, a equipe também precisou lidar com algumas adversidades: o equipamento, batizado de “rodo-dosímetro”, teve que ser preso a um rodo na neve, para não ser “roubado” pelas skuas, aves da região. Esse suporte também permitiu corrigir a posição do dosímetro em relação ao ângulo do sol. Após sofrer um acidente e quebrar o pé, o professor teve que finalizar os testes na varanda da base brasileira.

“Isso é um desafio que eu busco há pelo menos 20 anos. Eu quero medir as lesões no DNA no nível mais baixo da camada de ozônio, ou seja, na época que chega a 100 UD. Ainda voltaremos lá para isso, mas estamos muito satisfeitos com esse resultado.”

Estação brasileira

Localizada na Ilha do Rei George, próxima ao sul do Chile, a Estação Antártica Comandante Ferraz foi instalada em 1984 e hoje possui 4.500 metros quadrados, com 17 laboratórios de pesquisa e capacidade para abrigar 65 pessoas. O local recebe pesquisadores das áreas de oceanografia, biologia, glaciologia, química e meteorologia pelo Programa Antártico Brasileiro (Proantar).A base estava fechada desde 2012, após um incêndio que destruiu cerca de 70% das instalações. Na época do estudo, Menck e sua equipe ficaram em uma base provisória. A estação foi reinaugurada em janeiro de 2020 com um investimento de aproximadamente R$ 400 milhões.

Aline Tavares/Acadêmica Agência de Comunicação

Mais informações: e-mail cfmmenck@usp.br com o professor Carlos Frederico Martins Menck ou e-mail aline@academica.jor.br,com Aline Tavares

FONTE: Jornal da USP

Como a mitocôndria regula a longevidade ao ativar o sistema imune

A mitocôndria é uma organela vital para o organismo, pois produz, a partir dos alimentos, a maior parte da energia usada pelas células. Embora pareça um contrassenso, há evidências de que um leve comprometimento da função mitocondrial esteja associado ao aumento da longevidade.

Em estudo recentemente publicado no periódico The Embo Journal, um grupo internacional de pesquisadores desvendou de que forma isso acontece. Segundo os autores, o trabalho é o primeiro a mostrar o envolvimento do sistema imune inato (a primeira linha de defesa contra patógenos) nesse processo.

“Quando a mitocôndria funciona abaixo do que é considerado ótimo, gera um estresse para a célula, que desencadeia uma série de respostas que protegem esse organismo contra patógenos, fazendo-o viver mais. Só que existe um limiar: caso a redução da função mitocondrial seja muito intensa, o sistema pode colapsar”, explica Juliane Campos, primeira autora do trabalho, que atualmente realiza estágio de pós-doutorado na Harvard Medical School (Estados Unidos) com bolsa da Fapesp.

“Hoje sabemos que, perante um leve estresse mitocondrial [como o induzido pelo exercício físico], a célula se reorganiza bioquimicamente para compensar tal desequilíbrio e isso a torna mais preparada para lidar com futuras situações adversas. Agora, se o estresse mitocondrial é excessivo e prolongado [caso das doenças crônico-degenerativas], esses substitutos se tornam insuficientes, resultando então no colapso e, consequentemente, em morte celular”, explica Júlio Cesar Batista Ferreira, professor associado do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo e coautor do trabalho.

Segundo Campos, a disfunção mitocondrial geralmente tem um gatilho. “Existem mutações em humanos que levam a uma disfunção sustentada, geralmente em casos mais graves. Existem ainda algumas condições [como a restrição calórica] que podem reduzir transientemente a função mitocondrial e isso é diferente de indivíduo para indivíduo. A ideia é entender os mecanismos pelos quais essa ligeira perturbação mitocondrial aumenta a longevidade porque, então, pode-se identificar futuros alvos terapêuticos”, resume.

Modelo experimental

Para entender a conexão entre disfunção mitocondrial leve, longevidade e sistema imune inato, o grupo utilizou um verme de solo, o Caenorhabditis elegans. Trata-se de um dos mais conhecidos modelos experimentais para o estudo do envelhecimento, pois oferece algumas vantagens. Uma delas é a expectativa média de vida de apenas 17 dias.

Para o experimento, os cientistas cultivaram uma bactéria e, dentro dela, inseriram uma maquinaria capaz de deletar um gene no C. elegans. O microrganismo modificado foi ofertado como alimento ao verme. Ao ingeri-lo, essa maquinaria começou a agir e desligou um gene específico. Ferreira lembra que na genética há duas formas de entender o papel de um gene. “Ou você o retira do sistema e vê o que acontece; ou você aumenta sua expressão no sistema e avalia o efeito.”“O tempo de vida de um roedor é de dois anos e meio; de uma drosófila são quatro meses. Portanto, pensando em termos de tempo de pesquisa, essa é uma vantagem. Além disso, o C. elegans é transparente, o que permite visualizar órgãos e acoplar proteínas fluorescentes para identificar algum fenótipo dentro desse organismo. E, apesar de estar longe dos humanos na cadeia evolutiva, ele tem uma alta homologia com o genoma humano. Até 80% de seus genes têm homólogos em humanos. Outra vantagem: ele se alimenta de bactéria, então é muito fácil manipular um gene específico nesse organismo”, explica a pesquisadora.

O grupo queria saber por que o animal vive mais quando a mitocôndria sofre ligeiro estresse metabólico. Mas essa tarefa não é fácil. “São milhares de genes produzindo proteínas, que trabalham de maneira coordenada e hierárquica nas células. Nesse sentido, identificamos os genes críticos envolvidos no aumento da longevidade decorrente da ligeira disfunção mitocondrial. Como prova de conceito, desligamos individualmente esses genes e vimos que os animais deixavam de viver mais frente à ligeira disfunção mitocondrial”, explica Campos.

A conclusão é que ativar o sistema imune inato é um pré-requisito para a longevidade: quando a mitocôndria tem uma ligeira disfunção, ele é ativado e isso é necessário para o animal viver mais ou se proteger contra patógenos.

“Em suma, a mitocôndria sob estresse manda um sinal de alerta para o sistema imune. E esse sinal faz com que o organismo viva mais. Quando a gente deleta genes relacionados ao sistema imune inato ou impede que eles sejam ativados nesse animal com leve disfunção mitocondrial, toda essa resposta benéfica é abolida.”

Resultados divulgados por pesquisadores do ICB-USP podem apontar novos alvos terapêuticos para o tratamento de doenças relacionadas ao envelhecimento, como as neurodegenerativas e as cardiovasculares – Foto: NIA/NIH

Em trabalhos anteriores publicados pela equipe, já havia sido estabelecido que dois fatores de transcrição (proteínas que controlam a transcrição dos genes) estavam envolvidos no aumento de longevidade desses animais: DAF-16 (em C. elegans) ou FOXO3 (em humanos) e ATFS-1 (em C. elegans) ou ATF5 (em humanos). Mas essas proteínas coordenam diversas vias.

“Sabíamos que uma leve disfunção na mitocôndria aumentava a longevidade e que esses dois fatores de transcrição coordenavam o processo, mas queríamos saber por quais vias eles o faziam. Sabendo que esses fatores também controlam o sistema imune inato, partimos do pressuposto de que também estariam envolvidos nesse fenótipo. Este novo trabalho demonstra que tanto a via de sinalização mediada pela proteína p38 quanto a via de sinalização mediada por proteínas mal enoveladas mitocondriais [que em inglês são conhecidas pela sigla mitoUPR] atuam em conjunto sobre os mesmos genes de imunidade inata para promover resistência a patógenos e longevidade. E as mitocôndrias podem prolongar a longevidade sinalizando por meio dessas vias. Descobrimos também que o fator de transcrição ATF 5 consegue avisar os genes do sistema imune que eles precisam formar novas proteínas, que coordenarão essa cascata de ativação do sistema imune na célula”, conta Campos.

Abordagens terapêuticas

De acordo com o pesquisador, a melhora da expectativa de vida é algo que já observamos há muito tempo, mas aumentar a longevidade é uma meta ambiciosa. “Não sei se de fato chegaremos lá, mas acredito que certamente conseguiremos fazer o indivíduo viver melhor pelo mesmo período, ou seja, promover a melhora na qualidade de vida. Sabemos que há determinadas doenças associadas ao envelhecimento, como Parkinson, Alzheimer e distúrbios cardiovasculares. Nesse sentido, a compreensão das respostas compensatórias e deletérias de mitocôndrias associadas ao envelhecimento servirá de alicerce para o desenvolvimento de terapias que atuem no cerne dessas doenças. Com este trabalho colocamos mais uma peça nesse quebra-cabeça.”Segundo Ferreira, a maioria das doenças que desenvolvemos está associada ao colapso mitocondrial. Nesse sentido, o melhor entendimento do funcionamento da mitocôndria em condições de estresse, bem como suas conexões com outros compartimentos celulares, é essencial para desenvolver estratégias farmacológicas e não farmacológicas capazes de prevenir, mitigar ou reverter tal colapso e, consequentemente, tratar pacientes.

O pesquisador ressalta a possibilidade de modulação do sistema imune inato, o que poderia contribuir para que o indivíduo tenha um envelhecimento mais saudável. “O desafio agora é validar isso ao longo da evolução. Nosso modelo experimental vive 20 dias e a gente vive 80 anos. Então, agora, temos de verificar qual é o impacto de nossa descoberta para o ser humano.”

O artigo Mild mitochondrial impairment enhances innate immunity and longevity through ATFS-1 and p38 signaling pode ser lido em: www.embopress.org/doi/full/10.15252/embr.202152964.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

FONTE: Jornal da USP