Você sabe o que é a doença dos telômeros?

Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP descobriram efeitos importantes no sistema imunológico da doença dos telômeros, que afeta os cromossomos e interfere na multiplicação das células, lesiona o fígado e a medula óssea. Experimentos com animais mostraram que a doença leva um tipo de células de defesa do corpo, os macrófagos, a produzirem uma resposta inflamatória desregulada. Ao mesmo tempo, testes com pacientes revelaram um desequilíbrio na proporção de alguns tipos de linfócitos, células que coordenam e desencadeiam a resposta imune. Os resultados do estudo, descrito em artigo da revista científica Blood, abrem caminho para entender como a doença dos telômeros age nas células imunes e evitar no futuro o desenvolvimento de complicações no organismo.

“Os telômeros formam as pontas dos cromossomos e servem para proteger o DNA das células, funcionando também como ‘relógio biológico’. Eles encurtam naturalmente com a divisão celular, e quando ficam muito curtos, a célula morre ou entra em senescência, isto é, para de se multiplicar”, explica ao Jornal da USP o pesquisador Willian Robert Gomes, doutorando da FMRP e primeiro autor do artigo. “Alguns tipos celulares, como as células-tronco, precisam se multiplicar constantemente e, por isso, produzem a enzima telomerase, que restabelece o comprimento dos telômeros e evita seu desgaste.”

Nas doenças dos telômeros, chamadas de telomeropatias, a telomerase é disfuncional e esse encurtamento ocorre muito mais rápido. “As células perdem a capacidade de funcionar e se multiplicar corretamente”, observa Gomes. “As manifestações que requerem mais atenção são falência de medula óssea, quando ela deixa de produzir as células do sangue de forma adequada, e fibrose dos pulmões e do fígado.”

Segundo o pesquisador, células-tronco da medula óssea se dividem constantemente para produzir as células do sangue. “Por isso é essencial que o comprimento de seus telômeros seja sempre mantido pela telomerase”, enfatiza. “Nas telomeropatias, estas células-tronco param de se replicar ou se replicam muito lentamente, e assim, a medula não produz um número suficiente de células sanguíneas.

Inflamação anormal

Estudos em camundongos com lesões induzidas no fígado mostraram que os macrófagos, células do sangue instaladas nos tecidos com função de defesa, respondem a estímulos inflamatórios de maneira anormal quando os genes da telomerase são “deletados”. “Também vimos que os pacientes com telomeropatias possuem um desequilíbrio nas proporções dos subtipos de linfócitos Th1, Th2e Th17”, aponta Gomes. Os linfócitos são células que desencadeiam e controlam a resposta imune do organismo, reconhecendo ameaças e produzindo anticorpos. “Ainda precisamos estudar mais a fundo a relação entre essas alterações e o desenvolvimento da fibrose, mas sabemos que essas células têm papel fundamental nas respostas fibróticas.”

 

Os linfócitos T são células com funções imunológicas de efetuação de respostas antivirais. Os linfócitos naïve correspondem ao grupo de células B ou células T maduras provindas de órgãos linfoides que nunca encontraram um antígeno diferente – Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

 

De acordo com o pesquisador, o estudo descobriu ainda que os pacientes possuem alterações semelhantes às encontradas em imunodeficiências congênitas. “Entre elas, está o baixo número de linfócitos naïve, responsáveis pela resposta a novos patógenos, como vírus e bactérias”, destaca. “Outros subtipos estão proporcionalmente reduzidos ou aumentados, o que sugere que o sistema imune dos pacientes tem características diferentes das pessoas saudáveis.”

“Se encontrarmos qual a relação entre as alterações imunes e o desenvolvimento das complicações que ocorrem nas doenças dos telômeros, poderemos encontrar maneiras de evitar ou reduzir o aparecimento desses problemas”, salienta Gomes. “No entanto, ainda é preciso investigar mais a fundo o papel que estas células imunes têm na doença.”

A pesquisa foi orientada pelo professor Rodrigo Calado, da FMRP. O artigo baseado no estudo, Immune Dysregulation in Human Telomere Diseases, foi publicado na revista científica Blood, editada pela American Society Of Hematology, dos Estados Unidos.

Mais informações: e-mail williangomes@usp.br, com Willian Robert Gomes

FONTE: Jornal da USP

Doença de Parkinson e a qualidade de vida

No dia 11 de abril foi celebrado o Dia Mundial da Doença de Parkinson; o distúrbio neurológico marcado pelos tremores nas mãos é comum em uma a cada mil pessoas. Ainda hoje, uma série de estigmas é associada à doença, tornando a conscientização da temática cada dia mais necessária.

“Com a doença diagnosticada e tratada adequadamente, o paciente consegue viver com ela em uma condição de vida bastante elevada”, comenta o professor Egberto Reis Barbosa, chefe do Ambulatório de Doença de Parkinson e Distúrbios do Movimento da Divisão de Neurologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Doença neurodegenerativa 

A doença de Parkinson é uma patologia neurodegenerativa de prevalência alta. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de quatro milhões de pessoas são afetadas por ela, o que representa cerca de 1% da população mundial a partir dos 65 anos. “À medida que o contingente de pessoas idosas aumenta, o número de pacientes com a doença de Parkinson também vai aumentando progressivamente”, explica Barbosa.

Doenças neurodegenerativas são conhecidas como proteinopatias, ou seja, uma proteína, que normalmente é produzida no cérebro, apresenta uma função na transmissão sináptica. Essa sofre uma degeneração estrutural, fator que leva à perda neuronal progressiva. “Nessa doença, o principal problema é a perda de neurônios em uma região do cérebro que se chama substância negra. Eles produzem um neurotransmissor que se chama dopamina, então, todo o arsenal terapêutico para melhorar o paciente com doença de Parkinson é baseado na reposição de dopamina”, explica o professor.

O médico também comenta que, com o tempo, a doença pode levar a uma incapacidade motora e, como não tem cura, é encarada como um desafio para a medicina. Contudo, na maioria dos casos, os pacientes que seguem o tratamento corretamente conseguem ter uma alta qualidade de vida, reforça ele. “A imagem que se tem é de uma doença muito incapacitante, mas boa parte dos pacientes evolui muito bem, mesmo a longo prazo. Há pacientes que, sob tratamento, mal se percebe que eles possuem a doença. Então, a perspectiva de vida para boa parte dos pacientes é bastante satisfatória, desde que o tratamento seja aderido corretamente.”

Sintomas e identificação 

Além dos conhecidos tremores nas mãos, a doença de Parkinson pode gerar também instabilidade postural, rigidez nas articulações, lentidão nos movimentos e outros sintomas. Porém, o professor da Faculdade de Medicina da USP diz que a maior parte dos pacientes, cerca de 80%, ainda apresenta os tremores como primeiro sintoma. Um contingente menor apresenta rigidez de membros e dificuldade de locomoção.

O diagnóstico da doença costuma ser feito durante exames clínicos: “Os casos que são apresentados com tremores levam poucos meses para serem identificados, ao passo que aqueles que não apresentam tremor podem levar anos”, adiciona Barbosa. Manifestações pré-motoras da doença também são identificadas e podem auxiliar no diagnóstico final. As mais comuns delas são a perda de olfato e o transtorno comportamental do sono. “Às vezes essas manifestações precedem em vários anos as manifestações motoras”, diz o especialista.

Como dito, a doença de Parkinson não apresenta cura, mas esse fato não impede que os pacientes tenham qualidade de vida. “Apesar da ausência de cura, os terapêuticos hoje são bastante eficazes para manter os pacientes em uma condição de vida bastante satisfatória”, comenta o professor, reforçando o combate de estigmas associados à doença.

Além disso, é interessante notar que o tratamento é uma combinação do tratamento medicamentoso (remédios) com atividades físicas regulares. Alguns dos remédios necessários para o controle da doença são fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “A Levodopa, que é o principal recurso para o tratamento da doença de Parkinson, é fornecida tanto nos postos de saúde quanto pelo Programa Farmácia Popular, que vende o medicamento com descontos”, lembra Barbosa.

Fonte: Jornal da USP

USP e Embrapa criam monitor sustentável de glicose para diabéticos

Pesquisadores da USP e da Embrapa criaram um sensor capaz de detectar níveis de glicose na urina. Esse é o primeiro passo para monitorar a diabetes com base em outros fluidos como suor, saliva e lágrima, diminuindo a necessidade de perfurações na ponta dos dedos e idas aos centros de saúde.

Pessoas diabéticas precisam controlar o nível de açúcar no organismo continuamente. Normalmente essa aferição é feita em uma gota de sangue, com um pequeno furo no dedo. Com o novo método, basta uma gota de urina para medir o nível de glicose. A pesquisa é inicial, porém o sensor poderia ser conectado facilmente em um aparelho pequeno e de baixo custo.

A inovação foi desenvolvida por cientistas do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) e da unidade de pesquisa em instrumentação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em São Carlos, em estudo coordenado pelo professor Paulo A. Raymundo-Pereira, do IFSC.

A alternativa criada tem como vantagem não ser dolorosa e invasiva. A perspectiva agora é criar dispositivos conectados à centrais que acionem equipes de saúde quando houver riscos detectados. O estudo foi publicado na edição de fevereiro de 2023 da revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering sob o título Flexible, Bifunctional Sensing Platform Made with Biodegradable Mats for Detecting Glucose in Urine.

Paulo explica ao Jornal da USP que as pesquisas avançam em busca de medir esse e outros índices moleculares através de fluidos coletados sem a necessidade de agulhas. “Hoje em dia isso é feito com os glicosímetros comprados em farmácias, porém é necessário fazer uma punção na ponta dos dedos para coletar uma gota de sangue. É um procedimento inconveniente e um pouco dolorido, principalmente para quem monitora várias vezes ao dia.”

Fonte: Paulo A. Raymundo-Pereira

 

Não precisar ir ao laboratório ou hospital para fazer exames também evita que pessoas em grupos de risco sejam expostas vírus e outras infecções. “Os dispositivos que nós desenvolvemos para monitorar biomarcadores químicos que indicam status da saúde também poderiam ser acoplados a outros sistemas, diminuindo a necessidade de ida até o hospital”, comenta o professor.

Para medir a quantidade de glicose na urina, o mecanismo utiliza a enzima glicose oxidase, que quebra o açúcar em estruturas menores, liberando peróxido de hidrogênio. Assim, o sensor eletroquímico consegue medir a quantidade de peróxido formado e estimar a quantidade de açúcar no organismo do paciente.

A manta que serve como suporte é fabricada através de uma fiação com um sopro de ar comprimido, uma injeção de solução de ácido poliláctico e polietilenoglicol e um motor que coleta as fibras. Os sensores são impressos sobre o tecido por meio da deposição da tinta de carbono em telas de serigrafia, o mesmo processo usado para estampar camisetas e sacolinhas plásticas. Embora seja descartável, o material é totalmente biodegradável.

(A) Ilustração da montagem experimental para produzir as mantas. (B) Imagem da manta contendo quatro dispositivos impressos à direita. (C) Eletrodos auxiliares. (D) Mantas de fibra de fiação por sopro de ácido poliláctico e polietilenoglicol. (E) Superfície do carbono. (F) Imagem da superfície de carbono coberta com nanopartículas de pigmento azul. – Fonte: Paulo A. Raymundo-Pereira

 

O método de produção das mantas de fibra de poliácido lático e polietilenoglicol foi desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA), da Embrapa Instrumentação. A preparação usa a técnica de fiação por sopro de solução contendo uma mistura de polímeros com clorofórmio e acetona. Além de ser sustentável, o tecido é a prova de acúmulo de microrganismos.

O novo biossensor é flexível e foi capaz de detectar glicose tanto em urina sintética quanto a partir da coleta de um voluntário. Foi possível observar a substância até o limite mínimo de 0,000197 mol para cada litro de fluído. Esse nível é mais do que suficiente para a detecção de glicose na urina e em outros fluidos corporais, cuja concentração é cerca de cem vezes menor do que no sangue. A vantagem em relação a outros biossensores não invasivos é o seu baixo custo.

O estudo torna viável a construção de uma tira com sensores de 3 cm e com um gasto menor que US$ 0,25 por unidade, o equivalente a R$ 1,30 se considerarmos a taxa de câmbio média em 2022. Além disso, o biossensor apresenta resposta rápida e longo tempo de vida útil.

O biossensor suporta variações de acidez e de temperatura maiores que outros dispositivos. A novidade na arquitetura está na fixação direta da enzima nas fibras sem a deposição nos eletrodos.

A estratégia pode ser adaptada para medir concentrações de glicose na pele dos pacientes, através do suor. Os pesquisadores também esperam integrar o sensor a dispositivos móveis, armazenando as coletas em uma nuvem de dados que processe informações personalizadas.

A desospitalização possibilitada por equipamentos como esse é uma demanda crescente dos profissionais da saúde. Segundo o relatório de 2015 da Federação Internacional de Diabetes (IDF) previsão é de que 642 milhões de pessoas no mundo sejam diagnosticadas com diabetes até 2040. Em 2014, eram pouco mais que 422 milhões de pacientes nessa condição.

Mais informações: e-mail pauloaugustoraymundopereira@gmail.com, com Paulo A. Raymundo-Pereira.

FONTE: Jornal da USP

Contagem de células prevê sobrevida no câncer de fígado

Os índices inflamatórios baseados em contagem de células sanguíneas podem ser uma opção para prever a evolução de pacientes com câncer de fígado avançado, revela pesquisa do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). A análise dos dados de pacientes tratados com terapia medicamentosa mostrou que o índice que relaciona a contagem de dois subtipos de células de defesa do sangue, os neutrófilos e os linfócitos, está associado à sobrevida do portador da doença. As conclusões da pesquisa estão em artigo na revista Molecular and Clinical Oncology.

“O tipo de câncer analisado foi o carcinoma hepatocelular, ou câncer de fígado”, explica ao Jornal da USP o pesquisador Leonardo Gomes da Fonseca, do HC e do Icesp, autor do trabalho. “É a sexta neoplasia mais incidente no mundo, com aproximadamente 900 mil casos novos por ano, e a terceira mais letal, com cerca de 830 mil mortes. No Brasil, a incidência é de 4,5 casos por 100 mil habitantes.”

Segundo o pesquisador, existem outros métodos para prever a sobrevida dos pacientes. “O mais comum na rotina médica é fazer um exame de imagem do tipo tomografia”, relata. “Se há crescimento do tumor, é um sinal de pior sobrevida, se há redução, é um indício de melhor sobrevida.”

A pesquisa analisou 373 pacientes com câncer de fígado avançado. “Todos eles tinham diagnóstico de carcinoma hepatocelular fora das possibilidades de tratamento curativo e indicação de tratamento medicamentoso, com objetivo de aumentar a sobrevida. O medicamento que os pacientes utilizaram foi o sorafenibe”, relata Fonseca. “Nós verificamos quais características são preditoras de melhor ou pior sobrevida, incluindo o impacto de índices inflamatórios medidos facilmente na prática clínica através de exames de rotina, como a razão entre a contagem de neutrófilos e linfócitos. Este índice é um marcador de estado inflamatório sistêmico.”

Sobrevida

“Os neutrófilos e linfócitos são dois subtipos de leucócitos, ou glóbulos brancos, células que circulam no sangue e têm diferentes funções ligadas ao nosso sistema imunológico, como a defesa contra infecções”, observa o pesquisador. “Eles também parecem participar da reação imunológica relacionada ao câncer. Por exemplo, os linfócitos podem ser ativados e destruir células tumorais; os neutrófilos ativariam uma inflamação que facilita a progressão do câncer. Por essa razão, ambos têm relação com a sobrevida do paciente.”

Neutrófilos e linfócitos são células ligadas ao sistema imunológico que circulam no sangue e também parecem participar da resposta ao câncer; linfócitos podem destruir células tumorais e inflamação de neutrófilos ativaria progressão da doença – Imagem: Freepik

O estudo verificou que a principal causa de câncer de fígado entre a população estudada é a infecção pelo vírus da hepatite C, seguida por hepatite B, álcool e doença hepática gordurosa. “Nós concluímos também que a razão entre a contagem de neutrófilos e linfócitos é capaz de predizer a sobrevida dos pacientes, quando medida no início do tratamento”, destaca Fonseca. “Quando o índice se encontra elevado, a sobrevida é menor. Além disso, as mudanças dinâmicas desta razão no primeiro mês de tratamento melhoram a capacidade preditiva do índice.”

“Concluímos que os índices inflamatórios podem auxiliar o médico na definição prognóstica, além de servir como base para desenho de estudos futuros direcionados a subgrupos de pacientes com carcinoma hepatocelular com diferentes riscos de mortalidade”, aponta o pesquisador. “Estes achados sugerem que há uma provável interação entre tratamento, sistema imunológico e o câncer, que impacta nos desfechos dos pacientes.”

A pesquisa foi orientada pelo professor Flair José Carrilho, da FMUSP. As conclusões do estudo são relatadas no artigo Early variation of inflammatory indexes refines prognostic prediction in patients with hepatocellular carcinoma under systemic treatment, publicado em 21 de fevereiro.

Mais informações: e-mail l.fonseca@fm.usp.br, com Leonardo Gomes da Fonseca

Fonte: Jornal da USP

Nova classe de fármacos promissora contra leucemias agudas

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) estudam um possível novo tratamento para as leucemias agudas, tipos de câncer cuja mortalidade em adultos pode chegar a mais de 50%. Com a molécula sintética THZ-P1-2, recém-lançada pela indústria farmacêutica, foi possível eliminar mais de 80% dos tumores em ensaios ex-vivo, feitos em células retiradas de pacientes. O estudo é relatado em artigo publicado na Blood Cancer Journal, revista de referência na área e do grupo Nature.

As leucemias agudas são divididas em duas categorias: as leucemias mieloides agudas (LMA) e as leucemias linfoblásticas agudas (LLA). A maior parte dos casos da LLA acontece em crianças e não costuma causar morte pois há muitas terapias já consolidadas para esses casos, o que não ocorre com os adultos. Já a LMA é mais comum em adultos, o que, pela falta de opções terapêuticas para a faixa etária, ajuda a explicar a alta taxa de mortalidade. “Ambas são muito agressivas, e pessoas que não receberam nenhum tratamento podem morrer em poucos meses”, explica João Agostinho Machado-Neto, professor do Departamento de Farmacologia do ICB, que coordenou a pesquisa no Laboratório de Biologia do Câncer e Antineoplásicos do Instituto, junto com o professor Eduardo Magalhães Rego, líder da divisão de oncologia e hematologia clínica do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP.

No estudo, foram realizados testes em células de 40 pacientes do HC e 25 do Centro Médico da Universidade de Groningen, na Holanda, parceiro na pesquisa, descrevendo em detalhes o mecanismo de ação da molécula THZ-P1-2, inibidora das proteínas PIP4K2s, no tratamento de câncer. Os resultados são baseados em duas hipóteses desenvolvidas anteriormente no laboratório do ICB. “Os quadros de pacientes com LMA, com maiores níveis das PIP4K2s, evoluem mais rapidamente e têm mais chances de morte”, explica Keli Lima, doutoranda em Ciências Médicas pela FMUSP e primeira autora do trabalho. “Já pacientes com polimorfismos, ou seja, variantes genéticas e hereditárias no gene PIP4K2A, têm maiores chances de desenvolver a LLA.”

Molécula seletiva

De acordo com a pesquisadora, parte da eficácia do fármaco pode ser explicada por um diferencial da molécula THZ-P1-2. “Ela ataca os tumores de múltiplas formas, causando morte celular programada (apoptose), fazendo a célula ‘comer’ a si mesma (autofagia), mudando o metabolismo e induzindo a diferenciação entre aquelas que são cancerosas e as saudáveis. Tudo isso aumenta as chances de sucesso do tratamento”, destaca ela. O inibidor também se mostrou seguro, pois não houve qualquer tipo de ameaça à integridade das células não tumorais. “Ele também foi aplicado em células precursoras das células do sangue (hematopoiéticas) saudáveis e não houve qualquer efeito. Vimos que a molécula tem uma boa seletividade, sendo capaz de atacar preferencialmente as células tumorais”, explica Machado-Neto.

Segundo a pesquisa, a THZ-P1-2 aparentou ser mais indicada para a LLA, pois a molécula gerou efeitos nas células de todos os pacientes com essa condição. Enquanto na LMA, cinco pacientes não tiveram nenhum tipo de resposta. Os resultados foram obtidos por meio de ensaios laboratoriais para avaliar viabilidade celular (testes colorimétricos), citometria de fluxo (análise de células e partículas microscópicas suspensas em meio líquido), expressão gênica e proteica realizados no ICB. Também foram realizados, na Universidade de Groningen, testes de citometria (medida do número e características das células), respirometria de alta resolução (medida do oxigênio consumido) e proteômica (análise da proteínas expressas). “Em colaboração com o grupo holandês, conseguimos definir com maior precisão os marcadores de resposta ao THZ-P1-2, o que nos permitirá identificar, no futuro, quais são os pacientes com mais chances de resposta ao novo fármaco”, ressalta o professor.

Maior eficácia

Machado-Neto aponta que as terapias atuais das leucemias agudas se restringem aos transplantes de medula óssea e à quimioterapia. No entanto, muitas pessoas, principalmente com mais de 60 anos, não podem ser transplantados, por se tratar de um procedimento de risco nesse grupo. Eles acabam se submetendo à quimioterapia, mas sempre em baixas doses, devido à toxicidade do tratamento, podendo receber o medicamento venetoclax, cuja eficácia é significativa apenas em parte dos pacientes.

“Além de sozinha já obter uma alta eficácia, a molécula THZ-P1-2 ainda se mostrou capaz de melhorar a resposta das células leucêmicas ao venetoclax e de outros fármacos que atualmente não são eficazes o bastante para serem utilizados no tratamento, podendo atuar em conjunto com eles em um coquetel”, relata.

O composto também obteve bons resultados em um estudo (ainda não publicado) realizado com modelos animais por um grupo de pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Cornell em associação com a Petra Pharma, ambas dos Estados Unidos. Nesse estudo, os pesquisadores identificaram que a molécula levou a uma rápida regressão dos tumores e não apresentou toxicidade. Isso a credencia para ensaios clínicos, ou seja, testes com pessoas. “Caso esses estudos com humanos se iniciassem hoje, já poderíamos saber em dois a quatro anos se o medicamento é seguro e eficaz”, afirma o professor do ICB.

A THZ-P1-2 está sob patente de uma farmacêutica, portanto cabe a essa empresa realizar esses estudos. Os pesquisadores do ICB irão agora analisar outros inibidores das proteínas PIP4K2s. “Depois que a THZ-P1-2 foi lançada, outras empresas desenvolveram moléculas similares. Nosso trabalho agora é testá-las para verificar qual obtém os melhores resultados”, destaca Machado-Neto. “O mais difícil, que foi identificar o mecanismo de ação dos inibidores à nível celular e molecular, nós já fizemos”, avalia Keli.

Da Assessoria de Comunicação do ICB

FONTE: Jornal da USP

Alternativa para tratar transtorno obsessivo-compulsivo

Para entender o futuro dos tratamentos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) analisaram estudos sobre o uso de técnica de estimulação cerebral elétrica em pacientes com TOC. A revisão dos estudos aponta para um quadro mais ameno de sintomas do transtorno com poucos efeitos colaterais, mas também destaca a importância de mais pesquisas no campo.

A Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC) é uma técnica não invasiva que utiliza eletrodos aplicados na cabeça do paciente para descarregar corrente elétrica de baixa intensidade (de 1 a 4 miliamperes). O objetivo dessa técnica é modular a função cerebral agindo na rede de neurônios ao aumentar a estabilidade em determinadas regiões do cérebro e diminuir em outras. A ETCC já é usada para o tratamento de depressão, no entanto, ainda é uma técnica nova.

Publicada na revista MDPI, a metanálise (revisão de estudos cruzando resultados) avaliou os efeitos globais de pesquisas sobre o uso de ETCC para pacientes com TOC como uma alternativa para outros tratamentos já utilizados, como terapia cognitivo comportamental e medicamentos da classe dos inibidores de recaptação de serotonina, como a fluoxetina. “Há pacientes que não toleram efeitos colaterais de medicações ou pacientes que não têm viabilidade financeira para fazer terapia comportamental. Até mesmo o tempo pode ser custoso, considerando que são meses de tratamento. Por isso, é necessário pensar na viabilização de novos tratamentos para pacientes de TOC”, explica Laís Boralli Razza, doutora em Ciências pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP.

A análise de resultados comparou a diferença das manifestações clínicas da fase inicial e da fase final do tratamento com ETCC de acordo com a escala Y-BOCS, instrumento para avaliar os sintomas do transtorno. Nos grupos de pacientes em que foi aplicada a técnica, houve melhora considerável dos sintomas do TOC. Porém, ao comparar o resultado com os grupos placebos dos estudos, a diferença não foi tão grande. Laís Razza explica que, por se tratar de um transtorno psiquiátrico ansioso, as expectativas das pessoas podem interferir nos resultados finais – daí a necessidade de estudos maiores, com mais pacientes, diluindo a distorção causada por este fator.

O transtorno e o tratamento

Segundo a pesquisadora, o TOC é um transtorno de ansiedade que causa obsessões relacionadas aos pensamentos do indivíduo e compulsões de comportamentos físicos, adotados com objetivo de aliviar os pensamentos causadores de ansiedade – ligados à segurança ou à saúde, por exemplo. Os graus de obsessão e compulsão variam de acordo com os pacientes.

Ela ressalta que o transtorno pode apresentar efeitos de hiperativação nas regiões sensório-motora, córtex lateral e sistema límbico do cérebro. No entanto, há uma heterogeneidade nos estudos sobre as áreas de posicionamento dos eletrodos para ETCC, o que também afeta o efeito global.

Em relação aos efeitos colaterais, os resultados do tratamento com ETCC são promissores. Segundo a Associação Médica Brasileira, os efeitos das medicações farmacológicas para TOC podem incluir náusea, sonolência, insônia, dor de cabeça, dor abdominal, entre outros. Já os do ETCC se limitam a formigamento na área onde os eletrodos foram aplicados, coceira e avermelhamento da pele; também, a técnica não apresenta critérios de exclusão de pacientes específicos, como gestantes, uma vez que não é invasiva e apenas diminui a atividade cerebral em áreas hiperativas.

As sessões de estimulação cerebral costumam durar cerca de 20 a 30 minutos, e são realizadas uma vez por semana em centros de pesquisa. Mas, segundo Laís Razza, há uma possibilidade de tornar a ETCC um tratamento remoto. “É um aparelho pequeno, que pode ser portátil. Há protocolos para monitorar o uso dos pacientes em casa, de forma a aumentar a aderência ao tratamento.”

De uma forma geral, os autores do artigo mostram benefícios alcançados com o tratamento de ETCC para o transtorno, mas destacam a necessidade da realização de estudos mais amplos para testar os resultados relacionados aos grupos placebos e grupos ativos. “Os estudos possuem amostras pequenas de pacientes, ou seja, são insuficientes para mostrar o poder da ETCC no tratamento de TOC. Ainda é uma limitação para que no futuro, de fato, possamos ver os efeitos do tratamento”, reconhece Laís Razza.

Mais informações: e-mail lais.razza@ugent.be, com Lais Boralli Razza

FONTE: Jornal da USP

Obesidade gestacional: riscos para a mãe e o feto

Segundo o Mapa da Obesidade, a prevalência do problema saiu de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019, um aumento de 72%.

A obesidade é uma doença crônica e multifatorial, que tem causas tanto genéticas quanto comportamentais, e é caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo. Segundo o Mapa da Obesidade, a prevalência da obesidade saiu de 11,8% em 2006, para 20,3% em 2019, um aumento de 72%. Estimativas da Organização Pan-Americana da Saúde contabilizam mais de 1 milhão de obesos no mundo, com a expectativa de que, até 2025, o número de indivíduos com sobrepeso chegue a 2,3 bilhões.

Nas mulheres, isso é ainda pior:  21% das mulheres brasileiras são obesas, contra 19,5% dos homens. A diferença pode ser pouca, porém, a gestação, algo exclusivo das mulheres, pode agravar ou até mesmo desencadear a obesidade. “A gente já tem, na verdade, um aumento da prevalência de obesidade. Nós temos agora um estilo de vida em que temos muita facilidade para acessar uma alimentação com ultraprocessados, que favorece o sedentarismo. Então, a gente já tem um aumento da prevalência de obesidade há décadas”, explica Tatiana Zaccara, médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP especializada em gestação de alto risco.

O ganho de peso, durante a gestação, está associado às mudanças metabólicas pelas quais o corpo passa. O estilo de vida que a gestante leva antes e depois de engravidar conta muito. Esse ganho é normal e esperado, mas, nos últimos anos, um aumento da obesidade gestacional foi notada, o que traz consequências duradouras e infelizes tanto para a mãe como para o feto.

O que causa?

A obesidade gestacional está associada ao aumento das complicações durante todo o período da gravidez. Mulheres obesas e com sobrepeso pré-gestacional são mais propensas a sofrer abortamento, pré-eclâmpsia (hipertensão na gravidez em gestantes sem histórico da condição), diabete gestacional, risco de tromboembolismo venoso profundo (TVP)  e de  tromboembolismo pulmonar, assim como de gestação prolongada.

Não acaba por aí. Elas também apresentam maior demora de dilatação no trabalho de parto, diminuição da fertilidade, uma maior incidência de internações precoces e perda do feto após fertilização in vitro. “Ela [gestante] tem um maior risco de precisar ter um parto induzido, não entrar em trabalho de parto espontâneo, tem o maior risco de precisar de cesárea para o parto, um trabalho de parto prolongado, assim como maior risco de distorcer o ombro – um tipo específico de trauma da hora do parto – e um risco de infecção e de deiscência da ferida operatória, que é quando a pele não consegue cicatrizar bem a ferida e acaba abrindo. Então, esses são os principais riscos na hora do parto”, complementa Tatiana.

E a criança?

São muitas complicações, que não acabam na gestante. O bebê, por sua vez, também sofre as consequências do acúmulo fora do normal de tecido adiposo. Ele pode vir a ter complicações no período do pré-natal, como má formação, macrossomia e, no pior dos casos, morte intrauterina. Também foram encontradas malformações do tubo neural, por conta, principalmente, do pobre controle glicêmico. Dificuldades no ultrassom pré-natal também são um empecilho para a constatação de alterações e má formação no feto.

“Uma criança que está exposta a um excesso de nutrientes desde o ambiente intrauterino é uma criança que está habituada a lidar com muita comida chegando. Ela não escolhe o que ela come, então isso faz uma programação genética, uma alteração para que, no futuro, ela continue precisando dessa quantidade aumentada de alimento, de glicose e de gordura”, explica a médica. A consequência disso é que, assim como a mãe, a criança acaba tendo mais chances de ser obesa também.

Cuidados

O ideal é que a mulher mantenha um estilo de vida saudável antes mesmo da gravidez – Fotomontagem: Jornal da USP – Fotos: Freepik

 

O ideal é que a mulher mantenha um estilo de vida saudável antes mesmo da gravidez, ou seja, uma dieta equilibrada e saudável e uma rotina de exercícios. Caso a mulher já estiver obesa quando engravidar, o importante é que ela busque acompanhamento nutricional e médico o quanto antes, para evitar que maiores problemas sejam ocasionados durante a gestação.

“Mulheres grávidas devem praticar atividade física”, diz a médica. A rotina de exercícios pode ser mantida durante os nove meses, ou seja, todo o período gestacional. “Na gestação a gente não objetiva perda ponderal. O objetivo é uma alimentação equilibrada que forneça toda a necessidade calórica para mãe e para o bebê”, lembra Tatiana.

É recomendado que os exercícios mantenham uma frequência e sejam acompanhados por um profissional habituado a trabalhar com gestantes. A preferência é por treinos de baixo impacto e que não forcem a musculatura abdominal, começando devagar e de acordo com as especificidades de cada gestante. “Acho que a prevenção é a palavra da vez, é o que a gente devia fazer sempre”, diz a médica. Em sua avaliação, consultas pré-concepcionais devem ser feitas regularmente se há a intenção de engravidar: “É uma coisa para a saúde dela, para saúde dos possíveis filhos, se ela quiser ter filhos. Isso vai influenciar a qualidade de vida dessa pessoa para a vida inteira e, muitas vezes, influencia a qualidade de vida da família toda”.

FONTE: Jornal da USP

Nova técnica identifica “impressão digital” do câncer em amostras de saliva e urina

Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, pesquisadores desenvolveram uma técnica para fazer o diagnóstico de câncer a partir da análise de compostos orgânicos voláteis (VOCs) em amostras de saliva e urina. Com o uso de equipamentos de laboratório, o método transforma as amostras em vapor, de onde são extraídos os compostos voláteis para identificar alterações que servem como “impressões digitais” do câncer. A técnica ainda é experimental, mas os resultados obtidos no estudo abrem perspectivas para que futuramente seja uma opção simples de custo reduzido e não invasiva para diagnosticar diversas formas da doença. O trabalho rendeu um artigo publicado na revista científica Journal of Breath Research.

“Para diagnosticar o câncer, os médicos utilizam diversos exames, como mamografia, tomografia, ressonância magnética, endoscopia, colonoscopia, exames de sangue e biópsia. Esses métodos são seguros e eficazes. No entanto, esses procedimentos costumam ser invasivos, trabalhosos, envolvem custos consideráveis e exigem profissionais altamente qualificados”, disse ao Jornal da USP o farmacêutico bioquímico Bruno Ruiz Brandão da Costa, primeiro autor do artigo. “Sendo assim, muitas vezes os exames diagnósticos não são facilmente acessíveis a todos os tipos de pacientes. Por todos esses motivos, o desenvolvimento de técnicas acessíveis, rápidas e não invasivas de detecção do câncer representa uma demanda crítica e desafiadora em nossa sociedade.”

Costa explica que os compostos orgânicos voláteis (VOCs) são substâncias químicas produzidas naturalmente pelo organismo humano. “No entanto, em casos de doenças como o câncer, ocorrem alterações metabólicas que podem gerar novos VOCs ou modificar a concentração dos que já estão presentes no organismo. Essas mudanças no perfil podem ser detectadas por meio de análises químicas”, afirma. “Neste sentido, o objetivo principal da nossa pesquisa foi comparar o perfil dos VOCs presentes no fluido oral e na urina de pessoas saudáveis e de pacientes com câncer. Com isso, buscamos identificar se existe uma diferença significativa entre o perfil dessas substâncias nos dois grupos, o que poderia ser útil no diagnóstico da doença.”

Durante a pesquisa, foi feita a coleta de amostras de saliva e urina em pessoas saudáveis e em pacientes com câncer de cabeça e pescoço e gastrointestinal (CGI) dos ambulatórios da área de Oncologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP. Após a coleta, as análises foram realizadas no Laboratório de Análises Toxicológicas Forenses do Departamento de Química da FFCLRP.

As amostras eram colocadas em um frasco que era fechado, aquecido e agitado. Como as substâncias de interesse são voláteis, elas passavam para a fase de vapor, também chamada de headspace, que era analisada. “Essas substâncias presentes no headspace eram então injetadas no equipamento de cromatografia em fase gasosa com detector de ionização (GC-FID), o qual realiza a separação desses compostos”, relata Costa. “Após a separação, os compostos são detectados e geram um sinal analítico que chamamos de ‘pico’. O conjunto de picos presentes em toda a análise é chamado de ‘cromatograma’.”

“Impressão digital”

“Para comparar os perfis cromatográficos das amostras, utilizamos análises estatísticas para verificar se há diferenças significativas entre as amostras de pessoas saudáveis e com câncer, identificando assim as ‘assinaturas do câncer’”, diz o pesquisador. “Neste trabalho nós não identificamos as substâncias presentes nas amostras, para isso seria necessário um equipamento muito mais caro. A diferenciação foi feita exclusivamente pelos diferentes perfis dos picos presentes no cromatograma, o que também é chamado de fingerprint, ou uma ‘impressão digital’ do câncer”.

De acordo com Costa, um dos aspectos inovadores da pesquisa é avaliar a eficácia do diagnóstico tanto com os dados obtidos apenas de um material biológico, quanto com ambas as amostras doadas, denominado como “análise híbrida”. “Os modelos individuais que apresentaram os melhores resultados em termos de sensibilidade e especificidade foram o de câncer de cabeça e pescoço em urina, com 84,8% e 82,3%, e o de câncer gastrointestinal em saliva, com 78,6% e 87,5%”, enumera. “Com relação aos modelos híbridos, para câncer de cabeça e pescoço, obtivemos 75,5% de sensibilidade e 88,3% de especificidade. Já para câncer gastrointestinal, os índices foram de 69,8% e 87%.”

“Os dados indicam, por exemplo, que nosso método foi capaz de classificar 84,8% das amostras de urina de pessoas com câncer de cabeça e pescoço como sendo, de fato, de amostras ‘positivas’. Para um estudo preliminar, isso foi considerado muito bom”, observa o pesquisador. “O método desenvolvido é simples, mais barato do que aqueles aplicados atualmente. Além disso, um ponto importantíssimo é que a nossa coleta é não invasiva, realizada de maneira rápida e simples, causando o mínimo desconforto possível para o paciente, muito diferente de um exame de sangue ou biópsia, por exemplo.”

Costa lembra que há uma série de pesquisas, em todo o mundo, relacionadas ao diagnóstico do câncer através da análise dos VOCs. “Contudo, ainda não há nenhum método do tipo sendo adotado, de fato, em uma rotina clínica. Nossos resultados são promissores, porém, o número de voluntários que participaram da pesquisa foi relativamente pequeno”, aponta. “É necessário continuar a pesquisa com um número muito maior de participantes para depois pensar em usar o método nos serviços de saúde. Porém acredito, e espero, que um dia isso possa acontecer.”

Os resultados da pesquisa são descritos no artigo Hybrid volatilomics in cancer diagnosis by HS-GC-FID fingerprinting, publicado na revista científica Journal of Breath Research em 27 de janeiro. Colaboraram com o estudo Ricardo Roberto da Silva, do Núcleo de Pesquisa em Produtos Naturais e Sintéticos (NPPNS) do Departamento de Ciências Biomoleculares da FCFRP; Vítor Luiz Caleffo Piva Bigão, do Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas da FCFRP; Fernanda Maris Peria, da Divisão de Oncologica Clínica da FMRP; e Bruno Spinosa De Martinis, do Departamento de Química da FFCLRP.

Mais informações: e-mail bruno.ruiz.costa@usp.br, com Bruno Ruiz Brandão da Costa

FONTE: Jornal da USP

Acúmulo de sódio no cérebro pode ser uma das causas da hipertensão

Estudos na USP com animais demostraram que o alto consumo de sal leva a um quadro de hipertensão arterial, retenção de sódio no líquor e ativação dos astrócitos, as células mais abundantes do sistema nervoso central

A associação entre o sal (cloreto de sódio) e a pressão arterial é estudada há mais de 120 anos. No entanto, nunca se conseguiu esclarecer por completo a relação entre o alto consumo de sal e alterações no sistema nervoso central (SNC), que contribui para a chamada hipertensão neurogênica. Agora, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP conseguiram dar um passo importante na compreensão desse processo. Além de descobrirem que parte do sal consumido em excesso fica retida no líquido cerebroespinal (líquor), eles sugeriram um possível mecanismo que desencadeia a doença e que envolve a ativação não somente de neurônios, mas também de células da glia. Trata-se de um avanço importante na descoberta de mecanismos e conexões entre células neurais envolvidos na gênese da hipertensão dependente do alto consumo de sal.

Os estudos, publicados nas revistas científicas Molecular and Cellular Neuroscience e Experimental Physiology, foram realizados em ratos albinos que consumiram sal em excesso. Os animais receberam uma solução de água com 2% de cloreto de sódio por uma semana e desenvolveram hipertensão. Além do aumento da pressão arterial sanguínea, o que chamou atenção dos pesquisadores foi que o nível de sódio no sangue dos animais se manteve normal, porém, notaram um acúmulo deste íon no cérebro, mais precisamente no líquor, líquido que protege o sistema nervoso central.

“Os animais expostos ao alto consumo de sal apresentaram hipertensão e acúmulo de sódio no líquor, mas não no sangue. Dessa forma, podemos presumir que a gênese da hipertensão envolve um componente neural, a qual pode estar relacionada a esse excesso de sódio retido no líquor”, explica Paula Magalhães Gomes, doutora e pós-doutoranda do Laboratório de Controle Neural da Circulação (LCNC), do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB da USP, e primeira autora de um dos artigos.

“Em teoria, o sódio que consumimos nos alimentos se distribui de forma equilibrada nos diferentes compartimentos do nosso corpo, num processo que denominamos na fisiologia de osmorregulação, mas aparentemente não é assim que acontece quando o organismo é desafiado ao consumo excessivo de sal. Nosso objetivo futuro é investigar mais a fundo os mecanismos fisiológicos por trás do acúmulo de sódio no líquor e sua relação com a hipertensão”, acrescenta.

Chave do processo

Estudos anteriores já mostraram o envolvimento do hipotálamo, mais precisamente o núcleo paraventricular, na gênese da hipertensão dependente do alto consumo de sal. As células neurais deste núcleo, principalmente os neurônios, participam direta e indiretamente na regulação da pressão arterial em resposta a um aumento de sódio circulante no organismo. Faltava investigar ainda qual o envolvimento das células neurais da glia neste processo.

Os pesquisadores do ICB observaram que os astrócitos (uma das células mais abundantes do SNC), localizados no núcleo paraventricular, estão mais ativados no cérebro de animais que foram expostos ao alto consumo de sal. “De maneira geral, os astrócitos são células que, além de dar sustentação para os neurônios, também são responsáveis por liberar diversos neurotransmissores, dentre eles o ATP [trifosfato de adenosina], uma molécula que classicamente sempre foi conhecida pela sua função no metabolismo energético celular, mas que também atua como neurotransmissor. Frente a uma condição de alto consumo de sal, os astrócitos são ativados de forma intensa”, explica Renato Willian Martins de Sá, doutor pelo LCNC, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mecanismo de desativação

“Fizemos um experimento utilizando a tecnologia de farmacogenômica com vetor viral geneticamente modificado. Por meio de uma neurocirurgia, introduzimos o vetor viral na região hipotalâmica de interesse e conseguimos com isso interromper a maquinaria celular da liberação de ATP pelos astrócitos, que se encontrava aumentada numa condição de alta ingestão de sal. Obtivemos uma redução de 50% na liberação do neurotransmissor quando inibimos o transporte vesicular do ATP nos astrócitos”, detalha o pesquisador.

Segundo o professor Vagner Roberto Antunes, coordenador do laboratório, esta abordagem experimental é exclusivamente utilizada em modelos animais e contribui sobremaneira para o avanço do conhecimento e dos mecanismos celulares envolvidos no controle das funções neurais e cardiovasculares. “A compreensão desses mecanismos poderá auxiliar no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas farmacológicas para doenças associadas ao alto consumo de sal”, destaca ele.

Ainda, segundo Antunes, existem estudos que demonstram que o acúmulo de sódio no líquor pode estar relacionado ao desenvolvimento de doenças não somente do sistema cardiovascular, mas também neurodegenerativas, dentre elas a doença de Alzheimer, tendo em vista que o excesso de sal no cérebro pode alterar as funções das células neurais, desde sua maquinaria gênica e proteica até neuroquímica.

Enquanto não há estratégias terapêuticas para resolver esse problema, a recomendação é moderar na ingestão de sal – um mineral essencial para o funcionamento das células, mas que em quantidades superiores ao recomendado de 5g por dia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pode levar à hipertensão e outras doenças vasculares que acometem o sistema nervoso central.

Da Assessoria de Comunicação do ICB

FONTE: Jornal da USP

O impacto da enxaqueca na produtividade diária

Estima-se que o Brasil, a cada ano, arque com prejuízo de R$ 67 bilhões devido à perda de produtividade causada pela enxaqueca

Não há nada mais incômodo do que uma dor de cabeça. Se ela apresentar as características de uma enxaqueca, pior ainda. Ela pode irradiar para o resto do corpo, aumentando ainda mais o mal-estar. O problema pode impactar a saúde de grande parte da população. Gabriel Kubota, neurologista coordenador do Centro de Dor do Hospital das Clínicas e membro do grupo de cefaleias da Faculdade de Medicina da USP, explica que as dores de cabeça podem ser divididas em dois grandes grupos: primária e secundária. “As dores de cabeça secundárias são consequência, sintoma de uma outra doença ou condição. Por exemplo: jejum prolongado, consumo de álcool, cárie dentária, sinusite, problemas oftalmológicos ou doenças mais graves como tumores, trombose venosa, aneurisma e outras situações.”

A dor de cabeça primária já é a doença em si. Duas situações se enquadram nessa situação: a cefaleia, tipo tensão, e a migrânea. As dores de cabeça primárias, em conjunto, correspondem à segunda condição médica mais prevalente na população mundial, gerando um impacto muito importante. Somente a enxaqueca acomete mais de 1 bilhão de pessoas no mundo, sendo de 20% a 30% mulheres e 6% a 15% de todos os homens. Os gastos podem ser diretos, no uso de recursos de saúde, ou de forma indireta por faltas ao trabalho. Segundo Kubota, estima-se que o Brasil, a cada ano, perca por volta de R$ 67 bilhões em gastos, devido à perda de produtividade relacionada à enxaqueca. A melhor maneira de lidar com o problema é procurar um médico, que fará uma avaliação e saberá a melhor forma de tratamento.

Fator genético 

A doença atinge de duas a três mulheres para cada homem, iniciando-se por volta dos 20 a 30 anos de idade, podendo ser a genética um dos fatores de sua causa. Kubota destaca que o histórico familiar é muito importante. “Os filhos de pessoas que têm enxaqueca têm duas vezes mais chances de também apresentar a doença. Mas vale a pena ressaltar que a genética pode aumentar ou diminuir o risco, mas ela não é absoluta. Ter alguém com enxaqueca na família não quer dizer que você também vá ter e o fato de ninguém na família ter não quer dizer que você não vá ter.”

Para diferenciar uma dor de cabeça primária da secundária, exames físicos e o histórico de vida são muito importantes. Por esse motivo, a procura por um médico é essencial. Quem tem migrânea sabe que entre os fatores que podem desencadear o problema estão os cheiros fortes. Seus sintomas são bem característicos: a dor é de moderada a forte intensidade, com aspecto pulsátil, atingindo mais um lado da cabeça. Pode causar náuseas e vômitos. Muitos podem apresentar intolerância à luz e sons e preferir ficar em repouso durante a crise, porque qualquer movimento ou esforço pode causar piora. O período pré-menstrual é outro fator que desencadeia a dor, que pode durar de quatro a 72 horas, mas há quem tenha enxaqueca crônica. Esse paciente pode apresentar crises de mais de 15 dias por mês por pelo menos três meses.

O tratamento para a dor de cabeça secundária, aquela que é consequência de alguma doença, irá melhorar com o tratamento do problema. Por exemplo, uma pessoa com sinusite, trombose, dor de dente irá melhorar com a solução do transtorno. Já a cefaleia primária, também conhecida como enxaqueca, não tem cura e conta com um tratamento diferenciado.

FONTE: Jornal da USP