Remédios orais e injetáveis são absorvidos da mesma forma pelo organismo?

Os remédios orais são ingeridos pela boca, diferentemente dos injetáveis, aplicados por meio de agulhas. Os administrados pela via oral incluem os medicamentos de gota, as cápsulas e os comprimidos. “Se é um comprimido, após ser ingerido, ele vai se desagregar no estômago, e aí começa um processo de dissolução. Depois, ele vai passar para o intestino, onde os fragmentos desse comprimido ainda continuam a dissolver princípios ativos.

O que já foi dissolvido vai ser absorvido ali na mucosa intestinal para depois passar pelo sistema, onde vai ser metabolizado para, depois, atingir a circulação sistêmica”, explica o professor Gabriel Lima de Araújo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas. O professor ainda explica que, caso os remédios estejam na forma líquida, a absorção tende a ser mais rápida, porque o princípio ativo já está solubilizado. A trajetória é a mesma e Araújo ressalta: “Um ponto interessante é que as pessoas muitas vezes não sabem que a maioria dos princípios ativos não é absorvida no estômago e, sim, no intestino”.

Eficácia

Pelos remédios orais passarem pelo ácido clorídrico, componente do suco gástrico, alguns podem pensar que eles perdem eficácia quando comparados com os injetáveis. O professor explica que isso não ocorre: “Não são todos os princípios ativos que se degradam no suco gástrico. Os comprimidos, por exemplo, são revestidos com uma película de filme polimérico, que é resistente, então ele passa pelo estômago intacto. Ele só vai abrir lá no intestino, onde você tem um PH que não vai causar degradação do princípio. Não é uma diferença de eficácia, mas a gente usa os injetáveis quando precisamos de uma ação imediata, dessa forma a gente contorna todas essas barreiras da absorção intestinal”.

A maioria dos medicamentos de gota ou de comprimidos e cápsulas deve ser ingerida com intervalos de tempo regulares. Isso também não está relacionado com uma menor eficácia do princípio ativo. “O medicamento leva um tempo para poder atingir a concentração plasmática adequada. Você pode notar que, algumas fórmulas, tem que tomar duas ou três vezes por dia durante vários dias. Isso ocorre para que você possa ter realmente uma ação terapêutica”, explica Araújo.

Desenvolvimento

A pesquisa por trás do desenvolvimento de remédios varia muito conforme a via de administração, o tempo de efeito e o tipo de remédio. O professor comenta sobre essa linha de produção: “Num desenvolvimento existem diversos fatores: são equipes multidisciplinares que vão trabalhar para esse desenvolvimento. Assim, estuda-se toda a parte de estabilidade química, a toxicológica, se ele pode ser administrado por via oral ou precisa ser injetável. Tem que juntar tudo, tanto o conhecimento farmacológico quanto o conhecimento físico-químico, para que a gente consiga desenvolver uma medicação”.

Por Alessandra Ueno

FONTE: Jornal da USP

Consumo de ultraprocessados tem sérios impactos na saúde

O estudo “Mortes Prematuras Atribuídas ao Consumo de Ultraprocessados no Brasil”, estima em quase 57 mil o número de mortes anuais ligadas ao consumo desse tipo de alimento.

Seja pela praticidade, seja pelo sabor, há um crescimento na ingestão de alimentos ultraprocessados. De acordo com o estudo Mortes prematuras atribuídas ao consumo de ultraprocessados no Brasil, realizado por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP (Nupens), Fiocruz, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade de Santiago do Chile, o número de mortes ligadas aos ultraprocessados aproxima-se a 57 mil por ano.

Esse é o primeiro estudo que estima as mortes prematuras associadas ao consumo de ultraprocessados em um país. Eduardo Nilson, pesquisador do Nupens, órgão integrado à Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, conta que o objetivo do estudo era resonder: “Quanto porcento das mortes por todas as causas nós poderíamos atribuir ao consumo de ultraprocessados?”.

Com base nos dados demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a ingestão calórica de ultraprocessados, a pesquisa também visou a avaliar o impacto do consumo desse tipo de alimento. “Foi uma oportunidade de não olhar somente para nutrientes críticos, mas para a questão do padrão alimentar”, comenta ele.

O que são os ultraprocessados?

Os alimentos ultraprocessados são composições de substâncias derivadas de alimentos que contêm pouca ou nenhuma porção daquela comida. Com intuito comercial, são combinados açúcar, sal, gorduras aos aditivos sintetizados em laboratório – como emulsificadores, corantes artificiais e aromatizantes. A produção desses alimentos em escala industrial favorece a satisfação do paladar e a conveniência no consumo de alimentos, por geralmente virem embalados em porções individuais.

Por serem alimentos com baixo valor nutritivo, eles apresentam poucos nutrientes essenciais à saúde, como vitaminas e fibras. “Ao mesmo tempo, eles são frequentemente altos nos nutrientes críticos, que são o sódio, as gorduras saturadas, gorduras trans e o açúcar”, complementa Nilson. O processamento dos alimentos, método para aumentar a palatabilidade e a durabilidade da comida, altera a absorção de nutrientes e desregula as funções digestivas do corpo humano, segundo ele.

Uma parcela da dieta marcada pela ingestão de ulraprocessados eleva o risco do desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). “Por exemplo, o sódio, relacionado à hipertensão e a doenças cardiovasculares, o açúcar, levando à obesidade, a gordura, que tem energia, e tem a questão das epidemias, levando a consequências cardiovasculares também”, elabora o pesquisador.

A ingestão calórica provinda dos ultraprocessados cresceu de 14,3% (2002/2003) para 19,4% (2017/2018) da dieta diária nas casas brasileiras, segundo o estudo. Nesse mesmo período, o IBGE aponta que o porcentual de obesidade entre pessoas de 20 anos ou mais passou de 12,2% para 26,8%.

A saída para uma alimentação saudável

O pesquisador reafirma a importância de analisar a alimentação não apenas no aspecto nutritivo, mas também o padrão alimentar brasileiro. Nilson indica que, nas últimas décadas, tem sido observada uma tendência de aumento no consumo de ultraprocessados. Esta métrica, contudo, atinge diretamente um grupo particular: “Há um aumento mais rápido [da ingestão de ultraprocessados], que é muito preocupante em termos de equidade, entre as famílias mais pobres”, menciona.

Como uma alternativa, o pesquisador sugere a redução do consumo desse tipo de alimento com base na implementação do Guia Alimentar para a População Brasileira. Essa escolha seria realizada tanto no âmbito da educação informativa como na transformação dos ambientes alimentares, passando desde as escolhas do consumidor até o sistema de produção alimentícia.

Nilson exemplifica os impactos dos ultraprocessados na produção de alimentos com a questão das mudanças climáticas: “A pegada de carbono e o uso de água dos ultraprocessados são muito maiores, por exemplo, do que os alimentos frescos e minimamente processados que são aqueles alimentos básicos”.

Além da redução do consumo, ele explora outras soluções: “Isso vai implicar […] na possível taxação de alimentos ultraprocessados, subsídios aos alimentos in natura e minimamente processados, regular publicidade de alimentos, trabalhar no acesso mais fácil aos alimentos saudáveis”. Para ele, apenas por meio de escolhas políticas seria possível reduzir os impactos na saúde da população brasileira.

FONTE: Jornal da USP

Dislexia não pode ser confundida com baixos níveis de inteligência

Confundida com o Transtorno de Déficit de Atenção, a dislexia é empecilho para uma educação plena; as escolas não estão preparadas para amparar esses alunos

De difícil compreensão e diagnóstico, a dislexia se apresenta em pelo menos 17% da população mundial. É um distúrbio de aprendizagem, especificamente de leitura e que tem consequências na escrita. Pessoas disléxicas têm dificuldade em decodificar palavras e em relacionar o fonema com o grafema, ou seja, ligar o som à letra.

“É uma dificuldade bastante específica no reconhecimento dos grafemas, que seriam as letras, e na conversão destes em sons no cérebro. A dislexia seria a falha e a dificuldade no reconhecimento de traços que são socialmente construídos para representar sons, então é uma dificuldade bastante específica que envolve leitura e escrita”, explica Telma Pantano, fonoaudióloga e coordenadora da Equipe Multidisciplinar do Hospital Dia Infantil do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.

Muito confundido com o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), a dislexia é uma doença genética relacionada a um problema de ordem neurobiológica, que afeta o lado esquerdo do cérebro, o qual é responsável pela leitura e pela escrita e onde funciona a memória de curto prazo. Dessa forma, fica difícil decorar palavras e letras. Por isso, para eles, é como se estivessem em um constante processo de aprender a ler. Existem diferentes graus, então algumas pessoas têm mais facilidade em lidar e conviver com a dislexia.

Os sintomas mais comuns são a dificuldade na escrita, na leitura, confundir esquerda com direita, trocar letras por outras de forma parecida, como d e b ou t e f, mesmo que o som não seja igual. Os disléxicos também têm dificuldade em seguir ordens, compreender frases muito longas, na compreensão de textos e de conceitos abstratos e podem apresentar um vocabulário pobre, confusão entre cores e formas, erros de concordância verbal e escrita espelho, invertendo a palavra.

Dificuldade de aprender

O processo de alfabetização também acaba se tornando mais lento. O distúrbio, porém, não pode ser confundido com baixos níveis de inteligência, criatividade ou falta de vontade de aprender. Quanto mais cedo a criança for diagnosticada e tratada, melhor será para seu desenvolvimento. Muitas pessoas disléxicas acabam desmotivadas a estudar porque não há um apoio ou estímulo adequado a elas, o que é essencial.

Por se tratar de uma dificuldade primária de aprendizagem, está relacionada à reprovação escolar. Por isso, a escola tem papel fundamental na identificação de alunos disléxicos. O distúrbio não se manifesta em nenhum outro lugar de maneira tão enfática ou clara, principalmente pelos estímulos cognitivos e de leitura.

“Muitas vezes o professor desconfia e tem toda a capacidade de perceber, de observar as dificuldades, mas a avaliação e diagnóstico tem que ser feita num contexto individual e clínico”, ressalta Telma.  Não existe diferenciação na hora da matrícula para alunos com dislexia e, até o ano passado, não existia diferença de tratamento no que tange o aprendizado nas escolas. Não incluído na lei de pessoas com deficiência, os disléxicos e pessoas com TDAH agora têm amparo legal por meio da lei n°14.254, de 30 de novembro de 2021. Por meio desta, fica assegurado acompanhamento integral para os alunos com o diagnóstico desses distúrbios de aprendizagem.

“É bastante importante que eles se sintam mais acolhidos e consigam aprender todo o conteúdo dado em sala de aula. Hoje a gente tem leis que deixam isso muito claro da necessidade de suporte e de intervenção comportamental que a escola pode e deve fazer mesmo sem um diagnóstico preciso”, lembra a psicóloga.

Como contornar esse problema?

A escola, para deixar mais fácil o processo de aprendizagem, pode adaptar às salas de aula algumas práticas simples de inclusão desses alunos: colocá-los à frente da sala, falar olhando para eles, dar ordens simples e estimular a consciência fonoaudióloga. É importante também que a forma de avaliação leve em conta essa dificuldade, para que as taxas de reprovação: não descontar erros ortográficos ou de pronúncia, disponibilizar mais tempo para a leitura e conclusão das atividades e propor diferentes atividades, não só as que incluam leitura e escrita.

“A gente precisa reestruturar a escola. Colocar a aprendizagem escolar, como é uma aquisição de conceitos que envolvem habilidades cognitivas socioemocionais, de uma forma mais ampla. Temos que entender que a escola precisa ainda reformular um ponto muito importante que é entender a necessidade de não colocar a leitura e a escrita como os pontos centrais dessas aquisições, tanto cognitivas como socioemocionais”, diz.

O professor, portanto, deve estar atento e comunicar os pais e responsáveis caso encontre algum dos sintomas no aluno ou veja que ele tenha alguma dificuldade. Importante dizer que apenas uma equipe multidisciplinar é capaz de dar o diagnóstico certeiro e que, mesmo tendo um papel muito importante no processo de descobrir a dislexia, o professor não deve dar o diagnóstico. Este, por sua vez, é feito por uma equipe multidisciplinar que conta com psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo e um neurologista. A confirmação do diagnóstico só aparece na ressonância funcional, que filma o cérebro em ação. O tratamento pode ser feito a partir de programas fonoaudiólogos associados à psicoeducação, aulas de reforço individual e psicoterapia.

Por Julia Estanislau

FONTE: Jornal da USP

Canabinoides sintéticos, uma ameaça à saúde pública

Cerca de 100 vezes mais forte que a natural, os canabinoides sintéticos começaram a serem comercializados em presídios. Hoje, é a substância sintética mais comum em São Paulo

Há alguns anos, uma droga tomou conta dos presídios e invadiu as ruas: a maconha sintética. A droga surgiu a partir da tentativa de separar os efeitos psicoativos das propriedades medicinais da Cannabis Sativa e, no último ano, teve um crescimento de 600% nas apreensões por parte do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco.

“Os canabinoides sintéticos, conhecidos popularmente como maconha sintética, K2, K4 e Spice, são substâncias que agem nas mesmas regiões do cérebro que o princípio ativo da Cannabis Sativa, o THC, presente nos cigarros de maconha”, explica Maurício Yonamine, professor do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Ela se apresenta de várias maneiras: dentro de saquinhos metalizados, na forma líquida (para cigarros eletrônicos), na forma de selos ou infusionadas em papel.

A droga é cerca de 100 vezes mais forte do que a maconha e, em 2016, causou em New Haven, ao lado da Universidade de Yale, uma overdose coletiva. Mais de 70 ocorrências foram registradas. A mesma coisa aconteceu em Nova York, onde usuários, por conta dos efeitos da droga, ficaram parecendo “zumbis”, vagando sem rumo e não respondendo a estímulos.

O Relatório Mundial sobre Drogas 2022 estima que 284 milhões de pessoas entre os 15 e 64 anos usaram drogas em 2020, um aumento de 26% em relação aos dez anos anteriores. A pandemia impediu que novos dados fossem coletados, mas houve um crescimento da insegurança e da vulnerabilidade, algo que tem impacto direto no consumo de drogas.

Segundo o Primeiro Informe do Subsistema de Alerta Rápido sobre Drogas (SAR), 135 países já reportaram identificar as chamadas Novas Substâncias Psicoativas, entre as quais os canabinoides sintéticos (incluindo as maconhas sintéticas). O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) registrou um aumento de 300% no número de novas substâncias psicoativas entre 2009 e 2019. O Núcleo de Exames de Entorpecentes fez 1.274 análises de substâncias sintéticas e, destas, 42% eram canabinoides sintéticos. Esse é o tipo de substância mais comum no Estado de São Paulo, segundo o informe.

Difícil identificação

Por se tratarem de substâncias facilmente modificadas no nível molecular, são muito difíceis de serem identificadas e a cada momento uma nova pode surgir. A sua fiscalização, portanto, é um desafio para a polícia e para os exames toxicológicos. Medidas como a aprovação da Portaria Nº 898, de 6 de junho de 2015, que criou o Grupo de Trabalho para regulamentar e aperfeiçoar a classificação e buscar novas estratégias ao controle das drogas, e o Projeto Minerva, que visa a preparar e capacitar peritos para identificar as novas substâncias, são caminhos para o enfrentamento.

Medidas como essas são de extrema importância, já que essas substâncias não estão listadas na Convenção Única de Entorpecentes, de 1961, nem na Convenção sobre Substâncias Psicoativas, de 1971. De forma que não há efetivamente um controle internacional.

Ela foi primeiro comercializada dentro dos presídios, e o Ministério Público de São Paulo estima que organizações criminosas já arrecadaram mais de R$ 1 milhão por mês com o tráfico e comércio dessa droga. Por ter vários formatos, a fiscalização é mais complicada e exige aparelhos de identificação nos laboratórios muito caros, além do constante aprimoramento dos cientistas, que sempre têm que decodificar uma nova combinação de elementos químicos sintéticos. “Como são drogas novas, a sua identificação representa um grande desafio para a polícia científica e não só no Brasil. É um desafio mundial”, alerta o professor.

“A gente tem fiscalização das polícias federais de todos os Estados. Mas isso é insuficiente para coibir em grande quantidade o tráfico, porque é muito lucrativo”, explica o professor titular da Faculdade de Direito da USP, Sérgio Salomão Shecaira. Por ter uma extensa faixa de fronteira com outros países, uns deles conhecidamente núcleo de tráfico de drogas, mesmo com alguma fiscalização, “é impossível ter um controle sobre a entrada de drogas no Brasil”, finaliza.

Para Marcelo da Silveira Campos, doutor em Sociologia pela USP e professor adjunto do Instituto de Ciências Humanas da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), o problema das drogas é, antes de tudo, um problema de saúde pública. Assim, combater o uso e o tráfico conta também com o tratamento dos usuários e dependentes por meio de políticas públicas que funcionem. Usar apenas a lei e recorrer ao encarceramento em todos os casos, portanto, não é a solução.

Desde 2006, a Lei n° 11.343 instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), mais conhecido como a Lei de Drogas. Ela pressupõe “a prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas”. Também conta com o apoio entre várias instâncias do governo, não só a força policial.

Outro ponto comentado por Campos é sobre o perfil dos incriminados pelo crime. Classe social, gênero, condição financeira, nível de escolaridade e raça são fatores determinantes para o consumo, tráfico e, principalmente, na hora de escolher quem deve levar a maior pena. “As mulheres são muito mais incriminadas que as pessoas nas periferias de São Paulo, cerca de duas vezes mais por tráfico do que com o uso, muitas vezes com as mesmas quantidades de drogas”, diz.

Muitas vezes aqueles que mais usam não são presos, por conta da posição social. A lei não chega a esses, que são capazes de pagar fiança ou não são vistos pela sociedade como possíveis traficantes ou usuários, como aqueles que estão em posições mais vulneráveis e de maior preconceito.

Por Julia Estanislau

FONTE: Jornal da USP

Tuberculose: Álcool, tabaco e outras drogas, e a população vulnerável

Levantamento de casos de tuberculose feito no Estado do Paraná confirma que a doença tem estreita relação com vulnerabilidade social e, caso haja dependência ou uso concomitante de substâncias psicoativas, tais como álcool, tabaco e outras drogas, os pacientes tendem a ter mais complicações (abandono precoce do tratamento, formas mais graves da doença, resistência medicamentosa e maiores índices de óbito). Os dados são resultado de uma pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, baseada em informações fornecidas pelo Sistema Brasileiro de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), da Secretaria da Saúde do Estado do Paraná (2008/2018).

Neste período, entre a população em geral, foram constatados 29.499 casos da doença. Deste universo, 9.529 eram pessoas com tuberculose e usuárias de algum tipo de droga (álcool, tabaco ou drogas ilícitas) ou faziam poliuso de entorpecentes. Foram encontrados, ainda, casos de tuberculose entre a população privada de liberdade (1.099), que é uma das mais afetadas pela doença. As outras, segundo o estudo, são indivíduos que moram na rua, comunidade indígena, HIV positivos etc.

Dos 1.099 casos, a maioria dos pacientes relatou ser tabagista, 42% (460), seguido por usuários de substâncias ilícitas (cocaína, crack, maconha etc.), 41% (451), e com transtornos relacionados ao uso de álcool, 16% (179). “A exposição à fumaça do cigarro aumenta em três vezes as chances de desenvolver tuberculose”, explica ao Jornal da USP Alessandro Rolim Scholze, autor da pesquisa e membro do Grupo de Estudos Epidemiológico-Operacionais em Tuberculose (Geotb).

Já entre a população em geral diagnosticada com a doença e que fazia uso de drogas (o grupo de 9.529 indivíduos), a substância mais prevalente foi o álcool, 20% (6.013), seguido do tabagismo, 14% (4.185), e drogas ilícitas, 10% (2.893).

Com todos os dados em mãos e baseado em scoping review (revisão literária), Scholze fez uma análise do impacto das drogas em populações vulneráveis. Foram 2.288 publicações brasileiras e estrangeiras analisadas. Em uma das pesquisas de coorte (acompanhamento de longo prazo) realizada com 268 pacientes na Etiópia, África Oriental, constatou-se que os pacientes com transtornos por uso de substâncias psicoativas apresentaram uma maior prevalência de não adesão ao tratamento de tuberculose no início do estudo (16,5%), após dois meses (42%) e ao completar seis meses de tratamento (45,5%), em comparação ao grupo que não fez uso de substâncias psicoativas (3%, 14% e 11%, respectivamente). Neste mesmo estudo, verificou-se que os tabagistas e dependentes de álcool têm, respectivamente, 3,8 e 3,2 vezes mais chances de não aderirem ao tratamento medicamentoso em comparação à população não usuária dessas substâncias.

“Quando um indivíduo infectado abandona o tratamento, ele contribui significativamente para o aumento do número de casos novos no espaço geográfico onde ele circula. No caso dos presídios, a transmissão pode ser entre os familiares, os funcionários das unidades prisionais e entre os próprios presos”, diz Scholze. Para esse grupo, o estudo mostrou que dos 1.099 diagnosticados com tuberculose, 12% abandonaram o tratamento, o que foi considerado um índice alto pela pesquisa.

O tabaco é um importante fator de risco, ou seja, estar exposto à fumaça do cigarro aumenta em três vezes as chances de desenvolver a doença. Entre os tabagistas, o risco de tuberculose latente (quando a pessoa está doente, mas não apresenta sintomas) é de 1,6 vezes e para a tuberculose ativa (com sintomas) é duas vezes mais. A possibilidade de óbito é de 2,6 vezes mais. Já as chances de desenvolvimento e agravamento/morte aumentam significativamente com o tempo de consumo, o número de cigarros consumidos por dia e o nível socioeconômico.

A ingestão de álcool aumenta em 1,9 as chances de desenvolver a tuberculose, e também está associada a atrasos nas consultas, insucesso e menores taxas de adesão a terapias. Sobre as drogas ilícitas, os usuários de crack apresentaram maiores chances de abandono do tratamento. Já os usuários de heroína tiveram sintomas mais graves de doença.

Com relação ao poliuso de drogas, o estudo identificou piores desfechos durante o tratamento (insucesso, abandono, aumento de hospitalização, falhas nos retornos, tratamento mais prolongado e lesões mais avançadas).

Cadeias: reservatórios do bacilo da tuberculose

O perfil sociodemográfico das pessoas que se encontravam encarceradas no Paraná era composto predominantemente de homens, com idade entre 30 e 59 anos, de raça e cor branca, e residentes no perímetro urbano do Estado do Paraná. Entre estudantes da 1ª à 4ª série do ensino fundamental, houve prevalência no consumo de álcool, e entre 5ª à 8ª série, consumo de cigarro e drogas ilícitas.

Em relação às características clínicas dos casos de tuberculose, a maioria correspondeu a casos novos e do tipo pulmonar. A tuberculose também pode afetar outros órgãos, como a pleura e os gânglios linfáticos.

As prisões brasileiras são consideradas importantes reservatórios do bacilo da tuberculose, a Mycobacterium tuberculosis. O ambiente insalubre e superlotado é propício para a transmissão da doença entre presos, agentes penitenciários e familiares que fazem visitas aos detentos. Cerca de 11% dos casos brasileiros da doença ocorrem nas unidades prisionais, explica o orientador da pesquisa, o professor Ricardo Alexandre Arcêncio, professor da EERP, vice-presidente da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (Rede-TB) e líder do Grupo de Estudos Epidemiológicos Operacional em Tuberculose (Geotb).

A tuberculose tem raízes sociais e atinge, principalmente, grupos vulneráveis (populações encarceradas, em situação de rua, comunidades indígenas, pessoas com HIV etc.). Segundo Arcêncio, a incidência de tuberculose nesses grupos é 20 vezes maior do que na população em geral, o que, na opinião do pesquisador, faz com que eles devam ter prioridade na implementação de políticas e estratégias públicas de saúde.

“Ignorar a existência do foco da doença nestes grupos vulneráveis significa que a Mycobacterium tuberculosis continuará circulando livremente entre a população em geral e será cada vez mais difícil eliminar a doença no Brasil”, diz o pesquisador.

Território de risco

Entre os locais que tinham maior risco de incidência da tuberculose e que também registraram índices altos no consumo de álcool, estavam as macrorregionais Leste (região metropolitana de Curitiba, capital do Estado do Paraná); a Norte (região de Londrina); e a Noroeste (região de Maringá, Umuarama, Cianorte e Paranavaí). A taxa de incidência foi de 5,4 casos/100 mil habitantes e um crescimento anual de 0,58% para o álcool.

As razões para esses elevados índices, segundo Scholze, são a alta concentração populacional – e consequentemente uma maior transição de pessoas de diferentes lugares – e às desigualdades sociais no atendimento de saúde.

Perguntado se a situação epidemiológica encontrada nos presídios do Paraná poderia ser replicada para outros estados brasileiros, Scholze afirma que sim, porque as condições dos sistemas prisionais são muito semelhantes em todo o Brasil.

O fato de ter trabalhado com dados secundários fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Paraná é considerado uma limitação para Scholze, embora ele reconheça que o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) é considerado uma fonte confiável para o desenvolvimento de estudos desta natureza.Para o orientador da pesquisa, o professor Arcêncio, o estudo trouxe um importante retrato do cenário epidemiológico deste grupo de risco no Brasil. Segundo ele, o estudo subsidia o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose, que contempla a necessidade de intensificar ações estratégicas para promover a redução do ciclo de transmissão da tuberculose, do desenvolvimento de novos casos, bem como do abandono de tratamento, de óbitos e de tuberculose multirresistente, conclui.

A tese Análise espacial e temporal da tuberculose entre pessoas em uso crônico de álcool, tabaco e ou drogas ilícitas no Estado do Paraná foi defendida em novembro de 2021 na EERP. O desenvolvimento desta pesquisa também possibilitou a produção de quatro artigos científicos, publicados em periódicos nacionais e internacionais com alto fator de impacto.

Tuberculose: doença grave

A tuberculose é uma doença infecciosa grave transmitida pelo Mycobacterium tuberculosis, o bacilo de Koch. Os principais sintomas são tosse persistente, febre, catarro, sudorese, emagrecimento, cansaço e dor no peito. A transmissão acontece pela respiração ou pelo contato com secreções corporais. “Os pacientes com transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas apresentam mais chances de desenvolver tuberculose ativa [quando a doença se manifesta], falhas no tratamento relacionadas a interrupções e descontinuidades terapêuticas, além de óbitos precoces”, explica Alessandro Rolim Scholze, autor da pesquisa e membro do Grupo de Estudos Epidemiológicos-Operacionais em Tuberculose (Geotb).

O tratamento da tuberculose é feito com antibióticos e tem duração média de seis meses.,O abandono do tratamento, além de não recomendado, é considerado um dos problemas mais sérios para o controle da doença porque resulta na manutenção da fonte de infecção (cepas resistentes) em taxas de reaparecimento e aumento da mortalidade, explica Scholze.

Mais informações: scholze@uenp.edu.br, com Alessandro Rolim Scholze, e Ricardo Alexandre Arcêncio, e-mail ricardo@eerp.usp.br

Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Guilherme Castro

Fonte: Jornal da USP

Exames periódicos ainda são a melhor forma de prevenir o câncer de próstata

O câncer de próstata, tipo mais comum entre os homens, é a causa de morte de 28,6% da população masculina que desenvolve neoplasias malignas. No Brasil, um homem morre a cada 38 minutos devido ao câncer de próstata, segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

O Novembro Azul é o mês mundial de combate ao câncer de próstata. O  urologista Daher Cezar Chade, professor da Clínica Urológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, com ênfase em Uro-Oncologia,  explica que os cuidados devem ser mais frequentes a partir dos 50 anos.

Os tumores de próstata podem ser de baixa, média ou alta agressividade. Os exames regulares são muito importantes para detectar o câncer na próstata logo na fase inicial da doença. Fase essa em que o câncer não apresenta sintomas, segundo o urologista da USP.

Sintomas

Quando alguns sinais começam a aparecer, cerca de 95% dos tumores já estão em fase avançada, dificultando a cura. Entre os sintomas estão as dores nos ossos, dor para urinar, vontade constante de urinar e a presença de sangue na urina.

A prevenção do câncer na próstata é feita em duas etapas: a primária e a secundária. A primária está relacionada a hábitos saudáveis de vida. Já a secundária inclui os exames periódicos.

Esse tipo de câncer chega a atingir 16% dos homens e sua frequência aumenta com a idade. O especialista diz que a  escolha do tratamento mais adequado deve ser individualizada e definida após médico e paciente discutirem os riscos e benefícios de cada um, de acordo com a fase da doença.

Por Sandra Capomaccio

FONTE: Jornal da USP

Efeitos da obesidade na capacidade respiratória de mulheres

A resistência das vias aéreas está relacionada com a dificuldade de o ar se movimentar nessas vias, e afeta a capacidade funcional das mulheres, mesmo que elas não apresentem queixas ou sinais clínicos.

A resistência das vias aéreas é o grau de dificuldade com que o fluxo de ar se movimenta para dentro e para fora dos pulmões, o que está associado ao diâmetro do sistema respiratório. Quanto mais resistência, maior a dificuldade durante a respiração. Alguns estudos já haviam demonstrado que as pessoas com obesidade, tanto homens quanto mulheres, apresentam esse distúrbio.

Agora, uma pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP realizada com mulheres com obesidade grau 3, considerada a mais elevada, além de confirmar os resultados anteriores, traz novos dados ao mostrar que, embora haja um aumento da resistência do sistema respiratório, a maioria das participantes não reclamaram de falta de ar e nem de limitações importantes durante os testes de caminhada. Uma possível explicação para isso é que as mulheres que participaram do estudo se declararam fisicamente ativas.

De acordo com a professora Ada Clarice Gastaldi, uma das autoras da pesquisa, mesmo nessas pacientes que não se queixaram durante os exercícios, foi possível identificar que o aumento da resistência das vias aéreas se relaciona com uma diminuição da capacidade funcional do exercício e da habilidade na realização de atividades físicas e diárias. “Isso pode aumentar as chances de complicações em situações de maior demanda, como no controle da ventilação e nos níveis de oxigênio no sangue dos pacientes durante cirurgias, nos períodos de restrição ao leito, ou mesmo com o envelhecimento, e também, em situações críticas, como a necessidade de intubação”, explica a professora ao Jornal da USP.

Em casos de obesidade, o menor diâmetro das vias áreas pode ser causado pela diminuição de volume pulmonar, inflamação no interior das vias aéreas ou alterações hormonais. “Sabemos que os índices de obesidade estão aumentando na população em geral. O acúmulo de gordura no corpo pode causar o comprometimento da respiração, colaborando para insuficiência ventilatória”, diz a professora. Uma das maneiras de lidar com o problema é por meio de fisioterapia, um conjunto de técnicas manuais preventivas ou curativas que podem, por exemplo, melhorar a oxigenação do sangue e reeducar a função respiratória.

Os dados foram publicados na revista PLOS ONE no artigo Increased airway resistance can be related to the decrease in the functional capacity in obese women.

Identificação da resistência das vias aéreas

Participaram do estudo 37 mulheres em pré-operatório para cirurgia bariátrica do Hospital das Clínicas da FMRP. “Dentre as pessoas com obesidade, há uma prevalência maior em mulheres e, além disso, trabalhamos com um grupo vinculado a um serviço de cirurgia bariátrica [para redução de estômago] que atrai principalmente mulheres”, explica a professora Ada sobre o porquê de apenas pessoas do sexo feminino terem participado do estudo.

Além disso, as voluntárias não eram fumantes e tinham idade entre 18 e 50 anos. “Temos um grupo bem homogêneo, o que não é observado em muitas pesquisas. Vários estudos reúnem homens e mulheres ou grupos com diferentes graus de obesidade”, aponta.

A fisioterapeuta também explica que quando a resistência do sistema respiratório de pessoas sem obesidade é analisada, há um valor mais elevado em mulheres, já considerado nos valores de referência utilizados. Nas com obesidade, isso é intensificado.

As participantes foram avaliadas por meio do teste de caminhada de seis minutos, do teste de espirometria e do sistema de oscilometria de impulso.

No primeiro, durante seis minutos, o paciente caminha o mais rápido que conseguir em um corredor de 30 metros. Os níveis de frequência cardíaca, saturação periférica de oxigênio, frequência respiratória e pressão sanguínea são monitorados antes, durante e depois do exercício. E os pacientes informam, com base em uma escala, o nível de desconforto ao respirar e o de cansaço das pernas. A distância percorrida no teste é um indicador da capacidade funcional de exercício, que pode afetar o desempenho em atividades mais intensas e também as diárias.

A espirometria é o teste funcional pulmonar mais comum na prática clínica. Nele, é necessário que a pessoa inspire profundamente e expire o mais forte e rápido possível. A espirometria não fornece diretamente o valor da resistência, mas mostra o resultado que ela provoca no fluxo de ar.

Já a oscilometria é mais restrita às pesquisas. A vantagem desse teste é que não demanda esforço do paciente, que apenas precisa respirar tranquilamente em um bocal e avalia de forma direta o valor da resistência do sistema respiratório. “Na oscilometria, podemos medir a resistência inspiratória ou respiratória, a resistência das vias aéreas centrais ou periféricas”, acrescenta a professora Ada.

Avaliação para prevenção

Mesmo nas participantes que não relataram queixas durante os exercícios foi possível identificar que o aumento da resistência das vias aéreas se relaciona com uma diminuição da capacidade funcional do exercício. Ada acredita que seria interessante ainda adicionar ao estudo um grupo de mulheres com obesidade grau 3 e com queixas de dispneia —  falta de ar —, a fim de identificar se há um comprometimento proporcional da capacidade funcional.

Saber que o distúrbio pode acontecer sem sinais clínicos é positivo para identificação e prevenção desse estado, aponta a professora. “É importante lembrar que estamos trabalhando com avaliação, mas pensando sempre de que forma essa investigação pode contribuir. Não é só avaliar e identificar, mas é pensar, a partir do problema identificado, de que forma podemos tratá-lo”, complementa.

Mais informações: e-mail ada@fmrp.usp.br, com Ada Clarice Gastaldi

Por Bianca Camatta

FONTE: Jornal da USP

Boa saúde mental tem relação com qualidade de vida e não com ausência de doenças

O livro “Você Aguenta Ser Feliz?: Como Cuidar da Saúde Mental e Física para Ter Qualidade de Vida” traz luz a como é simples vencer as dificuldades e melhorar a saúde mental.

A pandemia, dentre outras coisas, lançou luz sobre a saúde mental. Hoje, a OMS (Organização Mundial da Saúde) entende que a saúde mental é o maior fator de preocupação de saúde do mundo e que, contrário à crença popular, não só aqueles com quadro de doenças mentais são os afetados. A saúde mental é, antes de qualquer coisa, ligada à qualidade de vida.

“A saúde mental era considerada a ausência de doença mental”, diz Arthur Guerra, médico do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Grea, programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Manter a saúde mental em bom estado é ter um bom estilo de vida, conseguir viver bem com você e com as pessoas ao redor. O médico explica que um indicativo disso é conseguir superar as dificuldades da vida, impostas diariamente, de forma a não consumir o indivíduo mentalmente. “Todo mundo acaba tendo um problema ou outro de saúde mental. Muitas vezes, esse problema é negligenciado, escondido. E se nós não o abordarmos, ele só tende a ficar pior”, explica o psiquiatra.

De paciente a coautor 

Não importa a classe ou posição social, muito menos ter ou não ter algo, porque todos podem sofrer de uma saúde mental pobre. O livro Você Aguenta Ser Feliz?: Como Cuidar da Saúde Mental e Física para Ter Qualidade de Vida, trata exatamente desse ponto. A parceria entre os coautores, o psiquiatra Guerra, e seu paciente, o publicitário Nizan Guanaes, começou a partir de uma sessão.

Esse paciente tinha tudo: satisfação com a profissão, um bom casamento, filhos bem encaminhados. “Mas faltava como se fosse o orégano na pizza”, lembra Guerra. Ele, então, perguntou a esse paciente se ele aguentava ser feliz. Guanaes, que escreve quinzenalmente para a Folha de S. Paulo, pegou essa frase e fez uma coluna de grande sucesso.

A partir daí, surgiu a ideia do livro: dividir com os outros uma maneira de melhorar a saúde mental de uma forma simples e econômica, e que pode ser feita de qualquer lugar. Os autores mostram que é possível reconstruir a vida a partir de uma boa qualidade de vida, baseada em exercícios físicos, uma boa noite de sono, entre outros. Autoconhecimento é autodisciplina, chave para uma vida feliz.

Esse assunto é especialmente importante quando levada em conta a conjuntura atual: “Nós nunca vimos no mundo todo essa explosão de quadros compulsivos”, diz. Cada vez mais os vícios e compulsões ocupam uma parte importante e central na vida das pessoas e, visto a evolução do digital, isso evoluiu.

Sociedade moderna

Guerra explica que antes os vícios eram bem delimitados, como quadros de compulsão alimentar, alcoolismo e uso de drogas. Atualmente, as pessoas não conseguem ficar longe do celular e desenvolveram uma compulsão com as redes sociais: “Você é considerado mais importante se você tem mais seguidores”. Existe uma necessidade de viver no digital e contar apenas as coisas boas, o que não é verdade. Cria-se um ambiente de aparências e não de realidade.

Essa digitalização levou a uma busca por prazeres rápidos: abuso de álcool por aqueles que não são alcoólatras, uso de drogas sintéticas, descompasso na alimentação (comer por hábito ou por conta da ansiedade), compulsão sexual mesmo sem prazer (o prazer está na conquista). As pessoas cada vez querem mais, não importa o quanto elas já tenham. “Esse é o mundo em que nós vivemos, claramente compulsivo”, salienta o psiquiatra.

Para vencer isso, um bom remédio é o esporte. A atividade física pode servir de tratamento, porque ela promove não só a saúde física, como ajuda numa alimentação mais balanceada, na disciplina, gera sensação de bem-estar e os pensamentos negativos ficam menos proeminentes, além de aumentar a autoestima. Para o médico, “o esporte é uma ferramenta essencial”.

“Você dormir bem, viver bem, dar risada, ter respeito com seu parceiro ou com a sua parceira e poder ter um propósito para sua vida. Falar ‘eu quero chegar lá’ é um desafio que todos nós temos e a felicidade está logo ali, não está longe. Mas precisa de disciplina para poder alcançá-la”, finaliza o psiquiatra.

FONTE: Jornal da USP

Reduzindo a confusão mental no pós-operatório de idosos

A disfunção cognitiva pós-operatória (DCPO) é uma condição que costuma afetar pós-operatório de idosos submetidos a cirurgias sob anestesia geral. Caracteriza-se usualmente por prejuízos à memória e à concentração que podem ser temporários ou tornarem-se permanentes e incapacitantes. O problema tem se tornado cada vez mais frequente, tanto em função do envelhecimento da população como do aumento no número de procedimentos cirúrgicos em idosos propiciado pelo avanço nas tecnologias médicas. Dados da literatura científica sugerem que os casos anestésico-cirúrgicos que evoluem com DCPO têm mortalidade aumentada no primeiro ano após o procedimento.

A boa notícia é que, de acordo com um estudo publicado no dia 6 de maio na revista PLoS One, duas medidas relativamente simples podem ajudar a reduzir a incidência de DCPO: administrar uma pequena dose do anti-inflamatório dexametasona imediatamente antes da cirurgia e, durante a operação, evitar uma hipnose muito profunda.

A pesquisa coordenada por Maria José Carvalho Carmona, professora da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e coordenadora da pesquisa, foi conduzida com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) durante o doutorado de Lívia Valentin, primeira autora do artigo.

Atualmente, não há consenso sobre a profundidade anestésica adequada e sobre os riscos da anestesia muito profunda. Sabe-se que, quando a anestesia é demasiadamente superficial, existe a possibilidade de o paciente ter lembrança do intraoperatório, o que é indesejável. “Os resultados confirmam evidências recentes de que, quanto mais profunda é a hipnose anestésica, maior é a incidência de DCPO. Dados da literatura indicam que o problema estaria relacionado a uma resposta inflamatória sistêmica induzida pelo trauma cirúrgico, que seria lesiva para o sistema nervoso central. Por esse motivo o anti-inflamatório pode ter um efeito protetor”, explica a professora.

“Quanto mais profunda é a hipnose anestésica, maior é a incidência de DCPO

Foram avaliados 140 pacientes, entre 60 e 87 anos, submetidos à cirurgia sob anestesia geral no Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP – a maioria para remoção de cálculos na vesícula. Como agente hipnótico foi utilizado o anestésico propofol. “Excluímos os casos de cirurgia cardíaca e ortopédica, dois dos procedimentos mais associados ao desenvolvimento de DCPO e, portanto, os mais explorados em estudos anteriores”, explicou Carmona.

Status cognitivo

Antes da cirurgia, os pacientes passaram por uma avaliação do status cognitivo, sendo excluídos aqueles que não alcançavam o escore mínimo. Em seguida, os selecionados foram divididos aleatoriamente em quatro grupos. O primeiro não recebeu dexametasona e foi induzido a uma hipnose anestésica profunda, como a utilizada frequentemente em cirurgias de grande porte. O segundo grupo também não recebeu o anti-inflamatório, mas foi induzido a uma hipnose mais superficial. O terceiro recebeu dexametasona e hipnose profunda. O último grupo recebeu a droga anti-inflamatória e hipnose superficial.

A profundidade anestésica foi monitorada por uma tecnologia conhecida como BIS (índice bispectral, na sigla em inglês), baseada na análise espectral do traçado do eletroencefalograma. Valores entre 35 e 45 nesse índice foram considerados pelos pesquisadores como hipnose profunda. Entre 46 e 55 foi considerada hipnose superficial.

No primeiro grupo (hipnose profunda, sem anti-inflamatório), a incidência de DCPO logo após a cirurgia foi de 68% – sendo que 25,3% dos pacientes ainda apresentavam o problema na reavaliação feita após seis meses. No segundo (hipnose superficial, sem anti-inflamatório), o número caiu para 27,2% após a cirurgia. Seis meses depois, 21,7% ainda apresentavam prejuízo cognitivo. No terceiro grupo (dexametasona e hipnose profunda), a incidência foi parecida com o grupo anterior logo após o procedimento cirúrgico: 25,2%. No entanto, na reavaliação feita após seis meses apenas 3,1% dos pacientes ainda apresentavam DCPO.

Já no grupo que recebeu dexametasona e foi submetido a hipnose superficial, a incidência de DCPO caiu para 15,3% no primeiro momento e, após seis meses, todos os pacientes já haviam recuperado o status cognitivo pré-cirúrgico. “Os resultados obtidos reforçam evidências recentes sobre a importância de evitar-se a anestesia profunda. Já em relação ao uso da dexametasona, há necessidades de mais estudos, de preferência multicêntricos, para confirmar o achado. Mas há um forte indício de que ela pode ser benéfica em muitos casos”, avaliou Carmona.

Reabilitação

Os primeiros estudos com pacientes que desenvolveram DCPO começaram a surgir, de acordo com Carmona, após os anos 1950. Antes dessa época dificilmente eram realizadas cirurgias de grande porte em idosos. Pesquisas nessa área, portanto, ganharam relevância principalmente nos últimos 15 ou 20 anos. “Ainda se discutem as causas e os fatores de risco da DCPO, mas pouco se fala em reabilitação e em metodologias para fazer com que esses pacientes voltem à sua condição do pré-operatório”, opinou Carmona.

Para que o diagnóstico e a reabilitação sejam viáveis, um dos desafios é desenvolver instrumentos práticos e seguros para avaliação do status cognitivo no pré e no pós-operatório. “Os testes hoje disponíveis ou são muito demorados ou, quando são rápidos, não são confiáveis. Isso dificulta o acompanhamento dos pacientes”, afirmou Carmona. Conforme explicou Valentin, os testes neuropsicológicos convencionais são de difícil aplicação e são de uso exclusivo do psicólogo especialista em neuropsicologia. “Isso dificulta a avaliação cognitiva pré e pós cirúrgica, principalmente em equipes multiprofissionais que não contam com um neuropsicólogo”, disse a pesquisadora.

“Os testes hoje disponíveis ou são muito demorados ou, quando são rápidos, não são confiáveis

Visando solucionar essa deficiência, desde o término de seu doutorado, Valentin tem se dedicado a desenvolver em parceria com a empresa Izotonic Games o jogo digital MentalPlus. O software avalia as funções cognitivas de maneira lúdica em 25 minutos – enquanto uma bateria de testes neuropsicológicos convencionais pode levar mais de duas horas para ser concluída. O projeto está sendo conduzido em parceria com nove instituições internacionais, entre elas Harvard Medical School (Estados Unidos), The University of Copenhagen (Dinamarca), L’Université Paris-Sorbonne (França) e The University of Oxford (Reino Unido). A validação do método está sendo feita na FMUSP sob a coordenação de Valentin.

“O game está sendo validado para uso na população em geral, como um dos recursos mais atuais para a avaliação das funções cognitivas. Além disso, seu uso pode ajudar o jogador na reorganização das funções cognitivas prejudicadas. A ideia é que seja um instrumento de domínio público, não restrito ao uso de psicólogos ou neuropsicólogos”, afirmou Valentin.

Karina Toledo / Agência FAPESP

FONTE: Jornal da USP

A matemática controlando epidemias

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que as epidemias matam 15 milhões de pessoas por ano no mundo. E nos últimos 60 anos, 300 novas epidemias foram registradas. Essa é uma das áreas de estudo em andamento do professor Tiago Pereira, do Instituto de Ciência Matemática e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, que é também pesquisador do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CEPID-CeMEAI). Ele é coorientador de doutorado do matemático alemão Stefan Ruschel, da Universidade de Humboldt, em Berlim. Stefan atua na área de sistemas dinâmicos com atraso temporal e sua tese trata das possíveis formas de controle de uma epidemia, desde que causada por doenças contagiosas.

Utilizando-se de bases de dados da própria OMS sobre a gripe A-H1N1, os pesquisadores estudam como extinguir a doença, que, só neste ano, vitimou 10% da população infectada no Brasil. A população é dividida em três grupos: saudáveis, doentes e isolados. A partir de modelos matemáticos, são calculados os tempos ideais para identificação da doença até o isolamento. E o tempo de isolamento para a recuperação. É esse resultado da equação que irá definir as chances de controle, no modelo estudado (ver imagem).

O pesquisador Tiago Pereira complementou. “Os cálculos demonstram que, se você perde a data dos nove dias, passa a ser decisiva a análise dos dados do tempo ideal de isolamento. Se você isolar então a pessoa por um tempo ideal, a doença é extinta, se você isolar a pessoa além do tempo ideal, a doença vai reaparecer.”Pelos cálculos de Stefan, seria necessário isolar todos os doentes em até nove dias, após a infecção, para que a doença fosse extinta.

“Sem isolamento não se controla a epidemia e o tempo de identificação é essencial para o controle.”

O tempo de identificação de nove dias leva em conta que todo indivíduo infectado é isolado. No entanto, os cálculos mostram ainda que, se metade dos infectados for isolada, o tempo de identificação cairia para dois dias e meio.

“A pesquisa mostra o delicado balanço entre a identificação dos indivíduos infectados e o sucesso do controle. A partir desses números, seria possível promover políticas públicas para gerar a infraestrutura necessária e o treinamento de profissionais. Por isso, entender os tempos corretos de diagnóstico e isolamento é fundamental para a saúde da população”, conclui.

O Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), com sede no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp_. O CeMEAI é estruturado para promover o uso de ciências matemáticas como um recurso industrial em quatro áreas básicas: Otimização Aplicada e Pesquisa Operacional, Mecânica de Fluidos Computacional, Modelagem de Risco, Inteligência Computacional e Engenharia de Software. Além do ICMC-USP, CCET-UFSCar, IMECC-UNICAMP, IBILCE-UNESP, FCT-UNESP, IAE e IME-USP compõem o CeMEAI como instituições associadas.

Mais informações: (16) 3373-6609, email contatocemeai@icmc.usp.br

FONTE: Jornal da USP