Cirurgia robótica traz avanços na medicina e já é utilizada no Brasil

A primeira cirurgia robótica realizada no Brasil aconteceu há 15 anos e desde então o ramo vem crescendo, especialmente, com a chegada de novos fabricantes no País. Mesmo que a longo prazo, a expectativa de especialistas é de que, com uma produção independente de tecnologias, as cirurgias robóticas tenham seus custos reduzidos.

Maria José Carmona, professora da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), membro da Comissão de Inovação (InovaHC) e diretora da Divisão de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da FMUSP, esclarece que a atual dependência brasileira de tecnologias importadas torna essas cirurgias muito caras.

Avanço

A maior precisão dos movimentos proporcionada pela tecnologia é apontada pela professora como um significativo avanço, tendo em vista que existe a possibilidade de realizar procedimentos mais sensíveis e delicados. A partir de um filtro dos pequenos tremores da mão do cirurgião, há um refinamento dos movimentos, de acordo com Maria José.

“Há uma evolução, um incremento de uma tecnologia que começou com as cirurgias por escopias. Apenas colocar pinça dentro de uma cavidade manipulada pelo cirurgião e, agora, nessa outra fase que já começou há uns 20 anos da cirurgia robótica, com a capacidade de manipular a distância a partir de um robô”, esclarece.

No contexto atual, o crescimento no número de cirurgias auxiliadas por robôs foi significativo com a chegada de novos fabricantes. Porém, na visão da professora, esse processo, no caso específico do Brasil, deve ser considerado como uma incorporação tecnológica. “Acho que nós temos que entender isso, porque o Brasil é um país dependente nessa área, ou seja, dependente da importação desses robôs”, justifica.

Prática

Em paralelo à incorporação tecnológica das cirurgias robóticas há um programa de educação continuada e de simulação de diversos estágios para o treinamento das equipes participantes. Dessa forma, Maria José ressalta que há duas frentes de investimento: a de tecnologia e a da equipe responsável pelo cuidado do paciente.

No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) e no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), a professora menciona a utilização de robôs para a realização das operações urológicas e torácicas, por exemplo. “Essa incorporação tecnológica é importante, uma vez que é, atualmente, considerado um procedimento padrão para alguns tipos de cirurgias. No entanto, é limitado pelo custo”, pondera.

Desafios

Maria José enfatiza a necessidade de um plano de independência tecnológica no Brasil, uma vez que, a cada cirurgia robótica realizada, o País está pagando royalties para aquele que produziu a tecnologia. Por exemplo, a professora cita as políticas governamentais da Coreia do Sul com incentivos a esse desenvolvimento, enquanto o Brasil ainda apresenta investimentos muito tímidos, em sua opinião.

A professora esclarece que, apesar do procedimento já ser considerado padrão em alguns casos, em decorrência da importação, ele tende a continuar com preços muito altos e com um acesso limitado, especialmente no Sistema Único de Saúde. “Acredito que devemos utilizar as tecnologias, mas também devemos estar alertas para termos, em algum momento, independência, uma produção interna e pesquisa voltada para essas tecnologias de ponta na área de saúde”, declara Maria José, acreditando no potencial de investimento de empresas brasileiras no ramo.

FONTE: Jornal da USP

Cirurgia robótica, além de menos invasiva, traz mais segurança

Bruno Zilberstein e Paulo Manuel Pêgo Fernandes falam sobre algumas das vantagens da aplicação da cirurgia robótica que promete avanços futuros na área da medicina.

As cirurgias robóticas vêm ganhando cada vez mais espaço entre as cirurgias minimamente invasivas. Tecnologia que surgiu em 1985 com os braços robóticos Puma 560, foi utilizada pela primeira vez em uma biópsia neurocirúrgica. Em 2000, o robô atualmente mais utilizado no mundo, o Da Vinci, foi aprovado pela Food and Drug Administration, a FDA, nos Estados Unidos.

Cirurgia robótica e a liberdade motora

Diferentemente da laparoscopia, que também é uma cirurgia minimamente invasiva com uso de aparelhos robóticos, a cirurgia robótica destaca-se pela liberdade motora, imagem HD 3D e uma maior segurança na hora da cirurgia. Porém, não deve ser confundida com uma cirurgia performada por robôs, já que o cirurgião ainda comanda todos os movimentos por meio do console, de forma que apenas a execução é dos joysticks.

Como explica o diretor do Serviço de Cirurgia do Estômago e Intestino Delgado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Bruno Zilberstein, “a grande diferença é que quem faz a força, quem põe toda a força são os braços do robô. Então, o cirurgião tem maior precisão nos movimentos, porque ele não aplica nenhum tipo de força muscular. O robô que faz essa força”.

Por conta disso, movimentos antes feitos diretamente pelo cirurgião se tornam mais fáceis ou até possíveis graças ao robô. As pinças são mais maleáveis e auxiliam em partes da operação mais complicadas, como a separação das estruturas e a costura dos tecidos. O robô passa, então, a ser um mediador dos movimentos do médico, que não precisa aplicar toda sua força ou se preocupar com o tremor de suas mãos, já que o aparelho é estabilizado.

Em termos de segurança operacional, a utilização dos robôs confere ao paciente e ao cirurgião maior proteção. Como explica Zilberstein, o índice de complicações intraoperatórias e pós-operatórias e os índices de infecção são menores quando a gente utiliza o robô”. A longo prazo, porém, não há evidências de que as operações feitas por mediação do robô e aquelas feitas da forma tradicional se diferenciam nos resultados ou níveis de bem-estar pós-operatórios.

Capacitação profissional

Independentemente da formação profissional e das qualificações anteriores, para utilizar o robô é necessário estar capacitado. A cirurgia robótica é classificada como procedimento de alta complexidade e, por isso, mesmo que seja performada, utilizando-se um mediador, é imprescindível que o profissional tenha todas as habilidades exigidas para uma operação tradicional.

A certificação foi regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina apenas neste ano por meio da resolução nº 2.311/2022. Segundo o órgão, “o procedimento só pode ser realizado por médico que tenha Registro de Qualificação de Especialista registrado no CFM na área cirúrgica relacionada ao procedimento”.

Paulo Manuel Pêgo Fernandes, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Torácica e Cardiovascular da FMUSP, comenta que “o que o Conselho Federal de Medicina fez foi tentar regulamentar isso no sentido de proteger o paciente em primeiro lugar, para que não haja problemas de mau uso de uma tecnologia que é nova”. Além disso, fornece caminhos possíveis para os médicos que querem atuar com o robô.

Treinamento em cirurgia robótica

Também o cirurgião deve passar por treinamento em cirurgia robótica, podendo ser por meio de hospitais ou com mentoria de outro médico já especializado, os chamados proctores, que necessariamente devem ter feito pelo menos 50 cirurgias robóticas.

O uso do robô é indicação do médico e depende de qual área será operada, os procedimentos durante a cirurgia e quais seriam os benefícios da intermediação dessa tecnologia. Hoje, a área mais beneficiada pelas cirurgias robóticas é a de cirurgia de próstata, mas também pode ser aplicada na urologia, ginecologia, cirurgia digestiva, cirurgia cardíaca, cirurgia torácica, neurocirurgia e otorrinolaringologia.

Telecirurgias e o futuro das cirurgias robóticas

Mesmo se tratando de um avanço na medicina, o custo dos robôs ainda é muito elevado, algo em torno de US$ 3 milhões para uma máquina Da Vinci. Adquiri-la, portanto, é um investimento e demanda uma boa avaliação do propósito e frequência de uso do aparelho. A boa notícia é que já existem empresas que estão entrando no mercado e que podem apresentar uma solução para a questão do custo.

Outra aplicação dos robôs é para as telecirurgias. Com a entrada do 5G no País, todas as operações feitas via internet têm a chance de se tornarem muito mais rápidas, executando os comandos em um menor intervalo de tempo. Porém, essa mínima diferença entre comando e execução, praticamente não notada em outras áreas profissionais, faz muita diferença em uma decisão que pode salvar uma vida.

“Mesmo com a tecnologia 5g, nós temos um delay de 16 milissegundos. Então esse delay dificulta a realização do ato. Por enquanto, ainda, a telecirurgia não é uma realidade”, diz Bruno Zilberstein.

As cirurgias robóticas têm, sim, um futuro promissor, ainda mais com as novas tecnologias disponíveis para o aprimoramento de aparelhos médicos. Mas isso não quer dizer que o processo deva ser priorizado: “Certamente isso não é uma prioridade de saúde pública em nenhum lugar do mundo e não teria nenhum cabimento se pensar em priorizar isso a nível de SUS, por exemplo, com tantas coisas mais básicas e essenciais, e com muito mais custo efetividade de vida salvas e de pessoas ajudadas com tecnologias muitíssimo mais baratas do que essa”, lembra Paulo Pêgo Fernandes.

Por Julia Estanislau

FONTE: Jornal da USP