Medicamento com bactérias benéficas de fezes é caminho para tratar infecções intestinais

Aprovado nos Estados Unidos, o primeiro medicamento feito com bactérias poderá ser uma opção para substituir transplantes fecais. A droga busca tratar infecções recorrentes por clostridium em adultos que já receberam antibióticos e não responderam ao tratamento. Infecções desse tipo atingem 500 mil americanos por ano e matam de 15 a 30 mil pessoas, de acordo com autoridades de saúde dos Estados Unidos.

O especialista Alexandre de Sousa Carlos, do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, esclarece sobre a ação das bactérias no organismo humano: “Nós sabemos que atualmente temos trilhões de bactérias. Teoricamente elas vivem todas em harmonia e, com isso, elas têm vários poderes benéficos para nossa saúde. Por alguns fatores externos, essa microbiota pode estar desequilibrada, o que chamamos de disbiose. E, com isso, trazer inúmeros efeitos deletérios para nosso organismo, um deles é essa infecção por uma bactéria que se chama bactéria do Clostridium, mais conhecida atualmente como clostridioide. Todos nós temos essa bactéria na nossa microbiota intestinal, mas, por alguns motivos, e o principal deles é o uso excessivo de antibióticos, essa bactéria fica patogênica e com isso ela começa a inflamar o nosso intestino”.

Tratamentos

A primeira opção de tratamento, conforme explica Carlos, é com antibióticos específicos, mas alguns pacientes podem não responder a eles corretamente: “[Os pacientes] precisam ter essa segunda linha de tratamento, que é tentarmos administrar novas bactérias para repopulacionar a microbiota intestinal de uma forma a restaurar o equilíbrio anterior e, com isso, ela mesmo combater essa citopatogênica”.

Uma das formas de equilibrar as bactérias é com transplante de microbiota fecal: “Por muito tempo, a gente fazia o transplante de microbiota fecal, que nada mais é do que transferirmos as fezes de um doador saudável, que não tem nenhum problema gastrointestinal, para o intestino desse receptor doente, de forma a restaurar esse equilíbrio da microbiota intestinal”. O médico complementa que os resultados dos transplantes são geralmente positivos, com uma taxa de resposta acima de 90%.

O novo medicamento

A novidade aprovada pela FDA (Food and Drug Administration) dos EUA representa uma alternativa mais simples de tratamento para esses problemas: “Quando a gente faz esse procedimento [transplante de microbiota fecal] por endoscopia e colonoscopia, que não deixam de ser um procedimento invasivo, às vezes o paciente nem tem condições de fazer esse exame, então, nas cápsulas com fezes, eles escolheram um doador com microbiota muito boa e eles administram essa cápsula ao receptor. Ao administrar essa cápsula, se substituiria o transplante por endoscopia, ou seja, já evitaríamos um exame invasivo e sedação. Então, tem efeitos benéficos e vemos com bons olhos”, diz Carlos.

A FDA aprovou o remédio com base em um estudo com a participação de 180 pacientes: 88% daqueles que tomaram as cápsulas não tiveram reinfecção após oito semanas, em comparação aos que receberam placebos. Para garantir a saúde intestinal, alguns hábitos cotidianos podem ser importantes: “Já têm trabalhos recentes mostrando que dieta à base de muitos alimentos ultraprocessados, alimentos embutidos e enlatados são deletérios, são maléficos para nossa microbiota, causam um desarranjo intestinal. O uso excessivo de antibióticos sem uma orientação também altera a nossa microbiota, o próprio estresse, por incrível que pareça, altera a nossa microbiota. Então, nós precisamos cada vez mais recuperar um estilo de vida mais saudável para tentar deixar a nossa microbiota intestinal equilibrada”, conclui.

FONTE: Jornal da USP

Alimentos enriquecidos com vitamina B9 produzida por bactérias podem ser alternativa natural ao ácido fólico

As vitaminas são micronutrientes essenciais para a saúde: ajudam a fortalecer o sistema imune e garantem o funcionamento correto do metabolismo. No caso das gestantes, a vitamina B9 (ou folato) tem um papel muito importante, pois auxilia nos processos de replicação celular – fundamentais para o desenvolvimento embrionário – e para a formação de células e proteínas do sangue. Por esse motivo, é indicada a suplementação com ácido fólico, forma sintética da vitamina produzida em laboratório. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a recomendação de consumo diário para as grávidas é de 355 microgramas (µg).

Com o objetivo de ampliar as opções de alimentos suplementados com folato, duas pesquisadoras do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), conseguiram desenvolver produtos que contêm até 20% da necessidade diária desse nutriente, utilizando a sua forma natural em vez da sintética. Isso porque o consumo excessivo de ácido fólico está associado a alguns efeitos indesejados, como mascarar a deficiência de vitamina B12. A descoberta tardia dessa deficiência pode levar a pessoa a ter problemas neurológicos e anemia.

“O que está descrito na literatura é que, pelas formas naturais da vitamina, não existe esse problema. Mas a forma sintética demora mais para ser processada, pois precisa ser metabolizada no fígado para chegar a sua forma bioativa no organismo”, afirma Marcela Albuquerque, pós-doutoranda do Laboratório de Microbiologia de Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.

Fermentação natural

Para produzir a vitamina B9, as pesquisadoras utilizam cepas de bactérias lácticas que são seguras para o consumo humano e que já são empregadas pela indústria de alimentos. “Após serem submetidas a determinadas condições, dependendo dos nutrientes disponíveis no meio, do pH e da temperatura, as bactérias que possuem os genes relacionados à biossíntese de folatos, podem produzir a vitamina. Depois, selecionamos as cepas com maior produtividade e aplicamos para o desenvolvimento de um produto fermentado, como leite ou iogurte”, explica Ana Clara Cucick, doutoranda da FCF.

Segundo ela, muitos países aderiram a programas de fortificação obrigatória de alimentos para combater a deficiência de folato, como o Brasil, por exemplo, onde as farinhas de trigo e milho são fortificadas com ferro e ácido fólico para prevenir a anemia e a má-formação dos fetos. Tal estratégia trouxe benefícios, como a redução de aproximadamente 30% na ocorrência de doenças do tubo neural em bebês, segundo relatório divulgado em janeiro de 2021 pela Anvisa, porém tem sido alvo de preocupação devido aos possíveis efeitos colaterais advindos da ingestão em excesso do ácido fólico.

Produtos desenvolvidos

Em seu estudo, Ana Clara conseguiu um leite fermentado que fornecia 20% da recomendação diária de ingestão de vitamina B9 em uma porção de 250 mililitros (ml). O produto também foi testado em animais para avaliar a biodisponibilidade do nutriente, ou seja, o quanto da vitamina contida no leite fermentado poderia ser aproveitado pelo organismo. Os animais que consumiram o alimento tiveram um aumento de hemácias (glóbulos vermelhos) e hemoglobinas (proteínas que transportam o oxigênio), mostrando que ele pode ser uma alternativa promissora para aumentar a ingestão de folato.

Já a pesquisadora Marcela Albuquerque desenvolveu um produto de soja fermentado que alcançou 14% da indicação diária de consumo da vitamina, além de conter microrganismos probióticos. Os dados, já publicados em um artigo científico, mostram que a combinação do subproduto do maracujá (descartado pela indústria) e de frutooligossacarídeos (ativos prebióticos) foi capaz de estimular a cultura de micro-organismos probióticos a produzirem folato. O produto também foi submetido a estresse gastrointestinal in vitro e mostrou uma maior bioacessibilidade de folato em relação aos controles.

Embora ainda faltem parcerias para possibilitar a transferência de tecnologia e a disponibilidade no mercado, os resultados são promissores e abrem caminho para novos produtos bioenriquecidos com a forma natural da vitamina B9.

Da Assessoria de Comunicação do FoRC

FONTE: Jornal da USP