Implante para quem teve perda profunda da audição melhora percepção da fala

A cóclea é um órgão do ouvido interno em forma de espiral que recebe sons do ambiente externo e os transmite para o cérebro. Em casos de perda de audição, o implante de um dispositivo ligado à cóclea é uma opção para o paciente recuperar a capacidade de ouvir. Quando a perda é severa ou profunda, em geral devido à malformação do órgão ou a doenças como a meningite, sugere-se o implante com eletrodo curto, que tem a metade do tamanho dos modelos convencionais, para fazer a ligação do dispositivo com a cóclea, que é mais difícil porque nesses casos ela costuma estar diminuída. Porém, os efeitos deste dispositivo na compreensão da voz e articulação da linguagem ainda são pouco conhecidos, o que motivou uma pesquisa do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da USP, em Bauru. Ao testar pacientes que receberam o implante com eletrodo curto, o estudo constatou que os pacientes melhoraram de forma significativa a percepção da fala.

O estudo é descrito em artigo publicado na revista científica Acta Oto-Laryngologica. “O implante coclear é um dispositivo colocado por meio de cirurgia, de alta complexidade tecnológica, usado na reabilitação de pacientes com perda auditiva severa ou profunda bilateral, que não se beneficiam do uso de aparelhos auditivos convencionais”, afirma ao Jornal da USP o médico Guilherme Adam Fraga, que pesquisou o tema para sua dissertação de mestrado no HRAC, ligado à Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP. “Diversas empresas no mundo desenvolveram seus próprios dispositivos, que variam em tamanho, espessura e comprimento dos eletrodos, pois a anatomia da cóclea humana também apresenta variações.”

De acordo com o médico, o implante coclear com eletrodo curto, de 15 milímetros (mm), é indicado como reabilitação em pacientes com malformações do órgão ou com ossificação coclear associada a alguma doença, notadamente a meningite. “Quando observamos nos exames de imagem pré-operatórios, de tomografia e ressonância magnética, que a cóclea tem seu tamanho reduzido, o que torna mais difícil a inserção total do eletrodo, usamos o modelo curto, cujo comprimento é menor em relação ao convencional, que tem 31 mm”, explica. “Esse tipo de eletrodo é amplamente adotado no mundo, mas poucos estudos foram publicados avaliando o desempenho auditivo e de linguagem em seus usuários, com resultados, até o momento, controversos.”

A pesquisa avaliou como os testes de percepção de fala (audição) evoluíram em pacientes que foram submetidos a cirurgia de implante coclear com um tipo específico de eletrodo curto, o Compressed, da empresa austríaca Med-EL. “Realizamos a análise dos prontuários de todos os 1.713 pacientes implantados entre os anos de 2009 e 2020 no HRAC e encontramos um total de 70 pacientes usuários desse eletrodo”, descreve Fraga.

Exemplo de colocação do implante coclear; na imagem da direita está a cóclea, órgão do ouvido interno em forma de espiral que recebe sons do ambiente externo e os transmite para o cérebro, ligada ao dispositivo de reabilitação auditiva por um eletrodo, que é mais curto em casos de perda severa ou profunda da audição, quando o tamanho do órgão diminui por malformação ou doenças como a meningite, dificultando sua colocação – Foto: Cedida pelo pesquisador

Uso da fala

“Os testes de percepção de fala são avaliações audiológicas específicas realizadas em pacientes com perda auditiva, utilizados internacionalmente e validados para a língua portuguesa do Brasil”, explica o médico. “Neles, o fonoaudiólogo apresenta sílabas, palavras e frases ao paciente, que precisa comprovar que compreendeu, repetindo-as com o uso da fala, ou seja, da linguagem oral.”

O estudo usou os testes realizados na rotina diária da Seção de Implante Coclear do HRAC, tanto pré quanto pós-operatórios. “Constatamos que meningite e perda auditiva congênita foram os principais motivos para indicação de implante coclear com eletrodo curto em nosso serviço, isto é, pacientes com ossificação e malformação da cóclea”, aponta. “Com as análises, observamos que houve evolução positiva dos testes de percepção de fala com o passar do tempo.”

Assim, “o uso do implante coclear com eletrodo curto mostrou-se uma alternativa no manejo de pacientes com perda auditiva severa ou profunda”, ressalta Fraga. “Os resultados do estudo aumentam os recursos à disposição do médico com dados objetivos para orientação do paciente e dos familiares na avaliação pré-operatória do implante coclear e na escolha do dispositivo a ser implantado.”

Cirurgia para colocação de implante coclear; tipo de eletrodo a ser inserido na cóclea é definido por exames de imagem que avaliam possível redução no tamanho do órgão – Foto: Cedida pelo pesquisador

A pesquisa foi realizada na Seção de Implante Coclear do HRAC por Guilherme Adam Fraga e apresentada como dissertação de mestrado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação. O trabalho teve orientação do professor Luiz Fernando Lourençone e participação de Julia Speranza Zabeu e Rhaissa Heinen Peixoto. A pesquisa é descrita no artigo Evolution of speech perception in patients with ossified cochlea and short array cochlear implant, publicado na revista científica Acta Oto-Laryngologica em 21 de agosto.

Mais informações: e-mail gadamfraga@usp.br, com Guilherme Adam Fraga

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Pesquisadores do Elsa-Brasil vão estudar a relação entre equilíbrio e audição

A quarta onda do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) vai continuar com as avaliações por audiometria tonal, além de avaliar também as alterações de equilíbrio que podem estar relacionadas com quedas entre os idosos.

Envelhecimento, exposição a ruídos e doenças crônicas são alguns dos fatores que podem contribuir para perdas auditivas. Tentando entender quais desses fatores realmente têm um impacto na audição e de que forma isso acontece, pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) acompanham, desde 2009, voluntários do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil).

O Elsa-Brasil é um estudo de cunho epidemiológico que investiga na população brasileira a incidência e fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares (acidente vascular cerebral, hipertensão, arteriosclerose, infarto, entre outras) e algumas doenças associadas. Os participantes da pesquisa, cerca de 15 mil pessoas de várias regiões do País, com idade entre 35 e 74 anos, serão novamente convocados em agosto para entrevistas e exames que identifiquem uma possível evolução dos fatores de risco para estas doenças – que são consideradas a principal causa de mortalidade no Brasil e no mundo.

“Estudos longitudinais da audição no Brasil não são feitos. Então, este é um estudo inédito e grande e temos vários parâmetros acompanhados no estudo Elsa, o que nos ajuda a fazer as análises”, conta ao Jornal da USP a professora Alessandra Samelli, líder do estudo relacionado à audição.

As avaliações já relacionam a perda auditiva a fatores como envelhecimento, doenças crônicas e declínio cognitivo. Agora, na quarta onda do estudo Elsa, em agosto, os pesquisadores vão estudar a relação entre alterações auditivas e equilíbrio.

“Sabemos que a cóclea, que faz parte do sistema auditivo, está ao lado do aparelho vestibular, que é um dos responsáveis pelo equilíbrio”, explica Alessandra sobre essa nova avaliação.

Com o envelhecimento, diversos sistemas são afetados e, para o equilíbrio ocorrer, há dependência de parte desses sistemas, como o vestibular e o visual. A análise da relação entre a audição e o equilíbrio pode ajudar a identificar se há uma associação entre esses fatores e descobrir possíveis falhas no equilíbrio do idoso, prevenindo possíveis acidentes. “Um problema muito grande nos idosos são as quedas e entender essa relação pode ser uma forma de evitá-las”, complementa.

Metodologias, resultados e expectativas

Para analisar a audição dos voluntários, é feito o exame de audiometria tonal. Nesse exame, as pessoas ficam em cabines acústicas isoladas e escutam sons de diferentes frequências. Assim, é possível identificar qual é o limiar auditivo de cada um — nível mínimo de pressão acústica necessário para provocar uma sensação auditiva. A partir disso, identifica-se o grau da perda auditiva e o seu tipo.

Também é feita uma anamnese padrão a fim de entender históricos de saúde e ocupacionais de cada participante e analisar possíveis influências nas alterações auditivas. O trabalho de uma pessoa, por exemplo, em um ambiente com ruídos, pode afetar a audição. Para entender outras influências, ainda são utilizados os resultados de pesquisas realizadas nas outras áreas do estudo Elsa-Brasil.

Foto: Reprodução/PxHere

Ao longo desses anos, não é possível afirmar definitivamente se a relação entre doenças crônicas e perdas auditivas existe, mas já se concluiu que o envelhecimento contribui para a perda auditiva. “O que a gente consegue dizer é que o efeito da idade sobre a audição é o mais evidente; por isso precisamos fazer esse acompanhamento audiológico durante o envelhecimento e fazer a intervenção o mais rapidamente possível”, diz a professora Alessandra.

A intervenção pode evitar possíveis consequências da perda auditiva, como declínio cognitivo, isolamento social e depressão. A expectativa com a nova onda é que a triagem do equilíbrio ajude a evitar outras consequências, como as quedas entre os idosos.

Veja, neste link, outras pesquisas realizadas pelo Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil).

Autora: Bianca Camatta
Arte: Adrielly Kilryann e Rebeca Fonseca

FONTE: Jornal da USP