Para Rodrigo Calado, trata-se de aprender como cuidar melhor de alguns tecidos para retardar um pouco o processo de envelhecimento celular, lembrando que existem fatores ambientais e do próprio organismo que regulam o envelhecimento
Em estudo publicado no último mês de abril na revista científica eLife, cientistas de Cambridge, no Reino Unido, rejuvenesceram células de pele humana em 30 anos. A pesquisa ainda está em fase inicial de desenvolvimento, mas é vista como um caminho para o futuro científico. O professor Rodrigo Calado, especialista em Hematologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e membro do Centro de Terapia Celular da USP, examina o funcionamento da tecnologia.
De acordo com Calado, o princípio já existe desde a clonagem da ovelha Dolly, quando pesquisadores da Escócia conseguiram colocar um núcleo de uma célula madura da glândula mamária de uma ovelha dentro do citoplasma: “Eles retiraram o núcleo de um ovo recém-fecundado e naquela célula sem o núcleo introduziram o núcleo da célula bem madura. Com isso, eles conseguiram mostrar que o DNA desse núcleo da célula madura podia ‘voltar no tempo’, assumir as características de uma célula embrionária e dar origem de novo a um organismo inteiro”.
Cerca de uma década depois, o cientista japonês Shinya Yamanaka identificou que esse processo é o resultado da ação de, principalmente, quatro proteínas que atuam no controle do DNA, chamadas de fatores de transcrição. “Quando você introduz essas quatro proteínas no núcleo de qualquer célula virtualmente e expressa essas proteínas em grande quantidade, elas são capazes de reprogramar o DNA de uma célula, ou seja, do sangue, de uma célula da pele, de uma célula do coração, da glândula mamária, qualquer tipo de célula em um estado que nós chamamos de pluripotência — um estado embrionário em que essa célula é capaz de dar origem a qualquer tipo de célula”, conta o professor.
Esse processo é acompanhado de uma série de alterações nas células para que elas percam as cicatrizes acumuladas ao longo do tempo, essas cicatrizes são obrigatórias para que elas assumam características de determinada linhagem. Calado indica que “é mais ou menos como se passasse uma borracha nessas cicatrizes que ficam acumuladas no DNA. O que esse grupo fez foi entender melhor quais são esses marcadores que estão relacionados ao envelhecimento de alguma forma, que foram ‘apagados’ ou modificados por esse processo de reprogramação das células”.
Envelhecimento
Um dos objetivos finais da pesquisa é tratar e amenizar os efeitos de doenças relacionadas ao envelhecimento. Mas, de acordo com o professor, ainda é cedo para pensar em grandes impactos. “São duas coisas bastante distintas, a forma como a gente rejuvenesce uma célula da forma como a gente rejuvenesce um organismo como um todo. Uma coisa é você pegar uma célula, reprogramá-la e essa célula vai ficar em pluripotência, eu não consigo fazer isso com o seu organismo de uma forma geral.”
O envelhecimento está associado a processos celulares, mas não há como desconsiderar outros fatores, como o desenvolvimento hormonal e o acúmulo de cicatrizes e infecções. “Essas alterações inflamatórias não vão se reverter necessariamente com a inibição de alguns fatores de envelhecimento dentro da célula especificamente. […] “O que a gente pode aprender é como a gente pode cuidar melhor de alguns tecidos para retardar um pouco esse processo de envelhecimento celular, mas lembrando que existem outros fatores ambientais e outros fatores do próprio organismo que regulam o envelhecimento para além da célula”, aponta Calado.
Tecnologia em desenvolvimento
Apesar de estar em um estágio inicial, a tecnologia já possui funcionalidade na ciência. O professor comenta: “Tem sido muito útil já atualmente. Dentro do Centro de Terapia Celular, que é o Cepid-Fapesp, nós utilizamos essas células pluripotentes e induzidas para entender uma série de doenças, porque você pode produzir células em grandes quantidades e entender nas células o que está sendo alterado”.
Calado projeta os próximos passos da pesquisa, mesmo que a longo prazo. “De forma mais complexa, é a produção de órgãos. Se um paciente tem um defeito genético, você pode corrigir aquele defeito da célula no laboratório, depois produzir o órgão que está acometido e fazer um transplante de volta para colocar o órgão que teve a correção realizada. Isso é mais distante, obviamente, mas existem perspectivas, pelo menos em teoria. Isso já é feito em algumas instâncias, inclusive em modelos animais, como camundongos, mas, para humanos, ainda tem um tempo para acontecer”.
Texto: João Dall’ara
Arte: Rebeca Fonseca
FONTE: Jornal da USP