Testes revelam resistência de bactéria causadora de diarreia

Análise dos genes da bactéria Campylobacter coli, causadora de diarreia em seres humanos, revela que o micro-organismo pode resistir ao controle da proliferação em alimentos, uma das principais fontes de contaminação. A conclusão é de pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP. O estudo foi realizado com bactérias coletadas em seres humanos, animais, alimentos e ambiente nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Ribeirão Preto. Os resultados poderão servir para nortear estratégias de prevenção da contaminação, inclusive no preparo de alimentos.

“A doença decorrente da infecção por bactérias do gênero Campylobacter é uma zoonose de distribuição mundial com repercussões significativas em termos de saúde pública e com um elevado impacto socioeconômico”, afirma a professora Juliana Pfrimer Falcão, da FCFRP, que orientou a pesquisa de doutorado de Carolina Nogueira Gomes. “Usualmente, esse gênero de bactérias causa gastroenterite (diarreia)”.

A campilobacteriose é clinicamente indistinguível das infecções causadas por outros micro-organismos, como Salmonella e Shigella, por exemplo. “A principal rota de transmissão de Campylobacter, especificamente das espécies Campylobacter coli e Campylobacter jejuni, para seres humanos, é a manipulação e o consumo de carne de frango malcozida”, relata a professora, “atividades em águas recreacionais, contato com animais portadores, incluindo animais de estimação, e consumo de leite não pasteurizado”.

As linhagens de Campylobacter coli estudadas são provenientes das coleções de Campylobacter (CCAMP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e do Instituto Adolfo Lutz (IAL) de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. “Elas foram isoladas de seres humanos, animais, alimentos e ambiente nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte (Minas Gerais) e Ribeirão Preto, no período de 1995 a 2011”, afirma Juliana.

Placa com colônia da bactéria Campylobacter coli cultivada em laboratório para estudos sobre sua resistência a condições de estresse – Foto: cedida pela pesquisadora


Virulência

As amostras foram analisadas quanto a presença de 16 genes relacionados a virulência e foi avaliada a sobrevivência dessas linhagens após a exposição a diferentes condições de estresse, tais como: flutuação de temperatura, tolerância de presença de 7,5% de coleto de sódio (NaCl) e sobrevivência ao estresse ácido e oxidativo. “A exposição da bactéria a condições de estresse tem como objetivo imitar as etapas de processamento de alimentos, a transmissão do ambiente para o hospedeiro humano e a sobrevivência durante a infecção”, conta Carolina.

Os resultados demonstraram que a sobrevivência frente a diferentes condições de estresse é uma característica dependente da linhagem da bactéria. “Entretanto, as altas taxas de crescimento e sobrevivência das linhagens estudadas são resultados importantes, pois demonstram que essas linhagens não teriam seu crescimento inibido por algumas das medidas de controle de crescimento bacteriano utilizadas em alimentos”, aponta a pesquisadora. “Assim, além dos dados caracterizarem as linhagens circulantes no Brasil, eles podem servir para nortear estratégias de prevenção da contaminação por Campylobacter.

De acordo com Juliana e Carolina, as principais formas de evitar a contaminação pela bactéria são lavagem das mãos antes, durante e após o preparo de alimentos e depois de tocar em animais, seus alimentos ou pertences. “Tábuas de corte e facas utilizadas no preparo de carnes, frango e frutos do mar devem ser usadas separadamente dos demais alimentos e higienizadas corretamente”, explica a professora. “Os alimentos devem ser cozidos na temperatura adequada e não se deve consumir leite não pasteurizado e água não tratada.”

 

 

O estudo teve a colaboração da pesquisadora Marta Inês Cazentini Medeiros, do IAL de Ribeirão Preto, e da pesquisadora Sheila da Silva Duque, da Fiocruz, que concederam as linhagens utilizadas nesse trabalho. Além disso, a professora Fátima Maria Helena da Silva auxiliou na realização das análises estatísticas.

Mais informações: e-mail jufalcao@fcfrp.usp.br, com a professora Juliana Pfirmer Falcão

FONTE: Jornal da USP

Bactéria encontrada no mangue produz matéria-prima para plástico biodegradável

Identificada nas águas do mangue de Cubatão, na Baixada Santista, a bactéria Methylopila oligotropha produz grãos de um material biodegradável, chamado de PHAs, para armazenar energia, com propriedades similares a alguns tipos de plásticos, como a maleabilidade, o que viabilizaria seu uso em grande escala como matéria-prima para substituir plásticos derivados do petróleo, reduzindo a poluição ambiental – Fotos: Cedidas pela pesquisadora

Com propriedades similares a alguns tipos de plásticos, material tem potencial para substituir derivados do petróleo e reduzir poluição ambiental.

Nas águas do mangue da Baixada Santista existe uma bactéria chamada Methylopila oligotropha que, para acumular energia, produz grãos microscópicos de reserva na forma de poli-hidroxialcanoatos, ou simplesmente PHAs, um material biodegradável com propriedades similares a alguns tipos de plásticos. Em pesquisa do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia da USP, a bactéria foi isolada e cultivada para avaliar o potencial da produção de PHAs em grande escala, a fim de ser usados como matéria-prima nas indústrias, com o objetivo de substituir os plásticos produzidos a partir do petróleo, de forma a reduzir a poluição ambiental. O estudo teve apoio do Research Center for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), centro de pesquisa em engenharia sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP que reúne pesquisadores de diversas instituições nacionais e estrangeiras.

“Os PHAs são atraentes comercialmente pela possibilidade de serem substitutos para os derivados do petróleo, pois possuem propriedades similares a vários termoplásticos e elastômeros”, aponta ao Jornal da USP a professora Elen Aquino Perpétuo, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista, que coordenou a pesquisa. Os elastômeros e termoplásticos são dois tipos de plásticos que podem ser moldados e transformados por meio de processos de injeção, extrusão e sopro, de acordo com a temperatura em que são aquecidos. “A variabilidade da composição dos PHAs determina suas propriedades mecânicas e permite seu uso em diversas aplicações, como na produção de biopolímeros, usados nas áreas de farmácia e medicina para confecção de suturas, implantes e fixações ósseas, sendo absorvidos pelo organismo na mesma escala de tempo em que ocorre a regeneração do tecido.”

O projeto foi objeto da dissertação de mestrado de Esther Cecília Nunes da Silva, no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia da USP. Na pesquisa, que procurava identificar linhagens bacterianas produtoras de materiais de origem natural como os PHAs, a bactéria Methylopila oligotropha foi isolada do mangue da Baixada Santista, na cidade de Cubatão, através da coleta de amostras no próprio local. “Posteriormente, as amostras passaram por um processo de enriquecimento seletivo, onde somente o metanol foi adicionado como fonte de carbono”, explica a professora. “Assim, foi possível transferir uma parte desse cultivo para uma placa de Petri, a fim de isolar colônias bacterianas, para posterior identificação molecular.”

De acordo com Elen, já existiam alguns relatos sobre a possibilidade da Methylopila oligotropha acumular PHB, um tipo de PHA. “No entanto, a grande novidade desta pesquisa foi verificar e quantificar a capacidade desta bactéria em produzir, além de PHB, também o copolímero PHB-HV”, relata Elen, “que apresenta melhores propriedades mecânicas, pois é menos cristalino e mais flexível, facilitando o seu processamento industrial”.

Produção

Os pesquisadores analisaram o conteúdo interno da bactéria, na forma de grânulos, que indicavam a produção de PHB. “A produção de PHAs por bactérias, de modo geral, ocorre em cultivos com excesso de carbono e deficiência de algum nutriente, como, por exemplo, nitrogênio, fósforo e potássio”, afirma a professora. “Especificamente, a indução do PHB-HV foi feita a partir do cultivo bacteriano em excesso de fonte de carbono, no caso, metanol, e limitação do nitrogênio, além da adição de um co-substrato, o ácido valérico.”

Segundo Elen, para chegar à produção industrial de PHAs, é necessário que haja estudo de escalonamento. “Há somente uma empresa no Brasil que produzia PHB microbiano, mas hoje trabalha somente sob demanda e ainda assim toda a produção é exportada”, ressalta. “Tudo isso porque o PHB ainda tem um custo elevado para o mercado interno.”

“No entanto, para além do escalonamento, é também necessário que haja incentivo fiscal e políticas públicas voltadas para a diminuição do uso de plásticos derivados de petróleo, principalmente aqueles de ‘uso único’”, destaca a professora. “A Alemanha já fez isso em 2021, quando proibiu a venda de plásticos descartáveis, entre eles pratos, copos, canudos, talheres, aplicando uma diretiva europeia destinada a proteger os oceanos da poluição.”

O projeto foi desenvolvido no Bio4Tec Lab do Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema) da Escola Politécnica (Poli) da USP, em Cubatão, e teve apoio do Research Center for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), um centro de pesquisa em engenharia (CPE) que é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com patrocínio da Shell, através de recursos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Coordenado pelo professor Júlio Meneghini e sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP, o RCGI conta com atuação de pesquisadores de várias universidades nacionais e internacionais.

Mais informações: e-mail elen.aquino@unifesp.br, com a professora Elen Aquino Perpétuo

Texto: Júlio Bernardes
Arte: Adrielly Kilryann

FONTE: Jornal da USP