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Um estudo recém-publicado pela revista científica The Lancet Regional Health – Americas traça o panorama epidemiológico da hérnia diafragmática congênita (HDC) no Estado de São Paulo. A anomalia, que consiste em um defeito embrionário que impede o desenvolvimento normal do pulmão, não tinha, até então, dados sobre sua incidência na América Latina, incluindo o Brasil. A situação acaba de mudar graças a uma equipe de alunos de graduação da USP dos cursos de Medicina em Ribeirão Preto e em Bauru, liderada pelo professor Lourenço Sbragia Neto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP).
Com base em informações de livre acesso do DataSUS e do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil, os pesquisadores verificaram que, dos mais de 7,3 milhões de nascimentos ocorridos entre 2006 e 2017, em São Paulo, mais de 1.100 apresentavam algum problema relacionado à HDC.
O dado, avalia Sbragia Neto, mostra que a prevalência da anomalia no Estado é de um para cada seis mil nascimentos, não muito distante da realidade de países desenvolvidos (Canadá, Estados Unidos e Comunidade Europeia) que têm entre um caso em três mil a um caso em seis mil nascimentos, dependendo da região.
Os resultados da HDC em São Paulo, estado brasileiro com cerca de 45 milhões de habitantes, devem servir de base tanto para o restante do País quanto para outros países latino-americanos. Com as informações, “podemos pleitear políticas de atendimento perinatal, envolvendo a gestante, o nascimento e o cuidado pós-operatório” necessário para o tratamento da anomalia, informa Sbragia Neto.
O professor orientou os três graduandos da USP, Eduardo Pavarino e Victória Oliveira Maia, da FMRP, além de Leandro Tonderys Guidio, do campus de Bauru. Guidio destaca que “o principal resultado do estudo é mostrar um panorama epidemiológico sobre a HDC, trazendo uma estimativa da prevalência geral no Estado de São Paulo e também como essa prevalência está distribuída segundo algumas estratificações, como idade materna, escolaridade da mãe, idade gestacional, entre outras, e como esses fatores podem afetar a mortalidade de crianças”, diz. Espera-se que os dados fornecidos pelo estudo ajudem o sistema de saúde a oferecer um melhor atendimento a quem tem a anomalia.
O trabalho está descrito no artigo Crossing birth and mortality data as a clue for prevalence of congenital diaphragmatic hernia in Sao Paulo State: A cross sectional study.
Embora não seja muito comum, a hérnia diafragmática congênita está consideravelmente presente tanto em São Paulo quanto no restante do País, argumentam os pesquisadores. E não havia dados sobre a HDC para a sociedade brasileira e latino-americana. Autoridades e cientistas da área de saúde usavam “informações importadas e que, possivelmente, não refletiam nossa realidade”, afirma Pavarino.
Questionado sobre as causas da HDC, Sbragia Neto afirma que ainda são desconhecidas e ainda não existe forma de prevenção. Por isso, reforça a importância de planejamento antes da gravidez, sendo necessário “tomar as vitaminas, colher os exames prévios para o acompanhamento da gestação e fazer o ultrassom pré-natal, que pode identificar a anomalia”.
Tratamento é feito com ventilação e cirurgia
Apesar de menos frequente, o tratamento da hérnia diafragmática congênita é muito caro, “pelo uso do oxigênio, de antibiótico e de deixar muitas sequelas, com maiores danos para as crianças”, enfatiza Sbragia Neto. Com a malformação do músculo do diafragma, intestino, estômago e fígado sobem para o tórax e pressionam o pulmão. “Então a criança acaba morrendo de insuficiência respiratória, pelo fato de o pulmão não crescer”, informa.
A correção do problema é feita por cirurgia, que pode recuperar 85% dos casos leves (devolvendo vida normal às crianças) e 40% dos casos graves (em que os sobreviventes convivem com problemas pulmonares crônicos – como asma e enfisema – e até com lesão cerebral, dependendo do tempo que ficarem sem oxigênio).
O professor informa ainda que há casos em que a correção pode ser feita dentro do útero. Dependendo da gravidade, detectada por exames de ressonância, é possível a intervenção fetal, “colocando um balãozinho dentro da traqueia, para impedir que o líquido do pulmão saia” e possa crescer. O procedimento é realizado em Ribeirão Preto e outras localidades do Estado de São Paulo.
Impacto social e na formação de cientistas
Feliz com os resultados da pesquisa, Sbragia Neto destaca o impacto social dos dados e também do investimento na formação de cientistas. A ciência “pode mudar a realidade do nosso País, que sofre pela escassez de quem quer se dedicar e ser devotado a ela”, diz o professor.
Sobre a atuação de estudantes em atividades de pesquisa, Guidio diz que é “fundamental que se incentive a pesquisa já na graduação para que se forme novos pesquisadores”. Com conhecimentos em estatística adquiridos em sua primeira graduação, no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), o estudante de medicina foi o responsável pelo preparo dos dados e análises estatísticas. Pavarino é graduado em Ciências da Computação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e se responsabilizou pelo processamento dos dados levantados pela colega Victória, usando ferramentas de tecnologia da informação.
Além de Victória, Guidio e Pavarino, também assinam o artigo na The Lancet Regional Health – Americas João Paulo Dias de Souza e Amaury Lelis Dal Fabbro, todos da FMRP, e Rodrigo Ruano e Augusto Frederico Schmidt, ambos da Escola de Medicina da Universidade de Miami, nos Estados Unidos.
Texto: Rita Stella e Rosemeire Talamone
Arte: Guilherme Castro
FONTE: Jornal da USP