Segundo Jorge Hallak e Erick José Ramo da Silva, a pesquisa, ainda em andamento, é revolucionária ao diferenciar-se das que focam na inibição do reconhecimento do espermatozoide pelo óvulo
Apesar dos diversos métodos contraceptivos femininos disponíveis nos dias atuais, cerca de metade das gestações no mundo não é planejada, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). O professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Jorge Hallak, e Erick José Ramo da Silva, pesquisador de medicamento à base da proteína Eppin, conversam em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição sobre um novo método contraceptivo masculino, em estudo que pode reduzir entre 15% a 20% as taxas de gestação não planejadas.
Silva explica que o método inibe a mobilidade do espermatozoide após a ejaculação e se difere dos métodos hormonais, os quais focam na inibição do espermatozoide através do bloqueio da produção de hormônios sexuais. “[O método hormonal] é muito semelhante ao que acontece com a mulher, com a diferença que se leva meses para que esse efeito contraceptivo se estabeleça”, afirma ele.
Um grande avanço
Para Hallak, o estudo é revolucionário por se diferenciar das pesquisas que focavam na inibição do reconhecimento do espermatozoide pelo óvulo e, assim, não conseguiam ser sustentáveis, pois 100% dos gametas masculinos achavam um caminho alternativo para concluir a fecundação. Além disso, ele atenta para os efeitos adversos do bloqueio hormonal: “O testículo produz hormônios diariamente. A questão de você inibir o homem com uma sobrecarga hormonal sempre tem um efeito contrário, ou seja, você acaba inibindo o testículo e ele acaba se atrofiando. Então, quando ele parar de usar aquele hormônio, ele não vai ter a mesma capacidade”.
Ele informa ainda que toda a pesquisa se encontra em fase pré-clínica, no nível de estudos em animais, e que futuramente o desejo é migrar para os testes em humanos: “Na próxima etapa, vamos seguir desenvolvendo, conhecendo melhor como ela [proteína Eppin] funciona, na tentativa de identificar onde na motilidade ela atua, para que a gente possa chegar no estágio de ter algumas moléculas que a gente possa testar como inibidores da mobilidade espermática”. Ambos os entrevistados reconhecem a paternidade responsável como um dos objetivos do estudo. “Quando a gente fala de contracepção masculina, nós estamos pensando além da questão reprodutiva do homem, mas da família. Um método masculino vai não só contribuir para reduzir esse número grande de gestações não planejadas como colocar o homem numa posição de contribuir com o planejamento familiar e com sua parceira nessa ação que hoje é toda focada na mulher”, afirma Silva.
Um estudo publicado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em conjunto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alerta que muitos países falham em proteger mães e recém-nascidos da desinformação sobre a amamentação.
O documento destaca a importância do aleitamento para a saúde das mulheres e dos recém-nascidos. Segundo o relatório, além da desinformação, o isolamento provocado pela pandemia e o marketing abusivo incentivam a substituição do leite materno.
Flávia Gomes-Sponholz, professora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem em Saúde Pública e integrante do Núcleo de Aleitamento Materno (Nalma), ambos da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, destaca que, em situações normais, o leite materno não deve ser substituído por fórmulas infantis e outros produtos semelhantes.
“No peito o bebê tem tudo que ele precisa, não somente o alimento, mas também o aconchego, o calor e o olhar da mãe”, afirma. É importante que a amamentação seja uma escolha da mulher, essa não deve ser uma prática imposta. Os substitutos devem ser utilizados somente nos casos em que a mãe não seja capaz de amamentar. “É uma decisão que, embora difícil de ser tomada, é muito fácil o acesso aos produtos que substituem o leite.”
O relatório da OMS e do Unicef questiona os casos em que, mesmo em condições, as mães optam pelos substitutos por pressões externas de familiares, agentes de saúde ou mesmo pelo marketing agressivo. Um dos objetivos do estudo é justamente incentivar a amamentação e a regulamentação dos produtos destinados aos recém-nascidos.
O incentivo à amamentação por parte dos órgãos e dos especialistas se deve aos inúmeros benefícios tanto para as mulheres quanto para os bebês. “É o alimento considerado internacionalmente como padrão ouro, porque ele supre todas as necessidades nutricionais, desde o nascimento até o sexto mês de vida, de forma exclusiva”, explica Flávia. Em sua composição, o leite inclui, além de nutrientes, anti-inflamatórios e anticorpos. A OMS destaca que bebês que não são amamentados têm até 14 vezes mais chances de morrer, por exemplo.
No caso das mães, os benefícios incluem a redução do risco de desenvolver câncer de mama e diabete, além de amenizar alguns efeitos do pós-parto. Há ainda um caráter emocional: “O aleitamento materno estimula o vínculo afetivo entre a mãe e o bebê”, conta a professora.
Flávia orienta que os recém-nascidos sejam amamentados na primeira hora de vida. Depois, a mãe deve continuar oferecendo o peito em livre demanda e de forma exclusiva até o sexto mês de vida. “De forma exclusiva significa leite do peito sem outro alimento, sem água, sem chá, sem suco, sem absolutamente mais nada”, explica a professora. “Livre demanda é sempre que a mãe desejar oferecer o peito e sempre que o bebê desejar mamar.” A partir de seis meses e até dois anos ou mais, a mulher deve continuar oferecendo o peito, mas também complementar essa dieta com outros alimentos.
Para que a amamentação possa acontecer da forma ideal, é importante garantir a proteção, promoção e apoio à mulher. A professora cita pesquisas que indicam que, nessas condições, as taxas de amamentação aumentam, ao mesmo tempo em que a probabilidade de interromper esse processo diminui. “O aleitamento materno é muito importante, mas requer uma dedicação também muito grande. O bom disso tudo é que vale muito a pena.”
A mitocôndria é uma organela vital para o organismo, pois produz, a partir dos alimentos, a maior parte da energia usada pelas células. Embora pareça um contrassenso, há evidências de que um leve comprometimento da função mitocondrial esteja associado ao aumento da longevidade.
Em estudo recentemente publicado no periódico The Embo Journal, um grupo internacional de pesquisadores desvendou de que forma isso acontece. Segundo os autores, o trabalho é o primeiro a mostrar o envolvimento do sistema imune inato (a primeira linha de defesa contra patógenos) nesse processo.
“Quando a mitocôndria funciona abaixo do que é considerado ótimo, gera um estresse para a célula, que desencadeia uma série de respostas que protegem esse organismo contra patógenos, fazendo-o viver mais. Só que existe um limiar: caso a redução da função mitocondrial seja muito intensa, o sistema pode colapsar”, explica Juliane Campos, primeira autora do trabalho, que atualmente realiza estágio de pós-doutorado na Harvard Medical School (Estados Unidos) com bolsa da Fapesp.
“Hoje sabemos que, perante um leve estresse mitocondrial [como o induzido pelo exercício físico], a célula se reorganiza bioquimicamente para compensar tal desequilíbrio e isso a torna mais preparada para lidar com futuras situações adversas. Agora, se o estresse mitocondrial é excessivo e prolongado [caso das doenças crônico-degenerativas], esses substitutos se tornam insuficientes, resultando então no colapso e, consequentemente, em morte celular”, explica Júlio Cesar Batista Ferreira, professor associado do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo e coautor do trabalho.
Segundo Campos, a disfunção mitocondrial geralmente tem um gatilho. “Existem mutações em humanos que levam a uma disfunção sustentada, geralmente em casos mais graves. Existem ainda algumas condições [como a restrição calórica] que podem reduzir transientemente a função mitocondrial e isso é diferente de indivíduo para indivíduo. A ideia é entender os mecanismos pelos quais essa ligeira perturbação mitocondrial aumenta a longevidade porque, então, pode-se identificar futuros alvos terapêuticos”, resume.
Modelo experimental
Para entender a conexão entre disfunção mitocondrial leve, longevidade e sistema imune inato, o grupo utilizou um verme de solo, o Caenorhabditis elegans. Trata-se de um dos mais conhecidos modelos experimentais para o estudo do envelhecimento, pois oferece algumas vantagens. Uma delas é a expectativa média de vida de apenas 17 dias.
Para o experimento, os cientistas cultivaram uma bactéria e, dentro dela, inseriram uma maquinaria capaz de deletar um gene no C. elegans. O microrganismo modificado foi ofertado como alimento ao verme. Ao ingeri-lo, essa maquinaria começou a agir e desligou um gene específico. Ferreira lembra que na genética há duas formas de entender o papel de um gene. “Ou você o retira do sistema e vê o que acontece; ou você aumenta sua expressão no sistema e avalia o efeito.”“O tempo de vida de um roedor é de dois anos e meio; de uma drosófila são quatro meses. Portanto, pensando em termos de tempo de pesquisa, essa é uma vantagem. Além disso, o C. elegans é transparente, o que permite visualizar órgãos e acoplar proteínas fluorescentes para identificar algum fenótipo dentro desse organismo. E, apesar de estar longe dos humanos na cadeia evolutiva, ele tem uma alta homologia com o genoma humano. Até 80% de seus genes têm homólogos em humanos. Outra vantagem: ele se alimenta de bactéria, então é muito fácil manipular um gene específico nesse organismo”, explica a pesquisadora.
O grupo queria saber por que o animal vive mais quando a mitocôndria sofre ligeiro estresse metabólico. Mas essa tarefa não é fácil. “São milhares de genes produzindo proteínas, que trabalham de maneira coordenada e hierárquica nas células. Nesse sentido, identificamos os genes críticos envolvidos no aumento da longevidade decorrente da ligeira disfunção mitocondrial. Como prova de conceito, desligamos individualmente esses genes e vimos que os animais deixavam de viver mais frente à ligeira disfunção mitocondrial”, explica Campos.
A conclusão é que ativar o sistema imune inato é um pré-requisito para a longevidade: quando a mitocôndria tem uma ligeira disfunção, ele é ativado e isso é necessário para o animal viver mais ou se proteger contra patógenos.
“Em suma, a mitocôndria sob estresse manda um sinal de alerta para o sistema imune. E esse sinal faz com que o organismo viva mais. Quando a gente deleta genes relacionados ao sistema imune inato ou impede que eles sejam ativados nesse animal com leve disfunção mitocondrial, toda essa resposta benéfica é abolida.”
Em trabalhos anteriores publicados pela equipe, já havia sido estabelecido que dois fatores de transcrição (proteínas que controlam a transcrição dos genes) estavam envolvidos no aumento de longevidade desses animais: DAF-16 (em C. elegans) ou FOXO3 (em humanos) e ATFS-1 (em C. elegans) ou ATF5 (em humanos). Mas essas proteínas coordenam diversas vias.
“Sabíamos que uma leve disfunção na mitocôndria aumentava a longevidade e que esses dois fatores de transcrição coordenavam o processo, mas queríamos saber por quais vias eles o faziam. Sabendo que esses fatores também controlam o sistema imune inato, partimos do pressuposto de que também estariam envolvidos nesse fenótipo. Este novo trabalho demonstra que tanto a via de sinalização mediada pela proteína p38 quanto a via de sinalização mediada por proteínas mal enoveladas mitocondriais [que em inglês são conhecidas pela sigla mitoUPR] atuam em conjunto sobre os mesmos genes de imunidade inata para promover resistência a patógenos e longevidade. E as mitocôndrias podem prolongar a longevidade sinalizando por meio dessas vias. Descobrimos também que o fator de transcrição ATF 5 consegue avisar os genes do sistema imune que eles precisam formar novas proteínas, que coordenarão essa cascata de ativação do sistema imune na célula”, conta Campos.
Abordagens terapêuticas
De acordo com o pesquisador, a melhora da expectativa de vida é algo que já observamos há muito tempo, mas aumentar a longevidade é uma meta ambiciosa. “Não sei se de fato chegaremos lá, mas acredito que certamente conseguiremos fazer o indivíduo viver melhor pelo mesmo período, ou seja, promover a melhora na qualidade de vida. Sabemos que há determinadas doenças associadas ao envelhecimento, como Parkinson, Alzheimer e distúrbios cardiovasculares. Nesse sentido, a compreensão das respostas compensatórias e deletérias de mitocôndrias associadas ao envelhecimento servirá de alicerce para o desenvolvimento de terapias que atuem no cerne dessas doenças. Com este trabalho colocamos mais uma peça nesse quebra-cabeça.”Segundo Ferreira, a maioria das doenças que desenvolvemos está associada ao colapso mitocondrial. Nesse sentido, o melhor entendimento do funcionamento da mitocôndria em condições de estresse, bem como suas conexões com outros compartimentos celulares, é essencial para desenvolver estratégias farmacológicas e não farmacológicas capazes de prevenir, mitigar ou reverter tal colapso e, consequentemente, tratar pacientes.
O pesquisador ressalta a possibilidade de modulação do sistema imune inato, o que poderia contribuir para que o indivíduo tenha um envelhecimento mais saudável. “O desafio agora é validar isso ao longo da evolução. Nosso modelo experimental vive 20 dias e a gente vive 80 anos. Então, agora, temos de verificar qual é o impacto de nossa descoberta para o ser humano.”
Pacientes recuperaram os movimentos do rosto e a simetria facial. Técnica pode substituir o uso de corticoides, droga usada para tratar o problema
A eficácia do uso de aplicações de laser e vácuo para tratar paralisia facial foi atestada em pesquisa do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. O tratamento permitiu que os pacientes recuperassem o movimento do rosto e a simetria facial. A técnica pode substituir o uso de medicamentos corticoides, que apresentam contraindicações.
Os resultados da pesquisa são descritos em texto publicado na revista científicaLaser Physics Letters, em dezembro do ano passado. “O objetivo principal foi recuperar os movimentos dos músculos da face que foram comprometidos pela paralisia facial”, conta ao Jornal da USP o dentista Vitor Panhóca, pesquisador do Laboratório de Biofotônica do IFSC e primeiro autor do trabalho. “Os experimentos foram realizados em pacientes atendidos pelo consultório odontológico do laboratório.”
A técnica inovadora testada na pesquisa foi a endermoterapia, também conhecida como vacuoterapia. “Ela foi usada em conjunto com o laser de baixa potência”, relata o pesquisador. “O método consiste em aplicar o laser e pressão negativa nos tecidos através de ventosas sobre a pele e músculos que apresentam paralisia na face.”
Resultados
No estudo foram feitos testes com dois equipamentos, usados em pacientes diferentes. “Um deles apresentava paralisia facial de Bell (PB), uma paralisia periférica aguda do nervo facial com início abrupto e de origem desconhecida, e o outro tinha como queixa principal a paralisia facial do lado direito, causada devido a trauma após queda, com diagnóstico médico de lesão do nervo facial”, descreve Panhóca. “No primeiro caso, apenas o aparelho de laser de baixa potência foi aplicado. No segundo, outro aparelho, contendo laser e vacuoterapia, chamado comercialmente de Vacumlaser, foi aplicado de maneira simultânea.”
“Os experimentos conseguiram recuperação completa dos tecidos dos pacientes que apresentavam paralisia facial”, ressalta o pesquisador ao Jornal da USP. “Houve restauração da mímica facial após este tratamento, e também melhora da tonicidade muscular e da resposta sensorial da área lesada.”
De acordo com Panhóca, as técnicas podem ser empregadas em pacientes que apresentam paralisia facial e não podem tomar corticoides, que é a droga mais utilizada para tratar o problema.
“Sendo assim, pacientes com paralisia facial impedidos de tomar corticoide porque possuem outras comorbidades como diabete, descompensação cardíaca, hipertensão, acidente vascular cerebral e úlcera péptica podem se beneficiar dos tratamentos com laser e vacuoterapia”, destaca.
“Como toda técnica que utiliza aparelhos inovadores, existe a necessidade de se fazer difusão dela para que mais profissionais tomem contato de seus benefícios”, conclui o pesquisador.
O texto Treatment of facial nerve palsies with laser and endermotherapy: a report of two cases, escrito por Vitor Hugo Panhóca , Marcelo Saito Nogueira e Vanderlei Salvador Bagnato, foi publicado na forma de Carta ao Editor na revista científica Laser Physics Letters em 7 de dezembro.
Mais informações: e-mail vhpanhoca@ifsc.usp.br, com o professor Vitor Hugo Panhóca
Por: Júlio Bernardes
Arte: Camila Paim/ Jornal da USP
O desenvolvimento de uma nova geração de imunoterapias tem feito avançar o tratamento contra o câncer. Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o primeiro registro sanitário no Brasil para um medicamento que se baseia na coleta e na modificação genética de células imunes. Essa é uma nova opção de produto com tecnologia inovadora que pode complementar os outros métodos já existentes para o tratamento de mielomas e leucemias.
O Jornal da USP no Ar 1ª Edição conversou sobre o assunto com o professor Vanderson Rocha, titular da Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador da área de terapias genéticas.
Rocha explica que o medicamento aprovado utiliza células chamadas CAR-T, que são coletadas dos próprios pacientes e modificadas para combater os tumores. “Esse tipo de terapia é uma nova esperança para aqueles pacientes em que todas as armas terapêuticas já foram utilizadas”, afirma.
Primeiro, linfócitos (células de defesa) são retirados do paciente e enviados para uma fábrica nos EUA. Em seguida, essas células são modificadas por meio de um vetor viral, que modifica seu núcleo. Após cerca de quatro semanas, elas retornam como um medicamento infundido nos pacientes.
Foram cerca de 12 anos de pesquisa para a criação desse produto, que também é autorizado em países da Europa, Estados Unidos e Japão. Entretanto, o caráter personalizado e o processo de produção fazem com que esse medicamento seja muito caro. “Raramente será possível utilizá-lo em grande escala no SUS [Sistema Único de Saúde].”
De acordo com o professor, esse medicamento pode custar até R$ 2 milhões, por isso é quase impossível a adoção pelo sistema público. Pesquisadores da USP em Ribeirão Preto estão trabalhando em um produto próprio para, de alguma forma, baratear a utilização dessas células.
Pesquisas
Segundo Rocha, as perspectivas com a adoção desse medicamento são enormes, não só para o câncer, mas também para outras doenças como lúpus e fibrose. Atualmente, recorre-se a essa terapia somente quando todas outras alternativas já foram utilizadas. “O futuro é trazer essas células um pouco mais na frente do tratamento”, avalia o professor, ao comentar que o melhor momento para o uso do medicamento ainda está sendo pesquisado.
A eficácia do produto nos chamados tumores sólidos (neurológicos, câncer de mama e do pâncreas, por exemplo) ainda está sendo avaliada. O professor lembra que essas pesquisas são muito importantes, mas também muito custosas. “Eu faço um grande apelo para a sociedade e as associações para apoiarem as pesquisas, não só na USP, mas em todas as universidades públicas, para que isso se torne viável para o SUS também.”
De acordo com Eliana Nogueira do Vale, a ocitocina é responsável pelos estímulos sensoriais agradáveis, como táteis (massagens, abraços etc.) e auditivos (música, som das ondas do mar etc.)
Com a pandemia, muitas pessoas tiveram sua saúde mental prejudicada pela falta de contato afetivo, o que ocasionou doenças como depressão e ansiedade. Isso pode estar relacionado à falta de ocitocina, importante para produção do bem-estar físico e emocional, como aponta a tese de doutorado em Neurociência e Comportamento, Ocitocina, bem-estar e a regulação do afeto.
Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, a autora da tese e mestre em Psicologia Clínica no Instituto de Psicologia (IP) da USP, Eliana Nogueira do Vale, explicou que a ocitocina é produzida em diversas situações diferentes, sendo uma delas pelos estímulos sensoriais agradáveis. “Por exemplo, estímulos táteis agradáveis: massagem, abraço, carinho no cabelo. Todas essas coisas fáceis vão trazer bem-estar. Estímulos auditivos: música, barulhinho de cachoeira, de mar.” Além disso, ela destaca também que as relações amorosas, de amizade, de trabalho e o contato com duas ou mais pessoas produzem também ocitocina.
Com o home office e muito tempo em frente do computador, esses estímulos acabam se tornando mais raros. “Tudo isso que eu falei sobre bem-estar exige que se tenha tempo para fazer isso, […] que possa se dedicar a essas coisas agradáveis”, pondera a especialista. Ela explica também que as “pessoas esgotadas não têm tempo para a vida familiar, para vida amorosa, para descansar, para ter lazer.” Ou seja, problemas que vão além da questão pandêmica.
Ocitocina pode melhorar a situação
Pensando nisso, a pesquisa reuniu 27 participantes do sexo masculino, de 18 a 60 anos, diagnosticados com Transtorno de Ansiedade Generalizada (caracterizado por importantes distúrbios do sono, irritabilidade, nervosismo, tremores, tensão muscular, palpitações, tonturas e desconforto gástrico) para compreender os efeitos da ocitocina nesse caso. “Está havendo interesse da psiquiatria por estudos que usem ocitocina, porque […] ela tem resultado sem efeito colateral”, afirma Eliana.
Foi trabalhado a administração da ocitocina intranasal no grupo instrumental, comparado com um grupo placebo, que utilizou soro fisiológico. Nos pacientes que usaram a ocitocina, detectou-se uma melhora no humor, nos relacionamentos pessoais, na qualidade do sono e nos estados de calma, confiança e ânimo.
02 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo.
“Era bom estar sozinha. Era um ambiente novo e a ideia de conhecer as pessoas me apavorava. Isolar-me no silêncio e sem contato social era confortável”, escreveu a atriz e educadora Fabrícia Eliane no conjunto de textos que chama de minimemórias atípicas. Os trabalhos refletem sobre como foi viver 37 anos sem saber que tinha um grau leve do transtorno autista. Ela só foi diagnosticada no processo de buscar tratamento para as dificuldades do filho, há pouco mais de dois anos.
No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado dia 02/04, a educadora revela que sempre percebeu peculiaridades em Arthur, que à época do diagnóstico tinha 9 anos de idade. Porém, foram os problemas dele em acompanhar o ritmo da escola que levaram a família a buscar um apoio mais consistente para lidar com esses obstáculos. “Ele foi crescendo e, na escola, tinha dificuldades com a alfabetização. Uma dificuldade muito grande de fazer as tarefas”, diz.
Muito antes disso, ela já havia percebido que o menino não lidava bem com determinadas situações cotidianas. Desde que ele era bebê, eu percebia que provavelmente deveria ter déficit de atenção, porque era difícil amamentar, qualquer som externo e ele se distraia muito”, lembra.
Mais informação disponível
A identificação do transtorno foi um choque para Fabrícia. “Como eu, mãe super atenta, educadora, não percebi?”, se questionava. “Depois de passar esse período de me culpar, eu fui estudar para entender como poderia contribuir melhor”, conta. O aprofundamento da pesquisa levou a educadora a perceber em si mesma muitos dos sinais indicativos do autismo.
Segundo o neurologista da infância e adolescência do Hospital Albert Einstein, Erasmo Barbante Casella, muitas pessoas enquadradas no espectro leve do autismo, hoje, adultos na faixa de 25 ou 30 anos, não foram diagnosticados quando crianças. “Nesse período, os médicos não tinham uma formação na faculdade, na residência, sobre o que é o autismo. Havia uma dificuldade de identificar casos mais leves”, ressalta. Segundo ele, as informações sobre o tema passaram a ser muito mais difundidas nos últimos 10 anos.
O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que pode causar dificuldade na comunicação falada e não verbal, além de afetar a sociabilidade.
Mesmo atualmente, de acordo com Casella, nem sempre o diagnóstico é fácil e algumas famílias, às vezes, resistem a aceitar a condição. “A gente, como pai, às vezes, tem uma negação, tem medo de ouvir. Você começa a suspeitar, as pessoas ficam cheias de dedos para falar”, diz. Ele conta que é comum que a família relate a suspeita ao final de uma consulta motivada por outras razões, “quando todo mundo já está de pé”.
Conflitos
Fabrícia acredita que, além da falta de informação dos médicos, quando era mais jovem, o comportamento mais retraído devido ao autismo acabava atendendo algumas expectativas sociais. “Quando você é mulher, o fato de você ser mais reservada, mais tímida, são consideradas como qualidades. Então, passa muitas vezes batido, você tenta mascarar tudo que você sofre, tudo que você sente”, reflete.
Ao mesmo tempo, por não ser entendida como uma situação mais complexa, para além de um traço de personalidade, Fabrícia diz que também enfrentou conflitos. Foi difícil fazer amigos no período de escola e faculdade, e existiam divergências até dentro do relacionamento com o companheiro. “Ele queria ir para barzinhos, sair à noite. Eu me sentia super desconfortável. Eu tive muitas brigas por conta dessa questão”, relata.
Ela explica que o barulho e a interação social causam ansiedade e um profundo desgaste. “Quando eu fico muito tempo com outras pessoas, tendo que fazer social, acaba sendo muito desgastante. Se você fica muitas horas, é como te tirasse da tomada. Às vezes dá dor de cabeça, enjoo”, detalha.
Se tivesse sabido mais cedo da própria condição, Fabrícia acredita que poderia ter tomado decisões melhores sobre como conduzir a vida pessoal e profissional. “Se eu tivesse tido esse diagnóstico precoce talvez eu tivesse conseguido fazer esse direcionamento das escolhas mais direcionado às minhas potencialidades”, diz.
Como exemplo, ela reflete sobre a profissão de professora. “Embora tenha várias coisas que eu ame no meu trabalho com crianças, tem outras que me agridem tanto que me impedem que eu possa trabalhar. É frustrante”, desabafa.
Diagnóstico precoce
Erasmo Casella explica que, quando o transtorno é identificado ainda na infância, é possível trabalhar diversas formas de estímulos para contornar as dificuldades enfrentadas pelas crianças. “Algumas melhoram e são bem funcionais. A qualidade de vida das crianças que são tratadas adequadamente é completamente diferente”, ressalta.
A identificação do autismo pode ser feita, segundo o médico, por profissionais como o neurologista infantil, o psiquiatra infantil e o pediatra do desenvolvimento. O acompanhamento multidisciplinar pode envolver terapia motivacional e fonoaudiologia.
A complexidade do autismo acaba dificultando, de acordo com Casella, o diagnóstico e tratamento do transtorno. “Não é fácil, porque é tudo muito caro. Um profissional consegue atender poucos casos. Teria que ser montado serviços de atendimento para crianças com autismo e com uma equipe multiprofissional”, opina.
Saber da própria condição levou Fabrícia a trabalhar o tema de diversas formas, entre elas um espetáculo solo de palhaçaria em que traz as dificuldades que enfrentou em diversos momentos da vida. “Estar em cena é o momento que eu me sinto podendo ser eu mesma. Tem uma máscara que me protege, mas revela muita coisa”, diz.
No palco, aparecem características que marcaram sua vida e a relação com as outras pessoas. Uma delas, que divide com o filho, é a dificuldade para entender piadas. Ali, surgem ainda as pequenas confusões com a direita e a esquerda e outros detalhes que não costumavam passar desapercebidos por quem convivia com ela. “Estudei palhaçaria durante muitos anos, Na palhaçaria você acaba revelando do que você é, sem forçar o riso nos outros”, diz.
Enquanto lida com as próprias questões, Fabrícia também ajuda Arthur, hoje com 12 anos, com as dificuldades do autismo na pré-adolescência. “Ele me pergunta todo o tempo o que tem que ser feito – ‘Hoje eu lavo o cabelo ou não lavo’”, exemplifica. Devagar, ela tenta guiar para que ele mesmo encontre a resposta. “Você lavou ontem? Como está o clima hoje, está úmido?”, diz sobe como tenta incentivar as reflexões do menino. “Eu trabalho o máximo que de para que ele tenha autonomia”.
Por Daniel Mello – Repórter da Agência Brasil – São Paulo
De acordo com Walkiria Ávila, as doenças do coração afetam mais mulheres que homens e possuem fatores agravantes como hipertensão, tabagismo e obesidade
As doenças cardiovasculares, como infarto, AVC e síndrome do coração partido, são um grande desafio para a saúde feminina e mais da metade das mortes de mulheres são causadas por problemas no sistema cardiovascular. A cardiologista e coordenadora do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Cardiopatia, Gravidez e Aconselhamento Reprodutivo do Hospital das Clínicas da USP, Walkiria Ávila, fala sobre as causas desse problema e como evitá-lo em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição.
Walkiria constata que, mesmo havendo uma diminuição dessas doenças nas mulheres, elas continuam sendo a principal causa de morte e afetam menos os homens. “A mulher, de forma geral, acha que infarto é coisa de homem. Em 850 mulheres que nós perguntamos ‘Do que você acha que vai morrer?’, 60% achavam que iriam morrer de câncer de mama e somente 18% achavam que seria por doença do coração. E é exatamente o contrário”, revela. Segundo a cardiologista, somente 14% das mortes de mulheres têm como causa o câncer de mama. Isso se deve aos programas para prevenção à doença, os quais são mais escassos no que diz respeito às doenças cardiovasculares.
Sintomas diferentes
A cardiologista também alerta para as diferenças nos sintomas sentidos por homens e mulheres, fator que pode retardar a procura por profissionais da saúde e prognósticos: “Na mulher, os sintomas de infarto são minimizados. No homem, [pode haver] uma dor no peito, na mulher pode não [haver]. A mulher pode ter uma dor na mandíbula, dor nos braços e até uma dor nas costas. E isso passa como se fosse uma dor na lombar”.
Walkiria também alerta para a falta de conhecimento das mulheres sobre sua saúde. Ela informa que hipertensão, tabagismo, obesidade e depressão contribuem para acelerar essas condições e que dietas e atividades físicas são os pilares preventivos das doenças do coração e até cânceres. A cardiologista ainda fala sobre gravidez e questões hormonais: “Isso já começa na puberdade. O uso dos anticoncepcionais, quando não são formulados ou receitados de formas adequadas. A gravidez é um teste à saúde da mulher e nós temos a pré-eclâmpsia, que é a hipertensão da gestação e é a principal causa de morte obstétrica”. “A menopausa, que perde o estrógeno, o protetor cardiovascular, e as doenças começam a se somar”, completa.
A médica incentiva a realização de exames precocemente para o tratamento adequado das doenças cardiovasculares. “Isso aqui é um programa de saúde pública, inclusive trazendo o alerta a essas mulheres à prevenção, e a gente tem uma visão e uma esperança de que futuramente essas doenças tendam a diminuir no sexo feminino também”, afirma.
O uso de produtos ditos “naturais” sem indicação médica é um risco à saúde, podendo levar a óbito. As pessoas costumam entrar em uma loja de produtos naturais, manipulados ou até mesmo em farmácias para procurar o que pode ajudar a emagrecer, melhorar a pele, crescer cabelo ou minimizar sua queda sem conhecer ou saber exatamente o que está sendo consumido. A compra também é facilitada com a venda pela internet. Daniel Demarque, professor do Departamento de Farmácia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, lembra que aquela frase “porque é natural não faz mal” não existe. Os venenos e as plantas tóxicas também são naturais. “Quando nós consumimos os produtos ditos naturais, nós precisamos ter em mente que esses produtos não são inócuos, ou seja, ainda que naturais são produtos químicos que vão ter efeito no nosso organismo, que o nosso fígado precisa metabolizar para excretar. Não é porque ele é natural que não vai ter nenhum risco ou não vai ter nenhum efeito no nosso organismo.”
Daniel Demarque – Foto: Reprodução/Fapesp
Muita gente tem o hábito de tomar um chazinho e acaba aproveitando para tomar um remédio, mas essa é uma combinação perigosa e que deve ser evitada. “Os chás muitas vezes têm substâncias chamadas de taninos, muito comuns nos vinhos, e essas substâncias podem se complexar com os medicamentos e evitar sua absorção.”
Registro na Anvisa
Os produtos naturais, mesmo na forma de chá, de cápsula, contendo um extrato fabricado a partir de uma matéria vegetal, devem ter registro na Anvisa, não podem e não devem ser comercializados sem controle. Seu consumo só deve ser realizado com a orientação de um profissional de saúde. O professor Demarque conta que “existem fitoterápicos, medicamentos feitos a partir de plantas, que podem interagir, por exemplo, com contraceptivos. A erva de São João, ou Hypericum perforatum, é uma erva utilizada no tratamento de ansiedade e depressão que, quando utilizada com contraceptivos, diminui sua ação, permitindo que a pessoa engravide; Ginkgo biloba fitoterápico, muito utilizado para circulação venosa, auxilia também em distúrbios cognitivos, quando utilizado com anticoagulantes pode levar a quadros hemorrágicos. Esses produtos vão ter um efeito no nosso organismo, vão interagir com outros medicamentos que vamos tomar, por esse motivo é importante buscar informações com profissionais de saúde”.
O Programa Reouvir fornece aparelhos de surdez para pacientes encaminhados pelo sistema Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross). O encaminhamento acontece logo após o médico do posto constatar em exames a causa da surdez, as situações que podem agravar a perda e o diagnóstico audiológicos. A coordenadora do programa, Mara Gândara, vinculada à Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP), descreve seu funcionamento em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição.
Com mais de 25 mil pacientes beneficiados durante dois anos, o programa de reabilitação auditiva com aparelho de amplificação sonora atende aos pacientes das unidades da rede pública. “Às vezes, os pacientes demoram para reconhecer a própria surdez, geralmente os amigos e a família que percebem, porém, é preciso identificar o mais rápido possível. Quanto maior o tempo de surdez, pior a recuperação”, ressalta Mara.
“No Hospital das Clínicas (HC), atendemos desde criança com 6 meses até idosos com 107 anos, com vários tipos de perda auditiva”, comenta a especialista. São vários os motivos para o indivíduo se tornar surdo, pode ocorrer durante a gestação, no parto, conforme a idade ou os ruídos muito altos ao longo da vida.
O funcionamento do Programa Reouvir
A professora explica que a Secretaria da Saúde faz mapeamentos e agenda esses pacientes pelo sistema Cross. Eles são encaminhados para o serviço mais próximo de sua residência. Depois, é feito o agendamento pela própria unidade de saúde e a equipe do Reouvir recebe o paciente e inicia o processo seletivo. O indivíduo que não tem tratamento clínico ou cirúrgico deverá receber o aparelho de amplificação do som individual de acordo com as especificidades de sua surdez. “Precisamos receber do médico o diagnóstico etiológico (o que causou a surdez) e audiológico (o nível de audição dele). No HC, o paciente passa pela consulta médica, depois faz uma audiometria, também há a verificação da documentação dele e a orientação sobre o que é um aparelho auditivo e como funciona.”
Após esse procedimento, a pessoa vai testar e se adaptar ao aparelho. É muito importante que tenha um apoio familiar nessa fase, pois o indivíduo não está acostumado com sons altos e fica incomodado. Esse período de adaptação é chamado de “aclimatização” e um treinamento com fonoaudiólogo auxilia nessa etapa, mas às vezes o indivíduo não tem dinheiro, o SUS banca somente o aparelho, segundo afirma Mara.
A equipe do Reouvir faz a consulta depois de dois meses após a entrega do aparelho para regulá-lo e um ano depois é realizada uma audiometria para saber o quanto o paciente está adaptado e satisfeito. Ele também volta para o médico de origem a cada quatro meses para limpeza, pois a cera obstrui e não deixa o som passar livremente. O programa também revê a regulagem para o acompanhamento e fica responsável pela troca do molde, pois há um tamanho diferente para cada idade.