Idade gestacional: pesquisa mostra como cada dia na barriga impacta no desenvolvimento do bebê

O Brasil possui um dos maiores números de partos antecipados por conta de cesarianas previamente marcadas e induções, resultando no encurtamento da gestação. Essa prática traz consequências negativas tanto para o bebê quanto para a mãe, seja no curto, médio ou longo prazos. Com esse cenário em mente, um grupo de pesquisa coordenado por Simone Diniz, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, criou uma nova medida para examinar os desfechos da saúde materno-infantil.

A partir do estudo Dias potenciais de gravidez perdidos (DPGP): uma medida inovadora da idade gestacional (IG) para avaliar intervenções e resultados de saúde materno-infantil, os pesquisadores fundamentam o entendimento de que cada dia de gestação, inferior a 40 semanas (ou 280 dias) completas, impacta negativamente na saúde dos bebês.

A nova variável, simples e com grande potencial explicativo, foi desenvolvida contando-se os dias faltantes entre o dia do nascimento até a duração média da gravidez, que é 280 dias (DPGP = IG – 280 dias). O indicador pode ser utilizado como variável preditora ou como variável dependente para construir coortes nacionais e internacionais e estudos de intervenção, afirmam os pesquisadores.

 

 

“Até onde sabemos, este é o primeiro estudo brasileiro que analisa a idade gestacional em dias no período de termo para avaliar seus impactos na saúde de bebês e mães, mesmo considerando que este dado está disponível pelo menos para parte da base do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) desde 2011”, afirma a professora Simone.

A partir dos resultados, que são apresentados detalhadamente a seguir, os pesquisadores propuseram ao Ministério da Saúde uma pequena alteração nos campos 31/32 da Declaração de Nascido Vivo e no Sinasc para incluir a Idade Gestacional (IG) em dias, com base na data da última menstruação (DUM); na ultrassonografia (US) com IG acrescentando a respectiva data de 1º exame; e exame físico (feito ao nascer).

“Com essas três medidas, é possível construir curvas para comparar e complementar a precisão dos DPGP, mesmo em mulheres sem DUM ou US, e calcular a sub e a superestimação de IG e seus efeitos”, complementa a professora.

Encurtar a gestação e substituir o trabalho de parto traz complicações à saúde do bebê

Segundo Simone, hoje há uma maior preocupação de que os bebês cheguem ao máximo de sua maturidade fisiológica, ou seja, à sua prontidão para o nascimento. Com isto, cada vez mais há mudanças na classificação daquele longo período de 35 dias (chamado de termo), para aumentar a precisão da análise sobre esse amadurecimento fetal.

A literatura considera que a chamada gravidez  “a termo” (entre 37 e 42 semanas) pode ser subdividida em três fases: o termo precoce (entre 37 e 38 semanas e seis dias), o termo pleno (39 a 40 semanas e seis dias) e o termo tardio (41 a 42 semanas). Outra maneira de ver esses ciclos é simplesmente classificando-os por semanas.

A professora Simone Diniz chama a atenção ao fato de que o período “a termo” tem sido tratado como categoria homogênea, acreditando-se que o nascimento nesse intervalo poderia ser provocado de maneira segura e sem riscos adicionais. Mas não é bem assim. Isso porque os bebês nascidos com idade gestacional entre 37 e 39 semanas incompletas “têm características muito parecidas aos que nasceram pré-termo, ou seja, com menos de 37 semanas”, explica a professora Simone Diniz.

“O encurtamento do tempo de gestação traz maiores complicações e, inclusive, mais chances de morte. No curto prazo, podemos ter eventos como o maior número de neonatos internados em UTIs, icterícia, alterações da glicemia e dificuldades na amamentação. No longo prazo, temos maior impacto no desenvolvimento cognitivo, quadros de déficit de atenção e maiores fatores de risco para diversas doenças crônicas que poderão surgir ao longo da vida”, conta a professora.

 

 

Uma das explicações para tais consequências é que não só o encurtamento do período gestacional, mas também a substituição do trabalho de parto natural por intervenções como a cesariana, “queimam” etapas cruciais ao desenvolvimento.

“O processo de trabalho de parto mostra a maturidade gestacional e a prontidão para essa transição dramática da vida fetal para a neonatal. O trabalho de parto sinaliza ao corpo uma mudança epigenética (mudanças no fenótipo, que se perpetuam nas divisões celulares, sem alterar a sequência de DNA) necessária para ativar ou desativar os genes de uma etapa para a outra”, explica Simone.

Pesquisas também mostram que os bebês nascidos de parto vaginal têm a oportunidade de entrar em contato com o microbioma vaginal da mãe, o que faz com que a semeadura do microbioma do bebê seja mais apropriada. Já os que nascem de cesariana tomam contato em primeiro lugar com bactérias hospitalares, afirma.

“Há estudos robustos mostrando que os nascidos por cesárea possuem um perfil metabólico inflamatório e são mais vulneráveis a doenças crônicas em geral. Entre as doenças inflamatórias mais comuns estão asma, eczema, diabetes mellitus, além de maiores chances de desenvolver certos cânceres.”

O projeto contou com mais de 30 pesquisadores e consultores de mais de dez instituições diferentes. Em parceria com o Sinasc da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da Prefeitura Municipal de São Paulo (MSP) foram analisados dados de 1.525.759 nascidos vivos do município (2012-2019), sendo 504.302 com IG em dias, e em nível nacional, 8.854.727 nascidos vivos, 3.329.339 com IG em dias. Ambos os conjuntos de dados foram vinculados ao Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e, em nível municipal, também ao Sistema de Internação Hospitalar (SIH). Os registros sem informação da IG em dias foram analisados nas semanas de gestação e, alternativamente, foram desenvolvidos modelos de imputação de dados faltantes para a base municipal.

Os pesquisadores utilizaram recursos de machine learning para construir modelos preditivos e desenvolveram um aplicativo para corrigir os dados nos locais em que estes estão incompletos. Também promoveram treinamentos em serviços para melhorar a qualidade dos dados. O projeto foi aprovado na chamada Data Science Approaches to Improve Maternal and Child Health in Brazil, sendo financiado conjuntamente pelo CNPq e a Fundação Bill e Melinda Gates.

Principais resultados

  • No período de gestação, em nível nacional e municipal, todos os modelos apresentaram diferenças significativas na mortalidade neonatal de Hazard Ratio por DPGP, confirmando que “cada dia conta”;
  • A cesárea das mulheres ricas e a das pobres são diferentes em atributos de IG, obstétricos e clínicos, com as mais pobres com piores resultados, refletindo diferenças no acesso à tecnologia para compensar os efeitos dos DPGP (ex. admissão na UTI neonatal);
  • Mulheres com maior escolaridade, residentes em áreas de maior IDH, tendem a ter mais partos prematuros, e perdem mais dias no período a termo. Em todas as análises, foi encontrada uma “inversão da disparidade esperada” na IG, pois nas décadas anteriores era esperado o contrário;
  • Para mulheres com gestações a termo, o risco de longa internação e readmissão hospitalar é maior em mulheres com gestações mais curtas;
  • A análise dos grupos de Robson é útil não só para indicar o excesso de cesáreas e calcular a perda de dias por grupo, mas também para estudar o uso excessivo da indução ao parto. A qualidade da informação sobre a indução (por exemplo, distinguir “indução” de ”condução”) é variável em geral baixa;
  • O letramento em dados dos profissionais e gestores de saúde é variável e tende a ser baixo, por isso, o grupo produziu um sitepodcast Conversando sobre e um canal no YouTube com os vídeos sobre a pesquisa. Além disso, organizou o curso Lendo, Entendendo e Apresentando Dados em Saúde Pública (Data literacy) – LEADSP, ministrado em fevereiro de 2021 durante o programa de Cursos de Verão da FSP-USP. Também foi desenvolvido um aplicativo sobre mortalidade e tendências de IG;
  • Sugestão de uma pequena e promissora alteração nos campos 31/32 da Declaração de Nascido Vivo e no Sinasc, para incluir IG em dias, com base no último período menstrual (DUM), ultrassonografia (US) com IG acrescentando a respectiva data de 1º exame; e exame físico (feito ao nascer). Com três medidas, seria possível construir curvas para comparar e complementar a precisão dos DPGP, mesmo em mulheres sem DUM ou US, e calcular a sub e superestimação de IG e seus efeitos;
  • A pandemia de covid-19 acrescentou interrupções variáveis ao cuidado perinatal, como suspensão de consultas pré-natais, redução e deslocamento de leitos obstétricos de referência e riscos de infecção pelo coronavírus em mulheres e famílias na admissão hospitalar geral. Essas tendências de 2020 estão sendo mapeadas;
  • Criação de bancos de dados a partir de bases municipais e nacionais, com idade gestacional em dias e semanas, com e sem imputação, além da produção de uma ontologia das bases e vínculos Sinasc-SIM, que será disponibilizada para fins de pesquisa e ensino;
  • Publicação de artigo na Revista de Saúde Pública.

Sylvia Miguel/Assessoria de Comunicação da FSP

Mais informações: e-mail  sidiniz@usp.br, com Simone Diniz

FONTE: Jornal da USP

Álcool na gestação traz riscos para o bebê, afirma médica

“Se você bebe, o seu bebê também bebe” é o tema da campanha da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead) que visa alertar mulheres grávidas para os riscos que o consumo de bebidas alcoólicas na gestação pode trazer para os filhos. “Esse é o nosso foco de interesse, de ação in advocacy (lobby do bem)”, disse a presidente da Abead, Alessandra Diehl. A entidade busca prevenir sobre o álcool na gestação, para evitar o que os especialistas chamam de Síndrome Alcoólica Fetal (SAF).

No Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, lembrado hoje (18), a psiquiatra destaca os riscos de desenvolvimento da SAF, que ainda é subnotificada no Brasil e subtratada, por não ser identificada durante a gestação. Segundo ela, não existe informação, principalmente para quem trabalha na rede de atenção primária à saúde e que faz o pré-natal, “que são as enfermeiras, os ginecologistas”, para identificar a mulher que está bebendo.

A SAF tem alto impacto na vida da criança, da mãe, do pai e da sociedade como um todo. De acordo com a Abead, não existe bebê seguro durante a gestação porque qualquer quantidade de bebida pode trazer complicações que incluem retardo mental, microcefalia, baixo peso ao nascer, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, além de complicações gestacionais.

Estudos mostram que entre 12% e 22 % das mulheres grávidas apresentam históricos de consumo de álcool durante a gravidez. Essa ingestão de álcool pode variar de beber ocasionalmente ao consumo excessivo semanal e até ao uso crônico durante os nove meses da gestação. A Abead defende medidas preventivas para o uso de álcool por mulheres grávidas devido ao risco de desenvolvimento da SAF. A estimativa é de que cerca de 1,5 mil a 6 mil crianças nasçam com SAF todos os anos no Brasil.

A Abead sugere, entre as medidas preventivas, a adoção de rótulos de advertência sobre o álcool nas embalagens das bebidas, utilizando-os como ferramentas para aumentar a conscientização sobre os riscos gerados pelo produto. Também recomenda abordagens mais amplas de políticas públicas para o controle do consumo, com informações direcionadas ao público-alvo e específicas sobre beber na gestação. A entidade apoia o Projeto de Lei (PL) 4.259/2020, em tramitação na Câmara dos Deputados, que institui o sistema de prevenção à Síndrome Alcoólica Fetal, bem como dispõe sobre a obrigatoriedade de advertência dos riscos relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas durante a gravidez. “É uma das primeiras iniciativas que começam a colocar a advertência em bebidas alcoólicas, indicando que a mulher não pode beber, como já existe em outros países. Acho que isso pode ajudar”, afirmou Alessandra.

Álcool x Adolescentes

Para a presidente da Abead, outro problema que deve ser atacado sem demora por meio de políticas públicas é o consumo de álcool cada vez mais cedo entre os jovens. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), divulgada em setembro do ano passado, 34,6% dos estudantes consultados haviam experimentado bebida alcóolica pela primeira vez antes dos 14 anos, sendo o percentual maior entre meninas (36,8%) do que entre meninos (32,3%). Mais de 63% dos estudantes entrevistados tomaram uma dose de bebida alcoólica em 2019, contra 61,4% em 2016.

O Terceiro Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e divulgado em 2019, confirmou a dependência de álcool entre adolescentes. Segundo o estudo, 7 milhões de brasileiros menores de 18 anos, ou o correspondente a 34,3%, disseram já ter consumido bebida alcoólica na vida, sendo que 119 mil jovens entre 12 e 17 anos apresentavam algum tipo de vício em álcool.

“É um fenômeno mundial”, disse Alessandra Diehl. Os jovens estão bebendo cada vez mais cedo. A PeNSE mostra claramente que eles começam em torno dos 14 anos”.

O hábito entre mulheres, que começa quando jovens e se perpetua, também preocupa a Abead, que vem chamando a atenção para o fenômeno há algum tempo. No entanto, segundo a presidente da entidade, não há correspondência em termos de políticas públicas que olhem para essa questão do gênero. “Acho que esse é o nosso gap (lacuna) aqui no Brasil”.

Alessanda advertiu que embora haja no país uma legislação que proíbe a venda de bebidas para adolescentes, os jovens conseguem comprar bebidas alcoólicas facilmente. “É fácil e não há fiscalização”, afirmou.

Sacolé

A psiquiatra lembrou que um novo produto acaba de ser lançado, em parceria com uma indústria de bebidas, apresentando teor alcoólico de 7,9%. “É um geladinho que contém álcool, tem colorido muito interessante e que atrai, sem dúvida, o jovem. Quero ver como vai ser a fiscalização para a venda desse produto, com teor alcoólico de 7%. São coisas que vão causando impacto entre para a iniciação precoce no Brasil”. Na sua opinião, uma parcela significativa desses jovens vai evoluir para uso mais regular e um padrão de dependência. Por si só, acrescentou, o alcoolismo já é um problema de saúde pública imenso.

O professor de psiquiatria da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, Jorge Jaber Filho, se referiu também a essa espécie de sacolé, com 7,9% de teor alcoólico, cujas amostras estão sendo distribuídas no país gratuitamente e que pode estimular o uso por adolescentes.

Jaber advertiu que as principais causas de morte de jovens nas grandes cidades são os acidentes, especialmente de trânsito, que envolvem consumo de álcool não só pelo condutor do veículo mas também pelos menores de idade na via pública. Em segundo lugar, aparecem os homicídios e, na terceira posição, o aumento de suicídio entre jovens que utilizam álcool e substâncias químicas, sendo o álcool em maior quantidade. “Em termos de saúde pública entre os jovens brasileiros, a liberação do álcool é devastadora, porque envolve as três principais causas de morte”, disse o psiquiatra.

Recomendações

Uma das recomendações feitas pela presidente da Abead no Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo é que os pais devem estar atentos ao comportamento de beber dentro de casa, porque as crianças tendem a imitar o exemplo dos adultos. “Se a gente consegue postergar a iniciação de beber na adolescência, se o jovem começar a experimentação acima dos 18 ou 21 anos, as chances desse adolescente vir a desenvolver dependência diminuem em 50%. Essa é questão importante”. Para Alessandra, isso tem a ver também com propaganda, fiscalização da venda de bebida alcoólica, ou seja, diminuição da demanda.

Segundo a médica, é preciso aumentar os fatores de proteção, entre eles o convívio com atividades mais saudáveis que não incluam bebida alcoólica e o aumento de práticas relacionadas à prevenção ao consumo de álcool, como a realização de refeições em família. “Parece pouco. Mas há uma série de estudos que avaliaram o quanto fazer refeições em família previne o uso de álcool e outras drogas, principalmente no contexto brasileiro”. Incentivo à leitura, religiosidade, espiritualidade, educação, menos jogos e convívio com áreas que não utilizam bebida são outras indicações da presidente da Abead.

Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Saúde informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que está em elaboração uma linha de cuidados sobre álcool e drogas para lançamento no próximo mês de abril.

Permissividade com o uso do Álcool

Jorge Jaber Filho lembrou ainda que é comum o consumo de álcool começar dentro da própria família. Argumentou que muitos pais acham que o fato de o filho tomar uma cerveja não tem nenhum problema quando, na verdade, estão estimulando o uso do produto que traz efeitos negativos para a saúde orgânica e mental. “De maneira geral, a sociedade é muito permissiva com o uso do álcool”.

Para ele, embora a venda de bebidas alcoólicas seja proibida para menores, o que ocorre é um desrespeito à lei, atingindo uma atividade alarmante, que é a venda de bebidas para adolescentes em postos de gasolina. O mesmo acontece em festas e shows, onde é comum ver jovens com garrafas de refrigerante contendo bebidas alcoólicas misturadas. “Não há nenhuma manifestação da sociedade para coibir isso. É considerado normal”.

FONTE: Agência Brasil

Alimentos enriquecidos com vitamina B9 produzida por bactérias podem ser alternativa natural ao ácido fólico

As vitaminas são micronutrientes essenciais para a saúde: ajudam a fortalecer o sistema imune e garantem o funcionamento correto do metabolismo. No caso das gestantes, a vitamina B9 (ou folato) tem um papel muito importante, pois auxilia nos processos de replicação celular – fundamentais para o desenvolvimento embrionário – e para a formação de células e proteínas do sangue. Por esse motivo, é indicada a suplementação com ácido fólico, forma sintética da vitamina produzida em laboratório. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a recomendação de consumo diário para as grávidas é de 355 microgramas (µg).

Com o objetivo de ampliar as opções de alimentos suplementados com folato, duas pesquisadoras do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), conseguiram desenvolver produtos que contêm até 20% da necessidade diária desse nutriente, utilizando a sua forma natural em vez da sintética. Isso porque o consumo excessivo de ácido fólico está associado a alguns efeitos indesejados, como mascarar a deficiência de vitamina B12. A descoberta tardia dessa deficiência pode levar a pessoa a ter problemas neurológicos e anemia.

“O que está descrito na literatura é que, pelas formas naturais da vitamina, não existe esse problema. Mas a forma sintética demora mais para ser processada, pois precisa ser metabolizada no fígado para chegar a sua forma bioativa no organismo”, afirma Marcela Albuquerque, pós-doutoranda do Laboratório de Microbiologia de Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.

Fermentação natural

Para produzir a vitamina B9, as pesquisadoras utilizam cepas de bactérias lácticas que são seguras para o consumo humano e que já são empregadas pela indústria de alimentos. “Após serem submetidas a determinadas condições, dependendo dos nutrientes disponíveis no meio, do pH e da temperatura, as bactérias que possuem os genes relacionados à biossíntese de folatos, podem produzir a vitamina. Depois, selecionamos as cepas com maior produtividade e aplicamos para o desenvolvimento de um produto fermentado, como leite ou iogurte”, explica Ana Clara Cucick, doutoranda da FCF.

Segundo ela, muitos países aderiram a programas de fortificação obrigatória de alimentos para combater a deficiência de folato, como o Brasil, por exemplo, onde as farinhas de trigo e milho são fortificadas com ferro e ácido fólico para prevenir a anemia e a má-formação dos fetos. Tal estratégia trouxe benefícios, como a redução de aproximadamente 30% na ocorrência de doenças do tubo neural em bebês, segundo relatório divulgado em janeiro de 2021 pela Anvisa, porém tem sido alvo de preocupação devido aos possíveis efeitos colaterais advindos da ingestão em excesso do ácido fólico.

Produtos desenvolvidos

Em seu estudo, Ana Clara conseguiu um leite fermentado que fornecia 20% da recomendação diária de ingestão de vitamina B9 em uma porção de 250 mililitros (ml). O produto também foi testado em animais para avaliar a biodisponibilidade do nutriente, ou seja, o quanto da vitamina contida no leite fermentado poderia ser aproveitado pelo organismo. Os animais que consumiram o alimento tiveram um aumento de hemácias (glóbulos vermelhos) e hemoglobinas (proteínas que transportam o oxigênio), mostrando que ele pode ser uma alternativa promissora para aumentar a ingestão de folato.

Já a pesquisadora Marcela Albuquerque desenvolveu um produto de soja fermentado que alcançou 14% da indicação diária de consumo da vitamina, além de conter microrganismos probióticos. Os dados, já publicados em um artigo científico, mostram que a combinação do subproduto do maracujá (descartado pela indústria) e de frutooligossacarídeos (ativos prebióticos) foi capaz de estimular a cultura de micro-organismos probióticos a produzirem folato. O produto também foi submetido a estresse gastrointestinal in vitro e mostrou uma maior bioacessibilidade de folato em relação aos controles.

Embora ainda faltem parcerias para possibilitar a transferência de tecnologia e a disponibilidade no mercado, os resultados são promissores e abrem caminho para novos produtos bioenriquecidos com a forma natural da vitamina B9.

Da Assessoria de Comunicação do FoRC

FONTE: Jornal da USP

Qualidade da gordura da dieta materna pode interferir no peso de bebês ao nascer

Estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto sugere que a gordura ingerida pela mãe está associada ao peso do recém-nascido

A dieta materna está diretamente associada à saúde do bebê durante a gestação e cientistas já avançam no entendimento dos fatores que contribuem para essa relação. Estudo realizado por pesquisadoras da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP mostra que a qualidade da gordura ingerida pela mãe está associada com o peso do recém-nascido de acordo com a idade gestacional.

“Nascer maior para a idade gestacional significa que a criança pode ter mais risco de desenvolver doenças na vida adulta e até de complicações durante o parto. Neste sentido, a pesquisa contribui para o entendimento de como a qualidade da gordura da dieta materna interfere no desenvolvimento fetal”, conta Maria Carolina de Lima, primeira autora do artigo publicado pela Nutrition em novembro e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da FMRP.

O estudo contou com 734 pares de mães com boa saúde e bebês que realizaram pré-natal em Unidades Básicas de Saúde em Ribeirão Preto, entre os anos de 2011 e 2012. “Nós empregamos dois formulários com o objetivo de registrar tudo o que foi consumido pelas entrevistadas nas últimas 24 horas. Depois, avaliamos o peso ao nascer, sexo e duração da gestação com dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Por fim, avaliamos a qualidade da gordura na dieta materna”, explica.

Para entender a qualidade da ingestão de gordura das mães, as pesquisadoras trabalharam na análise de três tipos de gordura, que também podem ser chamadas de ácidos graxos: saturadas, monoinsaturadas e poli-insaturadas. As saturadas podem ser encontradas em alimentos de origem animal: carnes vermelhas e brancas, pele de aves, leite, queijo, manteiga e creme de leite. Além de origem vegetal como coco, dendê e o babaçu.

“Nascer maior para a idade gestacional significa que a criança pode ter mais risco de desenvolver doenças na vida adulta e até de complicações durante o parto. Neste sentido, a pesquisa contribui para o entendimento de como a qualidade da gordura da dieta materna interfere no desenvolvimento fetal”, conta Maria Carolina de Lima.

Já os monoinsaturados são encontrados em alimentos como abacate, castanhas, azeite de oliva e óleo de canola. O consumo desse tipo de gordura pode diminuir o LDL, que é chamado de colesterol ruim, e estimular o HDL, que é conhecido como colesterol bom. O último tipo de gordura avaliada foram as poli-insaturadas, que podem ser encontradas em ovos, óleos de soja e girassol, sardinha, salmão e azeite de oliva.

Entretanto, engana-se quem pensa que as gorduras têm apenas impacto negativo. “Os ácidos graxos tem um impacto positivo desde que consumidos em quantidade, qualidade e proporção adequadas. Dessa forma, as diretrizes internacionais preconizam a retirada da gordura trans, redução do consumo da gordura saturada e inclusão em quantidade adequada das gorduras insaturadas, que são as monoinsaturadas e poli-insaturadas”, afirma Maria Carolina.

Dessa forma, o estudo observou que a ingestão de alguns ácidos graxos apresenta um fator protetor se consumidos de forma equilibrada. “Gestantes tiveram 48% menos chance de ter filho grande para a idade gestacional com o consumo de gorduras poli-insaturadas na quantidade adequada. Os dados reforçam a importância de avaliar a qualidade da gordura ingerida e do acompanhamento do nutricionista durante a gestação”, completa.

Além de Maria Carolina, o estudo A better quality of maternal dietary fat reduces the chance of large-for-gestational-age infants: A prospective cohort study conta com autoria de Izabela da Silva Santos e de Lívia Castro Crivellenti sob orientação da professora Daniela Saes Sartorelli, todas da FMRP.

Mais informações: e-mail mariacarolina017@usp.br

Por Giovanna Grepi

FONTE: Jornal da USP

Retinoblastoma, teste do Olhinho é primeiro passo para identificar a doença

O Teste do Olhinho, conhecido como teste do reflexo vermelho, feito ainda na maternidade, até 72 horas de vida do bebê, é o primeiro exame que ajuda na detecção precoce de doenças oculares que podem afetar crianças. Entre essas doenças está o retinoblastoma, um tipo raro de tumor intraocular maligno primário, ou câncer no olho, de origem genética, mais comum entre as crianças de até 5 anos de idade. Ele tem origem em células da retina e pode afetar um olho (unilateral) ou os dois. A estimativa é que, por ano, cerca de 6 mil crianças no mundo sejam afetadas por essa doença. 

O alerta foi dado hoje (30), em nota conjunta, assinada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e pela Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP). Ontem (29), o jornalista Tiago Leifert e sua mulher Daiana Garbin anunciaram que a filha de 1 ano tem a doença e fizeram um alerta aos pais.

“Lamentamos o ocorrido e nos colocamos de forma solidária ao lado desta família para ajudar no que for preciso. No entanto, nossas entidades entendem que a discussão sobre o assunto, que cresceu nas últimas horas, deve ser pautada por conhecimento fidedigno, com validade científica e relevante. Em momentos assim, lacunas de informação podem abrir espaço para distorções que impedem acesso à compreensão sobre como o retinoblastoma se manifesta, pode ser diagnosticado e deve ser tratado”, ressaltou o presidente do CBO, Cristiano Caixeta Umbelino.

Segundo ele, pais e responsáveis devem optar pelos cuidados de médicos especializados, como oftalmologistas, uma vez que tratamentos como ‘self-healing’ (auto cura) ou prática de exercícios oculares, “não têm comprovação científica e, portanto, não servem para curar o retinoblastoma ou qualquer outra doença que afeta o aparelho da visão”, como glaucoma, catarata, doenças retinianas, entre outras. Na avaliação de Umbelino, essas abordagens podem retardar o início de tratamentos corretos, com chance de comprometerem parcial ou totalmente a visão e, inclusive, a vida do paciente, em caso de tumores.

Retinoblastoma, exames completos

O CBO e a SBOP recomendaram que o Teste do Olhinho deve ser repetido pelo pediatra pelo menos três vezes ao ano, nos três primeiros anos de vida da criança. Bebês de seis a 12 meses devem passar por um exame oftalmológico completo e, posteriormente, entre 3 e 5 anos de idade, devem ser submetidos a uma segunda avaliação semelhante.

A presidente da SBOP, Luísa Hopker, afirmou que os exames oftalmológicos completos são fundamentais para detecção de condições que afetam a saúde ocular das crianças.

“Em caso de suspeita, no consultório, o paciente passa por exame oftalmológico com a pupila dilatada. Se houver necessidade, é realizado outro teste, sob sedação, em centro cirúrgico. A ultrassonografia ocular deve ser realizada e pode mostrar pontos brilhantes intralesionais consistentes com cálcio. A tomografia computadorizada também pode mostrar as calcificações quando a ultrassonografia não está disponível. A ressonância de crânio é necessária para realizar o estadiamento do tumor”, explicou.

O tratamento para a retinoblastoma depende de vários fatores, entre os quais, a localização e o tamanho do tumor, disseminação além do olho e possibilidade de preservação da visão. Diferentes procedimentos podem ser adotados, incluindo quimioterapia (intravenosa, intra-arterial, periocular e intraocular), terapia focal e métodos cirúrgicos. Luísa informou que nas últimas décadas, as técnicas de tratamento do retinoblastoma têm apresentado avanços consideráveis, com taxas de cura superiores a 95%, uma vez adotado o tratamento adequado.

Diagnóstico precoce

O diagnóstico precoce é muito importante, na avaliação dos presidentes do CBO e da SBOP. A presidente da SBOP disse que o tratamento terapêutico é individual, adaptado a cada caso e baseado em aspectos como lateralidade, localização e tamanho do tumor primário, presença de metásteses e prognóstico visual estimado.

Os pais e responsáveis devem estar atentos para alguns sinais que podem indicar a presença do retinoblastoma, entre elas, uma alteração do reflexo vermelho dos olhos, observada em fotografias e caracterizada por um reflexo branco na pupila, chamado reflexo do olho de gato. Essa mancha esbranquiçada é denominada leucocoria e pode impedir a passagem de luz. Estrabismo também pode estar associado ao retinoblastoma.

De acordo com os especialistas, essa doença está associada a uma anormalidade genética no cromossomo número 13. Apenas 10% dos pacientes têm um membro da família com retinoblastoma e 40% manifestam uma forma genética herdada do tumor, mesmo que ninguém mais na família tenha o problema. Na maioria dos casos, em torno de 90%, o retinoblastoma aparece de repente, sem nenhum evento associado e sem aviso prévio, não estando associado a fatores externos dos pais, como fumar, beber etc.

Outras informações sobre o retinoblastoma podem ser obtidas no site da SBOP.

FONTE: Agência Brasil