Doação de órgãos: incentivo e conscientização da família são fundamentais para salvar vidas

No mês que vem, inicia-se o Setembro Verde, período de conscientização e incentivo à doação de órgãos. A campanha tem como objetivo enfatizar a importância da doação, considerando que um único doador pode salvar a vida de várias pessoas — já que é possível doar mais de um órgão e diferentes tecidos.

Apesar da importância da ação, as filas de espera para receber um órgão ainda são longas no País e a taxa de recusa das famílias segue elevada — cerca de 44%. Débora Terrabuio, médica hepatologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP), explica que o mês representa um período de conscientização, mas que a campanha é permanente.

Melhorias

O Brasil conta com uma central nacional no Ministério da Saúde (MS), 27 centrais estaduais, 650 hospitais, mais de 1.250 serviços e 1.660 equipes de transplante habilitadas, dessa forma, observa-se que o País apresenta uma boa estrutura para atender à população. Débora Terrabuio comenta que o que falta é apostar no diálogo com as pessoas, já que quem autoriza a doação é a família. “A família é abordada no momento em que ela perdeu o ente mais querido, então existe um tabu de não se conversar sobre a morte em vida”, comenta.

A falta de discussões sobre esse tópico, portanto, forma o alto índice de recusa da doação. Além disso, a especialista explica que existem muitos mitos associados à doação de órgãos, como a confusão que é feita entre a morte encefálica e o coma, juntamente com a crença de que, com a doação, o corpo ficaria desfigurado e esse fator poderia retardar o velório do indivíduo. Dessa forma, a conscientização acerca da temática é importante, uma vez que, para algumas pessoas, o órgão a ser doado é vital para a sobrevivência.

Tempo de espera

O tempo de espera é outro aspecto importante para esse debate e ele costuma variar pela ordem de gravidade dos pacientes; assim, quanto mais grave pela escala Meld, mais rápido ele transplanta. Aspectos como o estado e o tipo sanguíneo também afetam esse período. Segundo Débora, nos melhores cenários, o período de espera dura cerca de dez meses.

Nos casos do transplante de fígado, por exemplo, a mortalidade de pacientes que estão na fila é de cerca de 15%, valor que pode variar e costuma aumentar dependendo da necessidade do paciente. Atualmente, a lista para os transplantes é única e funciona nacionalmente, com isso, os pacientes são alocados dependendo de algumas prioridades definidas previamente. Existem também algumas listas locais que são utilizadas nos casos de menor gravidade.

Ponto-chave

A conversa com as famílias e o apelo por campanhas de conscientização parecem ser, portanto, os pontos mais importantes nesse debate. Por esse motivo, os profissionais da área são treinados para lidar com a situação delicada pela qual os familiares do paciente estão passando.

Débora destaca ainda que muitas pessoas não conhecem a importância da doação de órgãos, por isso, é necessário conversar com a sociedade sobre a importância desse tema e destacar a seriedade que envolve todo o processo. “É importante conversar sobre isso não só em setembro, mas em todos os meses do ano”, destaca a médica.

Por fim, a decisão sobre os órgãos que serão doados é feita após o preenchimento de uma ficha que conta com dados clínicos, exames físicos e exames sanguíneos, para então ser passada para o serviço de transplante que irá avaliar as condições do órgão e a compatibilidade relacionada aos pacientes da fila de espera.

*Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Por dentro do coração: pesquisa busca entender recusa familiar na doação de órgãos

Estigma, falta de preparo da equipe médica e o processo de luto dos familiares podem ser fatores que dificultam a doação de órgãos

De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), a fila de espera por um órgão no Brasil ultrapassa 50 mil pessoas. O dado é preocupante, principalmente quando alinhado ao aumento do percentual de recusas em doar, que atingiu 47% em 2022. Frente a isso, pesquisa da Escola de Enfermagem (EE) da USP analisa o contexto envolvido na recusa familiar, o que pode ajudar a traçar estratégias para reverter o quadro.

No artigo Family Refusal of Heart Valve Donation, publicado na revista Transplantation Proceedings, foi estudada especificamente a recusa do donativo das válvulas cardíacas – responsáveis por controlar o fluxo de sangue e participar do seu processo de bombeamento para o corpo. Para a pesquisa, foi consultado um banco de dados do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) com termos de autorização familiares de doação de órgãos e tecidos.

Entre os anos de 2001 a 2020, 236 pessoas (9,65% do total apurado) recusaram doar as válvulas cardíacas de seus entes queridos. “Nós buscamos investigar se a idade, o tipo da instituição e a razão do óbito eram fatores influentes na decisão da família e se existe uma relação entre os períodos de tempo. Para isso, realizamos alguns testes estatísticos para avaliar o aumento ou a redução da recusa ao longo dos  anos”, explica Rafael Pimentel, doutorando em Gerenciamento de Enfermagem na EEUSP,  ao Jornal da USP.

Os pesquisadores apontaram um perfil entre o grupo de recusa: a maioria dos pacientes tinha entre 41 a 59 anos e estava em instituições privadas. Baseado em relatos que ouviu das famílias, o pesquisador acredita que o simbolismo social do coração e o apego da família ao corpo podem ser possíveis motivos por trás das negativas. “Pode ser que os familiares tenham algum desejo de preservação do corpo, além do próprio significado do órgão. Com a remoção da válvula o coração seria ‘violado’, sendo que o lugar é vinculado ao amor e ao afeto.”

Abordagem médica

A doação de órgãos pode ser feita em vida ou após o diagnóstico de morte encefálica – quando ocorre a ausência de funções neurológicas e o quadro se torna irreversível. No último caso, a escolha de quais órgãos serão doados fica a cargo da família ou cônjuge do paciente. Ou seja, é possível escolher o que será doado e o que não será. Nesse caso, Pimentel frisa a importância de uma equipe médica bem preparada para lidar com delicadeza e conversar com os familiares.

“Essa perspectiva de ‘violação’ é muito baseada nessa representação social por falta de conhecimento sobre o funcionamento do processo, até mesmo por um déficit de informações que o profissional deveria fornecer no momento da entrevista familiar. Essa deve ser uma conversa de esclarecimento e oferecimento da oportunidade de lidar com o luto”, propõe o pesquisador. Atualmente, não existem protocolos oficiais para a abordagem dos familiares do paciente.

Contudo, há uma legislação reguladora, que orienta o trabalho da equipe médica e do ambiente hospitalar: conhecida como a “Lei dos Transplantes”, de 18 de outubro de 2017. Além disso, existe o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), administrado pelo Ministério da Saúde, que é considerado o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo.

Considerando a atuação do programa concisa, Pimentel avalia que seria preciso expandir o programa para diferentes áreas e traçar estratégias para melhorar cada vez mais o atendimento médico. “Melhorar a entrevista implicaria em menos familiares dizendo ‘não’. Nós precisamos investir em um plano nacional de capacitação desses profissionais o quanto antes.”

O projeto de lei (PL) 2839/2019, intitulado Lei Tatiane, busca a inserção de matérias e programas de ensino sobre a doação e o Transplante de Órgãos na grade curricular escolar e universitária. O PL, que aguarda por votação no Senado, leva o nome de Tatiane Penhalosa, que faleceu aos 32 anos esperando por um transplante de coração. Ela permaneceu na fila por dois anos, mas não resistiu à espera.

A fila de espera por transplantes no Brasil cresceu 30,45% após o período pandêmico, segundo dados da ABTO. A doação de órgãos é uma ação fundamental para o sistema de saúde: um doador pode beneficiar múltiplas pessoas, que por sua vez, podem retomar suas vidas. Muitas doenças crônicas podem ser tratadas apenas por meio de um transplante, esgotadas todas as opções de tratamento. Podem ser transplantados rins, fígado, coração, pâncreas e pulmões, além de tecidos como as córneas, válvulas cardíacas, vasos sanguíneos, e até mesmo segmentos de osso.

“Agora é preciso retomar os esforços para reduzir essa fila de espera, otimizando os recursos de saúde. Se otimizarmos o processo de doação nós reduzimos os recursos familiares gastos com o paciente em morte encefálica e aumentamos a qualidade no cuidado com o paciente”, afirma o pesquisador.

Pimentel ainda destaca que o processo de doação pode ser uma alternativa para a família enfrentar o luto e ressignificar a vivência da perda de seu ente querido. “O mais importante não é só doar ou não doar, mas a família entender que aquilo é uma oportunidade de transformação. Hoje a gente ainda não tem uma cultura doadora fortalecida no País, já que ainda existe um estigma muito grande e uma dificuldade em lidar com a morte. Porém, essa conversa é muito importante e precisa adentrar os lares brasileiros.”

Mais informações: e-mail rafaelpimentel@usp.br, com Rafael Rodrigo da Silva Pimentel

*Sob supervisão de Fabiana Mariz e Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP

Doação de órgãos: recusa da família ainda é obstáculo

O Hospital das Clínicas, que está promovendo campanha de conscientização sobre a importância da doação de órgãos, quer mudar uma realidade que apresenta dados como os de que 67% das pessoas desejam doar, mas apenas 52% expressam a suas famílias.

No dia 27 deste mês é comemorado o Dia Nacional da Doação de Órgãos. Muito importante e responsável por salvar a vida de milhares de pessoas, a doação de órgãos ainda sofre com a desinformação, medo e negação de familiares ao desejo do parente morto.

Segundo pesquisa realizada no ano passado pelo Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig), 67% dos entrevistados querem doar seus órgãos, mas 52% não avisaram os parentes. Dentre os consultados, 26% tinham motivos indefinidos para não doar seus órgãos, 12% ficam com medo do corpo ficar deformado e 11% têm medo de assuntos relacionados à morte.

Não há no Brasil legislação que garanta que a doação de órgão aconteça apenas pela manifestação de desejo do paciente falecido, de forma que, mesmo que expressa, a decisão final ainda é da família. Assim, a conversa entre as partes é fundamental. “Hoje não adianta deixar nada por escrito, não adianta deixar documento, não adianta ter no RG.(…) Isso tem que ser conversado antes, eu acho que essa é uma das principais limitações: a família, muitas vezes, não sabe o desejo dessa pessoa em doar”, lembra a hepatologista coordenadora clínica de Transplante Hepático do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, Débora Terrabuio.

“Quem lidera a lista de espera é justamente o rim. Hoje, na área em que eu trabalho, nós temos mais de 1.200 pacientes esperando um fígado”, diz a doutora. Também explica que não há mutilação do corpo e que a cirurgia para a retirada dos tecidos e órgãos é como qualquer outra, ou seja, não há prejuízos: “O corpo não é mutilado no processo de doação de órgãos, ele é feito por uma cirurgia que segue todas as regras de uma cirurgia convencional. Não há nenhum prejuízo nem para a pessoa que doa, nem para a família que autorizou a doação”.

Como é o processo de doação de órgãos?

“Qualquer pessoa de qualquer idade pode doar e a contraindicação da doação conforme uma comorbidade que a pessoa apresente fica a critério da equipe médica que vai escolher o órgão”, explica Débora. Para se doar órgãos ainda em vida aos parentes é necessário ser maior de idade e, quando morta, apenas após a morte encefálica ser decretada. Caso a doação seja feita para alguém de fora da família, será por meio de decisão judicial e deve haver, sem exceções, compatibilidade sanguínea e chance de sucesso.

O País é, atualmente, o segundo que mais realiza transplantes e fica atrás apenas dos Estados Unidos. Porém, segundo dados de junho da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, 51.674 pessoas aguardam na fila de espera. A fila única, definida pela Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de cada Estado e controlada pelo Sistema Nacional de Transplantes, define quem ganha o órgão.

Diferentemente do que se espera do nome, a fila única não funciona por ordem, mas sim pela compatibilidade do doador com aquele que receberá o órgão. Uma série de exames e a própria disponibilidade do paciente são levados em conta, o que faz com que alguém que esteja esperando há muito tempo não realize o transplante.

Todo o processo tem que ser rápido. “A maioria dos órgãos tolera o tempo máximo fora do organismo, entre sair dos doadores e ser colocado no receptor, de 6 a 8 horas. É uma corrida contra o tempo entre captar o órgão e implantar esse órgão na pessoa que está aguardando na lista”, complementa.

 Como desmistificar a morte?

A recusa da família e a mistificação da morte são aspectos que empacam a doação dos órgãos. O procedimento é cercado por dúvidas e muitos não sabem ao certo como ocorre e, ao se tratar de um ente falecido, isso se torna ainda mais difícil: “Para o transplante acontecer, o primeiro passo é a doação da família”, ressalta a hepatologista.

“A gente vê a vida continuar. É muito, muito alegre esse momento, a gente fica muito feliz de ver quando as coisas dão certo e como os pacientes melhoram de vida, como eles passam a ter uma vida normal e como eles são gratos às famílias que doaram”, finaliza a doutora. Após o transplante, uma vida é salva e órgãos que estão em boas condições não são desperdiçados.

A campanha de conscientização do público acerca da doação de órgãos conta com apoio dos transplantados e o Hospital das Clínicas convida a uma discussão para desmistificar a morte e a doação de órgãos.

FONTE: Jornal da USP