Leite materno corrige alterações na microbiota intestinal de bebês

Pesquisadores da USP identificaram que o parto não é um fator determinante para a construção da microbiota da criança, ao contrário do que apontava a literatura científica. Resultados primários do Projeto Germina, que acompanha o desenvolvimento de 500 crianças nos primeiros mil dias, mostram que, nos primeiros três meses, o leite materno pode corrigir as eventuais complicações intestinais.

Definida como o conjunto de microrganismos que habitam o intestino, a microbiota está relacionada com diversas doenças autoimunes, diabetes, obesidade, desnutrição, alergias alimentares na pele e doenças inflamatórias intestinais, como a doença de Crohn. Em crianças prematuras, por exemplo, uma microbiota muito desregulada, com grande número de bactérias disbióticas, que favorecem o desequilíbrio da cadeia de microrganismos, pode resultar em um quadro de sepse, infecções que figuram como uma das principais causas de mortalidade infantil.

“Observamos que o leite materno carrega uma carga de bactérias benéficas que se sobrepõe às bactérias maléficas e assim consegue dar resiliência à microbiota. Com isso, o fato de o bebê ter nascido de parto normal ou cesárea, prematuro ou nascido de nove meses tem pouco impacto na modulação da microbiota. O principal fator de modulação é o leite”, afirmou a coordenadora do estudo, professora Carla Taddei, docente colaboradora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, à Assessoria de Imprensa do ICB.

Em contrapartida, o leite de fórmula se mostrou incapaz de produzir o mesmo grau de modulações positivas. “O que irá determinar como será a microbiota são, principalmente, as interações das bactérias com o ambiente do intestino, além da genética familiar e dos diversos eventos que acontecem nesses primeiros dias, como o parto, os medicamentos que a criança recebe [principalmente antibióticos] e o tipo de dieta”, explica a professora.

Pouca diferença faz também se o leite materno é oriundo da mãe ou de bancos de leite. Isso porque um estudo anterior conduzido pela FCF no Hospital Universitário, e coordenado pela docente, identificou que, apesar das diferenças nutricionais proporcionadas pela pasteurização, os resultados na modulação da microbiota são os mesmos.

O projeto mais recente, Evolução da microbiota fecal de recém-nascidos prematuros submetidos a colostroterapia durante o período de internação em uma unidade de terapia intensiva neonatal, coordenado por Carla Taddei, tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Equilíbrio de longa duração

A formação da microbiota nos primeiros dois anos define como ela será durante o resto da vida, já que é nesse momento que se constrói a microbiota basal, que permanecerá, independentemente dos hábitos alimentares e questões de saúde.

“Após esse período, o que modula a microbiota é o ambiente e a dieta. No entanto, por mais que a microbiota sofra alterações, a qualquer momento ela pode retornar a ser como era nos primeiros dois anos. Por exemplo, se um adulto se tornar vegano, sua microbiota será alterada. Mas se ele abandonar o veganismo, ela voltará à forma basal”, pontua Taddei.

Para as mães que não podem amamentar, a melhor solução é, portanto, adquirir o leite materno de bancos de leite. “Nos hospitais, os leites passam por diversas avaliações que garantem uma segurança microbiológica e identificam suas propriedades nutricionais. Com isso, os hospitais Amigos da Criança selecionam os leites que mais se adequam às propriedades que cada bebê precisa, de acordo, por exemplo, com seu peso e seus índices de cálcio no sangue”, detalha a docente.

Sequenciamento do DNA

Os resultados da pesquisa foram obtidos por meio de sequenciamento de dados do DNA dos 500 voluntários. Esse procedimento é realizado por meio de uma tecnologia inovadora no país, chamada de “shotgun”, que permite analisar milhões de informações das amostras em um curto período.

“Com essa tecnologia, conseguimos analisar 5 milhões de sequências de DNA por criança. Enquanto com as máquinas convencionais conseguimos algo em torno de 100 a 200 mil. Ao final desses mil dias, teremos um contingente de dados que poderão ainda ser analisados por mais de dez anos”, comenta Taddei.

O recurso e o projeto são fruto de um financiamento de US$ 2,8 milhões da Wellcome Leap, organização britânica sem fins lucrativos. Com isso, sete grupos de pesquisadores da USP, de diferentes instituições, se reuniram no Projeto Germina para analisar com detalhes o que é considerado um desenvolvimento saudável de uma criança de até três anos, do ponto de vista da genética, microbiologia, nutrição, fonoaudiologia, pediatria, psicologia, psiquiatria de crianças e neurociência do desenvolvimento.

“Esperamos fazer um modelo que possa prever, nos primeiros três meses, como a criança estará com três anos, e assim orientar tratamentos personalizados”, conclui a professora.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

*Da Agência Fapesp, editado por Fabiana Mariz
**Sob supervisão de Moisés Dorado e Simone Gomes

FONTE: Jornal da USP

Check-up em excesso em crianças pode não fazer bem

Pedir por exames de rotina, os famosos check-ups, é normal em qualquer ida ao médico. Porém, essa prática é perigosa e não faz parte da rotina quando o assunto é a saúde da criança e do adolescente. Há, atualmente, um aumento no pedido de exames laboratoriais para crianças, bem mais do que o necessário. Diferentemente dos adultos, expor as crianças à radiação ou às triagens desnecessárias é algo a ser muito bem avaliado.

“Cada vez mais se nota crianças saudáveis ou crianças com problemas específicos. Eu vejo, por exemplo, crianças alérgicas que, além dos exames necessários para explorar essa questão e melhor tratá-la, um número enorme de outros exames é pedido”, diz a professora Magda Carneiro-Sampaio, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP e do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas.

Ela explica que o check-up da criança já está bem definido. É necessário checar o crescimento físico, desenvolvimento neuropsicossocial, escolaridade, alimentação, entre outros fatores. Primeiro se conversa com os pais, depois se examina, diz a médica. O que acontece é que crianças normais e saudáveis são submetidas a mais exames do que realmente é necessário, o que não traz nenhum benefício. “Médico bom não é médico que pede uma lista interminável de exames. O bom médico é aquele que conversa, que procura entender de fato o que está acontecendo, que continua a pensar em hipóteses a partir do que observa no exame físico e, se necessário, vai pedir alguns exames, chamados de complementares”, lembra Magda.

Quando os exames devem ser feitos?

O atendimento à criança é longitudinal e o ideal é acompanhar a criança desde a sua gestação. Todo o acompanhamento é muito baseado na conversa com a família e na promoção de um estilo de vida saudável.  “Existem poucos exames que têm evidências que trazem benefícios tanto para o indivíduo quanto para a sociedade”, alerta a médica Filumena Maria da Silva Gomes, pediatra em desenvolvimento infantil do instituto e dedicada à atenção primária.

Isso não inclui as triagens durante a gestação, lembra Filumena: “Teoricamente, todas as crianças nascidas no Brasil deveriam ser submetidas à triagem neonatal das principais doenças que existem na população”. Exames de tipagem sanguínea, sorologia para identificação de doenças sexualmente transmitidas, teste do pezinho, triagem metabólica, entre outros, são muito importantes.

Em crianças saudáveis, o que é recomendado é: depois dessa triagem neonatal, a próxima triagem é a de anemia, deficiência de ferro e, depois, apenas aos 10 anos de idade, para achar colesterol e triglicérides. Exames além desses não têm justificativa para serem pedidos. As outras triagens são em grupos de risco, como o raquitismo na prematuridade, crianças portadoras de doenças crônicas, síndrome de Down (problemas de tireoide).

“Não temos tantas triagens para justificar essa quantidade de check-ups de exames feitos, que acabam encarecendo os custos das famílias e da sociedade”, diz Filumena. Os pais precisam conversar com os médicos e questionar o tanto de exames pedidos. Como diz Magda: “A conversa, que a gente chama de anamnese, é importantíssima, porque o pediatra é um educador”. Ele é responsável por orientar hábitos saudáveis, conferir se há distúrbios, problemas de comportamento.

“O pediatra tem um papel enorme, um papel para a vida toda”, diz a professora. O temor é que esses exames de rotina substituam os exames complementares, e que isso acabe influenciando no diagnóstico de doenças ou distúrbios mais graves e específicos. Outro problema é a falta de contato próximo entre as famílias e o profissional de pediatria e o não estabelecimento de uma relação de confiança.

 A melhor recomendação 

“O acompanhamento da criança é sempre baseado num tripé de estilo de vida saudável”, diz Filumena. O acompanhamento médico tem que estar voltado a isso: como ela se alimenta, como ela se exercita e como é o seu sono.  A maioria das complicações em crianças tem origem viral, mas se elas têm um estilo de vida saudável, o próprio organismo vai resolver, diz a médica. Os exames laboratoriais vão ser necessários nas complicações, em situações excepcionais. “Com estilo de vida saudável, a maioria das crianças vai bem, usa poucos medicamentos e raramente vai precisar de exames laboratoriais ou radiológicos”, diz.

Filumena alerta que “não é a rotina do pediatra precisar fazer exames. Como eu falei, as triagens são muito poucas – quando nasce, um ano, 10 anos – e outras triagens, só se a criança tiver alguma questão pessoal, algum problema de saúde específico. Rotina é pouco exame mesmo”.

Fonte: Jornal da USP

Obesidade gestacional: riscos para a mãe e o feto

Segundo o Mapa da Obesidade, a prevalência do problema saiu de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019, um aumento de 72%.

A obesidade é uma doença crônica e multifatorial, que tem causas tanto genéticas quanto comportamentais, e é caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo. Segundo o Mapa da Obesidade, a prevalência da obesidade saiu de 11,8% em 2006, para 20,3% em 2019, um aumento de 72%. Estimativas da Organização Pan-Americana da Saúde contabilizam mais de 1 milhão de obesos no mundo, com a expectativa de que, até 2025, o número de indivíduos com sobrepeso chegue a 2,3 bilhões.

Nas mulheres, isso é ainda pior:  21% das mulheres brasileiras são obesas, contra 19,5% dos homens. A diferença pode ser pouca, porém, a gestação, algo exclusivo das mulheres, pode agravar ou até mesmo desencadear a obesidade. “A gente já tem, na verdade, um aumento da prevalência de obesidade. Nós temos agora um estilo de vida em que temos muita facilidade para acessar uma alimentação com ultraprocessados, que favorece o sedentarismo. Então, a gente já tem um aumento da prevalência de obesidade há décadas”, explica Tatiana Zaccara, médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP especializada em gestação de alto risco.

O ganho de peso, durante a gestação, está associado às mudanças metabólicas pelas quais o corpo passa. O estilo de vida que a gestante leva antes e depois de engravidar conta muito. Esse ganho é normal e esperado, mas, nos últimos anos, um aumento da obesidade gestacional foi notada, o que traz consequências duradouras e infelizes tanto para a mãe como para o feto.

O que causa?

A obesidade gestacional está associada ao aumento das complicações durante todo o período da gravidez. Mulheres obesas e com sobrepeso pré-gestacional são mais propensas a sofrer abortamento, pré-eclâmpsia (hipertensão na gravidez em gestantes sem histórico da condição), diabete gestacional, risco de tromboembolismo venoso profundo (TVP)  e de  tromboembolismo pulmonar, assim como de gestação prolongada.

Não acaba por aí. Elas também apresentam maior demora de dilatação no trabalho de parto, diminuição da fertilidade, uma maior incidência de internações precoces e perda do feto após fertilização in vitro. “Ela [gestante] tem um maior risco de precisar ter um parto induzido, não entrar em trabalho de parto espontâneo, tem o maior risco de precisar de cesárea para o parto, um trabalho de parto prolongado, assim como maior risco de distorcer o ombro – um tipo específico de trauma da hora do parto – e um risco de infecção e de deiscência da ferida operatória, que é quando a pele não consegue cicatrizar bem a ferida e acaba abrindo. Então, esses são os principais riscos na hora do parto”, complementa Tatiana.

E a criança?

São muitas complicações, que não acabam na gestante. O bebê, por sua vez, também sofre as consequências do acúmulo fora do normal de tecido adiposo. Ele pode vir a ter complicações no período do pré-natal, como má formação, macrossomia e, no pior dos casos, morte intrauterina. Também foram encontradas malformações do tubo neural, por conta, principalmente, do pobre controle glicêmico. Dificuldades no ultrassom pré-natal também são um empecilho para a constatação de alterações e má formação no feto.

“Uma criança que está exposta a um excesso de nutrientes desde o ambiente intrauterino é uma criança que está habituada a lidar com muita comida chegando. Ela não escolhe o que ela come, então isso faz uma programação genética, uma alteração para que, no futuro, ela continue precisando dessa quantidade aumentada de alimento, de glicose e de gordura”, explica a médica. A consequência disso é que, assim como a mãe, a criança acaba tendo mais chances de ser obesa também.

Cuidados

O ideal é que a mulher mantenha um estilo de vida saudável antes mesmo da gravidez – Fotomontagem: Jornal da USP – Fotos: Freepik

 

O ideal é que a mulher mantenha um estilo de vida saudável antes mesmo da gravidez, ou seja, uma dieta equilibrada e saudável e uma rotina de exercícios. Caso a mulher já estiver obesa quando engravidar, o importante é que ela busque acompanhamento nutricional e médico o quanto antes, para evitar que maiores problemas sejam ocasionados durante a gestação.

“Mulheres grávidas devem praticar atividade física”, diz a médica. A rotina de exercícios pode ser mantida durante os nove meses, ou seja, todo o período gestacional. “Na gestação a gente não objetiva perda ponderal. O objetivo é uma alimentação equilibrada que forneça toda a necessidade calórica para mãe e para o bebê”, lembra Tatiana.

É recomendado que os exercícios mantenham uma frequência e sejam acompanhados por um profissional habituado a trabalhar com gestantes. A preferência é por treinos de baixo impacto e que não forcem a musculatura abdominal, começando devagar e de acordo com as especificidades de cada gestante. “Acho que a prevenção é a palavra da vez, é o que a gente devia fazer sempre”, diz a médica. Em sua avaliação, consultas pré-concepcionais devem ser feitas regularmente se há a intenção de engravidar: “É uma coisa para a saúde dela, para saúde dos possíveis filhos, se ela quiser ter filhos. Isso vai influenciar a qualidade de vida dessa pessoa para a vida inteira e, muitas vezes, influencia a qualidade de vida da família toda”.

FONTE: Jornal da USP

O segredo da longevidade é não admitir que idosos adoeçam e se tornem limitados

O Instituto Central do Hospital das Clínicas conquistou o nível máximo do Programa Hospital Amigo do Idoso, iniciativa da Secretaria do Estado de São Paulo que faz parte do programa governamental São Paulo Amigo do Idoso desde 2012, pela excelência dos serviços oferecidos à população e suas boas práticas voltadas ao público idoso.

Há cerca de dez anos, o hospital, entendendo que não só as instituições de saúde, mas inclusive os municípios, os Estados e a Nação precisam se preparar para o envelhecimento populacional, decidiu aderir ao programa. “Se nós não estivermos devidamente equipados para atender bem a uma população crescente em nível exponencial, nós não teremos como dar a essa população aquilo que ela precisa e aquilo que nós precisamos também para as outras faixas etárias”, explica Wilson Jacob Filho, titular da Geriatria da Faculdade de Medicina da USP e diretor da Divisão de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Desde o primeiro momento, o hospital decidiu se credenciar, que é a parte de demonstrar interesse em fazer parte do programa. Para atingir o nível máximo – adquirir o Selo Pleno –, como atingido pelo instituto, são necessários completar quatro passos, referentes a ações obrigatórias e eletivas. Não apenas órgãos públicos de saúde podem receber o selo, mas também instituições privadas e de outras áreas, desde que impactem positivamente na saúde e bem-estar do idoso.

Muito além da saúde

Várias especialidades atendem aos idosos desde sempre e, comumente, é normal a procura nessa faixa etária por tratamentos e atendimento médico, já que a maioria deles convive com múltiplas doenças crônicas. A questão da geriatria e do selo, porém, vai muito além disso: não é atender ao idoso somente quando ele está doente, “mas atender ao idoso na condição de idoso; enfermidade entra como fator desencadeante, mas ela não é o único alvo do atendimento”, explica Jacob.

Ele também salienta que “o Selo Hospital do Amigo vai muito além disso, ele vai atender ao idoso por ser idoso dentre as suas multimorbidades e a grande quantidade de remédios que eles ingerem, que é a polifarma”. O idoso tem uma demanda social, emocional e da ordem de cuidadores, que ficam responsáveis pela sua autonomia e independência. A preparação do hospital para atendê-los, como explica o médico e professor, passa por esse conhecimento de que o atendimento é muito mais amplo que aquele dirigido à enfermidade ou doença. Conta, principalmente, com uma equipe preparada e multidisciplinar.

Geriatria e Gerontologia

A área principal de atendimento é a geriatria, mas outras especialidades complementam o trabalho. A gerontologia, como especifica Jacob, é um conjunto de saberes voltados para a questão do envelhecimento. “Inclusive nós temos uma área importantíssima da gerontologia, que é o jornalismo, porque é ele quem veicula as informações necessárias para que o idoso possa fazer valer os seus direitos e poder criar perspectivas futuras”, diz.

Todas as áreas da saúde são voltadas para dar o atendimento hospitalar aos idosos, mas o bem-estar é fruto de outras áreas também, como a jurídica e o turismo. É um universo do qual o idoso se utiliza para ficar menos enfermo e se recuperar de coisas pelas quais passou durante a sua vida. “Então, é uma medida de suporte interdisciplinar na qual o médico por vezes exerce um papel essencial, por vezes ele é um suporte”, explica o professor.

Preocupação com a demanda

Envelhecer é natural, porém, sempre foi uma preocupação da população que, por muito tempo, considerava isso uma doença. Para mitigar os efeitos do envelhecimento e garantir que esse período passe da melhor forma possível, a ONU instituiu, em dezembro de 2020, que de 2021-2030 seria a Década do Envelhecimento Saudável.

Imagem: Divulgação/OPAS

O mundo inteiro está de olho nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, para “encontrar soluções que atendam à maior parte dos idosos, se não a sua totalidade, nas suas demandas”, explica Jacob. Isto é, permitir que os indivíduos envelheçam com um grau de morbidades menor.

Se antes as pessoas passavam grande parte da sua velhice doentes, hoje há mecanismos para que isso mude e os impactos sejam reduzidos. “Não podemos admitir mais o modelo de envelhecimento onde as pessoas adoecem e ficam limitadas na quinta ou sexta década de vida, tendo uma expectativa de vida média em torno de oito a nove décadas, então eu não posso passar grande parte da minha vida doente”, diz Jacob.

O envelhecimento saudável inclui todas as áreas, não só a da saúde. “O assunto é absolutamente universal”, relata o médico.

Dica do envelhecimento saudável

Qual seriam elas? Antes de tudo, Wilson Jacob lembra que trazer a discussão a público, que sempre foi uma discussão temida, é um passo muito importante. “ [A saúde] Precisa ser cuidada com zelo e com atenção. Todos os problemas que nós acumulamos no transcorrer de nossas vidas nos serão cobrados lá na frente”, diz.

“Quanto mais eu me preocupo com meu envelhecimento saudável, seja dos 30 aos 60 anos de idade, maior a chance que eu tenho de chegar às idades mais avançadas com uma menor carga de doença e uma menor necessidade de medicamentos”, complementa. Ele elenca, ainda, duas dicas valiosas para o envelhecimento saudável: a primeira é querer envelhecer, já que pessoas que não querem estão fadadas a terem uma vida curta. A segunda é preocupar-se com o envelhecimento ainda jovem: se os cuidados começam cedo, muitos problemas podem ser evitados. O segredo da longevidade é o cuidado.

FONTE: Jornal da USP

Exposição a ambiente adverso pode causar efeitos negativos no desenvolvimento embrionário

Especialistas comentam pesquisa que revelou que o processo de envelhecimento está diretamente ligado à programação fetal, que tem a ver com as mudanças ocorridas no feto, ainda no seu período de desenvolvimento, em função do ambiente em que a mãe esteve inserida quando grávida.

Uma pesquisa publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), no ano passado, revelou que o processo de envelhecimento está diretamente ligado à programação fetal, que são as mudanças ocorridas no feto ainda no seu período de desenvolvimento em função do ambiente em que a mãe, enquanto grávida, está inserida.

A partir de análises de amostras de sangue de idosos acima dos 70 anos, as pesquisadoras Lauren L. Schmitz e Valentina Duque descobriram que, especificamente, o período da Grande Depressão dos Estados Unidos teve um impacto na regulação dos processos celulares e moleculares, que ocasionaram uma mudança na função epigenética.

“O epigenoma nada mais é do que sinais que existem no DNA que podem modificar a forma como esse DNA é expresso. Então, através dessas modificações epigenéticas do nosso DNA, ele pode ser ativado ou desligado em determinadas circunstâncias”, explica Gabriela Placoná Diniz, Ph.D. e professora assistente do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

Isso significa que, a depender da mudança ocorrida na função epigenética, certas características podem vir a ser expressas de maneira mais evidente. Gabriela esclarece que “o que eles mostraram nesse estudo é que filhos de mães que foram submetidas a condições econômicas daquela época da Grande Depressão americana tinham um aumento de marcadores epigenéticos associados ao envelhecimento acelerado na idade adulta”. Assim, envelhecem mais rápido que outras pessoas.

A situação do ambiente intrauterino acaba provocando uma alteração conhecida nos seres humanos como metilação do DNA. A sequência genética se mantém e o que ocorre é a metilação (adição de um metil) de um nucleotídeo, a citocina. “Essas modificações podem alterar o processo de divisão celular e a transcrição do DNA, levando a alterações de expressão de determinados genes que são responsáveis pela produção de algumas proteínas que são importantes para o funcionamento do organismo, para o processo de envelhecimento, do metabolismo e até prognóstico de possíveis doenças futuras”, explica Joel Rennó, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Programa Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do IP-USP.

Normalmente, a programação fetal só pode ser notada já na fase adulta. Não é possível  identificar mudanças estruturais no desenvolvimento do feto ainda em gestação, o que em tese impossibilita a tomada de medidas preventivas em relação à saúde do feto.

A Grande Depressão não é o único fator

A exposição a fatores socioeconômicos não é a única responsável pelas alterações epigenéticas de programação fetal. Conforme Rennó, “elas podem acontecer pela exposição intrautero à desnutrição, processos infecciosos e eventos estressores, como, por exemplo, mamães grávidas que de alguma forma foram submetidas às situações como a quebra da Bolsa de Nova York na década de 30, às situações trágicas, ou outros momentos, como o 11 de setembro e o Holocausto”.

A exposição a eventos adversos durante a gravidez também tem mais chance de alterar o tempo de organogênese, que é o processo de formação dos órgãos. Existe, ainda, um período mais sensível de desenvolvimento do feto, o qual, quando exposto a eventos adversos intra e extrauterinos, gera consequências de longa data.

“Essas mudanças podem levar a algumas alterações, sejam elas na esfera clínica, incluindo o processo de senescência mais acelerado ou não, e também até a uma maior vulnerabilidade a quadros psicológicos e psiquiátricos futuros. Mulheres que passam por situações de violência durante a gravidez, de privação socioeconômica, desnutrição, mulheres mais vulneráveis a infecções e outros gatilhos estressores podem, de alguma forma, por esse mecanismo genético, ter crianças que, na fase adulta, sejam mais suscetíveis a quadros psiquiátricos ou mesmo a algumas doenças clínicas”, explica o médico.

Outro aspecto lembrado por Rennó é o da modelagem comportamental, ocorrido no convívio entre pais e filhos. Não está necessariamente associado à genética, mas tem a ver com o fato de crianças presenciarem certos comportamentos de seus pais, como a esquiva fóbica, ansiedade antecipatória ou uma rotina de alto fluxo de atividades e informações que não condizem com a capacidade daquela criança. “Uma mãe deprimida ou uma mãe ansiosa – que tenha determinados comportamentos ou hábitos decorrentes da ansiedade ou da depressão – pode, no vínculo mãe e bebê, influenciar no comportamento e nos hábitos da criança”, exemplifica.

Como podemos contornar essa situação?

As causas da morte encontradas nos idosos – nascidos logo após a época da quebra da Bolsa de Valores de Nova York – que participaram do estudo foram principalmente por desordens metabólicas, ligadas à interrupção do crescimento intrauterino.

Naquela época não havia políticas públicas que minimizassem os impactos dessa recessão econômica para as mães em situação de vulnerabilidade. Não existiam, também, cuidados ou vitaminas pré-natais para as grávidas, ou seja, esses cuidados não foram tomados e todo o estresse foi sentido sem nenhum cuidado pré, durante ou pós-gravidez.

Gabriela Diniz complementa, dizendo que o caminho para evitar esse problema de acontecer novamente, ou desses marcadores intensificarem sua presença, seria “desenvolver políticas que sejam capazes de minimizar as dificuldades financeiras que muitas mães hoje em dia passam e que podem não somente afetar a saúde delas, mas inclusive a saúde dos bebês”.

Por Julia Estanislau

Fonte: Jornal da USP

Como a restrição de sono afeta a saúde das crianças

Diante da restrição de sono, o organismo reage aumentando marcadores inflamatórios, que estão associados a um maior risco de desenvolvimento de vários problemas de saúde.

Crianças entre cinco e sete anos de idade que dormem menos de seis horas por noite têm mais chances de desenvolver problemas cognitivos, comportamentais, doenças do coração e obesidade. Além disso, a restrição de sono e o excesso de gordura corporal podem ser um gatilho para o desenvolvimento de doenças inflamatórias. É o que sugerem resultados de pesquisa realizada na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP com 199 crianças, alunos de escolas públicas e particulares de São Paulo e Fortaleza, no Ceará. O estudo usou como referência o tempo de sono recomendado por faixa etária da National Sleep Foundation, organização norte-americana sem fins lucrativos que promove a compreensão pública sobre os distúrbios do sono.

O objetivo principal do estudo foi investigar a associação entre sono e perfil inflamatório, mediada pela circunferência da cintura em crianças. Foram avaliados o tempo de sono, amostras de sangue e a média da circunferência abdominal. Com os dados em mãos, a pesquisadora realizou análises descritivas, de associação e, adicionalmente, construiu um modelo teórico para avaliar esses parâmetros. As crianças tinham, em média, 5,72 horas (h) de tempo de sono e 59,61 centímetros (cm) de cintura.

Estudos prévios sugerem que a qualidade do sono e a hora irregular de dormir das crianças contribuem para o surgimento de problemas como cognição prejudicada, dificuldades comportamentais (agressão e dificuldades para controlar a emoção), redução de desempenho acadêmico e maior risco de desenvolver obesidade.

Já o excesso de peso altera as funções do sistema imunológico e gera processos inflamatórios crônicos [produção de quimiocinas – pequenas proteínas secretadas pelas células que funcionam como potentes mediadores ou reguladores da inflamação e ativação de glóbulos brancos (leucócitos)] – , que desempenham um papel fundamental na mediação dos estágios de arterosclerose. Estudos também indicam que o risco de desenvolver síndromes coronarianas agudas e outras complicações é definido, em parte, por altos níveis de proteína C-Reativa, uma substância produzida pelo fígado que costuma ter seus níveis aumentados quando o paciente está passando por processos inflamatórios ou infecciosos. “A interrupção do ciclo natural do sono é interpretada pelo organismo como um estresse, que passa a emitir sinais para a produção de marcadores inflamatórios, tais como a proteína C-Reativa (PCR), como resposta ao estresse gerado pela privação de sono”, explica ao Jornal da USP Vanessa Cássia Medeiros de Oliveira, nutricionista e autora da dissertação de mestrado sobre o tema.

O projeto é parte de um estudo maior, denominado Novas fronteiras em saúde nutricional e cardiovascular pediátrica: desenvolvimento de métodos para avaliar a dupla carga da má-nutrição e a saúde cardiovascular ideial em países de baixa-média rendaconhecido como Saycare Cohort Study, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), que avalia a saúde cardiovascular de crianças latino-americanas. Os participantes foram alunos de escolas públicas e privadas de quatro cidades da América do Sul com mais de 500 mil habitantes (Buenos Aires, Argentina; Lima, Peru; Medellín, Colômbia; Fortaleza, São Paulo e Teresina, Brasil).

Vanessa utilizou, então, os dados de base dessa coorte (estudo de acompanhamento de longo prazo) de São Paulo e Fortaleza para realizar sua pesquisa, cuja coleta de dados foi feita entre setembro de 2019 e março de 2020. Segundo o orientador do trabalho, Augusto César F. de Moraes, professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, os resultados da dissertação colocam luz sobre um importante comportamento que muitas vezes negligenciamos, que é a saúde do sono na população, e mais especificamente em crianças, cujos índices mostram que mais de 50% dormem menos que o recomendado para a idade. “Esse dado é preocupante porque se a noite é mal dormida, o corpo não descansa, e para as crianças isso pode ter efeitos nocivos na concentração, no desempenho escolar e na aprendizagem.”

Fases da pesquisa

O primeiro passo de Vanessa foi a realização de uma revisão sistemática da literatura. Foram selecionados 2.724 artigos potencialmente elegíveis, mas apenas cinco atendenderam aos critérios de elegibilidade. O objetivo foi verificar se já existiam informações contundentes sobre a associação entre tempo e qualidade do sono com biomarcadores inflamatórios em crianças e adolescentes, já que essa ligação ainda permanecia incerta.

O tempo de sono não apresentou associação significativa com os biomarcadores inflamatórios, entretanto, a baixa qualidade dele teve associação positiva com o PCR, com baixa magnitude. A associação entre tempo, qualidade do sono e biomarcadores inflamatórios em países de baixa-média renda não trouxe resultados consistentes depois das análises.

A pesquisadora decidiu, assim, acessar os dados disponibilizados pelo Saycare Study referentes às cidades de Fortaleza e São Paulo. Para entender qual era o padrão de sono das crianças e como o organismo se comportava diante dessa variável, foi avaliado, por meio de um questionário, o momento em que a criança acorda, a hora em que ela vai para a cama, o tempo de siesta e a duração do sono noturno. Um acelerômetro (aparelho que mede repouso e movimento) foi preso à cintura dos voluntários por sete dias consecutivos, durante 24 horas. Pais ou responsáveis foram instruídos a não retirar o aparelho e a preencher um diário com as informações solicitadas. Os dados foram considerados válidos quando registrados por, pelo menos, oito horas diárias e três dias (dois na semana e um no fim de semana).

Os participantes foram classificados de acordo com a tabela da National Sleep Foundation (NSF), que recomenda 10 a 13 horas diárias de sono para crianças de três a cinco anos; e de 9 a 11 horas para crianças de seis a 13 anos. O tempo apropriado foi fixado entre 8 e 12 horas.

As variáveis antropométricas foram medidas de acordo com a padronização recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), nesta ordem: peso, altura, circunferência da cintura, do quadril, do pescoço e dobras cutâneas (bíceps, tríceps, subescápulas (músculo do ombro) e dobra cutânea supra-ilíaca. Todas as médias foram realizadas com o mínimo de roupas possível e sem sapatos.

Resultados

Os valores de proteína C-Reativa encontrados nos exames de sangue foram em torno de 1,0 mg/L (um miligrama por litro), acima do valor de referência, que é abaixo de 0,3mg/L. A média de tempo de sono rastreado pelo acelerômetro foi de menos de seis horas (5,72 h), contrapondo o recomendado pela NSF, que é de 9 a 11 horas para a faixa etária investigada no estudo.

Sobre a medida da cintura, o valor médio encontrado foi de 59 centímetros. Acima desse valor, as chances de desenvolver doenças metabólicas (como diabete e doenças coronarianas) são grandes, descreve a pesquisa.

Segundo a autora, foi possível fazer a associação entre o tempo de sono aferido pelo acelerômetro e o perfil inflamatório medido pelo PCR. Esses dois fatores são mediados pela circunferência da cintura. O tamanho alterado, principalmente em crianças, está associado a eventos cardiovasculares adversos aumentando em três vezes a taxa de mortalidade quando comparados a pessoas com peso normal.

O diagnóstico de obesidade abdominal aferida pela circunferência da cintura está associado a um perfil de risco mais aterogênico (colesterol que pode se acumular nas artérias, formar placas e causar estreitamento e bloqueio de vasos sanguíneos), porque aumenta os fatores de risco cardiometabólicos (perfil lipídico, hipertensão sistólica e glicemia de jejum anormal), tanto em crianças quanto em adolescentes.

Sono

O sono é fundamental para o bom funcionamento das vias endócrinas, metabólicas e imunológicas do nosso corpo. “É durante o sono noturno que são restaurados todos os processos bioquímicos e hormonais do organismo e, no caso das crianças, é um momento de muita atividade celular porque eles estão no auge de seu desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.
“Quando se dorme pouco ou além do que é recomendado, toda a cascata fisiológica e bioquímica do nosso corpo é afetada, alterando o nosso relógio biológico interno, que está alinhado ao ciclo circadiano de 24 horas”, diz a pesquisadora.
O ciclo circadiano é o ritmo natural do próprio corpo, que dura as 24 horas do dia e que regula atividades e processos biológicos, que vão desde o metabolismo até os períodos de sono e vigília. Quando anoitece, nosso corpo começa a produzir melatonina, o hormônio do sono. Ao amanhecer, libera outro tipo de hormônio, o cortisol, para que despertemos.

Recomendação de horas de sono por faixa etária

Segundo a National Sleep Foundation, os tempos de sono são divididos em nove faixas etárias. Entretanto, dormir uma hora a mais ou a menos do que a o recomendado é aceitável e não traz prejuízo a ninguém. As horas recomendadas são as seguintes:

FAIXA ETÁRIA HORAS DE SONO RECOMENDADAS
0-3 meses 14-17 horas
4-11 meses 12-15 horas
1-2 anos 11-14 horas
3-5 anos 10-13 horas
6-13 anos 9-11 horas
14-17 anos 8-10 horas
18-25 anos 7-9 horas
26-64 anos 7-9 horas
65 anos ou mais 7-8 horas

A dissertação de mestrado de Vanessa de Oliveira Associação entre tempo de sono e perfil inflamatório em crianças sul-americanas contou com a orientação do professor Augusto César Ferreira de Moraes, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.

Mais informações: e-mail vanessacnutricionista@gmail.com, com Vanessa Cássia Medeiros de Oliveira

Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Rebeca Fonseca

FONTE: Jornal da USP

Se válido, testamento vital não pode ser contestado pela família

O testamento vital procura cumprir os desejos das pessoas, quando estas estão com doenças terminais e não têm mais condições de saúde. Criado nos Estados Unidos na década de 1960, só chegou ao Brasil em 2012. Levantamento do Colégio Notarial do Brasil mostra que cresceu o número de solicitações de testamentos vitais em nove anos. As DAV, como são conhecidas as Diretivas Antecipadas de Vontade, apresentaram um aumento de 235% em todo o País. São Paulo foi a cidade com mais solicitações, passando de 62 lavramentos em 2012 para 586 em 2021, uma alta de 845%.

José Luiz Gavião de Almeida, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP, explica que “esse instrumento foi criado para que as pessoas pudessem adoecer, decidir a respeito de uma morte sem dor, evitando aqueles tratamentos recessivos que às vezes acabam levando à pessoa um sofrimento muito grande”. No Brasil, não existe nenhuma lei tratando do Testamento Vital, então ele é uma espécie das chamadas Tratativas Antecipativas de Vontade, nas quais a pessoa trata do que ela quer que seja feito amanhã. Essas tratativas podem ser um Testamento Vital sobre o qual normalmente a pessoa vai decidir o tratamento da sua saúde ou um mandato duradouro em que a pessoa nomeia alguém para decidir por ela quando não tiver mais condições.

Decisão antes da morte

Segundo o professor Gavião, “teoricamente” esses dois documentos são  inaplicáveis no Brasil. “O testamento é um instrumento pelo qual eu decido alguma coisa e a validade dele é para depois da minha morte. O testamento vital é quando é decidido alguma coisa antes da minha morte. Em um momento em que eu não tenho mais consciência para decidir, mas antes da morte. O testamento é para depois da minha morte. O mandato duradouro também não seria difícil de ser aplicado no Brasil, porque também é um instrumento em que eu nomeio alguém para decidir por mim, mas ele só vale enquanto eu esteja vivo ou em plena consciência. No momento em que eu perca a minha capacidade, a minha consciência de decidir, o mandato também desaparece.” Por não ser proibido, algumas pessoas acreditam que tanto o testamento vital quanto o mandato duradouro têm validade no País. O professor Gavião explica que, no Direito brasileiro, quando não existe uma obrigatoriedade escrita na lei de uma determinada forma, qualquer forma pode ser utilizada para o ato. Assim, se isso fosse aplicado ao testamento vital, um escrito público, particular e até oral serviria. Um escrito público seria muito mais seguro, em termos de poder ser utilizado, porque um instrumento particular como o papel poderia ser perdido. Então, ele é mais seguro do que qualquer outro porque ficaria no cartório e poderia ser acessado a qualquer momento.

Revogação a qualquer momento

O testamento vital não tem prazo de validade, mas pode ser revogado a qualquer instante. Assim, a própria pessoa pode colocar uma cláusula informando que ele é irrevogável. Como não existe na lei uma determinação de como ele deve ser feito, ele é livre. Ele pode ser feito de forma oral ou escrita em casa, em um papel onde a pessoa coloca suas vontades, então não há a necessidade de ser produzido por um  advogado.

Não existe nenhuma lei a respeito do assunto, mas há a resolução n°1995/2012 do Conselho Federal de Medicina relacionada ao tema, como destaca o professor. “Ela não é lei, portanto não é obrigatória, mas ela determina aos médicos que cumpram essas diretivas antecipativas de vontade sob pena de descumprimento das regras do Conselho Federal de Medicina, mas são só regras de ordem profissional.” No caso dos familiares, se o testamento vital for reconhecido como válido, não é possível sua contestação. Ele só poderia ser contestado em relação à própria validade do ato. “A família poderia dizer que, quando ele foi feito, a pessoa já não estava, por exemplo, em plenas condições de entender o que estava fazendo. Aí então o ato vai ser invalidado”, explica o professor.

FONTE: Jornal da USP

Conheça os LARCs, métodos contraceptivos reversíveis de longa ação

Os métodos contraceptivos reversíveis de longa ação, conhecidos como LARCs, têm potencial para mudar o atual cenário da gravidez indesejada no País. Segundo os especialistas, são métodos de alta eficácia que podem diminuir o problema, principalmente nos grupos de mulheres mais vulneráveis, como as adolescentes e as de baixa renda. Para isso, é preciso levar informação de qualidade às brasileiras e facilitar o acesso aos métodos que ainda têm custo elevado.

O baixo número de mulheres brasileiras usando os LARCS pode ajudar a explicar a diferença nos índices de gravidez não planejada entre Brasil e Reino Unido. Enquanto mais da metade das brasileiras já tiveram gravidez indesejada, segundo a pesquisa Nascer no Brasil, desenvolvida pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, no Reino Unido, esse índice é de 16%, conforme pesquisa do National Health Service.

O médico especialista Silvio Franceschini, da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, conta que o Brasil tem “em torno de 5,5% de mulheres usando LARCs, enquanto no Reino Unido são 31% das mulheres usando esses métodos”, o que, segundo o médico, mostra a grande diferença com relação à quantidade de gravidez indesejada onde o uso do LARC é mais difundido e acessível.

No Brasil, as mulheres ainda escolhem métodos mais tradicionais, em especial pela falta de conhecimento sobre outros métodos, como os LARCs. “A Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, realizada pelo IBGE, avaliou o uso de métodos anticoncepcionais entre mulheres de 15 a 49 anos; 40% usavam pílula; 20% usavam camisinha e 17% realizaram a  laqueadura tubária”, esclarece Erciliene Moraes Martins Yamaguti, médica associada do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto.

Além da falta de informação sobre esses métodos, é preciso ampliar os programas de acesso nos municípios, Estados e até mesmo de forma nacional. No Sistema Único de Saúde, apenas o DIU de cobre está disponível em todo o território. O que existe em alguns municípios são programas de acesso, como em Ribeirão Preto, onde “as pacientes vulneráveis têm acesso ao implante subdérmico, alguns grupos têm acesso ao DIU hormonal também, isso acaba mudando a realidade do município”, conta Erciliene.

Mas o que são os LARCs, métodos contraceptivos reversíveis?

A sigla LARC vem do inglês, long-acting reversible contraceptives, na tradução: métodos reversíveis de longa ação. Esses métodos têm a duração de pelo menos três anos, e nesse rol se enquadram o DIU de cobre e hormonal e o implante contraceptivo subdérmico. Esses métodos são altamente eficazes, pois “têm o uso típico e o uso ideal muito parecidos, porque não dependem da memória da paciente”, conta Franceschini.

Ao comentar sobre a taxa de falha desses métodos, a médica Erciliene informa que “o DIU de cobre tem uma taxa de falha de 0,8%, de 100 pacientes, oito engravidam; já no DIU hormonal, a taxa é de 0,2%, ou seja, de 100 pacientes, duas engravidam, e o implante hormonal subdérmico é ainda mais eficaz, com a taxa de falha de apenas 0,05%, ou seja, cinco mulheres engravidam entre 10 mil usuárias”.

Barreiras de acesso ao uso dos LARCs

Apesar do alto índice de eficácia, esses métodos apresentam algumas barreiras de acesso que dificultam maior uso entre as mulheres no Brasil. A primeira dificuldade é a falta de conhecimento, “as pacientes têm pouca informação sobre os métodos contraceptivos”, conta Erciliene.

A segunda barreira está relacionada ao alto custo desses métodos. “O DIU de cobre, se a gente fosse comprar, é vendido por volta de RS$ 150; o DIU hormonal e o implante subdérmico, por volta de R$ 1.000, além das despesas para inserir os dispositivos na mulher,” comenta a médica especialista. Essa barreira é ainda maior para aquelas pacientes vulneráveis e de baixa renda.

Por fim, Erciliene aponta ainda a falta de capacitação profissional. No mercado existem muitos profissionais que não recebem o treinamento para inserir esses métodos, além daqueles médicos que passam informações incompletas para as pacientes, as desencorajando. “A gente precisa orientar, mas é a paciente que decide, ela tem autonomia na decisão”, conta Erciliene.

FONTE: Jornal da USP

Doação de órgãos: recusa da família ainda é obstáculo

O Hospital das Clínicas, que está promovendo campanha de conscientização sobre a importância da doação de órgãos, quer mudar uma realidade que apresenta dados como os de que 67% das pessoas desejam doar, mas apenas 52% expressam a suas famílias.

No dia 27 deste mês é comemorado o Dia Nacional da Doação de Órgãos. Muito importante e responsável por salvar a vida de milhares de pessoas, a doação de órgãos ainda sofre com a desinformação, medo e negação de familiares ao desejo do parente morto.

Segundo pesquisa realizada no ano passado pelo Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig), 67% dos entrevistados querem doar seus órgãos, mas 52% não avisaram os parentes. Dentre os consultados, 26% tinham motivos indefinidos para não doar seus órgãos, 12% ficam com medo do corpo ficar deformado e 11% têm medo de assuntos relacionados à morte.

Não há no Brasil legislação que garanta que a doação de órgão aconteça apenas pela manifestação de desejo do paciente falecido, de forma que, mesmo que expressa, a decisão final ainda é da família. Assim, a conversa entre as partes é fundamental. “Hoje não adianta deixar nada por escrito, não adianta deixar documento, não adianta ter no RG.(…) Isso tem que ser conversado antes, eu acho que essa é uma das principais limitações: a família, muitas vezes, não sabe o desejo dessa pessoa em doar”, lembra a hepatologista coordenadora clínica de Transplante Hepático do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, Débora Terrabuio.

“Quem lidera a lista de espera é justamente o rim. Hoje, na área em que eu trabalho, nós temos mais de 1.200 pacientes esperando um fígado”, diz a doutora. Também explica que não há mutilação do corpo e que a cirurgia para a retirada dos tecidos e órgãos é como qualquer outra, ou seja, não há prejuízos: “O corpo não é mutilado no processo de doação de órgãos, ele é feito por uma cirurgia que segue todas as regras de uma cirurgia convencional. Não há nenhum prejuízo nem para a pessoa que doa, nem para a família que autorizou a doação”.

Como é o processo de doação de órgãos?

“Qualquer pessoa de qualquer idade pode doar e a contraindicação da doação conforme uma comorbidade que a pessoa apresente fica a critério da equipe médica que vai escolher o órgão”, explica Débora. Para se doar órgãos ainda em vida aos parentes é necessário ser maior de idade e, quando morta, apenas após a morte encefálica ser decretada. Caso a doação seja feita para alguém de fora da família, será por meio de decisão judicial e deve haver, sem exceções, compatibilidade sanguínea e chance de sucesso.

O País é, atualmente, o segundo que mais realiza transplantes e fica atrás apenas dos Estados Unidos. Porém, segundo dados de junho da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, 51.674 pessoas aguardam na fila de espera. A fila única, definida pela Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de cada Estado e controlada pelo Sistema Nacional de Transplantes, define quem ganha o órgão.

Diferentemente do que se espera do nome, a fila única não funciona por ordem, mas sim pela compatibilidade do doador com aquele que receberá o órgão. Uma série de exames e a própria disponibilidade do paciente são levados em conta, o que faz com que alguém que esteja esperando há muito tempo não realize o transplante.

Todo o processo tem que ser rápido. “A maioria dos órgãos tolera o tempo máximo fora do organismo, entre sair dos doadores e ser colocado no receptor, de 6 a 8 horas. É uma corrida contra o tempo entre captar o órgão e implantar esse órgão na pessoa que está aguardando na lista”, complementa.

 Como desmistificar a morte?

A recusa da família e a mistificação da morte são aspectos que empacam a doação dos órgãos. O procedimento é cercado por dúvidas e muitos não sabem ao certo como ocorre e, ao se tratar de um ente falecido, isso se torna ainda mais difícil: “Para o transplante acontecer, o primeiro passo é a doação da família”, ressalta a hepatologista.

“A gente vê a vida continuar. É muito, muito alegre esse momento, a gente fica muito feliz de ver quando as coisas dão certo e como os pacientes melhoram de vida, como eles passam a ter uma vida normal e como eles são gratos às famílias que doaram”, finaliza a doutora. Após o transplante, uma vida é salva e órgãos que estão em boas condições não são desperdiçados.

A campanha de conscientização do público acerca da doação de órgãos conta com apoio dos transplantados e o Hospital das Clínicas convida a uma discussão para desmistificar a morte e a doação de órgãos.

FONTE: Jornal da USP

Obesidade infantil e saúde do feto viram objeto de estudo

Projeto da Faculdade de Saúde Pública se pauta no estudo sobre o estado nutricional das Obesidade infantil, ainda durante a gestação, e correlaciona a obesidade infantil com fatores genéticos advindos da mãe e do ambiente

Projeto Coorte sobre estado nutricional de crianças da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP – USP) avalia fatores genéticos e ambientais na instalação precoce da obesidade desde a fase uterina. A professora Patrícia Helen Rondo, coordenadora do projeto de pesquisa, salienta que a importância do estudo está relacionada à questão sobre a obesidade ser uma pandemia que atinge não apenas a população adulta como também as crianças, e as consequências relacionadas ao sobrepeso.

Os estudos sobre as causas da obesidade na fase uterina concentraram-se no objetivo de entender a formação da adipogênese, ou massa gorda, em crianças. A avaliação foi feita no segundo trimestre da gestação, com 2 mil gestantes, na cidade de Araraquara, em 2017 e, a partir dela, também foi possível observar a relação com a mãe e com fatores genéticos e ambientais.

Com um acompanhamento a longo prazo, foi possível identificar essa relação entre o índice de massa corporal pré-gestacional das mães, que está ligado ao ganho de peso durante a gestação, e o seu perfil glicêmico. Patrícia explica que isso ocorre porque a avaliação é feita no período gestacional e no neonatal, a partir da expressão gênica e do metabolismo lipídico do bebê, por meio do cordão umbilical. E adiciona: “Estamos tentando entender, através de mecanismos filogenéticos e de expressão gênica que estão relacionados com a formação da massa gorda já na vida fetal”.

Justamente por avaliar a composição corporal do feto e sua relação com a mãe, ao invés de pautar-se no tamanho e peso do bebê, o estudo traz uma relevância inédita. No que diz respeito à gestante, também buscou entender o porquê da maioria delas sofrer com a retenção de peso no período pós-parto e a predisposição a doenças crônicas.

Doenças crônicas 

O estudo também tem como objetivo estudar a relação do sobrepeso infantil com a predisposição a doenças crônicas em crianças. Correlacionando a fatores maternos genéticos, a professora explica que, a partir dele, seria possível observar o risco a que o bebê estaria sujeito. “Não só saber quais são os fatores maternos genéticos relacionados com essa massa gorda do bebê, mas que risco esse bebê pode ter futuramente”, complementa.

Em relação à saúde materna, a professora chama atenção para os processos posteriores ao pré-natal e à gestação em si. Para ela, o período puerpério acaba recebendo uma menor atenção, mesmo sendo de “extrema importância”, pois é nesse intervalo que a mãe irá recuperar o peso e amamentará.

FONTE: Jornal da USP