Tuberculose: Álcool, tabaco e outras drogas, e a população vulnerável

Levantamento de casos de tuberculose feito no Estado do Paraná confirma que a doença tem estreita relação com vulnerabilidade social e, caso haja dependência ou uso concomitante de substâncias psicoativas, tais como álcool, tabaco e outras drogas, os pacientes tendem a ter mais complicações (abandono precoce do tratamento, formas mais graves da doença, resistência medicamentosa e maiores índices de óbito). Os dados são resultado de uma pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, baseada em informações fornecidas pelo Sistema Brasileiro de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), da Secretaria da Saúde do Estado do Paraná (2008/2018).

Neste período, entre a população em geral, foram constatados 29.499 casos da doença. Deste universo, 9.529 eram pessoas com tuberculose e usuárias de algum tipo de droga (álcool, tabaco ou drogas ilícitas) ou faziam poliuso de entorpecentes. Foram encontrados, ainda, casos de tuberculose entre a população privada de liberdade (1.099), que é uma das mais afetadas pela doença. As outras, segundo o estudo, são indivíduos que moram na rua, comunidade indígena, HIV positivos etc.

Dos 1.099 casos, a maioria dos pacientes relatou ser tabagista, 42% (460), seguido por usuários de substâncias ilícitas (cocaína, crack, maconha etc.), 41% (451), e com transtornos relacionados ao uso de álcool, 16% (179). “A exposição à fumaça do cigarro aumenta em três vezes as chances de desenvolver tuberculose”, explica ao Jornal da USP Alessandro Rolim Scholze, autor da pesquisa e membro do Grupo de Estudos Epidemiológico-Operacionais em Tuberculose (Geotb).

Já entre a população em geral diagnosticada com a doença e que fazia uso de drogas (o grupo de 9.529 indivíduos), a substância mais prevalente foi o álcool, 20% (6.013), seguido do tabagismo, 14% (4.185), e drogas ilícitas, 10% (2.893).

Com todos os dados em mãos e baseado em scoping review (revisão literária), Scholze fez uma análise do impacto das drogas em populações vulneráveis. Foram 2.288 publicações brasileiras e estrangeiras analisadas. Em uma das pesquisas de coorte (acompanhamento de longo prazo) realizada com 268 pacientes na Etiópia, África Oriental, constatou-se que os pacientes com transtornos por uso de substâncias psicoativas apresentaram uma maior prevalência de não adesão ao tratamento de tuberculose no início do estudo (16,5%), após dois meses (42%) e ao completar seis meses de tratamento (45,5%), em comparação ao grupo que não fez uso de substâncias psicoativas (3%, 14% e 11%, respectivamente). Neste mesmo estudo, verificou-se que os tabagistas e dependentes de álcool têm, respectivamente, 3,8 e 3,2 vezes mais chances de não aderirem ao tratamento medicamentoso em comparação à população não usuária dessas substâncias.

“Quando um indivíduo infectado abandona o tratamento, ele contribui significativamente para o aumento do número de casos novos no espaço geográfico onde ele circula. No caso dos presídios, a transmissão pode ser entre os familiares, os funcionários das unidades prisionais e entre os próprios presos”, diz Scholze. Para esse grupo, o estudo mostrou que dos 1.099 diagnosticados com tuberculose, 12% abandonaram o tratamento, o que foi considerado um índice alto pela pesquisa.

O tabaco é um importante fator de risco, ou seja, estar exposto à fumaça do cigarro aumenta em três vezes as chances de desenvolver a doença. Entre os tabagistas, o risco de tuberculose latente (quando a pessoa está doente, mas não apresenta sintomas) é de 1,6 vezes e para a tuberculose ativa (com sintomas) é duas vezes mais. A possibilidade de óbito é de 2,6 vezes mais. Já as chances de desenvolvimento e agravamento/morte aumentam significativamente com o tempo de consumo, o número de cigarros consumidos por dia e o nível socioeconômico.

A ingestão de álcool aumenta em 1,9 as chances de desenvolver a tuberculose, e também está associada a atrasos nas consultas, insucesso e menores taxas de adesão a terapias. Sobre as drogas ilícitas, os usuários de crack apresentaram maiores chances de abandono do tratamento. Já os usuários de heroína tiveram sintomas mais graves de doença.

Com relação ao poliuso de drogas, o estudo identificou piores desfechos durante o tratamento (insucesso, abandono, aumento de hospitalização, falhas nos retornos, tratamento mais prolongado e lesões mais avançadas).

Cadeias: reservatórios do bacilo da tuberculose

O perfil sociodemográfico das pessoas que se encontravam encarceradas no Paraná era composto predominantemente de homens, com idade entre 30 e 59 anos, de raça e cor branca, e residentes no perímetro urbano do Estado do Paraná. Entre estudantes da 1ª à 4ª série do ensino fundamental, houve prevalência no consumo de álcool, e entre 5ª à 8ª série, consumo de cigarro e drogas ilícitas.

Em relação às características clínicas dos casos de tuberculose, a maioria correspondeu a casos novos e do tipo pulmonar. A tuberculose também pode afetar outros órgãos, como a pleura e os gânglios linfáticos.

As prisões brasileiras são consideradas importantes reservatórios do bacilo da tuberculose, a Mycobacterium tuberculosis. O ambiente insalubre e superlotado é propício para a transmissão da doença entre presos, agentes penitenciários e familiares que fazem visitas aos detentos. Cerca de 11% dos casos brasileiros da doença ocorrem nas unidades prisionais, explica o orientador da pesquisa, o professor Ricardo Alexandre Arcêncio, professor da EERP, vice-presidente da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (Rede-TB) e líder do Grupo de Estudos Epidemiológicos Operacional em Tuberculose (Geotb).

A tuberculose tem raízes sociais e atinge, principalmente, grupos vulneráveis (populações encarceradas, em situação de rua, comunidades indígenas, pessoas com HIV etc.). Segundo Arcêncio, a incidência de tuberculose nesses grupos é 20 vezes maior do que na população em geral, o que, na opinião do pesquisador, faz com que eles devam ter prioridade na implementação de políticas e estratégias públicas de saúde.

“Ignorar a existência do foco da doença nestes grupos vulneráveis significa que a Mycobacterium tuberculosis continuará circulando livremente entre a população em geral e será cada vez mais difícil eliminar a doença no Brasil”, diz o pesquisador.

Território de risco

Entre os locais que tinham maior risco de incidência da tuberculose e que também registraram índices altos no consumo de álcool, estavam as macrorregionais Leste (região metropolitana de Curitiba, capital do Estado do Paraná); a Norte (região de Londrina); e a Noroeste (região de Maringá, Umuarama, Cianorte e Paranavaí). A taxa de incidência foi de 5,4 casos/100 mil habitantes e um crescimento anual de 0,58% para o álcool.

As razões para esses elevados índices, segundo Scholze, são a alta concentração populacional – e consequentemente uma maior transição de pessoas de diferentes lugares – e às desigualdades sociais no atendimento de saúde.

20221110 mapa de risco tuberculose parana

Perguntado se a situação epidemiológica encontrada nos presídios do Paraná poderia ser replicada para outros estados brasileiros, Scholze afirma que sim, porque as condições dos sistemas prisionais são muito semelhantes em todo o Brasil.

O fato de ter trabalhado com dados secundários fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Paraná é considerado uma limitação para Scholze, embora ele reconheça que o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) é considerado uma fonte confiável para o desenvolvimento de estudos desta natureza.Para o orientador da pesquisa, o professor Arcêncio, o estudo trouxe um importante retrato do cenário epidemiológico deste grupo de risco no Brasil. Segundo ele, o estudo subsidia o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose, que contempla a necessidade de intensificar ações estratégicas para promover a redução do ciclo de transmissão da tuberculose, do desenvolvimento de novos casos, bem como do abandono de tratamento, de óbitos e de tuberculose multirresistente, conclui.

A tese Análise espacial e temporal da tuberculose entre pessoas em uso crônico de álcool, tabaco e ou drogas ilícitas no Estado do Paraná foi defendida em novembro de 2021 na EERP. O desenvolvimento desta pesquisa também possibilitou a produção de quatro artigos científicos, publicados em periódicos nacionais e internacionais com alto fator de impacto.

Tuberculose: doença grave

A tuberculose é uma doença infecciosa grave transmitida pelo Mycobacterium tuberculosis, o bacilo de Koch. Os principais sintomas são tosse persistente, febre, catarro, sudorese, emagrecimento, cansaço e dor no peito. A transmissão acontece pela respiração ou pelo contato com secreções corporais. “Os pacientes com transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas apresentam mais chances de desenvolver tuberculose ativa [quando a doença se manifesta], falhas no tratamento relacionadas a interrupções e descontinuidades terapêuticas, além de óbitos precoces”, explica Alessandro Rolim Scholze, autor da pesquisa e membro do Grupo de Estudos Epidemiológicos-Operacionais em Tuberculose (Geotb).

O tratamento da tuberculose é feito com antibióticos e tem duração média de seis meses.,O abandono do tratamento, além de não recomendado, é considerado um dos problemas mais sérios para o controle da doença porque resulta na manutenção da fonte de infecção (cepas resistentes) em taxas de reaparecimento e aumento da mortalidade, explica Scholze.

Mais informações: scholze@uenp.edu.br, com Alessandro Rolim Scholze, e Ricardo Alexandre Arcêncio, e-mail ricardo@eerp.usp.br

Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Guilherme Castro

Fonte: Jornal da USP

Exames periódicos ainda são a melhor forma de prevenir o câncer de próstata

O câncer de próstata, tipo mais comum entre os homens, é a causa de morte de 28,6% da população masculina que desenvolve neoplasias malignas. No Brasil, um homem morre a cada 38 minutos devido ao câncer de próstata, segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

O Novembro Azul é o mês mundial de combate ao câncer de próstata. O  urologista Daher Cezar Chade, professor da Clínica Urológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, com ênfase em Uro-Oncologia,  explica que os cuidados devem ser mais frequentes a partir dos 50 anos.

Os tumores de próstata podem ser de baixa, média ou alta agressividade. Os exames regulares são muito importantes para detectar o câncer na próstata logo na fase inicial da doença. Fase essa em que o câncer não apresenta sintomas, segundo o urologista da USP.

Sintomas

Quando alguns sinais começam a aparecer, cerca de 95% dos tumores já estão em fase avançada, dificultando a cura. Entre os sintomas estão as dores nos ossos, dor para urinar, vontade constante de urinar e a presença de sangue na urina.

A prevenção do câncer na próstata é feita em duas etapas: a primária e a secundária. A primária está relacionada a hábitos saudáveis de vida. Já a secundária inclui os exames periódicos.

Esse tipo de câncer chega a atingir 16% dos homens e sua frequência aumenta com a idade. O especialista diz que a  escolha do tratamento mais adequado deve ser individualizada e definida após médico e paciente discutirem os riscos e benefícios de cada um, de acordo com a fase da doença.

Por Sandra Capomaccio

FONTE: Jornal da USP

Efeitos da obesidade na capacidade respiratória de mulheres

A resistência das vias aéreas está relacionada com a dificuldade de o ar se movimentar nessas vias, e afeta a capacidade funcional das mulheres, mesmo que elas não apresentem queixas ou sinais clínicos.

A resistência das vias aéreas é o grau de dificuldade com que o fluxo de ar se movimenta para dentro e para fora dos pulmões, o que está associado ao diâmetro do sistema respiratório. Quanto mais resistência, maior a dificuldade durante a respiração. Alguns estudos já haviam demonstrado que as pessoas com obesidade, tanto homens quanto mulheres, apresentam esse distúrbio.

Agora, uma pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP realizada com mulheres com obesidade grau 3, considerada a mais elevada, além de confirmar os resultados anteriores, traz novos dados ao mostrar que, embora haja um aumento da resistência do sistema respiratório, a maioria das participantes não reclamaram de falta de ar e nem de limitações importantes durante os testes de caminhada. Uma possível explicação para isso é que as mulheres que participaram do estudo se declararam fisicamente ativas.

De acordo com a professora Ada Clarice Gastaldi, uma das autoras da pesquisa, mesmo nessas pacientes que não se queixaram durante os exercícios, foi possível identificar que o aumento da resistência das vias aéreas se relaciona com uma diminuição da capacidade funcional do exercício e da habilidade na realização de atividades físicas e diárias. “Isso pode aumentar as chances de complicações em situações de maior demanda, como no controle da ventilação e nos níveis de oxigênio no sangue dos pacientes durante cirurgias, nos períodos de restrição ao leito, ou mesmo com o envelhecimento, e também, em situações críticas, como a necessidade de intubação”, explica a professora ao Jornal da USP.

Em casos de obesidade, o menor diâmetro das vias áreas pode ser causado pela diminuição de volume pulmonar, inflamação no interior das vias aéreas ou alterações hormonais. “Sabemos que os índices de obesidade estão aumentando na população em geral. O acúmulo de gordura no corpo pode causar o comprometimento da respiração, colaborando para insuficiência ventilatória”, diz a professora. Uma das maneiras de lidar com o problema é por meio de fisioterapia, um conjunto de técnicas manuais preventivas ou curativas que podem, por exemplo, melhorar a oxigenação do sangue e reeducar a função respiratória.

Os dados foram publicados na revista PLOS ONE no artigo Increased airway resistance can be related to the decrease in the functional capacity in obese women.

Identificação da resistência das vias aéreas

Participaram do estudo 37 mulheres em pré-operatório para cirurgia bariátrica do Hospital das Clínicas da FMRP. “Dentre as pessoas com obesidade, há uma prevalência maior em mulheres e, além disso, trabalhamos com um grupo vinculado a um serviço de cirurgia bariátrica [para redução de estômago] que atrai principalmente mulheres”, explica a professora Ada sobre o porquê de apenas pessoas do sexo feminino terem participado do estudo.

Além disso, as voluntárias não eram fumantes e tinham idade entre 18 e 50 anos. “Temos um grupo bem homogêneo, o que não é observado em muitas pesquisas. Vários estudos reúnem homens e mulheres ou grupos com diferentes graus de obesidade”, aponta.

A fisioterapeuta também explica que quando a resistência do sistema respiratório de pessoas sem obesidade é analisada, há um valor mais elevado em mulheres, já considerado nos valores de referência utilizados. Nas com obesidade, isso é intensificado.

As participantes foram avaliadas por meio do teste de caminhada de seis minutos, do teste de espirometria e do sistema de oscilometria de impulso.

No primeiro, durante seis minutos, o paciente caminha o mais rápido que conseguir em um corredor de 30 metros. Os níveis de frequência cardíaca, saturação periférica de oxigênio, frequência respiratória e pressão sanguínea são monitorados antes, durante e depois do exercício. E os pacientes informam, com base em uma escala, o nível de desconforto ao respirar e o de cansaço das pernas. A distância percorrida no teste é um indicador da capacidade funcional de exercício, que pode afetar o desempenho em atividades mais intensas e também as diárias.

A espirometria é o teste funcional pulmonar mais comum na prática clínica. Nele, é necessário que a pessoa inspire profundamente e expire o mais forte e rápido possível. A espirometria não fornece diretamente o valor da resistência, mas mostra o resultado que ela provoca no fluxo de ar.

Já a oscilometria é mais restrita às pesquisas. A vantagem desse teste é que não demanda esforço do paciente, que apenas precisa respirar tranquilamente em um bocal e avalia de forma direta o valor da resistência do sistema respiratório. “Na oscilometria, podemos medir a resistência inspiratória ou respiratória, a resistência das vias aéreas centrais ou periféricas”, acrescenta a professora Ada.

Avaliação para prevenção

Mesmo nas participantes que não relataram queixas durante os exercícios foi possível identificar que o aumento da resistência das vias aéreas se relaciona com uma diminuição da capacidade funcional do exercício. Ada acredita que seria interessante ainda adicionar ao estudo um grupo de mulheres com obesidade grau 3 e com queixas de dispneia —  falta de ar —, a fim de identificar se há um comprometimento proporcional da capacidade funcional.

Saber que o distúrbio pode acontecer sem sinais clínicos é positivo para identificação e prevenção desse estado, aponta a professora. “É importante lembrar que estamos trabalhando com avaliação, mas pensando sempre de que forma essa investigação pode contribuir. Não é só avaliar e identificar, mas é pensar, a partir do problema identificado, de que forma podemos tratá-lo”, complementa.

Mais informações: e-mail ada@fmrp.usp.br, com Ada Clarice Gastaldi

Por Bianca Camatta

FONTE: Jornal da USP

Boa saúde mental tem relação com qualidade de vida e não com ausência de doenças

O livro “Você Aguenta Ser Feliz?: Como Cuidar da Saúde Mental e Física para Ter Qualidade de Vida” traz luz a como é simples vencer as dificuldades e melhorar a saúde mental.

A pandemia, dentre outras coisas, lançou luz sobre a saúde mental. Hoje, a OMS (Organização Mundial da Saúde) entende que a saúde mental é o maior fator de preocupação de saúde do mundo e que, contrário à crença popular, não só aqueles com quadro de doenças mentais são os afetados. A saúde mental é, antes de qualquer coisa, ligada à qualidade de vida.

“A saúde mental era considerada a ausência de doença mental”, diz Arthur Guerra, médico do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Grea, programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Manter a saúde mental em bom estado é ter um bom estilo de vida, conseguir viver bem com você e com as pessoas ao redor. O médico explica que um indicativo disso é conseguir superar as dificuldades da vida, impostas diariamente, de forma a não consumir o indivíduo mentalmente. “Todo mundo acaba tendo um problema ou outro de saúde mental. Muitas vezes, esse problema é negligenciado, escondido. E se nós não o abordarmos, ele só tende a ficar pior”, explica o psiquiatra.

De paciente a coautor 

Não importa a classe ou posição social, muito menos ter ou não ter algo, porque todos podem sofrer de uma saúde mental pobre. O livro Você Aguenta Ser Feliz?: Como Cuidar da Saúde Mental e Física para Ter Qualidade de Vida, trata exatamente desse ponto. A parceria entre os coautores, o psiquiatra Guerra, e seu paciente, o publicitário Nizan Guanaes, começou a partir de uma sessão.

Esse paciente tinha tudo: satisfação com a profissão, um bom casamento, filhos bem encaminhados. “Mas faltava como se fosse o orégano na pizza”, lembra Guerra. Ele, então, perguntou a esse paciente se ele aguentava ser feliz. Guanaes, que escreve quinzenalmente para a Folha de S. Paulo, pegou essa frase e fez uma coluna de grande sucesso.

A partir daí, surgiu a ideia do livro: dividir com os outros uma maneira de melhorar a saúde mental de uma forma simples e econômica, e que pode ser feita de qualquer lugar. Os autores mostram que é possível reconstruir a vida a partir de uma boa qualidade de vida, baseada em exercícios físicos, uma boa noite de sono, entre outros. Autoconhecimento é autodisciplina, chave para uma vida feliz.

Esse assunto é especialmente importante quando levada em conta a conjuntura atual: “Nós nunca vimos no mundo todo essa explosão de quadros compulsivos”, diz. Cada vez mais os vícios e compulsões ocupam uma parte importante e central na vida das pessoas e, visto a evolução do digital, isso evoluiu.

Sociedade moderna

Guerra explica que antes os vícios eram bem delimitados, como quadros de compulsão alimentar, alcoolismo e uso de drogas. Atualmente, as pessoas não conseguem ficar longe do celular e desenvolveram uma compulsão com as redes sociais: “Você é considerado mais importante se você tem mais seguidores”. Existe uma necessidade de viver no digital e contar apenas as coisas boas, o que não é verdade. Cria-se um ambiente de aparências e não de realidade.

Essa digitalização levou a uma busca por prazeres rápidos: abuso de álcool por aqueles que não são alcoólatras, uso de drogas sintéticas, descompasso na alimentação (comer por hábito ou por conta da ansiedade), compulsão sexual mesmo sem prazer (o prazer está na conquista). As pessoas cada vez querem mais, não importa o quanto elas já tenham. “Esse é o mundo em que nós vivemos, claramente compulsivo”, salienta o psiquiatra.

Para vencer isso, um bom remédio é o esporte. A atividade física pode servir de tratamento, porque ela promove não só a saúde física, como ajuda numa alimentação mais balanceada, na disciplina, gera sensação de bem-estar e os pensamentos negativos ficam menos proeminentes, além de aumentar a autoestima. Para o médico, “o esporte é uma ferramenta essencial”.

“Você dormir bem, viver bem, dar risada, ter respeito com seu parceiro ou com a sua parceira e poder ter um propósito para sua vida. Falar ‘eu quero chegar lá’ é um desafio que todos nós temos e a felicidade está logo ali, não está longe. Mas precisa de disciplina para poder alcançá-la”, finaliza o psiquiatra.

FONTE: Jornal da USP

Reduzindo a confusão mental no pós-operatório de idosos

A disfunção cognitiva pós-operatória (DCPO) é uma condição que costuma afetar pós-operatório de idosos submetidos a cirurgias sob anestesia geral. Caracteriza-se usualmente por prejuízos à memória e à concentração que podem ser temporários ou tornarem-se permanentes e incapacitantes. O problema tem se tornado cada vez mais frequente, tanto em função do envelhecimento da população como do aumento no número de procedimentos cirúrgicos em idosos propiciado pelo avanço nas tecnologias médicas. Dados da literatura científica sugerem que os casos anestésico-cirúrgicos que evoluem com DCPO têm mortalidade aumentada no primeiro ano após o procedimento.

A boa notícia é que, de acordo com um estudo publicado no dia 6 de maio na revista PLoS One, duas medidas relativamente simples podem ajudar a reduzir a incidência de DCPO: administrar uma pequena dose do anti-inflamatório dexametasona imediatamente antes da cirurgia e, durante a operação, evitar uma hipnose muito profunda.

A pesquisa coordenada por Maria José Carvalho Carmona, professora da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e coordenadora da pesquisa, foi conduzida com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) durante o doutorado de Lívia Valentin, primeira autora do artigo.

Atualmente, não há consenso sobre a profundidade anestésica adequada e sobre os riscos da anestesia muito profunda. Sabe-se que, quando a anestesia é demasiadamente superficial, existe a possibilidade de o paciente ter lembrança do intraoperatório, o que é indesejável. “Os resultados confirmam evidências recentes de que, quanto mais profunda é a hipnose anestésica, maior é a incidência de DCPO. Dados da literatura indicam que o problema estaria relacionado a uma resposta inflamatória sistêmica induzida pelo trauma cirúrgico, que seria lesiva para o sistema nervoso central. Por esse motivo o anti-inflamatório pode ter um efeito protetor”, explica a professora.

“Quanto mais profunda é a hipnose anestésica, maior é a incidência de DCPO

Foram avaliados 140 pacientes, entre 60 e 87 anos, submetidos à cirurgia sob anestesia geral no Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP – a maioria para remoção de cálculos na vesícula. Como agente hipnótico foi utilizado o anestésico propofol. “Excluímos os casos de cirurgia cardíaca e ortopédica, dois dos procedimentos mais associados ao desenvolvimento de DCPO e, portanto, os mais explorados em estudos anteriores”, explicou Carmona.

Status cognitivo

Antes da cirurgia, os pacientes passaram por uma avaliação do status cognitivo, sendo excluídos aqueles que não alcançavam o escore mínimo. Em seguida, os selecionados foram divididos aleatoriamente em quatro grupos. O primeiro não recebeu dexametasona e foi induzido a uma hipnose anestésica profunda, como a utilizada frequentemente em cirurgias de grande porte. O segundo grupo também não recebeu o anti-inflamatório, mas foi induzido a uma hipnose mais superficial. O terceiro recebeu dexametasona e hipnose profunda. O último grupo recebeu a droga anti-inflamatória e hipnose superficial.

A profundidade anestésica foi monitorada por uma tecnologia conhecida como BIS (índice bispectral, na sigla em inglês), baseada na análise espectral do traçado do eletroencefalograma. Valores entre 35 e 45 nesse índice foram considerados pelos pesquisadores como hipnose profunda. Entre 46 e 55 foi considerada hipnose superficial.

No primeiro grupo (hipnose profunda, sem anti-inflamatório), a incidência de DCPO logo após a cirurgia foi de 68% – sendo que 25,3% dos pacientes ainda apresentavam o problema na reavaliação feita após seis meses. No segundo (hipnose superficial, sem anti-inflamatório), o número caiu para 27,2% após a cirurgia. Seis meses depois, 21,7% ainda apresentavam prejuízo cognitivo. No terceiro grupo (dexametasona e hipnose profunda), a incidência foi parecida com o grupo anterior logo após o procedimento cirúrgico: 25,2%. No entanto, na reavaliação feita após seis meses apenas 3,1% dos pacientes ainda apresentavam DCPO.

Já no grupo que recebeu dexametasona e foi submetido a hipnose superficial, a incidência de DCPO caiu para 15,3% no primeiro momento e, após seis meses, todos os pacientes já haviam recuperado o status cognitivo pré-cirúrgico. “Os resultados obtidos reforçam evidências recentes sobre a importância de evitar-se a anestesia profunda. Já em relação ao uso da dexametasona, há necessidades de mais estudos, de preferência multicêntricos, para confirmar o achado. Mas há um forte indício de que ela pode ser benéfica em muitos casos”, avaliou Carmona.

Reabilitação

Os primeiros estudos com pacientes que desenvolveram DCPO começaram a surgir, de acordo com Carmona, após os anos 1950. Antes dessa época dificilmente eram realizadas cirurgias de grande porte em idosos. Pesquisas nessa área, portanto, ganharam relevância principalmente nos últimos 15 ou 20 anos. “Ainda se discutem as causas e os fatores de risco da DCPO, mas pouco se fala em reabilitação e em metodologias para fazer com que esses pacientes voltem à sua condição do pré-operatório”, opinou Carmona.

Para que o diagnóstico e a reabilitação sejam viáveis, um dos desafios é desenvolver instrumentos práticos e seguros para avaliação do status cognitivo no pré e no pós-operatório. “Os testes hoje disponíveis ou são muito demorados ou, quando são rápidos, não são confiáveis. Isso dificulta o acompanhamento dos pacientes”, afirmou Carmona. Conforme explicou Valentin, os testes neuropsicológicos convencionais são de difícil aplicação e são de uso exclusivo do psicólogo especialista em neuropsicologia. “Isso dificulta a avaliação cognitiva pré e pós cirúrgica, principalmente em equipes multiprofissionais que não contam com um neuropsicólogo”, disse a pesquisadora.

“Os testes hoje disponíveis ou são muito demorados ou, quando são rápidos, não são confiáveis

Visando solucionar essa deficiência, desde o término de seu doutorado, Valentin tem se dedicado a desenvolver em parceria com a empresa Izotonic Games o jogo digital MentalPlus. O software avalia as funções cognitivas de maneira lúdica em 25 minutos – enquanto uma bateria de testes neuropsicológicos convencionais pode levar mais de duas horas para ser concluída. O projeto está sendo conduzido em parceria com nove instituições internacionais, entre elas Harvard Medical School (Estados Unidos), The University of Copenhagen (Dinamarca), L’Université Paris-Sorbonne (França) e The University of Oxford (Reino Unido). A validação do método está sendo feita na FMUSP sob a coordenação de Valentin.

“O game está sendo validado para uso na população em geral, como um dos recursos mais atuais para a avaliação das funções cognitivas. Além disso, seu uso pode ajudar o jogador na reorganização das funções cognitivas prejudicadas. A ideia é que seja um instrumento de domínio público, não restrito ao uso de psicólogos ou neuropsicólogos”, afirmou Valentin.

Karina Toledo / Agência FAPESP

FONTE: Jornal da USP

A matemática controlando epidemias

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que as epidemias matam 15 milhões de pessoas por ano no mundo. E nos últimos 60 anos, 300 novas epidemias foram registradas. Essa é uma das áreas de estudo em andamento do professor Tiago Pereira, do Instituto de Ciência Matemática e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, que é também pesquisador do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CEPID-CeMEAI). Ele é coorientador de doutorado do matemático alemão Stefan Ruschel, da Universidade de Humboldt, em Berlim. Stefan atua na área de sistemas dinâmicos com atraso temporal e sua tese trata das possíveis formas de controle de uma epidemia, desde que causada por doenças contagiosas.

Utilizando-se de bases de dados da própria OMS sobre a gripe A-H1N1, os pesquisadores estudam como extinguir a doença, que, só neste ano, vitimou 10% da população infectada no Brasil. A população é dividida em três grupos: saudáveis, doentes e isolados. A partir de modelos matemáticos, são calculados os tempos ideais para identificação da doença até o isolamento. E o tempo de isolamento para a recuperação. É esse resultado da equação que irá definir as chances de controle, no modelo estudado (ver imagem).

O pesquisador Tiago Pereira complementou. “Os cálculos demonstram que, se você perde a data dos nove dias, passa a ser decisiva a análise dos dados do tempo ideal de isolamento. Se você isolar então a pessoa por um tempo ideal, a doença é extinta, se você isolar a pessoa além do tempo ideal, a doença vai reaparecer.”Pelos cálculos de Stefan, seria necessário isolar todos os doentes em até nove dias, após a infecção, para que a doença fosse extinta.

“Sem isolamento não se controla a epidemia e o tempo de identificação é essencial para o controle.”

O tempo de identificação de nove dias leva em conta que todo indivíduo infectado é isolado. No entanto, os cálculos mostram ainda que, se metade dos infectados for isolada, o tempo de identificação cairia para dois dias e meio.

“A pesquisa mostra o delicado balanço entre a identificação dos indivíduos infectados e o sucesso do controle. A partir desses números, seria possível promover políticas públicas para gerar a infraestrutura necessária e o treinamento de profissionais. Por isso, entender os tempos corretos de diagnóstico e isolamento é fundamental para a saúde da população”, conclui.

O Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), com sede no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp_. O CeMEAI é estruturado para promover o uso de ciências matemáticas como um recurso industrial em quatro áreas básicas: Otimização Aplicada e Pesquisa Operacional, Mecânica de Fluidos Computacional, Modelagem de Risco, Inteligência Computacional e Engenharia de Software. Além do ICMC-USP, CCET-UFSCar, IMECC-UNICAMP, IBILCE-UNESP, FCT-UNESP, IAE e IME-USP compõem o CeMEAI como instituições associadas.

Mais informações: (16) 3373-6609, email contatocemeai@icmc.usp.br

FONTE: Jornal da USP

Permanecer muito tempo sentado prejudica a longevidade

Até 4% das mortes no mundo poderiam ser evitadas apenas reduzindo o tempo que as pessoas permanecem sentadas ao longo do dia. Isso representa 433 mil pessoas por ano. Os dados são de um estudo realizado por pesquisadores da USP e da Universidade Federal de Pelotas. “No limite, reduzindo o tempo sentado em até 3 horas por dia, seriam evitadas 4% de mortes. Entretanto, reduções mais singelas já repercutiriam em grandes ganhos em saúde pública. Por exemplo, reduzindo em 2 horas/dia o tempo que ficamos sentados seriam evitadas 2% das mortes; se for uma redução de 1 hora/dia, teríamos 1,2% a menos de mortes”, aponta o educador físico Leandro Fórnias Machado de Rezende, da Faculdade de Medicina (FMUSP).

Juntamente com os pesquisadores Juliana Yukari Kodaira Viscondi e Juan Pablo Rey-López (da FMUSP), Thiago Hérick de Sá e Leandro Martin Totaro Garcia (Faculdade de Saúde Pública da USP), e de Grégore Iven Mielke (Universidade Federal de Pelotas), eles publicaram um artigo sobre o tema no American Journal of Preventive Medicine. E o jornal americano The New York Times publicouuma matéria sobre o tema no último dia 29 de março.

A grande questão é: por que permanecer muito tempo sentado eleva o risco de morte? “Existem alguns mecanismos biológicos do corpo que explicam isso. Ficar muito tempo sentado diminui a expressão de óxido nítrico do organismo [relacionado com algumas funções celulares e ao aumento do estresse oxidativo]. Isso leva ao aumento do risco de alterações cardiovasculares. Ocorre também a diminuição da ativação de uma enzima, a lipase lipoproteica, que é importante no metabolismo oxidativo, no controle de triglicérides, colesterol e outros fatores de risco metabólicos”, explica Rezende, que é doutorando do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP.

O estudo teve o objetivo de avaliar quantas mortes poderiam ser evitadas no mundo caso fosse reduzido o tempo que as pessoas ficam sentadas ao longo do dia. Para isso, os pesquisadores precisavam de dois dados: o tempo médio mundial de permanência nessa posição e o aumento do risco de morte associado a esse tempo.

O tempo médio de permanência sentado foi obtido a partir da análise de artigos publicados em revistas científicas internacionais de 54 países. “Já conhecíamos dois artigos sobre o tema. Um continha dados sobre países europeus (Eurobarometer), e outro apresentava dados de 20 países (International Prevalence Study)”, diz. Além disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem um inquérito chamado WHO Steps, com informações sobre 94 países. “Eles estavam na forma de relatórios no site da OMS e alguns não reportavam o tempo de permanência sentado. Então entramos em contato, via email, com os 94 países que constavam no WHO Steps”, conta.

Os pesquisadores também fizeram buscas em bases para identificação de dados que, por ventura, não foram identificados nas fontes citadas acima. Quando algum país estava em mais de uma publicação, a estratégia foi utilizar o dado mais recente. Foram contemplados todos os continentes, alguns com mais países outros com menos, e a única exceção foi a África, pois não encontraram material.

Para os dados ligados ao aumento do risco associado ao tempo sentado, os pesquisadores utilizaram uma meta-análise publicada na Revista Científica PLoS ONE. Eles encontraram uma relação que não é linear: para quem fica sentado entre 4 e 7 horas por dia, o risco de morte aumenta em 2% para cada hora sentado. “Por exemplo, ficar sentado 4 horas, aumenta o risco em 2%; 5 horas, 4%; 6 horas, 6%; 7 horas, 8%. A partir de 7 horas sentado, o risco aumenta para 5%; 8 horas, 13%; e 9 horas, 18%”, esclarece o pesquisador.

Estratégias possíveis

Mas o educador físico é realista quanto à dificuldade de se reduzir o tempo que as pessoas permanecem sentadas, principalmente nas grandes cidades, onde é comum encontrar quem gaste muito mais de três horas diárias apenas no percurso entre a casa e o trabalho (sem contar o tempo de expediente). “Sempre que possível, as pessoas poderiam adotar algumas estratégias como ficar de pé, ir buscar água ou café. Uma reunião entre duas pessoas poderia ser feita caminhando lentamente”, sugere. Ele lembra também que já existem no mercado mesas de trabalho que permitem o controle de altura e possibilitam trabalhar em pé.

Para o pesquisador, é preciso ainda não culpabilizar as pessoas: as questões ambientais e sociais também devem ser levadas em conta. “Eu não vou deixar de me deslocar de carro ou de outro meio de transporte caso existam riscos de eu ser assaltado na rua usando uma bicicleta ou andando a pé. O ambiente precisa ser convidativo: uma calçada e uma ciclovia bem feitas, por exemplo, auxiliam na adoção de modos de vida mais ativos e saudáveis.”

Mais informações: email leandrofmrezende@gmail.com, com Leandro Rezende

Por Valéria Dias

FONTE: Jornal da USP

Homem desafia expectativas e comemora 50 anos de transplante renal

A maior expectativa de quem se submete a um transplante é conseguir viver bem com o novo órgão e por muito tempo. Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, a expectativa de vida média dos rins transplantados varia de 15 a 25 anos, entretanto, alguns casos ousam contrariar essas estimativas. “Seu” Antônio Ferreira de Campos é um exemplo e prova viva de que um transplante bem sucedido pode proporcionar uma vida longa e com qualidade. No último dia 25 de outubro, ele comemorou 50 anos do seu transplante renal feito no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFMUSP), com um detalhe: o rim recebido é nove anos mais velho que ele. Em outubro, ele também fez outro aniversário, o de 73 anos de idade.

Economista aposentado, natural de Iacanga, na região de Bauru, e residente em Ribeirão Preto, “Seu” Antônio passou por um transplante de rins aos 23 anos, após sofrer com um caso de nefrite crônica que se manifestou na adolescência. “Mais ou menos em julho de 1972, meus rins pararam de vez e eu precisei ser internado no Hospital das Clínicas em São Paulo para fazer um tratamento com hemodiálise”. Classificada como uma inflamação, a nefrite ataca os glomérulos renais – estruturas dos rins responsáveis por eliminar as toxinas e outros componentes em excesso do organismo. A doença causa inchaço nas extremidades, além da dificuldade em urinar.

Em determinado momento, ele teve que travar outra batalha: a de encontrar um doador compatível. Mas esse foi o menor dos problemas.  “A minha irmã Olímpia, na época com 32 anos, logo se ofereceu para ser minha doadora. Fiquei internado três meses aguardando uma vaga para que a cirurgia pudesse ser efetuada”, afirma.

Nova vida no pós-operatório 

Apesar do sucesso na cirurgia, a rotina de cuidados continua constante. Alguns anos após a cirurgia, ele se mudou para Ribeirão Preto em função do trabalho e passou a ser acompanhado pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP. “Durante os últimos 50 anos, minha dependência do ambulatório do HC foi muito intensa. Tenho exames de rotina de três em três meses, além dos remédios imunossupressores que são diários”, conta o aposentado.

Natação é uma das atividades que “Seu” Antonio passou a praticar depois do transplante – Foto: Vladimir Tasca/SCS Polo Ribeirão Preto

“Seu” Antônio conta que precisou mudar a rotina no pós-operatório. “Nos primeiros dias após o transplante, com meus 1,70 metros de altura, eu cheguei a pesar cerca de 45 kg. Após três meses da cirurgia, eu já pesava 90 kg. A bronca do médico foi imediata e eu precisei chegar aos 70 kg. Peso que mantenho até hoje.” Além da dieta alimentar e dos cuidados médicos, ele pratica natação e musculação com regularidade.

O médico e professor da Divisão de Nefrologia do HC-FMRP, Miguel Moyses Neto, acompanha de perto a rotina de cuidados de “Seu” Antônio e afirma que mesmo com todas as dificuldades atreladas à idade do paciente e ao tempo do transplante, ele conseguiu se cuidar muito bem. “Nós verificamos que, mesmo após tanto tempo, ele conseguiu superar todas as adversidades, foi privilegiado” afirma o professor.

Avanços no transplante de órgãos 

O professor afirma que uma das maiores mudanças que aconteceram durante esses 50 anos foi o desenvolvimento e a descoberta de novas drogas, menos nocivas para o organismo humano. Segundo ele, essas novas drogas permitiram uma queda considerável na taxa de rejeição dos órgãos transplantados, de 60% para menos de 10%, o que possibilita que o transplante dure mais. “As inovações que ocorreram nos exames feitos antes da cirurgia ser realizada, como de sangue e imagem, por exemplo,  são determinantes para promover maior eficiência e segurança para quem recebe o órgão transplantado”, assegura.

Os primeiros transplantes foram realizados na década de 1960. De lá para cá, o número de pessoas beneficiadas só tem aumentado. Hoje, o Brasil tem cerca de 37 mil pessoas que esperam receber um transplante de órgãos, sendo 34 mil na fila de espera por um rim, segundo dados do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde.

Por Ferraz Jr

FONTE: Jornal da USP

Peptídeos e o diagnóstico de aneurismas

Moléculas derivadas de proteínas aparecem apenas em pacientes com ruptura das artérias causada por aneurismas.

Uma pesquisa com participação da Faculdade de Medicina (FMUSP) e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP abre caminhos para o uso de uma nova forma de diagnosticar aneurismas cerebrais. Os cientistas descobriram, em um líquido existente no cérebro, peptídeos (moléculas derivadas de proteínas) que aparecem somente em pacientes que tiveram ruptura das artérias causada por aneurisma ou em casos de ruptura tardia. As características específicas desses peptídeos podem servir como marcadores da condição do paciente, aprimorando o diagnóstico e ajudando os médicos a definir estratégias para o tratamento da doença.

A pesquisa investigou a presença de peptídeos intracelulares ou não no líquido cefalorraquidiano (LCR) e sua associação com casos de aneurismas saculares intracranianos (ASI). “O LCR, também conhecido como líquor ou fluido cérebro-espinhal, é encontrado no cérebro e medula espinhal. Caracteriza-se por ser uma solução salina pura, com baixo teor de proteínas e células, atuando como um amortecedor para o córtex cerebral e a medula espinhal”, relata ao Jornal da USP o professor Emer Ferro, do ICB, um dos coordenadores da pesquisa. “Os ASI são dilatações arteriais no cérebro que ocorrem devido à fraqueza na camada média da parede arterial, levando à formação de bolsas anormais e rupturas das artérias.”

Segundo o professor Eberval Gadelha Figueiredo, da FMUSP, responsável pelos diagnósticos clínicos feitos na pesquisa, os ASI representam de 90% a 95% de todos os casos de aneurismas intracranianos. “As rupturas levam a hemorragias, comprometimento cognitivo e motor, bem como à morte do paciente”, destaca. Devido à falta de sintomas, atualmente os ASI são geralmente encontrados incidentalmente, quando ocorre a ruptura. “Isso porque o LCR pode ser acessado pelo médico por procedimento minimamente invasivo, à semelhança de um exame de sangue, sem comprometer a saúde do paciente. A meta da pesquisa era demonstrar que alterações na presença de peptídeos específicos no LCR podem indicar determinada condição de doença do paciente.”

Tipos de aneurismas

Ao todo, foram testados 11 pacientes com três tipos de aneurismas, identificados em exames clínicos: sem ruptura, com ruptura e com ruptura tardia. “No laboratório, o LCR de cada um dos pacientes passou por ensaios de separação de peptídeos individuais, seguida de identificação das sequências de aminoácidos de cada um desses peptídeos”, relata Ferro. “Uma vez identificados os peptídeos em cada grupo de pacientes, utilizamos recursos de bioinformática para comparar os peptídeos existentes nos diferentes grupos de pacientes.”

Por meio de dois softwares (Mascot e Peaks), foram identificados 2.199 peptídeos, dos quais 484 (22,0%) eram únicos de cada grupo de pacientes. “Descobrimos que os peptídeos únicos em pacientes com diagnóstico de aneurismas intracerebrais saculares com ruptura têm um peso molecular maior quando comparados aos peptídeos dos outros grupos de pacientes”, ressalta Ferro. “Todos os peptídeos únicos apresentaram uma ‘assinatura’, com cadeias conservadas de aminoácidos, domínios funcionais, regiões de modulação de proteínas ou sítios de modificação relacionados a doenças humanas.”

De acordo com o professor do ICB, seria possível usar a informação contida nessa “assinatura” para o diagnóstico molecular dos aneurismas, complementando o diagnóstico clínico do neurocirurgião. “Nós ainda não utilizamos pacientes saudáveis. Além desse limitante dos nossos estudos, o nosso maior limitante para afirmar que os peptídeos já podem ser utilizados no diagnóstico é que nossos ensaios foram realizados com um número ainda pequeno de pacientes”, observa. “Estamos caminhando para estudos com mais pessoas, possivelmente superando a casa de uma centena.”

A pesquisa foi realizada por Carolina Angélica Parada, Rosangela A. Eichler e Emer S. Ferro, do Laboratório de Farmacologia dos Peptídeos Intracelulares do Departamento de Farmacologia do ICB, e Gabriel Reis Sakaya, Vitor Nagai Yamaki e Eberval Gadelha Figueiredo, do Grupo de Neurocirurgia Vascular do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP. Também colaboraram com o trabalho Ami Navon, professor do Weizmann Institute of Science (WIS) em Israel, e Andrea S. Heimann, sócia-proprietária da Proteimax Biotecnologia, sediada em São Paulo e da Proteimax Israel. Os estudos tiveram apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O artigo Peptidomic profiling of cerebrospinal fluid from patients with intracranial saccular aneurysms foi publicado na revista Journal of Proteomics.

Mais informações: email emersferro@gmail.com, com o professor Emer Ferro

Por Júlio Bernardes

FONTE: Jornal da USP

Medicamento injetável em teste abre perspectivas para melhor adesão à prevenção do HIV

Ricardo Vasconcelos fala sobre a Profilaxia Pré-Exposição injetável, em desenvolvimento pelo Estudo Mosaico da FMUSP, que apresentou bons resultados em animais e agora é testada em humanos. A ideia é que a administração subcutânea apenas uma vez a cada seis meses facilite a adesão dos usuários.

Uma das maneiras de se proteger contra o vírus da imunodeficiência humana (HIV) é por meio da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Desde 2017, todos aqueles que se considerem vulneráveis ao HIV, mesmo usando outros tipos de prevenção, podem adquirir o PrEP oral via SUS. O uso contínuo, porém, pode ser um obstáculo para alguns pacientes.

Pensando em facilitar a vida do usuário, pesquisadores do Estudo Mosaico, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), estão desenvolvendo uma profilaxia injetável contra o HIV, a Lenacapavir,  que seria administrada a cada seis meses e de forma subcutânea, assim como a insulina. “Quando pensamos em prevenção do HIV, o melhor método de prevenção para cada pessoa é aquele método que a pessoa escolhe usar e consegue usar de forma correta e de forma constante”, explica o pesquisador e coordenador do estudo, Ricardo Vasconcelos.

O comprimido é uma excelente maneira de prevenção, porém depende de um compromisso da pessoa para continuar o tratamento. Existe, também, outra forma de profilaxia injetável que está em análise na Anvisa: a intramuscular, aplicada no glúteo a cada dois meses. Hábitos e diferentes tipos de vida podem prejudicar esse tratamento contínuo, de forma que se torna não prático e mais fácil de ser abandonado. “A gente foi percebendo aos poucos que, quanto mais os diferentes métodos de prevenção estiverem disponíveis para a população, mais fácil vai ser contemplar todos os estilos de vida”, diz Vasconcelos.

Existem pessoas que não conseguem usar preservativo e tomar remédio diariamente, lembra o infectologista. Esse método, então, está sendo desenvolvido com o propósito de tornar a vida das pessoas mais fácil, garantir o tratamento contínuo e diversificar os métodos de prevenção para que todos sejam incluídos.

Como a profilaxia funciona?

O princípio da PrEP é sempre o mesmo: impedir que o vírus, após entrar no corpo, não se multiplique. Para as pessoas que não vivem com HIV, o que o estudo pretende com a injeção é que, caso o vírus entre no corpo da pessoa, o sistema imune consiga bloquear e destruir o vírus.

O medicamento é injetado duas vezes ao ano e segue a tecnologia das vacinas Janssen e AstraZeneca contra a covid-19, de retrovírus. “A gente administra medicamentos anti-retrovirais com o objetivo de proteger essa pessoa dessa infecção. O que ele faz é impedir que o HIV se multiplique numa pessoa que está com HIV”, explica. O medicamento pode também ser aplicado naqueles que não possuem a doença, especialmente por se tratar de uma prevenção.

O pesquisador também fala de prevenção combinada: uso de preservativos com medicamentos. “A ideia de que você tem, como profissional da saúde, oferecer todo o cardápio para a pessoa e a pessoa que vai ver o que que ela consegue aplicar na vida dela”, complementa o infectologista.

A injeção ainda está em fase de teste e não se sabe a eficácia. Para isso, são necessários voluntários específicos para o estudo: pessoas trans, não binários, maiores de 18 e homens homossexuais. Para entrar em contato, o telefone é (11) 93278-6719, ou acesse o site da pesquisa: https://www.purposestudies.com/. Também, a demonstração de interesse e mais informações sobre o processo podem ser encontrados pelo Instagram do PEC – Programa de Educação Comunitária (@pecnasredes).

FONTE: Jornal da USP