Idade gestacional: pesquisa mostra como cada dia na barriga impacta no desenvolvimento do bebê

O Brasil possui um dos maiores números de partos antecipados por conta de cesarianas previamente marcadas e induções, resultando no encurtamento da gestação. Essa prática traz consequências negativas tanto para o bebê quanto para a mãe, seja no curto, médio ou longo prazos. Com esse cenário em mente, um grupo de pesquisa coordenado por Simone Diniz, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, criou uma nova medida para examinar os desfechos da saúde materno-infantil.

A partir do estudo Dias potenciais de gravidez perdidos (DPGP): uma medida inovadora da idade gestacional (IG) para avaliar intervenções e resultados de saúde materno-infantil, os pesquisadores fundamentam o entendimento de que cada dia de gestação, inferior a 40 semanas (ou 280 dias) completas, impacta negativamente na saúde dos bebês.

A nova variável, simples e com grande potencial explicativo, foi desenvolvida contando-se os dias faltantes entre o dia do nascimento até a duração média da gravidez, que é 280 dias (DPGP = IG – 280 dias). O indicador pode ser utilizado como variável preditora ou como variável dependente para construir coortes nacionais e internacionais e estudos de intervenção, afirmam os pesquisadores.

 

 

“Até onde sabemos, este é o primeiro estudo brasileiro que analisa a idade gestacional em dias no período de termo para avaliar seus impactos na saúde de bebês e mães, mesmo considerando que este dado está disponível pelo menos para parte da base do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) desde 2011”, afirma a professora Simone.

A partir dos resultados, que são apresentados detalhadamente a seguir, os pesquisadores propuseram ao Ministério da Saúde uma pequena alteração nos campos 31/32 da Declaração de Nascido Vivo e no Sinasc para incluir a Idade Gestacional (IG) em dias, com base na data da última menstruação (DUM); na ultrassonografia (US) com IG acrescentando a respectiva data de 1º exame; e exame físico (feito ao nascer).

“Com essas três medidas, é possível construir curvas para comparar e complementar a precisão dos DPGP, mesmo em mulheres sem DUM ou US, e calcular a sub e a superestimação de IG e seus efeitos”, complementa a professora.

Encurtar a gestação e substituir o trabalho de parto traz complicações à saúde do bebê

Segundo Simone, hoje há uma maior preocupação de que os bebês cheguem ao máximo de sua maturidade fisiológica, ou seja, à sua prontidão para o nascimento. Com isto, cada vez mais há mudanças na classificação daquele longo período de 35 dias (chamado de termo), para aumentar a precisão da análise sobre esse amadurecimento fetal.

A literatura considera que a chamada gravidez  “a termo” (entre 37 e 42 semanas) pode ser subdividida em três fases: o termo precoce (entre 37 e 38 semanas e seis dias), o termo pleno (39 a 40 semanas e seis dias) e o termo tardio (41 a 42 semanas). Outra maneira de ver esses ciclos é simplesmente classificando-os por semanas.

A professora Simone Diniz chama a atenção ao fato de que o período “a termo” tem sido tratado como categoria homogênea, acreditando-se que o nascimento nesse intervalo poderia ser provocado de maneira segura e sem riscos adicionais. Mas não é bem assim. Isso porque os bebês nascidos com idade gestacional entre 37 e 39 semanas incompletas “têm características muito parecidas aos que nasceram pré-termo, ou seja, com menos de 37 semanas”, explica a professora Simone Diniz.

“O encurtamento do tempo de gestação traz maiores complicações e, inclusive, mais chances de morte. No curto prazo, podemos ter eventos como o maior número de neonatos internados em UTIs, icterícia, alterações da glicemia e dificuldades na amamentação. No longo prazo, temos maior impacto no desenvolvimento cognitivo, quadros de déficit de atenção e maiores fatores de risco para diversas doenças crônicas que poderão surgir ao longo da vida”, conta a professora.

 

 

Uma das explicações para tais consequências é que não só o encurtamento do período gestacional, mas também a substituição do trabalho de parto natural por intervenções como a cesariana, “queimam” etapas cruciais ao desenvolvimento.

“O processo de trabalho de parto mostra a maturidade gestacional e a prontidão para essa transição dramática da vida fetal para a neonatal. O trabalho de parto sinaliza ao corpo uma mudança epigenética (mudanças no fenótipo, que se perpetuam nas divisões celulares, sem alterar a sequência de DNA) necessária para ativar ou desativar os genes de uma etapa para a outra”, explica Simone.

Pesquisas também mostram que os bebês nascidos de parto vaginal têm a oportunidade de entrar em contato com o microbioma vaginal da mãe, o que faz com que a semeadura do microbioma do bebê seja mais apropriada. Já os que nascem de cesariana tomam contato em primeiro lugar com bactérias hospitalares, afirma.

“Há estudos robustos mostrando que os nascidos por cesárea possuem um perfil metabólico inflamatório e são mais vulneráveis a doenças crônicas em geral. Entre as doenças inflamatórias mais comuns estão asma, eczema, diabetes mellitus, além de maiores chances de desenvolver certos cânceres.”

O projeto contou com mais de 30 pesquisadores e consultores de mais de dez instituições diferentes. Em parceria com o Sinasc da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da Prefeitura Municipal de São Paulo (MSP) foram analisados dados de 1.525.759 nascidos vivos do município (2012-2019), sendo 504.302 com IG em dias, e em nível nacional, 8.854.727 nascidos vivos, 3.329.339 com IG em dias. Ambos os conjuntos de dados foram vinculados ao Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e, em nível municipal, também ao Sistema de Internação Hospitalar (SIH). Os registros sem informação da IG em dias foram analisados nas semanas de gestação e, alternativamente, foram desenvolvidos modelos de imputação de dados faltantes para a base municipal.

Os pesquisadores utilizaram recursos de machine learning para construir modelos preditivos e desenvolveram um aplicativo para corrigir os dados nos locais em que estes estão incompletos. Também promoveram treinamentos em serviços para melhorar a qualidade dos dados. O projeto foi aprovado na chamada Data Science Approaches to Improve Maternal and Child Health in Brazil, sendo financiado conjuntamente pelo CNPq e a Fundação Bill e Melinda Gates.

Principais resultados

  • No período de gestação, em nível nacional e municipal, todos os modelos apresentaram diferenças significativas na mortalidade neonatal de Hazard Ratio por DPGP, confirmando que “cada dia conta”;
  • A cesárea das mulheres ricas e a das pobres são diferentes em atributos de IG, obstétricos e clínicos, com as mais pobres com piores resultados, refletindo diferenças no acesso à tecnologia para compensar os efeitos dos DPGP (ex. admissão na UTI neonatal);
  • Mulheres com maior escolaridade, residentes em áreas de maior IDH, tendem a ter mais partos prematuros, e perdem mais dias no período a termo. Em todas as análises, foi encontrada uma “inversão da disparidade esperada” na IG, pois nas décadas anteriores era esperado o contrário;
  • Para mulheres com gestações a termo, o risco de longa internação e readmissão hospitalar é maior em mulheres com gestações mais curtas;
  • A análise dos grupos de Robson é útil não só para indicar o excesso de cesáreas e calcular a perda de dias por grupo, mas também para estudar o uso excessivo da indução ao parto. A qualidade da informação sobre a indução (por exemplo, distinguir “indução” de ”condução”) é variável em geral baixa;
  • O letramento em dados dos profissionais e gestores de saúde é variável e tende a ser baixo, por isso, o grupo produziu um sitepodcast Conversando sobre e um canal no YouTube com os vídeos sobre a pesquisa. Além disso, organizou o curso Lendo, Entendendo e Apresentando Dados em Saúde Pública (Data literacy) – LEADSP, ministrado em fevereiro de 2021 durante o programa de Cursos de Verão da FSP-USP. Também foi desenvolvido um aplicativo sobre mortalidade e tendências de IG;
  • Sugestão de uma pequena e promissora alteração nos campos 31/32 da Declaração de Nascido Vivo e no Sinasc, para incluir IG em dias, com base no último período menstrual (DUM), ultrassonografia (US) com IG acrescentando a respectiva data de 1º exame; e exame físico (feito ao nascer). Com três medidas, seria possível construir curvas para comparar e complementar a precisão dos DPGP, mesmo em mulheres sem DUM ou US, e calcular a sub e superestimação de IG e seus efeitos;
  • A pandemia de covid-19 acrescentou interrupções variáveis ao cuidado perinatal, como suspensão de consultas pré-natais, redução e deslocamento de leitos obstétricos de referência e riscos de infecção pelo coronavírus em mulheres e famílias na admissão hospitalar geral. Essas tendências de 2020 estão sendo mapeadas;
  • Criação de bancos de dados a partir de bases municipais e nacionais, com idade gestacional em dias e semanas, com e sem imputação, além da produção de uma ontologia das bases e vínculos Sinasc-SIM, que será disponibilizada para fins de pesquisa e ensino;
  • Publicação de artigo na Revista de Saúde Pública.

Sylvia Miguel/Assessoria de Comunicação da FSP

Mais informações: e-mail  sidiniz@usp.br, com Simone Diniz

FONTE: Jornal da USP

Sol que incide na Antártida causa altos níveis de lesões em DNA

Pesquisadores da USP e da Universidade de Havana, em Cuba,  realizaram medições do sol que incide sobre o continente antártico, em regiões onde se forma o buraco na camada de ozônio, e detectaram elevados níveis de lesões em amostras de DNA causadas pelos raios ultravioleta (UV). O estudo pioneiro envolvendo pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e do Instituto de Química (IQ) mostrou que, quanto mais fina a camada de ozônio, mais lesões foram observadas. O índice de lesões foi tão alto quanto o observado em regiões tropicais, como São Paulo e HavanaOs resultados foram publicados em artigo na revista Photochemistry and Photobiology.

Os testes foram realizados em novembro e dezembro de 2017, na Estação Antártica Comandante Ferraz, base brasileira de pesquisa. Segundo o pesquisador Carlos Frederico Martins Menck, do ICB, que coordenou o estudo, as amostras de plasmídeos (fragmentos de DNA bacteriano) foram expostas ao sol durante quatro horas e a equipe mediu tanto as lesões no DNA quanto a incidência de radiação UV, comparando os resultados com a espessura da camada de ozônio em cada dia, medida em Unidades Dobsons (UD) pela Agência Aeroespacial Norte-Americana (Nasa) e pela base argentina vizinha. “A espessura varia ao longo do ano. Durante a pesquisa, variou de 360 a 270 UD [correspondente a 3,6 a 2,7 mm]. Nossos dados comprovaram que, quanto menor a espessura da camada, mais lesões são induzidas no DNA”, afirma.

Os cientistas compararam os dados obtidos na primavera da Antártida com medições feitas no verão de São Paulo e de Havana, regiões com clima tropical. Normalmente, o esperado é que locais com sol mais incidente apresentem um nível muito mais alto de lesões. No entanto, os danos no DNA ocorridos na Antártida foram quase tão altos quanto nas cidades tropicais (cerca de uma lesão a cada mil pares de bases). A diferença na temperatura – dois graus Celsius (2ºC) na Antártida e 30ºC em São Paulo e Havana – também não interferiu na quantidade de lesões. “Para ser considerado ‘buraco’, a camada deve estar abaixo de 200 UD. Mas mesmo a medida de 270 UD já foi suficiente para aumentar as lesões – e esse valor nós também observamos no Brasil. Isso é gravíssimo para a pele e evidencia a importância do uso do protetor solar.”

A medição foi feita através de um dispositivo desenvolvido e patenteado pela equipe de Menck: um dosímetro de lesões no DNA que permite fazer o experimento no meio ambiente em vez de no laboratório, como normalmente é feito em outros estudos da área. “Trata-se de um gel onde inserimos o plasmídeo para ser feita a análise. A substância permite a passagem de luz ultravioleta e preserva a estrutura molecular do DNA, diferente de quando ele é irradiado a seco, em uma lâmina”, explica o professor. A equipe do ICB e da Universidade de Havana pretende retornar à Antártida em outubro de 2021 para fazer novas medições. Nesse mês, a espessura da camada de ozônio costuma chegar a 100 UD (quando de fato ocorre o buraco) e deve resultar em uma quantidade muito elevada de danos no DNA. Além disso, os pesquisadores devem analisar as lesões em organismos vivos, como algas e musgos.

Nascer do sol na Antártica – Foto: ESA / IPEV / PNRA – S. Thoolen

Desafios da Antártida

Durante a viagem de um mês na estação brasileira da Antártida, os pesquisadores viram poucos dias de sol e conseguiram realizar oito medições, feitas em um local próximo à base. Para Carlos Menck, o trabalho representou uma grande conquista – acompanhada de muitos desafios. “O clima é uma das maiores dificuldades. Você sai da base, está tudo bem e de repente começa uma ventania de 80 quilômetros por hora. Nós fomos de avião de Punta Arenas, Chile, e, de lá, até a base chilena (Presidente Eduardo Frei), depois pegamos um navio até a base brasileira. Na volta, tivemos que ir de navio direto até Punta Arenas, cruzando o Estreito de Drake (entre o Continente Antártico e o sul do Chile). Não é uma viagem fácil.”

Para fazer as medições, a equipe também precisou lidar com algumas adversidades: o equipamento, batizado de “rodo-dosímetro”, teve que ser preso a um rodo na neve, para não ser “roubado” pelas skuas, aves da região. Esse suporte também permitiu corrigir a posição do dosímetro em relação ao ângulo do sol. Após sofrer um acidente e quebrar o pé, o professor teve que finalizar os testes na varanda da base brasileira.

“Isso é um desafio que eu busco há pelo menos 20 anos. Eu quero medir as lesões no DNA no nível mais baixo da camada de ozônio, ou seja, na época que chega a 100 UD. Ainda voltaremos lá para isso, mas estamos muito satisfeitos com esse resultado.”

Estação brasileira

Localizada na Ilha do Rei George, próxima ao sul do Chile, a Estação Antártica Comandante Ferraz foi instalada em 1984 e hoje possui 4.500 metros quadrados, com 17 laboratórios de pesquisa e capacidade para abrigar 65 pessoas. O local recebe pesquisadores das áreas de oceanografia, biologia, glaciologia, química e meteorologia pelo Programa Antártico Brasileiro (Proantar).A base estava fechada desde 2012, após um incêndio que destruiu cerca de 70% das instalações. Na época do estudo, Menck e sua equipe ficaram em uma base provisória. A estação foi reinaugurada em janeiro de 2020 com um investimento de aproximadamente R$ 400 milhões.

Aline Tavares/Acadêmica Agência de Comunicação

Mais informações: e-mail cfmmenck@usp.br com o professor Carlos Frederico Martins Menck ou e-mail aline@academica.jor.br,com Aline Tavares

FONTE: Jornal da USP