Caramboxina, substância neurotóxica da carambola é sintetizada por pesquisadores da USP

A caramboxina traz problemas graves a pacientes com problemas renais. Síntese da substância vai ajudar na melhor compreensão da toxina e do uso da fruta em produtos alimentícios, além de inspirar novas terapias e drogas para doenças neurológicas.

Pesquisadores do campus de Ribeirão Preto da USP realizaram a síntese da molécula caramboxina, uma toxina presente na carambola que é prejudicial a pessoas com problemas renais. O feito deve permitir uma maior compreensão da atividade neurotóxica da substância e poderá ajudar no controle da caramboxina em produtos industrializados à base de carambola (doces e sucos), além de “inspirar o desenvolvimento de novos tratamentos e medicamentos para doenças neurológicas”, aponta o professor Giuliano Cesar Clososki, do Departamento de Ciências BioMoleculares da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP.

O processo de sintetização da molécula da caramboxina foi realizado durante o mestrado do pesquisador Franco Caires, do programa de Pós-Graduação em Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, que trabalhou sob orientação do professor Clososki. A pesquisa Estudo visando a síntese da caramboxina, uma toxina isolada de Averrhoa carambola, foi apresentado em 2019, na FCFRP.

Anteriormente, a caramboxina já havia sido isolada e caracterizada pelos pesquisadores Norberto Peporine Lopes e Norberto Garcia-Cairasco, da FCFRP e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, respectivamente, em um projeto que contou com a colaboração de outros pesquisadores da USP.  O feito foi destaque em uma matéria publicada na Agência USP de Notícias, em dezembro de 2013.

Por que sintetizar?

A inviabilidade econômica da obtenção in natura da caramboxina diretamente da carambola explica o caminho escolhido por Caires e Clososki. São “necessários muitos quilos do fruto para isolar apenas alguns miligramas da toxina”, dizem os pesquisadores. Eles contam que utilizaram a síntese orgânica, uma das principais áreas de pesquisa da química orgânica, para a obtenção da via sintética da molécula. E apontam que desejam continuar os estudos farmacológicos sobre os efeitos neurotóxicos da substância.

Caires relata que eles avaliaram várias possibilidades de obtenção da toxina, por meio do produto natural, mas optaram pelo “processo sintético que usa materiais de partida amplamente disponíveis e que se mostrou altamente eficiente e reprodutível em diferentes escalas”. Ao explicar o trabalho desenvolvido, o professor Clososki diz que a sintetização de um produto natural, como a caramboxina, passa pela “etapa de planejamento sintético”, em que os químicos avaliam detalhadamente a estrutura molecular, suas particularidades estruturais e determinam cada nova ligação química, ou seja, “como cada parte da molécula poderia ser conectada, para preparação da toxina”.

Histórico e efeitos da caramboxina

As investigações sobre a caramboxina começaram no final da década de 1990, conta o médico Miguel Moysés Neto, da Divisão de Nefrologia da FMRP. Segundo Neto, na época, houve casos de pacientes, especialmente em diálise, que comeram carambola e apresentaram quadros de soluços que “se mantinham o dia todo, às vezes, mais de um dia”. Além dos soluços, apresentavam também confusão mental, coma e quadros graves de convulsão que levaram alguns pacientes a óbito.

O médico explica que em pessoas sem doenças renais que consomem a carambola a caramboxina é eliminada normalmente, sem causar problema. Mas “se os rins não funcionam”, a caramboxina se acumula no sangue, “penetra na barreira do cérebro e se deposita em centros vitais, em regiões responsáveis pela consciência, centros cardiorrespiratórios e também provoca excitação cerebral suficiente, às vezes, para provocar convulsões de difícil controle”, informa Moysés Neto.

Mais informações: e-mail gclososki@usp.br

Por Vitória Pierri

FONTE: Jornal da USP

Consumir vegetais é saudável ao coração. Mas de quem?

É comum que se associe o consumo de alimentos como frutas e vegetais à manutenção de uma vida saudável. De fato, pesquisas diversas apontam como este hábito associa-se à redução do risco de diversas doenças, como câncer, diabete e doenças cardiovasculares. Entretanto, se estas constatações podem ser ditas com segurança em relação à população adulta, o mesmo vale para adolescentes?

Esta é a questão geral que guiou os autores do artigo O papel das frutas e vegetais na saúde cardiovascular de adolescentes: uma revisão sistemática, que ganhou destaque na edição de maio deste ano da Nutrition Reviews, uma das publicações mais importantes do mundo no campo da nutrição. Embora o estudo tenha notado que o consumo de frutas, legumes e verduras por adolescentes está muito abaixo da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de cinco porções ao dia, não é possível afirmar que este baixo consumo esteja relacionado a riscos cardiovasculares em pessoas nesta faixa etária. E a própria medição deste consumo é também um problema. Os adolescentes são um grupo etário pouco estudado, por conta da sua alta complexidade e constantes alterações biológicas, psíquicas e sociais.”

Vegetais?

De modo geral, pesquisas na área “costumam associar a ingestão de alimentos ricos em gorduras saturadas, sódio e açúcar com o desenvolvimento de indicadores de risco cardiovascular em adolescentes”, afirma Tatiana Collese, primeira autora do artigo e doutoranda em medicina preventiva pela Faculdade de Medicina (FM) da USP. Entretanto, “os adolescentes são um grupo etário pouco estudado, por conta da sua alta complexidade e constantes alterações biológicas, psíquicas e sociais”, adiciona a pesquisadora, o que leva a uma falta de definição clara sobre o que de fato seja risco cardiovascular nestas pessoas. Além disso, como o consumo de frutas e vegetais neste grupo é muito baixo, não é possível afirmar quais efeitos este hábito pode ter em sua saúde.

Ausência de critérios

O resultado inconclusivo deriva da falta de critérios comuns dentre a própria comunidade científica neste tipo de pesquisa.

Poucos estudos sobre adolescentes levam em conta a recomendação da OMS quanto ao consumo adequado de frutas e vegetais – Cesta de Frutas, de Giuseppe Arcimboldo via  Wikimedia Commons

Mais de 5.600 artigos a respeito da relação de riscos de doenças cardiovasculares em adolescentes e consumo de frutas e vegetais foram considerados no estudo. Como conta Tatiana, em muitos destes a classificação do que é ser adolescente diferia daquela adotada pela OMS: pessoas maiores de 10 e menores de 19 anos.

Notou-se também uma grande variedade de métodos para classificar o consumo de frutas e vegetais neste grupo. “Não há consenso quanto ao melhor método para se avaliar o consumo alimentar em adolescentes”, diz Tatiana. Além disso, constatou-se inclusive a falta de padronização nos critérios sobre o que é risco cardiovascular em adolescentes.

“Antigamente, as doenças cardiovasculares surgiam apenas nos nossos avós. Não se cogitava medir indicadores, como a glicemia ou a pressão arterial, nos adolescentes, já que era muito improvável desenvolver tais riscos em idades precoces sem ser congênito. Portanto, estudar risco cardiovascular em adolescentes é assunto inconclusivo”, destaca a pesquisadora.

De todo modo, revisões como esta permitem justamente identificar caminhos que futuras pesquisas podem percorrer, a fim de mostrar se aquilo que se observa em adultos pode ser dito de adolescentes. Como diz Tatiana, o trabalho do grupo ressalta “a necessidade de padronização destes critérios, a fim de se obter uma classificação unificada, capaz de estimar a prevalência global de risco cardiovascular em adolescentes e possibilitar comparações válidas entre as nações”.

Por Raphael Concli

FONTE: Jornal da USP

Cirurgia bariátrica, exercício físico reverte perda de massa muscular em mulheres

Cirurgia bariátrica atenua a gravidade de uma série de complicações associadas à obesidade, mas tanto a pessoa que será submetida à cirurgia assim como a sua família devem ter plena compreensão dos benefícios e riscos atribuídos à intervenção cirúrgica, como a possibilidade de ganhar peso novamente.

O exercício físico atenua e reverte a perda de massa muscular, melhorando a força e o funcionamento dos músculos de mulheres obesas submetidas a cirurgia gastrointestinal para perda de peso (cirurgia bariátrica). O resultado foi obtido em pesquisa realizada pelo Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) e da Faculdade de Medicina (FMUSP) da USP com 80 mulheres que foram operadas em São Paulo. Por meio de análises moleculares, o estudo revela que o treino físico beneficiou os mecanismos do corpo que regulam a massa muscular, diminuindo a atividade de genes específicos relacionados à degradação de proteínas.

As conclusões do trabalho foram apresentadas em artigo publicado no Journal of Cachexia, Sarcopenia and Muscle no último mês de outubro.

O professor Hamilton Roschel, da EEFE, coordenador do grupo de pesquisa, explica que as técnicas de cirurgia bariátrica podem ser classificadas como restritiva, malabsortiva ou combinada. “A técnica restritiva reduz o tamanho do estômago e, consequentemente, a quantidade de alimento ingerido pela pessoa”, relata. “Na malabsortiva, o trajeto do alimento é alterado induzindo a um menor tráfego do alimento no intestino e, assim, a uma menor absorção dos nutrientes, e a técnica combinada associa os dois métodos.” De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), em 2019 foram realizados 68.530 procedimentos de cirurgia bariátrica no Brasil, número 7% superior às 63.969 cirurgias feitas em 2018.

Hamilton Roschel – Foto: Arquivo pessoal

Segundo o professor, a cirurgia bariátrica atenua a gravidade de uma série de complicações associadas à obesidade. “Por exemplo, quando comparada ao tratamento médico padrão para manejo da obesidade, ou seja, aconselhamento nutricional e atividade física, monitoramento dos níveis de glicose e uso de medicamentos para controle do peso, a intervenção cirúrgica promove uma maior redução dos valores de Índice de Massa Corpórea (IMC), açúcar no sangue, resistência à ação da insulina e o uso de medicamentos em indivíduos com obesidade diabéticos e não diabéticos.” O IMC é  um índice que avalia o estado nutricional do paciente, calculando se a pessoa está dentro do seu peso ideal em relação à altura.

No Brasil, de acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), desde 2010, os critérios para o uso da cirurgia gastrointestinal como tratamento da obesidade mórbida são IMC igual ou superior a 40 kg/m2, ou maior que 35 kg/m2, quando associado a complicações como apneia do sono severa, diabete descontrolada e cardiomiopatia grave. “Em 2017, o CFM também reconheceu a cirurgia como opção terapêutica para pacientes diabéticos tipo 2 com IMC entre 30 kg/m2 e 34,9 kg/m2”, diz Roschel, “desde que tenham idade entre 30 e 70 anos, resistência ao tratamento com antidiabéticos orais ou injetáveis, mudanças no estilo de vida e comprovem que compareceram ao endocrinologista por, no mínimo, dois anos”.

“Cabe ressaltar que o CFM considera fundamental que tanto a pessoa que será submetida à cirurgia assim como a sua família tenham plena compreensão dos benefícios e riscos atribuídos à intervenção cirúrgica”, destaca o professor. “Sempre há possibilidade de reganho de massa corporal, e, no caso da técnica combinada, há ainda a desvantagem de requerer o uso de suplementos vitamínicos por toda a vida.”

Melhora muscular
Para a pesquisa, foram recrutados 80 pacientes no Centro de Referência em Cirurgia Bariátrica e Metabólica do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FMUSP). “Eram todas mulheres, com idade ao redor de 40 anos e IMC médio de 48 kg/m2. Um grupo realizou um programa de treinamento físico supervisionado três vezes por semana por seis meses, iniciado três meses após a cirurgia bariátrica, e outro recebeu apenas o atendimento pós-cirúrgico padrão, com atendimento médico e acompanhamento nutricional, mas que não engloba exercícios”, descreve Roschel. “As sessões de treinamento compreendiam exercícios aeróbicos e de fortalecimento muscular, supervisionados por pesquisadores do grupo e conduzidos no nosso Laboratório de Avaliação e Condicionamento em Reumatologia (Lacre) do HC.” “Cabe ressaltar que o CFM [Conselho Federal de Medicina] considera fundamental que tanto a pessoa que será submetida à cirurgia assim como a sua família tenham plena compreensão dos benefícios e riscos atribuídos à intervenção cirúrgica”, destaca o professor. “Sempre há possibilidade de reganho de massa corporal e, no caso da técnica combinada, há ainda a desvantagem de requerer o uso de suplementos vitamínicos por toda a vida.”

Nos dois grupos, os pesquisadores avaliaram a força muscular dos membros superiores e inferiores, funcionalidade, composição corporal, área das fibras musculares, parâmetros mionucleares e de capilarização do músculo. “Foi realizado, ainda, sequenciamento do RNA mensageiro (que transmite informações do DNA para as células realizarem a síntese de proteínas) e expressão de genes relacionados à síntese e degradação de proteínas”, acrescenta o professor. “Observamos uma redução importante da força muscular dos membros superiores e inferiores três meses após a cirurgia em ambos os grupos. Em contrapartida, o grupo treinado mostrou um aumento da força muscular ao final da intervenção, enquanto o grupo não treinado não apresentou nenhuma melhora.”

O grupo treinado apresentou melhora da funcionalidade em comparação ao não treinado após a intervenção. “A cirurgia comprometeu a massa magra e a área de secção das fibras musculares de ambos os grupos, porém, o exercício atenuou de maneira importante a perda de massa magra e reverteu a perda ao nível da fibra muscular no grupo exercitado”, destaca Roschel. “O exercício melhorou parâmetros mionucleares e de capilarização em relação ao grupo não exercitado e o sequenciamento de RNA revelou supressão de genes relacionados à degradação proteica.”

“Nossos resultados mostram que mulheres obesas submetidas à intervenção cirúrgica e a um programa de treinamento físico adquirem um perfil de expressão gênica e características musculares, isto é, área de secção transversa da fibra muscular, capilarização, força e funcionalidade, comparáveis a um grupo controle de mulheres com condições físicas normais”, enfatiza o professor. “Esses resultados, analisados em conjunto, nos permitem recomendar a inserção de programas de treinamento físico sistemático no tratamento pós-operatório de mulheres submetidas à cirurgia bariátrica a fim de contrapor os efeitos adversos da perda de massa muscular.”

A pesquisa foi realizada no Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição da EEFE e FMUSP. O trabalho foi coordenado pelo professor Hamilton Roschel e teve a participação de Saulo Gil, Carlos Merege-Filho, Sheyla Fellau e Bruno Gualano, pesquisadores do grupo e membros do Laboratório de Avaliação e Condicionamento em Reumatologia do Departamento de Reumatologia da FMUSP; Igor Murai e Rosa Pereira, do Laboratório de Metabolismo Ósseo do Departamento de Reumatologia da FMUSP; Fabiana Benatti, da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp; Ana Lúcia de Sá-Pinto e Fernanda Lima, do Laboratório de Avaliação e Condicionamento em Reumatologia do Departamento de Reumatologia da FMUSP; Samuel Kinjo e Walcy Teodoro, do Departamento de Reumatologia da FMUSP; e Roberto de Cleva e Marco Aurélio Santo, do Departamento de Cirurgia do Aparelho Digestivo da FMUSP. Também integraram o grupo de pesquisa John Kirwan, Wagner Dantas e Sujoy Gosh, do Pennington Biomedical Research Center.

Mais informações: e-mail hars@usp.br, com o professor Hamilton Roschel

Por Júlio Bernardes

FONTE: Jornal USP

Alimentos enriquecidos com vitamina B9 produzida por bactérias podem ser alternativa natural ao ácido fólico

As vitaminas são micronutrientes essenciais para a saúde: ajudam a fortalecer o sistema imune e garantem o funcionamento correto do metabolismo. No caso das gestantes, a vitamina B9 (ou folato) tem um papel muito importante, pois auxilia nos processos de replicação celular – fundamentais para o desenvolvimento embrionário – e para a formação de células e proteínas do sangue. Por esse motivo, é indicada a suplementação com ácido fólico, forma sintética da vitamina produzida em laboratório. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a recomendação de consumo diário para as grávidas é de 355 microgramas (µg).

Com o objetivo de ampliar as opções de alimentos suplementados com folato, duas pesquisadoras do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), conseguiram desenvolver produtos que contêm até 20% da necessidade diária desse nutriente, utilizando a sua forma natural em vez da sintética. Isso porque o consumo excessivo de ácido fólico está associado a alguns efeitos indesejados, como mascarar a deficiência de vitamina B12. A descoberta tardia dessa deficiência pode levar a pessoa a ter problemas neurológicos e anemia.

“O que está descrito na literatura é que, pelas formas naturais da vitamina, não existe esse problema. Mas a forma sintética demora mais para ser processada, pois precisa ser metabolizada no fígado para chegar a sua forma bioativa no organismo”, afirma Marcela Albuquerque, pós-doutoranda do Laboratório de Microbiologia de Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.

Fermentação natural

Para produzir a vitamina B9, as pesquisadoras utilizam cepas de bactérias lácticas que são seguras para o consumo humano e que já são empregadas pela indústria de alimentos. “Após serem submetidas a determinadas condições, dependendo dos nutrientes disponíveis no meio, do pH e da temperatura, as bactérias que possuem os genes relacionados à biossíntese de folatos, podem produzir a vitamina. Depois, selecionamos as cepas com maior produtividade e aplicamos para o desenvolvimento de um produto fermentado, como leite ou iogurte”, explica Ana Clara Cucick, doutoranda da FCF.

Segundo ela, muitos países aderiram a programas de fortificação obrigatória de alimentos para combater a deficiência de folato, como o Brasil, por exemplo, onde as farinhas de trigo e milho são fortificadas com ferro e ácido fólico para prevenir a anemia e a má-formação dos fetos. Tal estratégia trouxe benefícios, como a redução de aproximadamente 30% na ocorrência de doenças do tubo neural em bebês, segundo relatório divulgado em janeiro de 2021 pela Anvisa, porém tem sido alvo de preocupação devido aos possíveis efeitos colaterais advindos da ingestão em excesso do ácido fólico.

Produtos desenvolvidos

Em seu estudo, Ana Clara conseguiu um leite fermentado que fornecia 20% da recomendação diária de ingestão de vitamina B9 em uma porção de 250 mililitros (ml). O produto também foi testado em animais para avaliar a biodisponibilidade do nutriente, ou seja, o quanto da vitamina contida no leite fermentado poderia ser aproveitado pelo organismo. Os animais que consumiram o alimento tiveram um aumento de hemácias (glóbulos vermelhos) e hemoglobinas (proteínas que transportam o oxigênio), mostrando que ele pode ser uma alternativa promissora para aumentar a ingestão de folato.

Já a pesquisadora Marcela Albuquerque desenvolveu um produto de soja fermentado que alcançou 14% da indicação diária de consumo da vitamina, além de conter microrganismos probióticos. Os dados, já publicados em um artigo científico, mostram que a combinação do subproduto do maracujá (descartado pela indústria) e de frutooligossacarídeos (ativos prebióticos) foi capaz de estimular a cultura de micro-organismos probióticos a produzirem folato. O produto também foi submetido a estresse gastrointestinal in vitro e mostrou uma maior bioacessibilidade de folato em relação aos controles.

Embora ainda faltem parcerias para possibilitar a transferência de tecnologia e a disponibilidade no mercado, os resultados são promissores e abrem caminho para novos produtos bioenriquecidos com a forma natural da vitamina B9.

Da Assessoria de Comunicação do FoRC

FONTE: Jornal da USP

Qualidade da gordura da dieta materna pode interferir no peso de bebês ao nascer

Estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto sugere que a gordura ingerida pela mãe está associada ao peso do recém-nascido

A dieta materna está diretamente associada à saúde do bebê durante a gestação e cientistas já avançam no entendimento dos fatores que contribuem para essa relação. Estudo realizado por pesquisadoras da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP mostra que a qualidade da gordura ingerida pela mãe está associada com o peso do recém-nascido de acordo com a idade gestacional.

“Nascer maior para a idade gestacional significa que a criança pode ter mais risco de desenvolver doenças na vida adulta e até de complicações durante o parto. Neste sentido, a pesquisa contribui para o entendimento de como a qualidade da gordura da dieta materna interfere no desenvolvimento fetal”, conta Maria Carolina de Lima, primeira autora do artigo publicado pela Nutrition em novembro e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da FMRP.

O estudo contou com 734 pares de mães com boa saúde e bebês que realizaram pré-natal em Unidades Básicas de Saúde em Ribeirão Preto, entre os anos de 2011 e 2012. “Nós empregamos dois formulários com o objetivo de registrar tudo o que foi consumido pelas entrevistadas nas últimas 24 horas. Depois, avaliamos o peso ao nascer, sexo e duração da gestação com dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Por fim, avaliamos a qualidade da gordura na dieta materna”, explica.

Para entender a qualidade da ingestão de gordura das mães, as pesquisadoras trabalharam na análise de três tipos de gordura, que também podem ser chamadas de ácidos graxos: saturadas, monoinsaturadas e poli-insaturadas. As saturadas podem ser encontradas em alimentos de origem animal: carnes vermelhas e brancas, pele de aves, leite, queijo, manteiga e creme de leite. Além de origem vegetal como coco, dendê e o babaçu.

“Nascer maior para a idade gestacional significa que a criança pode ter mais risco de desenvolver doenças na vida adulta e até de complicações durante o parto. Neste sentido, a pesquisa contribui para o entendimento de como a qualidade da gordura da dieta materna interfere no desenvolvimento fetal”, conta Maria Carolina de Lima.

Já os monoinsaturados são encontrados em alimentos como abacate, castanhas, azeite de oliva e óleo de canola. O consumo desse tipo de gordura pode diminuir o LDL, que é chamado de colesterol ruim, e estimular o HDL, que é conhecido como colesterol bom. O último tipo de gordura avaliada foram as poli-insaturadas, que podem ser encontradas em ovos, óleos de soja e girassol, sardinha, salmão e azeite de oliva.

Entretanto, engana-se quem pensa que as gorduras têm apenas impacto negativo. “Os ácidos graxos tem um impacto positivo desde que consumidos em quantidade, qualidade e proporção adequadas. Dessa forma, as diretrizes internacionais preconizam a retirada da gordura trans, redução do consumo da gordura saturada e inclusão em quantidade adequada das gorduras insaturadas, que são as monoinsaturadas e poli-insaturadas”, afirma Maria Carolina.

Dessa forma, o estudo observou que a ingestão de alguns ácidos graxos apresenta um fator protetor se consumidos de forma equilibrada. “Gestantes tiveram 48% menos chance de ter filho grande para a idade gestacional com o consumo de gorduras poli-insaturadas na quantidade adequada. Os dados reforçam a importância de avaliar a qualidade da gordura ingerida e do acompanhamento do nutricionista durante a gestação”, completa.

Além de Maria Carolina, o estudo A better quality of maternal dietary fat reduces the chance of large-for-gestational-age infants: A prospective cohort study conta com autoria de Izabela da Silva Santos e de Lívia Castro Crivellenti sob orientação da professora Daniela Saes Sartorelli, todas da FMRP.

Mais informações: e-mail mariacarolina017@usp.br

Por Giovanna Grepi

FONTE: Jornal da USP

Doença de chagas, parasita causador sequestra proteína essencial no núcleo de célula infectada

Doença de chagas, pela primeira vez em mais de 110 anos, a ciência consegue evidências de uma relação complexa e íntima entre o protozoário Trypanosoma cruzi e o núcleo da célula hospedeira

Mais de um século após de ter sido descrita pela ciência e com cerca de 7 milhões de pessoas infectadas atualmente no mundo, cientistas conseguem resultados importantes que podem ajudar no controle da doença de Chagas. A equipe liderada pela professora Munira M. A. Baqui, do Departamento de Biologia Celular e Molecular e Bioagentes Patogênicos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, descobriu que o Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença, toma o controle de uma proteína essencial no núcleo da célula infectada para favorecer a continuidade do seu ciclo de vida no hospedeiro.

Foto: Camila Gachet de Castro/Arquivo pessoal

Essa é a primeira vez, garantem os pesquisadores, que se obtém “evidências de uma relação complexa e íntima entre T. cruzi e o núcleo da célula hospedeira durante a infecção”. O grupo observou que o parasita sequestra a proteína U2AF35, essencial para o início do processamento do RNA –  o que impacta diretamente nos RNAs maduros da célula hospedeira e em suas funções.

A invasão e manipulação das células do organismo infectado é uma estratégia comum dos protozoários, mas, segundo a professora Munira, até hoje pouco se sabe o que ocorre no núcleo e, principalmente, como fica a “regulação da atividade transcricional da célula hospedeira quando infectada pelo T. cruzi”.

Entrada do parasita (P) na célula (C), microscopia de varredura – Foto: Camila Gachet de Castro/Arquivo pessoal

Os resultados do estudo foram obtidos durante a pesquisa de doutorado de Camila Gachet de Castro, sob orientação da professora Munira, e publicados pela Frontiers in Cellular and Infection Microbiology. Os autores deixaram evidente que o T. cruzi pode alterar funções nucleares complexas como a modulação da transcrição e splicing do RNA, molécula essencial para a manutenção das funções biológicas da célula. Conta a professora que o parasita causador da doença de Chagas consegue “alterar a expressão das proteínas que são importantes para copiar informações do DNA, diminuindo a atividade dessas proteínas e afetando as novas que seriam geradas ao final do processo”.

O processo envolve uma complexa maquinaria molecular chamada spliceossomo, formada por um conjunto de proteínas que existe nas células responsáveis pelo processamento do RNA. Ao final do processo de splicing, se tem o RNA maduro que será traduzido em proteínas com diversas funções na célula.

Para a pesquisa, os autores estudaram células em cultura infectadas com o T. cruzi, através de ensaios celulares, bioquímicos e de biologia molecular em que puderam acompanhar as mudanças que ocorriam nas proteínas nucleares das células infectadas.

Esperança para controle da doença de chagas negligenciada

A descoberta da equipe da USP deve ser comemorada pela comunidade científica, pois abre caminho para novos tratamentos de uma doença tropical silenciosa e negligenciada. “Os medicamentos existentes são poucos, causam muitos efeitos colaterais e não funcionam em todas as fases da doença”, informa a pesquisadora.

Na verdade, a doença de Chagas só tem cura na fase inicial, que, em geral, passa despercebida e continua fazendo vítimas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) são relatados 30 mil novos casos por ano de pessoas infectadas com o parasita.

Descoberta em 1909 pelo médico sanitarista brasileiro Carlos Chagas, a doença é endêmica em 21 países do continente americano, com destaque para o Brasil, Argentina, Bolívia, Colômbia e México. No Brasil, é a quarta causa de morte entre as infecções parasitárias, conforme dados do boletim especial do Ministério da Saúde de abril do ano passado.

Com o peso da negligência, afetando regiões mais pobres do planeta, a doença de Chagas só possui tratamento curativo em suas primeiras fases, até 12 semanas após a infecção, e ainda conta com o agravante de não apresentar nenhum sintoma em muitas pessoas, que só vão descobrir a doença décadas depois em um exame de rotina ou ao apresentarem comprometimento mais grave, como o do coração.

Diante do quadro de vulnerabilidade social e falta de opção de medicamento, os achados da pesquisa podem “auxiliar no descobrimento de novas vias celulares usadas pelo parasita que ainda não se conheciam”, informa Munira, antevendo novas e mais efetivas formas de tratamento para a doença. De toda forma, a professora adianta que “mais pesquisas são necessárias para descobrir vias específicas que o parasita utiliza e entender o seu ciclo intracelular”.

Mais informações: e-mail munira@fmrp.usp.br, com a professora Munira Baqui

Por Rita Stella

FONTE: Jornal da USP

Pequena proteína reduz níveis de açúcar, gera patente e pode ser aliada no combate à diabete

Sintetizado a partir de substância produzida no sangue, o peptídeo Ric4 reduz níveis de açúcar no organismo, e, futuramente, poderá ser usado em medicamentos para controle da diabete

Uma pequena proteína cuja origem são as células do corpo humano pode ter um grande papel no controle da diabete. Em pesquisa com participação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, cientistas descobriram que o peptídeo Ric4, sintetizado a partir de uma proteína produzida pelas células sanguíneas, aumentou a sensibilidade à insulina e reduziu a glicemia, ou seja, o nível de açúcar no sangue. Os estudos sobre a estrutura e as propriedades do Ric4, realizados em animais, geraram uma patente que, no futuro, poderá dar origem a medicamentos para tratar a diabete, e que sirvam de alternativa à terapia com insulina.

Os resultados do trabalho são mostrados em artigo publicado no site da revista científica Pharmaceuticals, no último dia 16 de dezembro. A diabete tipo 2 acontece quando o corpo desenvolve resistência à insulina, responsável por processar o açúcar no organismo e levá-lo às células, o que aumenta a concentração de açúcar na corrente sanguínea.

“Há alguns anos, nosso laboratório desenvolveu um teste em modelo animal que encontrou alterações em um grupo de peptídeos intracelulares (InPeps), que são pequenas proteínas produzidas no interior das células, normalmente a partir de proteínas maiores”, explica ao Jornal da USP o professor Emer Ferro, do ICB, coordenador do estudo. “Os animais testados apresentaram maior sensibilidade à insulina e, consequentemente, maior captação de glicose e glicemia reduzida. Nossa hipótese era de que isso aconteceu devido às alterações nos níveis de InPeps.”

Emer Suavinho Ferro – Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

Em seguida, os pesquisadores sintetizaram quimicamente em laboratório quatro peptídeos, que foram denominados Ric1, Ric2 e Ric3 e Ric4. “O Ric 1 e o Ric2 foram identificados no músculo gastrocnêmio (batata da perna) e são derivados da proteína troponina I; o Ric3 foi encontrado no tecido adiposo epididimal (na região do púbis), produzido a partir da proteína de ligação acil-CoA, e o Ric4 é derivado da subunidade alfa da hemoglobina, proteína existente no sangue”, descreve o professor. “Nosso objetivo foi identificar se algum desses peptídeos poderia reproduzir farmacologicamente a maior sensibilidade à insulina e à glicemia reduzida observada nos animais.”

Captação de Glicose

“Caso isso acontecesse, poderíamos identificar um novo peptídeo que poderia ser usado no tratamento de pacientes diagnosticados com pré-diabete ou diabete tipo 2, que possuem elevados níveis de glicose e não respondem à insulina”, relata Ferro. “Foram realizados testes de viabilidade celular em cultura de células, de avaliação do efeito dos peptídeos nos níveis de expressão de proteínas específicas (Western Blotting), de estabilidade enzimática, de expressão gênica (PCR), de captação de glicose em tecidos animais e culturas de células de camundongos, e de tolerância e transporte de glicose, em células e modelos animais.”

Pesquisas sobre a estrutura e as propriedades do peptídeo Ric4 e seus derivados geraram uma patente que pode ser aproveitada futuramente na pesquisa e criação de  novos medicamentos para tratar a diabete tipo 2, e que sirvam de alternativa à terapia com insulina; na imagem, profissional da saúde medindo glicose de paciente – Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

A pesquisa verificou que dois derivados do peptídeo Ric4 (Ric4-2 e Ric4-15) possuem ação hipoglicemiante, isto é, induzem a captação de glicose e reduzem a glicemia em animais após administração oral. “As análises sugerem que o peptídeo se liga ao receptor de insulina para induzir a captação de glicose, de forma independente da insulina, esta última também um peptídeo, aumentando sua sensibilidade”, aponta o professor do ICB. “Modificações estruturais do Ric4 natural, que geraram o Ric4-2 e o Ric4-15, reduziram sua degradação por enzimas digestivas, sem prejudicar a ação farmacológica. Em resumo, peptídeos como o Ric4 podem exercer ação similar à insulina e podem ser úteis no tratamento de pacientes com diabete tipo 2.”

De acordo com Ferro, apesar da significância biológica e farmacológica, as possíveis aplicações clínicas do Ric4 ainda merecem mais investigações. “O estudo indica que pacientes com pré-diabete ou diabete tipo 2, que têm hiperglicemia resistente à insulina, poderiam ser tratados com Ric4 ou com seus análogos, Ric4-2 e Ric4-15. Porém, ensaios adicionais precisam ser realizados para avaliar a potência do peptídeo em reduzir a glicemia de portadores de diabete tipo 2”, destaca Ferro. “Nosso trabalho reforça a perspectiva que os peptídeos podem manter sua atividade farmacológica após administração oral, ‘quebrando’ o dogma que dentro do corpo eles são imediatamente degradados por enzimas digestivas.”

Além da publicação do artigo, um pedido de patente do peptídeo Ric4 foi depositado junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pela Agência USP de Inovação (Auspin) e pela INOVA, Agência de Inovação da Unicamp. “Embora o pedido tenha sido depositado em maio de 2018, nenhuma empresa até o momento se interessou em licenciar a patente do Ric4 para desenvolvimento de um fármaco alternativo à insulina para o tratamento da diabete tipo 2”, conclui o professor.

O trabalho teve a participação dos pesquisadores Renée Silva, Ricardo Llanos, Rosangela Eichler e do professor Emer Ferro, do Departamento de Farmacologia do ICB,  do pesquisador Thiago Oliveira e do professor William Festuccia, do Departamento de Fisiologia do ICB, e do professor Fabio Gozzo, do Instituto de Química da Unicamp.

Mais informações: e-mail eferro@usp.br, com o professor Emer Ferro

Por: Júlio Bernardes

Arte: Ana Júlia

FONTE: Jornal da USP