Diante do contexto da pandemia de covid-19, o número de quadros de ansiedade e depressão aumentou entre crianças e adolescentes. Com dificuldades na adaptação às aulas presenciais e o estresse diário com a falta de socialização, o desenvolvimento mental dos jovens foi prejudicado e a busca por atendimentos cresceu. Para suprir a necessidade de tratamento durante a emergência sanitária, o Projeto Jovens na Pandemia utiliza a internet como ferramenta na psicoterapia e na compreensão de estratégias para oferecer ajuda.
A telepsicoterapia, tratamento psicológico por meio digital, é o método utilizado pelo projeto para ofertar o serviço aos pacientes. “Desenvolvemos um protocolo de psicoterapia baseado em técnicas cognitivas e técnicas comportamentais que estão presentes nas terapias presenciais que nós sabemos que funcionam”, explica Guilherme Polanczyk, professor do Departamento de Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP.
Situação preocupante
Além disso, a escassez de serviços de saúde mental no País e o crítico índice de crianças e adolescentes com transtornos psicológicos merece atenção do público, na opinião de Polanczyk: “A situação nas escolas, nos consultórios e ambulatórios de saúde mental de crianças e adolescentes é uma situação preocupante”.
Para ele, as consequências do isolamento e do ambiente em que vivem são fatores que influenciam nas mudanças no comportamento dos jovens, pois são “alterações que podem ser muito inespecíficas e que, realmente, em uma avaliação especializada, é possível detectar que existe um quadro de depressão ou de ansiedade ou de outra situação”. Essas alterações podem incluir sintomas de insônia, dificuldade em respirar, vontade de chorar e desinteresse.
Por meio da elaboração de um protocolo e de testes, “a psicoterapia segue estratégias bem estruturadas, cognitivas e comportamentais, e tem um componente também de vídeos educativos” no tratamento de pacientes. O acesso ao serviço é gratuito para todos os jovens do País e também busca auxiliar as famílias no processo. “É feita essa primeira conversa para avaliar se é uma criança que tem esses critérios para estar incluído no estudo. Então, (ela) participa de uma forma voluntária e do estudo por seis semanas”, complementa.
Emergência da saúde mental
A primeira etapa do projeto foi um estudo de monitoração da saúde mental das crianças e adolescentes em todo o País entre 2020 e 2021. “Identificamos que uma em cada três crianças e adolescentes apresentava esses níveis clínicos”, o que requer pelo menos uma avaliação, de acordo com ele. O agravamento destes casos nos Estados Unidos levou a Associação Americana de Pediatria a declarar emergência de saúde mental das crianças em outubro de 2021.
A imunoterapia contra o câncer é, atualmente, uma das abordagens mais eficazes para o tratamento de pacientes. Nela, as células cancerígenas são combatidas pelo próprio sistema imunológico do organismo.Apesar do sucesso clínico, nem todas as pessoas respondem satisfatoriamente a esse tipo de intervenção ou, se respondem, apresentam apenas respostas de curto prazo, além de muitos efeitos colaterais.
Mas uma revisão sistemática da literatura, realizada por Rafaela Rossetti, doutoranda pelo Programa de Oncologia Clínica, Células-Tronco e Terapia Celular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, observou que a combinação de dois tratamentos (conhecidos como bloqueio do checkpoint imunológico e transferência adotiva de células T geneticamente modificadas) pode trazer resultados promissores.
“Esses estudos fornecem ensinamentos sobre possíveis abordagens para potencializar a atuação das células do sistema imunológico contra o câncer, tornando-as mais resistentes aos mecanismos imunossupressores [que reduzem a atividade desse sistema] impostos pelo microambiente tumoral”, explica Rafaela Rossetti ao Jornal da USP.
Já as T-CARs são células T geneticamente modificadas em laboratório para produzir um tipo de proteína conhecida como CAR (que significa Receptor de Antígeno Quimérico) antes de serem cultivadas e “devolvidas” à pessoa doente. Existem seis produtos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) – agência de regulação americana para medicamentos – para uso clínico e disponíveis no mercado.
“O uso dessas células tem fornecido resultados impressionantes para o tratamento de câncer no sangue. Por outro lado, ainda existem limitações na sua eficácia contra tumores sólidos”, afirma Lucas Eduardo Botelho, coordenador do Laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro de Ribeirão Preto e pesquisador associado do Centro de Terapia Celular (CTC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“A ineficiência se deve, em parte, aos mecanismos de imunossupressão empregados pelos tumores para escapar do ataque mediado por células do sistema imunológico”, diz Botelho.
Já o bloqueio do checkpoint imunológico baseia-se em um grupo de proteínas presentes na superfície dos linfócitos T que precisam de ser ativadas ou inativadas para desencadearem uma resposta imunológica. Estudos anteriores, liderados por americanos e japoneses, mostraram que as células do câncer estimulam a expressão dessas proteínas (chamadas de checkpoints) e seus ligantes (acionadores) no tecido tumoral. Com isso, os tumores “desligam” o sistema imunológico, o que favorece o crescimento do câncer. Os mesmos cientistas também demonstraram que o uso de anticorpos capazes de inibir a interação entre os checkpoints e seus ligantes restaura a resposta antitumoral de defesa, permitindo a reativação dos linfócitos T.
“Esta revisão teve como objetivo avaliar se o bloqueio dos checkpoints imunológicos seria um caminho promissor para aumentar a eficácia terapêutica das células T geneticamente modificadas contra neoplasias sólidas”, resume Botelho.
Terapia para câncer com Células T-CAR
Ensaios pré-clínicos e clínicos
A revisão sistemática é um método de pesquisa que busca reunir estudos semelhantes avaliando-os criticamente em sua metodologia e reunindo-os numa análise estatística. Ao sintetizar estudos semelhantes e de boa qualidade, é considerado o melhor nível de evidência para tomadas de decisões sobre tratamentos, de acordo com a Cochrane, rede global de pesquisadores especializada em trabalhos de revisão sistemática.
Para realizar esta revisão, Rafaela e Botelho delimitaram os principais pontos a serem abordados e cada um deles contribuiu para a busca bibliográfica, contextualização e redação sobre os tópicos escolhidos. “Nessa revisão, buscamos trazer um compilado de estudos que forneceram conhecimentos importantes, bem como estudos pré-clínicos e clínicos publicados recentemente”, explica Rafaela Rossetti.
“O objetivo foi fornecer uma visão mais completa do cenário atual do uso de inibidores de checkpoints imunológicos em combinação com a infusão de células T geneticamente modificadas para o tratamento contra o câncer.” Ao final, 112 artigos foram selecionados para o trabalho da pesquisadora.
Na avaliação dela, este trabalho contribuiu para enriquecer o conhecimento na área e permitiu refletir sobre possíveis implementações em pesquisas que atualmente abordam principalmente células T geneticamente modificadas para o tratamento do câncer, visando a uma melhoria na eficiência dessas células.
Trabalhos no CTC
O Centro de Terapia Celular foi o pioneiro no Brasil a estabelecer uma infraestrutura para estudo e aplicação clínica de células-tronco e, há alguns anos, houve a incorporação do uso de células T modificadas geneticamente para reconhecer e destruir células tumorais nas áreas de pesquisa e desenvolvimento.
Como resultado, foi estabelecida uma plataforma para produção e uso clínico de células T expressando receptores quiméricos de antígenos contra a proteína CD-19 (expressa em leucemias e linfomas de células B). “Esse estudo resultou na primeira aplicação bem-sucedida de células T-CAR anti CD-19 para o tratamento compassivo de pacientes com linfoma na América Latina”, diz Botelho.
Já o laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro de Ribeirão Preto está empenhando esforços para contribuir com a ampliação da plataforma de produção e uso clínico das células CAR-T por meio da criação de ferramentas moleculares de controle de qualidade e ensaios pré-clínicos, além de desenvolver novas construções genéticas e estratégias para melhorar a eficácia e o acesso dos pacientes a esse tipo de terapia.
Botelho conta que, atualmente, existem projetos em andamento para avaliar construções genéticas contra três novos alvos expressos por células tumorais, incluindo tumores sólidos. Além disso, uma plataforma de edição gênica para geração de células T de uso alogênico está em fase de implementação.
Essa estratégia pode reduzir drasticamente os custos dessa tecnologia, e permite modificações celulares capazes de elevar sua eficácia por meio de deleção de genes que limitam sua atividade antitumoral, por exemplo.
“O levantamento que fizemos reforça a ideia de que utilizar ferramentas de edição genética para deletar os circuitos moleculares envolvidos nessa interação pode resultar em um produto mais eficaz, por não mais sofrer a ação supressora do microambiente tumoral”, ressalta o último autor do estudo. “Certamente essas informações serão incorporadas ao nosso esforço de desenvolver a próxima geração de imunoterapias celulares anticâncer”, conclui.
Débora Terrabuio fala sobre a doença hepática gordurosa não alcoólica, a qual é considerada epidemia global e pode evoluir para casos de fibrose no fígado, cirrose, câncer, infarto, derrame e até AVC
A Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), também conhecida como esteatose hepática, já atinge 30% dos brasileiros e representa atualmente uma epidemia global. Ela é considerada uma manifestação hepática da síndrome metabólica, composta por obesidade ou sobrepeso, pré-diabete ou diabete, hipertensão e alterações de colesterol. Segundo a hepatologista e coordenadora da Clínica de Transplante Hepático do Hospital das Clínicas (HC) da USP, Débora Terrabuio, pessoas que possuem pelo menos três desses problemas têm mais risco de desenvolver a esteatose: “Nos pacientes com diabete, a prevalência pode chegar até 60%”.
Consequências da doença
A DHGNA ainda pode evoluir para uma esteato-hepatite com o passar do tempo, facilitando que o paciente acometido desenvolva fibrose no fígado, cirrose ou até câncer, sendo necessário, em alguns casos, realizar transplante hepático. De acordo com Débora, de um a dois pacientes em cada dez podem progredir para esse quadro. Além disso, a esteato-hepatite também está associada ao aumento do risco de infarto, derrame e AVC, ou seja, é uma doença com comprometimento sistêmico.
A hepatologista informa que as doenças do fígado são, geralmente, pouco sintomáticas: “A gente só descobre que tem algum problema no fígado quando o olho amarela, quando aparece água na barriga, quando a plaqueta, que é responsável pela coagulação do sangue, baixa além do valor normal em um exame de hemograma ou quando [o paciente] vai fazer um ultrassom e já tem um fígado de tamanho diminuído”.
Diagnóstico
Para ver se a esteatose está ou não comprometendo o fígado, é considerado o sexo do paciente, sua idade e comorbidades. “Começamos fazendo ultrassom e depois os exames de sangue do fígado, para ver como esse paciente está, com as enzimas do fígado alteradas ou não”, diz a especialista.
Por se tratar de uma doença progressiva, é importante atuar nas diversas partes da evolução da doença e fazer o diagnóstico precoce para obter mais chances de reverter o quadro. Conforme explica Débora, estudos mostram que aproximadamente 40% dos pacientes acometidos com hepatite sabem do seu diagnóstico e estão comprometidos com o tratamento, contra menos de 5% dos que possuem a esteatose hepática.
Tratamento e prevenção
Se um indivíduo possui a esteatose grau três no fígado, é preciso que ele mude seus hábitos de vida a partir da diminuição do consumo de produtos industrializados e da intensificação da atividade física, já que, perdendo cerca de 10% do peso quando é dado o diagnóstico, e controlando a síndrome metabólica, há uma melhora significativa da gordura no fígado. Aumentar o consumo de café sem adição de açúcar também pode diminuir a inflamação.
Débora reforça a importância de o paciente conversar com seu médico endócrino para avaliar a possibilidade de realizar ultrassom de abdômen e exames do fígado em casos em que ele possui outras doenças, como diabete e hipertensão. Para o público leigo, há ainda diversos formulários científicos feitos pela Sociedade Brasileira de Patologia e pelo site Tudo Sobre Fígado, o qual disponibiliza informações sobre a DHGNA.
A especialista diz que “a construção da reserva cognitiva é feita ao longo de toda a vida, desde a infância, com uma boa alimentação, atividade intelectual, uma boa estimulação e através da escolarização, nível educacional e atividades cognitivas”
A reserva cognitiva é de extrema importância para o nosso dia a dia e nos ajuda a viver melhor, principalmente na terceira idade. Mas antes de explicar vamos entender primeiro o que é a reserva cerebral. É justamente o espaço físico que existe no cérebro, com todos os seus neurônios e estruturas. A médica Sônia Brucki, professora de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP (FM) e coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas, explica que “reserva cerebral é uma reserva estrutural do cérebro, número de neurônios, por exemplo, uma pessoa que tem um acidente vascular cerebral vai ter como sequela uma menor reserva cerebral do que outra que não teve porque vai ter uma região do cérebro que foi afetada e que não vai ter mais os neurônios e as outras estruturas que tem no cérebro normal”, diz.
Sendo assim, a reserva cognitiva é a funcional, construída ao longo da vida com boas condições de saúde, trata-se de um estilo de vida. “Podemos dizer que é um conceito mais funcional em que você vai construindo essa reserva cognitiva ao longo de toda sua vida, desde a infância, com uma boa alimentação, uma boa estimulação e também através da escolarização. O nível educacional que o indivíduo alcança é importante para todas as suas atividades cognitivas intelectuais durante a vida.
Quanto mais você ler, estudar e fazer coisas diversificadas melhor para a sua reserva cognitiva e consequentemente aumenta o número de sinapses neuronais entre as células. O termo reserva cognitiva descreve a resistência da mente às lesões do cérebro, AVC e Alzheimer” explica Sônia.
A professora comenta que é importante desenvolver essas reservas cognitivas, como se fosse um exercício mental. A atividade intelectual vai melhorar o desempenho cerebral. Existem algumas dicas que valem para a vida toda. A primeira delas é que sempre há tempo de melhorar a cognição, independentemente da idade. Jogos de tabuleiros, hábito de leitura, aprender outro idioma, tocar um instrumento musical, palavras cruzadas, algo que desperte a curiosidade.
Pesquisadores do Instituto de Biociências indicam o sistema formado pelas proteínas Ohr (uma enzima antioxidante) e OhrR (seu fator de transcrição) como um potencial alvo a ser explorado na busca por novos antibióticos
Em artigo de revisão publicado na revista Free Radical Biology and Medicine, pesquisadores brasileiros apontam o sistema formado pelas proteínas Ohr (uma enzima antioxidante) e OhrR (seu fator de transcrição) como um potencial alvo a ser explorado na busca por novos antibióticos.
Há mais de 20 anos o grupo de Netto tem estudado esse sistema proteico, que desempenha papel central na defesa de patógenos contra danos oxidativos. No trabalho recentemente publicado, os pesquisadores descrevem aspectos da estrutura, catálise, filogenia, regulação e papéis fisiológicos das proteínas. O objetivo foi sistematizar informações que estavam dispersas na literatura.
Segundo os autores, o sistema Ohr-OhrR desempenha importantes funções na interface entre patógenos como Xylella fastidiosa, Pseudomonas aeruginosa, Chromobacterium violaceum e Bacillus cereus e seus hospedeiros – entre eles mamíferos e plantas vasculares. No entanto, os mecanismos envolvidos nessas interações são complexos e os papéis desempenhados por Ohr e OhrR nesses processos variam muito entre as diversas bactérias.
Como não são encontradas em animais vertebrados nem em plantas vasculares e têm características estruturais únicas, dizem os pesquisadores, as proteínas Ohr e OhrR podem ser alvos para o desenvolvimento de novos antibióticos – algo muito relevante, considerando o alarmante fenômeno das bactérias multirresistentes. Além disso, essas proteínas desempenham outras funções fisiológicas, como proteger bactérias simbióticas fixadoras de nitrogênio do estresse oxidativo associado a esse processo.
Para Netto, a pouca atenção dada ao sistema Ohr-OhrR é de certa forma surpreendente e poderia ser explicada por razões históricas. Enquanto as enzimas antioxidantes mais conhecidas foram descobertas a partir de 1937, a primeira Ohr só foi descrita em 1998, como uma proteína envolvida na resposta de bactérias ao estresse induzido por hidroperóxidos orgânicos, sendo que, em 2000, cientistas brasileiros identificaram o gene que codifica essa proteína no genoma da Xylella fastidiosa, bactéria que causa uma doença chamada clorose variegada dos citros (CVC), provocando grandes prejuízos à agricultura no Estado de São Paulo.
“Quando apareceu a Ohr no genoma da Xylella, não se sabia a atividade bioquímica dessa proteína. Como eu já tinha trabalhado com peroxirredoxinas, vi que a Ohr tinha duas cisteínas que eram muito conservadas. Aí surgiu a ideia: talvez seja uma peroxidase”, conta Netto, que fez parte do grupo responsável pelo sequenciamento do genoma da bactéria. O primeiro trabalho do grupo sobre a Ohr foi publicado em 2003, no Journal of Biological Chemistry, e demonstrou que, de fato, Ohr é um tipo de peroxidase.
Resumo gráfico – Foto: Reprodução
O pesquisador enfatiza, no entanto, que a Ohr não é uma peroxirredoxina como descrito em alguns artigos. “A Ohr tem propriedades muito diferentes, como a sequência primária, a estrutura, a especificidade para redutor e oxidante e a dinâmica ao longo do ciclo catalítico.” As peroxirredoxinas (Prx), que também são foco de estudo do grupo de Netto, são proteínas antioxidantes consideradas sensores celulares de peróxido de hidrogênio.
Em 2020, o grupo elucidou seis estruturas cristalográficas da proteína Ohr do patógeno oportunista Chromobacterium violaceum, incluindo a estrutura do complexo entre a Ohr e seu substrato biológico, a di-hidrolipoamida (DHL). Os pesquisadores identificaram intermediários do ciclo catalítico da enzima e reforçaram as evidências de que Ohr e Prx pertencem a classes diferentes de proteínas. Além disso, mostraram que a Ohr tem um colar hidrofóbico ao redor de seu sítio ativo, uma característica estrutural única que explica a especificidade dessa enzima para peróxidos orgânicos.
Inflamação
A resposta inflamatória é uma estratégia dos hospedeiros para combater microrganismos patogênicos e envolve a produção de várias moléculas oxidantes. Portanto, se uma inflamação demora para terminar, pode causar danos ao próprio hospedeiro. Hidroperóxidos orgânicos de ácidos graxos são oxidantes que também podem atuar como sinalizadores de processos tanto inflamatórios quanto anti-inflamatórios.
“A sinalização envolvida nesses processos de inflamação e de resolução da inflamação é bastante complexa, envolvendo diferentes hidroperóxidos de ácidos graxos, como dos derivados de ácido araquidônico”, conta Netto.
A hipótese levantada pelos pesquisadores é de que a Ohr poderia estar envolvida de alguma forma na virulência de patógenos via controle dos níveis desses hidroperóxidos lipídicos. “Acredito que o envolvimento biológico da Ohr poderia estar relacionado com o processo de resolução [finalização] da inflamação. Contraintuitivamente, se a bactéria tem muito antioxidante [no caso, a enzima Ohr], acaba sendo ruim para ela e bom para o hospedeiro por, entre outros motivos, facilitar o recrutamento de células fagocitárias. Mas essa é uma hipótese ainda especulativa, que requer evidência experimental”, afirma o pesquisador.
A OhrR é a proteína que controla a transcrição do gene da Ohr. Para que a enzima antioxidante (Ohr) seja produzida, o gene que a codifica precisa ser transcrito para o RNA mensageiro correspondente. A OhrR quando está reduzida se liga ao DNA e impede a transcrição. Quando a célula está sob estresse oxidativo e é exposta ao peróxido orgânico, a OhrR é oxidada e sofre uma mudança estrutural que libera o DNA para ser transcrito e depois traduzido na proteína Ohr.
Como explica Netto, o próprio fator de transcrição é regulado por um processo redox (oxidação ou redução). “E ele vai induzir ou reprimir a expressão de uma proteína que tem propriedades que interferem no metabolismo dos hidroperóxidos orgânicos.”
Diversos grupos do Cepid Redoxoma estão envolvidos em estudos com hidroperóxidos orgânicos derivados de ácidos graxos, como os liderados pelos pesquisadores Sayuri Miyamoto e Paolo Di Mascio, bem como em estudos de cinética envolvendo a Ohr e a OhrR, como os grupos dos pesquisadores Ohara Augusto e Daniela Truzzi, ou ainda em estudos estruturais, como o grupo do pesquisador Marcos Antonio de Oliveira.
Em 2021, um grupo de pesquisadores chineses identificou o primeiro inibidor contra Ohr da bactéria Acinetobacter baumannii ATCC19606. O tratamento desse microrganismo com o inibidor de Ohr potencializou a atividade antibacteriana de antibióticos como canamicina e gentamicina. O grupo chinês entrou em contato com Netto, para colaboração no sentido de identificar moléculas com atividade microbicida mais potente.
O artigo Ohr – OhrR, a neglected and highly efficient antioxidant system: Structure, catalysis, phylogeny, regulation, and physiological roles pode ser acessado no link.
* Com informações da Assessoria de Imprensa do Redoxoma.
Os participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) acompanhados entre 2008 e 2018 que apresentaram maior espessura das carótidas tiveram pior desempenho cognitivo, principalmente entre as pessoas brancas
Estudo da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) avaliou a relação entre a espessura das paredes internas das artérias carótidas e a cognição. A medida indica acúmulo de gordura nos vasos que pode levar a infartos ou derrames, tendo como causa colesterol alto, tabagismo, diabete, hipertensão e até fatores genéticos. Os participantes foram acompanhados entre 2008 e 2018. Os resultados mostraram que aqueles com medida maior dessa espessura no início do estudo apresentaram mais perda cognitiva nos quatro domínios avaliados (memória, fluência verbal, função executiva e domínio global) ao longo dos oito anos de acompanhamento.
Essa relação já havia sido observada em outras pesquisas internacionais, mas a amostra do Elsa-Brasil pôde mostrar, devido à sua maior diversidade, algo inédito: essa associação é maior entre as pessoas brancas que participaram do estudo do que entre as pessoas negras. Ainda são necessários mais estudos para averiguar os motivos dessa diferença.
A pesquisa, conduzida pela pós-doutoranda da FMUSP, Naomi Vidal, usou os dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), levantamento epidemiológico nacional de longo prazo que tem a maior amostra e tempo de avaliação da performance cognitiva no País.
Além de Naomi, o artigo Association between common carotid artery intima media thickness and cognitive decline differs by race também é assinado pelos pesquisadores Laiss Bertola, da Unifesp; Itamar Santos, Alessandra Goulart, Marcio Bittencourt e Isabela Judith Martins Bensenor, do Hospital Universitário da USP; Sandhi Maria Barreto e Luana Giatti, da UFMG; Paulo Caramelli, da UEMG; Paulo Lotufo, da Faculdade de Saúde Pública da USP, e Claudia Suemoto, da Faculdade de Medicina da USP.
Na conferência em San Diego, as pesquisadoras também vão apresentar um outro artigo que mostra a relação entre o consumo de ultraprocessados e o declínio cognitivo ao longo do tempo – leia a matéria completa aqui.
Futuros estudos e a importância do Elsa-Brasil
O Elsa-Brasil é um estudo epidemiológico nacional realizado desde 2008 em parceria com várias instituições como USP, UFES, Fiocruz, UFBA, UFMG e UFRGS que acompanha o estado de saúde de cerca de 15 mil funcionários. A ideia é investigar a incidência e fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares (acidente vascular cerebral, hipertensão, arteriosclerose, infarto) e outras associadas. Os participantes, com idades entre 35 e 74 anos, são de várias regiões do País.
Cláudia Suemoto, médica graduada pela FMUSP e pesquisadora do Elsa-Brasil especializada em demências e suas associações com doenças cardiovasculares, diz ao Jornal da USP que todos os estudos do projeto devem ser replicados para o formato longitudinal, de forma que a evolução dos participantes possa ser acompanhada e analisada ao longo do tempo. Ela também cita que está nos planos do projeto começar fazer avaliações cognitivas mais detalhadas com os participantes que apresentarem resultados alarmantes que permitam diagnosticar casos de demência.
O acompanhamento longo é especialmente importante porque as principais demências, como a doença de Alzheimer, se desenvolvem ao longo do tempo, então quanto maior o período analisado, maior a nossa capacidade de isolar o efeito de uma variável que realmente aumenta o risco da doença”, afirma.
A amostra brasileira permite investigar como os fatores de risco interagem com baixos índices socioeconômicos e de escolaridade, por exemplo. Outra questão importante, como o estudo sobre a espessura das artérias ilustra, é a diversidade racial. Isso porque, apesar de existir literatura científica apontando para uma maior prevalência de demência entre pessoas negras (devido a questões relacionadas às desigualdades econômicas e vulnerabilidades sociais ligadas ao racismo estrutural), a maior parte dos estudos na área é feita com amostras majoritariamente brancas.
No próximo mês de agosto, os participantes do Elsa-Brasil serão novamente convocados para entrevistas e exames.
Veja, neste link, outras pesquisas realizadas pelo Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil).
“Justificativas para adição do flúor na água são válidas; é o método de menor custo per capita”. A avaliação é do professor Wilson Mestriner, da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, contra o movimento antifluoretação das águas de abastecimento público que tem ganhado força no País. O movimento espalha fake news e preocupa autoridades sanitárias, principalmente, pela prevalência de doenças bucais relacionadas à desigualdade social.
Segundo Mestriner, “graças à fluoretação da água de abastecimento público, nós temos a redução do índice de cáries”, fato que só é “observado através do censo nacional, dos levantamentos epidemiológicos para avaliar a condição de saúde bucal da população brasileira”. E a desigualdade social, persistente no País, justifica a conduta de adicionar flúor à água da população já que, apesar das conquistas das últimas décadas, a quantidade de desdentados no País ainda é grande, como mostra a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A condição brasileira faz com que, baseados na ciência, especialistas da USP defendam os benefícios da lei federal (lei 6.050 de 24 de maio de 1974), enquanto as fake news engrossam o movimento antifluoretação no Brasil. Em publicação recente, pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, analisaram conteúdos de 297 sites e redes sociais e identificaram mais de 300 publicações falsas na área de odontologia com impactos na saúde da população.
O movimento é contra a utilização do íon flúor na água de consumo diário e também nos produtos odontológicos para prevenção da doença dentária cárie. Iniciado nos Estados Unidos, o movimento ganha força no Brasil através do compartilhamento de informações falsas pela internet e mídias sociais.
Utilizam “argumentos verdadeiros, como a possibilidade de neurotoxicidade do flúor, entretanto de forma descontextualizada, então não leva em consideração a concentração do flúor e que é utilizada em águas de abastecimento ou em produtos odontológicos”, comenta o professor Thiago Cruvinel, líder da equipe da FOB.
De adeptos naturalistas a profissionais da odontologia
Os resultados do estudo da FOB indicam que a chegada desse movimento no Brasil ocorre através de pessoas com conhecimento da língua inglesa que consomem esses conteúdos provenientes dos Estados Unidos. Esses indivíduos, segundo Cruvinel, disseminam através de suas mídias sociais e na internet os conteúdos que incentivam outras pessoas a se tornarem antifluoretos.
“O que nós temos percebido nas nossas pesquisas é que essas pessoas normalmente têm um estilo de vida ligado a hábitos naturalistas, como, por exemplo, a não utilização de produtos industrializados ou cosméticos que contêm produtos artificiais na sua composição”, destaca o professor sobre o perfil dos publicadores de fake news na odontologia. Como se trata de um comportamento de risco que parte de pessoas com práticas adequadas de saúde, as falsas notícias se tornam “um problema, porque a partir disso surgem outras formas de pensar a odontologia e outras formas de combater doenças bucais que não são pautadas em evidências científicas”, analisa Cruvinel.
E as justificativas utilizadas pelas pessoas que participam desses movimentos são diversas. “Dentre elas, podemos observar justificativas relacionadas à toxicidade do flúor e também baseando-se em teorias da conspiração, como, por exemplo, uma política adotada por Hitler durante o nazismo ou ainda uma política que é utilizada por governos para controlar as mentes das pessoas. Existem também teorias ligadas à espiritualidade, como a calcificação da glândula pineal, que levaria à impossibilidade de conexão com Deus, com o criador”, diz o professor.
Nem os profissionais da área de odontologia ficam de fora. “É importante salientar que esse movimento não ocorre somente entre leigos, existem também profissionais hoje que acreditam nessa questão da necessidade de não utilização do flúor por sua toxicidade”, conta Cruvinel, afirmando que se trata de adeptos de uma pseudociência chamada “odontologia biológica”.
Fluoretação da água
A adição mundial do flúor na água de abastecimento público começou na primeira metade do século 20, quando o dentista norte-americano Frederick McKay comprovou a atividade do íon flúor, na concentração ideal e segura, na prevenção da doença cárie. No Brasil, estudos similares apareceram na segunda metade do século 20. “O primeiro estudo desenvolvido, um estudo também de caráter epidemiológico, foi no Baixo Guandu, no Espírito Santo, em 1953, através da concentração regular do íon flúor na água de abastecimento público. Nós conseguimos a redução em torno de 60% da atividade da doença cárie”, conta Mestriner.
Uso de fluoretos nas águas auxilia na prevenção da cárie dentária – Foto: Edson Lopes Jr/A2 fotografias via Fotos Públicas
A fluoretação da água de abastecimento público em todo o País começou a partir de lei federal em 1974 que, adianta o professor Mestriner, indica a concentração ideal do íon flúor: deve estar no intervalo de 0,60 a 0,80 miligramas por litro ou partes por milhão (ppm) em função da temperatura. O controle desses níveis, continua o professor, é realizado simultaneamente pelos serviços de saneamento municipais, órgãos cadastrados e laboratórios credenciados no acompanhamento periódico.
Fake news na saúde
As fake news estão presentes nas mais diversas áreas, porém quando ligadas à saúde podem causar danos irreparáveis. Elas geralmente circulam nas mídias sociais e na internet com o intuito de atingir um grande número de pessoas.
Essas desinformações utilizam diversas técnicas para atrair e manipular o usuário como distorcer informações verdadeiras e apresentá-las junto com inverdades, explica o especialista no estudo das fake news João Henrique Júnior, do Instituto de Estudos Avançados da USP em Ribeirão Preto.
“Utilizam também teorias da conspiração ajustadas à narrativa em questão, produzindo mensagens com forte apelo emocional tentando provocar sentimentos como medo e ódio. Aproveitam-se, ainda, das brechas das empresas de tecnologia, que priorizam o lucro em vez da qualidade, para disseminar esse conteúdo de modo orquestrado, coordenado e em larga escala. Esse movimento contínuo, quando não é enfrentado e moderado efetivamente, consegue ao longo do tempo conquistar novos adeptos e radicalizar os mais antigos”, comenta Henrique Júnior.
Para o especialista, “essas campanhas de desinformação podem, no curto e no médio prazo, levar o indivíduo a utilizar produtos ou tratamentos nocivos à sua saúde, colocando até mesmo sua vida em risco. Já no longo prazo, as informações falsas podem abalar a confiança do usuário gerando descrédito em relação às fontes confiáveis como a imprensa profissional, centros de pesquisa e órgãos de governo, podendo prejudicar inclusive políticas públicas de saúde”.
Artigo publicado no The British Medical Journal mostra que a interação com palhaços durante a internação ajuda a amenizar os sintomas de doenças crônicas e agudas em crianças e adolescentes
Durante o processo de hospitalização de um paciente pediátrico, muitos sintomas psicológicos podem afetar o processo de recuperação, entre eles a ansiedade. Um estudo pioneiro, realizado por pesquisadores da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, avaliou a eficácia da presença dos palhaços na melhora de crianças hospitalizadas, tanto por doenças crônicas, quanto agudas. A medida não farmacológica se mostrou eficiente em reduzir o conjunto de sintomas apresentados durante a hospitalização e positivo para a recuperação dos pacientes.
O trabalho teve orientação da professora Regina Aparecida Garcia de Lima e contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“A pesquisa buscou identificar medidas não farmacológicas para qualificar o cuidado em saúde”, diz ao Jornal da USP a professora Regina Aparecida Garcia. Durante a hospitalização de pacientes pediátricos há um contexto de ruptura do convívio social e todas as questões fisiológicas e patológicas que estão ligadas ao processo, ressaltam os pesquisadores. Nesse contexto, os palhaços auxiliam no processo de recuperação das crianças, tornando-o mais ameno, tanto para os próprios pacientes quanto para os pais e a equipe médica.
“Essas questões humanas são importantes como forma de qualificar o cuidado”, explica Luis Carlos. Até então, as revisões sobre a eficiência da intervenção dos palhaços eram focadas na análise de estudos sobre as condições agudas — doenças com o curso acelerado — que levavam o paciente a ser internado. A análise tanto das condições agudas, como crônicas — condições de saúde de curso mais ou menos longo ou permanente que exigem respostas e ações contínuas — é um dos diferenciais que o artigo traz.
O estudo traz uma revisão sistemática da literatura sobre os palhaços que se apresentam em hospitais como medida não farmacológica para auxiliar no tratamento de crianças e adolescentes. No total, foram analisados 24 estudos sobre o tema, sendo 13 ensaios clínicos randomizados e 11 estudos experimentais não randomizados.
Efeitos positivos nos pacientes
Os resultados indicaram que a interação com os palhaços — tanto em procedimentos médicos, cirurgias, como em internações em decorrência de condições crônicas — ajuda no manejo de sintomas, durante a hospitalização. A presença dos palhaços foi benéfica para controlar sintomas em relação ao grupo controle, que não estava recebendo nada além do tratamento convencional dos hospitais. O estudo ratifica que palhaços melhoram o bem-estar psicológico e as respostas emocionais das crianças e adolescentes tanto para condições agudas quanto para condições crônicas.
Crianças com doenças crônicas têm contato frequente com o hospital, por isso ele precisa ser um ambiente que ajude a desenvolver o paciente, ressaltam os pesquisadores. “Há uma série de medidas que podem ser aplicadas nos hospitais para que este não seja só um lugar de dor e sofrimento, mas um local que promove o desenvolvimento das pessoas”, destaca Regina.
Resultados com palhaços
Para a revisão, os pesquisadores decidiram analisar estudos que haviam sido realizados sobre palhaços que atuam em hospital. Para a escolha de material foram incluídas as principais bases de dados na área: PsycInfo, Medline, Cochrane Library, Medline, ISI of Knowledge, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Science Direct, Scopus, American, Cumulative Index to Nursing e Allied Health Literature, and Latin American and Caribbean Health Sciences Literature.
“Nós excluímos todos os estudos que, em uma hierarquia de evidências, foram mal classificados e colocamos os de classificação mais alta”, informa Luís. Além disso, os pesquisadores fizeram uma seleção metódica de palavras-chave para encontrar os melhores resultados nos buscadores. Em cada base de dados foram considerados estudos controlados, sinônimos e combinações. Cada base tem uma especificidade grande porque a forma de domínio é distinta em cada uma.
Na busca, os cientistas encontraram 136 estudos sobre o tema e então os critérios de inclusão e exclusão foram aplicados. “Os artigos precisavam atender a alguns critérios de inclusão como abordar crianças e adolescentes que foram admitidos no hospital tanto por condição aguda ou crônica”, elucida Luís. Foram removidas 91 pesquisas, 85 delas não se relacionavam com o tema da análise e seis não estavam dentro dos delineamentos estabelecidos. Restaram 31 estudos que foram lidos, na íntegra, pelos pesquisadores e sete deles foram excluídos. Assim, 24 estudos entraram para a revisão sistemática, com uma população total de 1.612 crianças e adolescentes. Ansiedade foi o sintoma mais estudado, sendo o foco de 13 pesquisas, seguida de dor, descrita em nove.
O artigo se destaca por uma série de motivos, um deles é que analisa o conjunto de sintomas dos pacientes ao invés de focar em apenas um deles. Outro ponto de destaque é a metodologia de prevenção sobre risco de viés nos estudos analisados. Para cada um dos delineamentos escolhidos — estudos randomizados e não randomizados — uma ferramenta diferente de análise de viés foi utilizada.
Para os randomizados, os pesquisadores utilizaram a ferramenta Risk of Bias 2 (RoB 2) e para os não randomizados, a Risk of Bias Tool to Assess Non-randomized Studies (ROBINS-I). “Esse foi um ponto elogiado no nosso trabalho, pois as outras revisões utilizaram a mesma ferramenta para as duas categorias”, conta Luís. O estudo também foi revisado por dois revisores independentes.
O estado civil pode interferir no índice de controle da pressão arterial das pessoas, sugere pesquisa da Escola de Enfermagem (EE) da USP. Segundo o estudo, realizado com dados de 253 pacientes atendidos em um ambulatório de alta complexidade do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), mulheres e homens casados ou aqueles que vivem em união estável têm 2,3 vezes mais chances de controlar a hipertensão do que os solteiros, viúvos e divorciados. A pesquisa recebeu prêmio no 27º Congresso da Sociedade Brasileira de Hipertensão como melhor trabalho da área multidisciplinar.
O grupo estudado era composto de homens (39,3%) e mulheres (61,7%) acima de 18 anos (média de 60 anos). A maioria era casada (52,8%) e com ensino médio completo (44,3%). Foram coletadas informações biossociais (características sociais, como renda, raça, idade, etc.), etilismo (consumo de álcool), tabagismo, atividade física, morbidades, medicamentos em uso e avaliação de adesão ao tratamento pela escala terapêutica de Morisky (perguntas feitas aos pacientes, cujas respostas permitem saber se são aderentes ou não a um tratamento).
Além de mostrar que homens e mulheres casados ou que viviam em união estável tinham mais chances de controlar a pressão arterial, o estudo também observou que 69,2% dos hipertensos estavam com a pressão arterial controlada e 90% informaram fazer tratamento medicamentoso. Esses achados chamaram a atenção dos pesquisadores, principalmente a taxa de controle dos hipertensos, semelhante à de países desenvolvidos. Mas Mayra ressalta que essa não é a realidade do restante do País, pois o controle da pressão tem sido um grande desafio.
Polifarmácia
O estudo mostrou também que o uso de muitos medicamentos interferia no índice de controle da pressão arterial. Quanto maior o número de medicamentos em uso (polifarmácia), menor era a chance de controle. A cada fármaco prescrito ao tratamento, a chance de controle diminuía em 21,3%.
Segundo a pesquisadora, na literatura médica, o uso de cinco ou mais medicamentos já é considerado polifarmácia. O fenômeno está associado ao aumento do risco e da gravidade das reações adversas ligadas a interações medicamentosas e à redução de adesão ao tratamento. Os hipertensos da pesquisa apresentavam outras doenças como diabete e dislipidemia (níveis aumentados de gordura no sangue), que também requerem tratamento medicamentoso, o que justificaria o elevado número de fármacos.
O uso de um grupo de medicamentos utilizado para tratamento de hipertensão (bloqueadores de canal de cálcio) influenciou no controle. Os hipertensos que faziam uso desses fármacos apresentaram 55,9% menos chances de controlar a pressão arterial.
Segundo a pesquisadora, “essa associação negativa do bloqueador do canal de cálcio com o controle da pressão é difícil de ser analisada pois são anti-hipertensivos eficazes: reduzem a morbimortalidade cardiovascular, possuem boa tolerabilidade e proporcionam segurança no tratamento da hipertensão arterial. Diversos fatores podem ter influenciado nesse resultado, tais como a complexidade da condição dos hipertensos e, consequentemente, dificuldade de controle da pressão”, diz a pesquisadora ao Jornal da USP. Morbimortalidade cardiovascular é um conceito que se refere ao índice de pessoas mortas em decorrência de uma doença específica dentro de determinado grupo populacional.
Hipertensão
No Brasil, a hipertensão arterial atinge cerca de 31% dos adultos e 60% dos idosos. É a principal causa de morbimortalidade cardiovascular e o controle da pressão arterial é a forma mais eficaz de evitar complicações.
Segundo a pesquisadora, a meta de controle não é uma tarefa fácil de ser atingida por falta de implementação de estratégias populacionais. Ter uma fonte usual de cuidados, otimizar a adesão ao tratamento e minimizar a inércia terapêutica (garantir que a dose e os números de medicamentos estejam corretos para cada indivíduo) estão associados a maiores taxas de controle.
Uma parceria entre paciente, profissionais de saúde e sistema de saúde incorpora uma abordagem multinível para o controle da hipertensão e pode trazer resultados mais satisfatórios, diz Mayra.
A dissertação de mestrado Controle da hipertensão arterial em um ambulatório especializado de alta complexidade foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem na Saúde do Adulto da Escola de Enfermagem (EE) da USP. Um artigo será enviado para publicação na revista International Journal of Clinical Practice.
Mais informações: e-mail mayraguimaraes@usp.br, com Mayra Cristina da Luz Pádua Guimarães, ou e-mail pierin@usp.br, com Ângela Maria Geraldo Pierint
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Piso da Enfermagem, que define o piso salarial nacional para a categoria, foi aprovada na Câmara dos Deputados e segue para promulgação. Contratados em Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os enfermeiros terão o piso de R$ 4.750, técnicos de enfermagem contarão com R$ 3.325 e auxiliares de enfermagem e parteiras, com R$ 2.375. A categoria recebeu mais atenção pela atuação no combate à pandemia, mas a demanda já é de mais de 20 anos.
“É uma luta do Conselho Federal de Enfermagem e dos conselhos regionais de enfermagem, que se aliaram a algumas lideranças políticas que reconheceram […] a importância dos profissionais de enfermagem na linha de frente da pandemia”, afirma Pedro Fredemir Palha, professor do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, da qual também é diretor, ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição.
Os trabalhadores da enfermagem representam 60% da força de trabalho nos sistemas públicos, filantrópicos e privados de saúde, de acordo com o professor. “Os enfermeiros, os técnicos de enfermagem e os auxiliares de enfermagem são os profissionais que mais adoeceram e morreram pela covid”, lembra Palha. Também são eles “que permitem que os serviços de saúde se mantenham ativos e abertos para a população em geral”. Antes da pandemia, a categoria “não tinha essa visibilidade para a população”.
Outras condições de trabalho
A valorização dos profissionais também passa pela qualificação do ensino da maioria das escolas em enfermagem e de ensino técnico profissionalizante no Brasil. “Embora se tenha o Ministério da Educação como órgão regulador, nem sempre a qualidade da regulação desses cursos é adequada”, avisa Palha.
Outra questão necessária é uma política de formação permanente dos enfermeiros, “para que a tomada de decisão dos profissionais de enfermagem, nas diferentes atividades assistenciais e gerenciais em que eles atuam, possa ser por meio de evidências científicas”.