Confundida com o Transtorno de Déficit de Atenção, a dislexia é empecilho para uma educação plena; as escolas não estão preparadas para amparar esses alunos
De difícil compreensão e diagnóstico, a dislexia se apresenta em pelo menos 17% da população mundial. É um distúrbio de aprendizagem, especificamente de leitura e que tem consequências na escrita. Pessoas disléxicas têm dificuldade em decodificar palavras e em relacionar o fonema com o grafema, ou seja, ligar o som à letra.
“É uma dificuldade bastante específica no reconhecimento dos grafemas, que seriam as letras, e na conversão destes em sons no cérebro. A dislexia seria a falha e a dificuldade no reconhecimento de traços que são socialmente construídos para representar sons, então é uma dificuldade bastante específica que envolve leitura e escrita”, explica Telma Pantano, fonoaudióloga e coordenadora da Equipe Multidisciplinar do Hospital Dia Infantil do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.
Muito confundido com o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), a dislexia é uma doença genética relacionada a um problema de ordem neurobiológica, que afeta o lado esquerdo do cérebro, o qual é responsável pela leitura e pela escrita e onde funciona a memória de curto prazo. Dessa forma, fica difícil decorar palavras e letras. Por isso, para eles, é como se estivessem em um constante processo de aprender a ler. Existem diferentes graus, então algumas pessoas têm mais facilidade em lidar e conviver com a dislexia.
Os sintomas mais comuns são a dificuldade na escrita, na leitura, confundir esquerda com direita, trocar letras por outras de forma parecida, como d e b ou t e f, mesmo que o som não seja igual. Os disléxicos também têm dificuldade em seguir ordens, compreender frases muito longas, na compreensão de textos e de conceitos abstratos e podem apresentar um vocabulário pobre, confusão entre cores e formas, erros de concordância verbal e escrita espelho, invertendo a palavra.
Dificuldade de aprender
O processo de alfabetização também acaba se tornando mais lento. O distúrbio, porém, não pode ser confundido com baixos níveis de inteligência, criatividade ou falta de vontade de aprender. Quanto mais cedo a criança for diagnosticada e tratada, melhor será para seu desenvolvimento. Muitas pessoas disléxicas acabam desmotivadas a estudar porque não há um apoio ou estímulo adequado a elas, o que é essencial.
Por se tratar de uma dificuldade primária de aprendizagem, está relacionada à reprovação escolar. Por isso, a escola tem papel fundamental na identificação de alunos disléxicos. O distúrbio não se manifesta em nenhum outro lugar de maneira tão enfática ou clara, principalmente pelos estímulos cognitivos e de leitura.
“Muitas vezes o professor desconfia e tem toda a capacidade de perceber, de observar as dificuldades, mas a avaliação e diagnóstico tem que ser feita num contexto individual e clínico”, ressalta Telma. Não existe diferenciação na hora da matrícula para alunos com dislexia e, até o ano passado, não existia diferença de tratamento no que tange o aprendizado nas escolas. Não incluído na lei de pessoas com deficiência, os disléxicos e pessoas com TDAH agora têm amparo legal por meio da lei n°14.254, de 30 de novembro de 2021. Por meio desta, fica assegurado acompanhamento integral para os alunos com o diagnóstico desses distúrbios de aprendizagem.
“É bastante importante que eles se sintam mais acolhidos e consigam aprender todo o conteúdo dado em sala de aula. Hoje a gente tem leis que deixam isso muito claro da necessidade de suporte e de intervenção comportamental que a escola pode e deve fazer mesmo sem um diagnóstico preciso”, lembra a psicóloga.
Como contornar esse problema?
A escola, para deixar mais fácil o processo de aprendizagem, pode adaptar às salas de aula algumas práticas simples de inclusão desses alunos: colocá-los à frente da sala, falar olhando para eles, dar ordens simples e estimular a consciência fonoaudióloga. É importante também que a forma de avaliação leve em conta essa dificuldade, para que as taxas de reprovação: não descontar erros ortográficos ou de pronúncia, disponibilizar mais tempo para a leitura e conclusão das atividades e propor diferentes atividades, não só as que incluam leitura e escrita.
“A gente precisa reestruturar a escola. Colocar a aprendizagem escolar, como é uma aquisição de conceitos que envolvem habilidades cognitivas socioemocionais, de uma forma mais ampla. Temos que entender que a escola precisa ainda reformular um ponto muito importante que é entender a necessidade de não colocar a leitura e a escrita como os pontos centrais dessas aquisições, tanto cognitivas como socioemocionais”, diz.
O professor, portanto, deve estar atento e comunicar os pais e responsáveis caso encontre algum dos sintomas no aluno ou veja que ele tenha alguma dificuldade. Importante dizer que apenas uma equipe multidisciplinar é capaz de dar o diagnóstico certeiro e que, mesmo tendo um papel muito importante no processo de descobrir a dislexia, o professor não deve dar o diagnóstico. Este, por sua vez, é feito por uma equipe multidisciplinar que conta com psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo e um neurologista. A confirmação do diagnóstico só aparece na ressonância funcional, que filma o cérebro em ação. O tratamento pode ser feito a partir de programas fonoaudiólogos associados à psicoeducação, aulas de reforço individual e psicoterapia.
Por Julia Estanislau
FONTE: Jornal da USP