Novo piso salarial do profissional de enfermagem necessita de formação

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A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Piso da Enfermagem, que define o piso salarial nacional para a categoria, foi aprovada na Câmara dos Deputados e segue para promulgação. Contratados em Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os enfermeiros terão o piso de R$ 4.750, técnicos de enfermagem contarão com R$ 3.325 e auxiliares de enfermagem e parteiras, com R$ 2.375. A categoria recebeu mais atenção pela atuação no combate à pandemia, mas a demanda já é de mais de 20 anos.

“É uma luta do Conselho Federal de Enfermagem e dos conselhos regionais de enfermagem, que se aliaram a algumas lideranças políticas que reconheceram […] a importância dos profissionais de enfermagem na linha de frente da pandemia”, afirma Pedro Fredemir Palha, professor do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, da qual também é diretor, ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição.

Os trabalhadores da enfermagem representam 60% da força de trabalho nos sistemas públicos, filantrópicos e privados de saúde, de acordo com o professor. “Os enfermeiros, os técnicos de enfermagem e os auxiliares de enfermagem são os profissionais que mais adoeceram e morreram pela covid”, lembra Palha. Também são eles “que permitem que os serviços de saúde se mantenham ativos e abertos para a população em geral”. Antes da pandemia, a categoria “não tinha essa visibilidade para a população”.

Outras condições de trabalho

A valorização dos profissionais também passa pela qualificação do ensino da maioria das escolas em enfermagem e de ensino técnico profissionalizante no Brasil. “Embora se tenha o Ministério da Educação como órgão regulador, nem sempre a qualidade da regulação desses cursos é adequada”, avisa Palha.

Outra questão necessária é uma política de formação permanente dos enfermeiros, “para que a tomada de decisão dos profissionais de enfermagem, nas diferentes atividades assistenciais e gerenciais em que eles atuam, possa ser por meio de evidências científicas”.

FONTE: Jornal da USP

Síndrome metabólica: restrição de proteínas ajuda a controlar diabete e reduzir obesidade

Durante 27 dias, pesquisadores da USP, da Unicamp, do Instituto Nacional do Câncer e da Universidade de Copenhague acompanharam 21 pessoas com síndrome metabólica que receberam dietas com restrição proteica e com restrição calórica.

Estabelecer uma dieta adequada faz parte do tratamento de pessoas com síndrome metabólica: um conjunto de fatores de risco, como hipertensão, nível elevado de açúcar no sangue, excesso de gordura corporal em torno da cintura e colesterol alto, que podem levar ao desenvolvimento de diabete e de doenças cardíacas. Em busca de novas estratégias alimentares para esse grupo, pesquisadores brasileiros e dinamarqueses compararam os efeitos entre a dieta de restrição proteica e a dieta de restrição calórica. “Os resultados do estudo mostram que a dieta de restrição de proteína é eficaz para controlar a diabete e reduzir a obesidade. Além disso, diminuiu os níveis de colesterol, controlou a pressão arterial e auxiliou na redução do peso corporal com perda de gordura e manutenção de músculos”, explica o biomédico Rafael Ferraz Bannitz, doutor pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Bannitz é o primeiro autor do artigo Dietary Protein Restriction Improves Metabolic Dysfunction in Patients with Metabolic Syndrome in a Randomized, Controlled Trial publicado na revista Nutrients.

O estudo contou com 21 participantes que foram divididos em dois grupos. O primeiro foi submetido a uma dieta com restrição de 25% das calorias ideais para cada pessoa. No outro grupo também foi mantida a quantidade calórica ideal, porém, a quantidade de proteínas foi reduzida para o mínimo recomendado. “No grupo com restrição calórica, tivemos uma concentração de 20% de proteínas, 50% de carboidrato e 30% de gordura. Já o grupo com restrição de proteínas teve 10% de proteínas, 60% de carboidrato e 30% de gordura”, explica Ferraz Bannitz.

Os voluntários eram homens e mulheres, com idade entre 25 e 60 anos, com Índice de Massa Corporal (IMC) que indicava obesidade moderada a grave. O IMC é determinado pela divisão do peso da pessoa pela sua altura ao quadrado. Todos tinham Diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial e níveis elevados de gordura no sangue. Eles foram acompanhados por 27 dias por uma equipe do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP) da USP com avaliação da pressão arterial, peso, composição corporal, distribuição de gordura, gasto energético basal e outras análises bioquímicas e moleculares, como microbioma intestinal (conjunto de microrganismos que habitam o intestino) e modificação da expressão de genes do tecido adiposo.

“A característica isocalórica da dieta de restrição proteica torna essa abordagem nutricional mais atraente e menos drástica para ser aplicada em ambientes ambulatoriais e na casa dos pacientes. Além disso, tem potencial para ser usada como terapia auxiliar em pessoas com síndrome metabólica com diabete e obesidade”, aponta o cientista biomédico.

O estudo foi coordenado pela professora Maria Cristina Foss de Freitas, orientadora do Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da FMRP, e teve apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Entre os autores estão pesquisadores da FMRP, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e da Universidade de Copenhague, da Dinamarca.

Mais informações: e-mail Rafael.FerrazBannitz@joslin.harvard.edu

Texto: Giovanna Grepi
Arte: Simone Gomes

FONTE: Jornal da USP

Idosos devem adotar cuidados extras com a pele no inverno

A pele dos idosos é naturalmente mais seca e no frio fica ainda mais sensível

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O inverno provoca maior sensibilização da pele por ser um período de baixa umidade do ar, afetando em especial quem tem o subtipo mais seco. É o caso dos idosos, que possuem uma pele menos hidratada por conta da idade. Cuidados com o banho, as roupas e a hidratação são necessários para manter a saúde desse órgão, evitando coceiras e machucados.

A pele é uma barreira importante do corpo contra a entrada de microorganismos que possam causar infecções, além de controlar a perda de água para o meio ambiente e a temperatura. Com o passar dos anos, “nós temos uma diminuição na produção do suor e na lubrificação produzida por nossas glândulas sebáceas, nossas glândulas de gordura”, explica a dermatologista Andrezza Telles Westin, médica assistente do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

“Com isso, nós não temos uma formação de uma barreira adequada na pele, favorecendo com que ela tenha perda de água para o ambiente.” Os danos acumulados ao longo da vida da radiação solar e de hábitos como o tabagismo também aumentam a fragilidade da pele. “Toda vez que perdemos a barreira cutânea e a sua lubrificação”, alerta Andrezza, “ela se torna mais propensa ao desenvolvimento de alergias, de irritações, de dermatite no geral.”

O geriatra Paulo Fernandes Formighieri, também médico do HC-FMRP-USP,  complementa que a elasticidade da pele diminui com o envelhecimento. “A pele tende a ter uma redução da espessura da sua camada, do conteúdo de sustentação.” Nesse aspecto, as mulheres sentem um impacto maior pela queda dos níveis dos hormônios depois da menopausa.

No banho

A hidratação da pele deve ocorrer em todas as épocas do ano, “não só você ingerir adequadamente líquidos durante o dia e se manter com corpo bem hidratado, mas fazer uma hidratação tópica”, lembra Formighieri. No inverno, é preciso lidar com um fator extra: a irritação que a água mais quente do banho causa na pele.

Procurar tomar banhos rápidos, com água morna e sem uso de produtos abrasivos, como esfoliantes e buchas, é a recomendação de Andrezza. Os sabonetes devem ser neutros ou glicerinados, que se aproximam do pH da pele, evitando os antibacterianos, “porque eles mudam a nossa flora de microorganismos que estão protegendo nossa pele”.

Logo após o banho, faça a secagem da pele com uma toalha macia, “sem grandes atritos, para que não tenha ressecamento, até mesmo mais esfoliação pelo atrito com a toalha”, adiciona. Por último, hidrate a pele, principalmente pernas, joelhos, cotovelos e calcanhares.

Os produtos hidratantes disponíveis no mercado são de quatro tipos: os hidratantes propriamente ditos (trazem água até as camadas profundas da pele), os emolientes (deixam a pele com uma consistência mais macia, facilitando a entrada de água; geralmente são os óleos), os umectantes (promovem uma película de umidade na pele) e os oclusivos (diminuem a perda de água para o ambiente). Em geral, os cremes são uma mistura de todos, mas Andrezza ressalta que quem tem pele sensível deve buscar um dermatologista para receber a melhor indicação.

Nas roupas

Considerando o fato de usarmos várias camadas de roupa contra o frio, o que aumenta o atrito contra a pele, outra recomendação para atenuar a sensibilização de uma pele mais frágil é escolher tecidos mais respiráveis. Os naturais são a melhor opção, de acordo com Andrezza. “Os tecidos de algodão, por exemplo, permitem uma maior absorção do creme na superfície da pele, e também a correta transpiração, impedindo que o suor seja um fator irritante na pele do paciente.”

Para evitar a pinicação, busque tecidos macios, “não necessariamente amaciados por amaciantes, mas tecidos que tenham uma leveza, um toque mais agradável”.

Por Luísa Hirata

FONTE: Jornal da USP

Proteína do sistema imune pode proteger desenvolvimento do diabete

Artigo publicado na revista científica “Cell Reports” comprovou, pela primeira vez, a associação de mecanismos da resposta imune com a suscetibilidade ao diabete

diabetes mellitus tipo 1 é uma doença autoimune, ou seja, o corpo monta uma resposta imune, processo de defesa feito pelo sistema imunológico que destrói as próprias células do organismo por achar que são invasores prejudiciais, como vírus e bactérias. Sendo assim, as células pancreáticas são destruídas, impedindo que a pessoa produza a insulina, hormônio que controla o nível de glicose no sangue, fazendo com que tais indivíduos necessitem de doses diárias de insulina pelo resto da vida.

Cientistas já haviam identificado que mutações genéticas na proteína NLRP1, que é um receptor do sistema imune, influencia uma defesa desordenada que provoca esse tipo de diabete. Recentemente, pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP identificaram, pela primeira vez, que essa influência acontece porque as mutações genéticas da NLRP1 diminuem a produção de interleucina-17, proteína envolvida na resposta imune e que é altamente presente no sangue de diabéticos.

O estudo, que acaba de ser publicado pela revista internacional Cell Reports, foi realizado de forma translacional. Ou seja, contou com a testagem da hipótese em modelos experimentais com camundongos e foi validado em pacientes humanos diabéticos.

A investigação inicial foi feita com animais separados em dois grupos: camundongos normais e aqueles que não conseguem produzir a NLRP1. Ambos os grupos foram injetados com uma droga para induzir o diabete tipo 1. Já os pacientes humanos eram diabéticos e também foram divididos em dois grupos: com mutações genéticas na NLRP1 e aqueles que não tinham essas mutações.

Em camundongos, foi observado que, na ausência de NLRP1, houve um aumento significativo na produção de interleucina-17, provocando maior incidência da doença no comparativo com os animais normais que conseguem produzir a proteína. Os achados confirmam o papel prejudicial da interleucina-17 no desenvolvimento do diabete tipo 1, além de indicar um possível papel protetor da NLRP1, impedindo a produção da interleucina-17.

Já em humanos, “colhemos e analisamos amostras de sangue por diversas técnicas. Observamos que pacientes com polimorfismo na NLRP1 tornaram essa proteína superexpressa e, consequentemente, apresentavam menores níveis de interleucina-17 no sangue. Dessa forma, confirmamos a nossa hipótese de que tal receptor é importante para frear a produção da interleucina-17”, conta Frederico Ribeiro Campos Costa, que é doutor em Imunologia Básica e Aplicada pela FMRP e primeiro autor do artigo.

O pesquisador ainda revela que, apesar de inicial, os achados podem contribuir futuramente para o desenvolvimento de medicamentos para frear o desenvolvimento do diabete tipo 1, que corresponde a 10% de todos os casos de diabete.

O estudo foi coordenado pela professora Daniela Carlos Sartori e contou com a coautoria dos professores João Santana da Silva, Rita Tostes e Maria Cristina Foss-Freitas e os pesquisadores Jefferson A. Leite, Diane M. Rassi, Josiane F. da Silva e Jefferson Elias-Oliveira e Jhefferson B. Guimarães, todos da FMRP. Além das pesquisadoras Niels Câmara, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Alessandra Pontillo, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

Mais informações: e-mail fredrbcc@gmail.com com o pesquisador Costa

Por Giovanna Grepi

FONTE: Jornal da USP

Câncer de cabeça e pescoço: 90% poderiam ser curados se diagnosticados precocemente

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Segundo o Instituto Nacional do Câncer, a estimativa é que o Brasil registre mais de 222 mil casos de câncer de cabeça e pescoço este ano, sendo que 90% deles poderiam ser curados, se diagnosticados precocemente. A criação da campanha Julho Verde foi pensada nisso e o mês foi dedicado à conscientização e prevenção da doença. Sobre o assunto, o professor doutor Flavio Hojaij, da Faculdade de Medicina (FM) da USP, conversou com o Jornal da USP 1ª Edição.

Respondendo perguntas fundamentais na composição da campanha Julho Verde, o professor inicia dizendo que esse tipo de câncer pode ser evitado, quando as pessoas tomam consciência de que alguns  hábitos, como a prática do fumo e do consumo de álcool, são prejudiciais. Para ele, o “cuidado com a saúde da cavidade oral é uma das coisas fundamentais nos nossos cuidados”, para evitar a formação de “carcinomas de células escamosas”.

Médicos e dentistas fazem a detecção dos tumores, que podem ser resolvidos em 90% dos casos, se diagnosticados precocemente. No entanto, para os casos mais avançados, esse tipo de câncer “é um dos mais devastadores para um indivíduo”, complementa Hojaij. Por isso, é preciso estar atento a dores de garganta que perduram por mais de 15 dias, aftas e manchas brancas e vermelhas na cavidade oral por mais de duas semanas, nódulos na região do pescoço e rouquidão. O professor também destaca que o contato com o HPV, papilomavírus humano, pode induzir à formação de um carcinoma orofaríngeo, região da boca e da garganta.

Atenção aos sintomas

Após a detecção do problema, a medida a ser tomada, em um primeiro momento, é o contato com um otorrinolaringologista ou um cirurgião de pescoço e cabeça. Ainda que a evolução da doença costume ser mais demorada, já que se diferencia de casos no pâncreas ou intestino grosso, que se espalham com mais facilidade, por ter sua evolução nos gânglios do pescoço, o doutor Flávio destaca a importância da atenção aos sintomas persistentes, uma vez que o tratamento para os casos mais avançados costuma ser “mais agressivo”.

A reincidência do câncer de cabeça e pescoço costuma ocorrer em indivíduos com hábitos de fumo, pouca higiene bucal e consumo de bebidas alcoólicas. Nesses casos, o professor diz que “eles têm uma chance de 20% de ter o tumor novamente”, sendo proporcional ao tempo persistindo nessas atitudes. Um segundo caso é decorrente do tamanho do tumor, que pode ocasionar o “estadiamento”: “Quanto maior o grau do tumor, maior a chance, mesmo com bons tratamentos, de um tumor recidivar”, complementa ele.

O professor finaliza enfatizando que a educação e a conscientização, como a criação de uma cartilha para crianças, são dois dos principais caminhos para o combate à doença. “Nós acreditamos que a educação seja a maior prevenção em saúde. Quanto mais a população for orientada, mais rica será nossa população em saúde.”

FONTE: Jornal da USP

A busca excessiva pela juventude eterna é prejudicial para toda a sociedade

Esny Soares indica que a passagem do tempo e o envelhecimento devem ser mais valorizados e que a valorização da juventude é típica da cultura ocidental

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Uma das características da sociedade contemporânea é a busca intensa pela juventude. O passar da idade se tornou um tabu, de modo que as pessoas desejam parecer cada vez mais jovens para se adequar ao padrão de aparência imposto. O envelhecimento é rejeitado e as mudanças de características físicas são desvalorizadas e omitidas. A alta dos procedimentos e da comercialização de produtos estéticos é um exemplo disso.

Esny Soares, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, analisa os motivos que levam à busca excessiva pela jovialidade: “Historicamente, a ideia de envelhecer sempre foi rechaçada, ficar velho é sinônimo de ficar ultrapassado. A sociedade, de um modo geral, mas especialmente a brasileira, associa o envelhecimento a uma perda, um prejuízo, e nisso está embutido um descrédito do potencial do idoso”.

Em uma sociedade que atrela a beleza à juventude, o envelhecimento é tratado como um enfeiamento ou ruptura com os padrões de beleza impostos. “Todos nós percebemos o preconceito. Para tentar fugir desses estereótipos de que a pessoa idosa é incapaz, ultrapassada, feia e desvalorizada, as pessoas procuram mudar a aparência, como se a aparência tivesse o poder de revelar o valor das pessoas”, aponta o pesquisador.

Envelhecimento

De acordo com Soares, o envelhecimento é visto com maus olhos mais em algumas culturas do que em outras: “No Ocidente, o preconceito contra o idoso é mais descarado. Em uma sociedade de consumo, que privilegia os meios de produção, o idoso é alguém que não tem nada a contribuir, é assim que as pessoas pensam. Todo o seu legado e sua contribuição na sociedade por tantos anos, tudo isso é renegado e o idoso passa a ser considerado como um estorvo para a sociedade”.

A fixação pela juventude também contribui para a prática do ageísmo — também chamado de idadismo, etarismo ou preconceito etário —, que consiste na discriminação por conta da idade. Relatório realizado pela Organização Mundial da Saúde indica que o preconceito relacionado ao envelhecimento atrapalha o processo de aceitação da velhice. Além disso, essa mentalidade pode se refletir em atitudes, políticas, leis e instituições, sendo prejudicial para toda a sociedade.

Existem culturas como as dos países do Oriente, que valorizam o idoso como um patrimônio da família e da sociedade. “Infelizmente, com a globalização, os países do Oriente estão experimentando o que se tem convencionado chamar de ocidentalização de valores. A competitividade, a individualidade e os valores de mercado, tão comuns no Ocidente, já passam a fazer parte das novas gerações orientais e isso pode indicar que a mesma desvalorização do idoso, ocorrida no Ocidente, em algum tempo também possa ser experimentada nas culturas orientais”, comenta o pesquisador.

Padrão imposto

A padronização presente nas redes sociais e meios midiáticos também tem influência nessa lógica. Soares diz que “a mídia supervaloriza a juventude e, mesmo diante do fenômeno do envelhecimento acelerado que nós estamos experimentando no Brasil, valores comerciais ditam os nossos comportamentos. Como consequência, os idosos vão sendo colocados para escanteio e a impressão que se tem é que o idoso é improdutivo, alguém que não contribui em uma sociedade tão dinâmica como a nossa”.

O pesquisador indica que um livro escrito por Oscar Wilde, no final do século 19, é uma obra-prima para falar da compulsão pela juventude: “Em O retrato de Dorian Gray, o personagem principal faz um pacto para não envelhecer e passa a vida toda com a mesma aparência de jovem. Claramente, esse fenômeno descrito por Oscar Wilde se repete nos dias de hoje e apresenta contornos patológicos que contaminaram toda a nossa sociedade”.

Soares sugere que a sociedade não sabe valorizar as fases da vida. “A ideia da fonte da juventude e a negação do envelhecimento traduzem uma sociedade que não aprendeu que cada uma das fases da vida traz consigo uma experiência de descobertas, desafios e realizações. Isso está sendo perdido por uma geração que investe o seu tempo em idolatrar a juventude e deixa passar sob os seus olhos a beleza do envelhecimento com qualidade. Envelhecer não é prejuízo, quem envelhece tem valor e essa fase da vida também pode ser apreciada pelo idoso e pela sociedade”, destaca.

Por João Dall’ara

FONTE: Jornal da USP

O sono é tão essencial para a vida quanto a alimentação

Álan Eckeli diz que a redução da qualidade, extensão ou regularidade do sono pode provocar diversos problemas à saúde e até mesmo risco de morte.

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Dormir é um hábito comum, mas de extrema importância para a vida humana. O sono saudável é essencial para a regulação do corpo, portanto, alterações em sua regularidade são determinantes e podem se refletir em diversos aspectos físicos e mentais de uma pessoa.

O professor de Neurologia e Medicina do Sono, Álan Eckeli, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, analisa o papel do sono para o funcionamento do corpo humano: “O sono é essencial para a vida, ele é tão essencial para a vida quanto a alimentação. Se nós dormirmos mal, vamos adoecer e, se nós pararmos de dormir e interrompermos esse fenômeno natural, vamos falecer. Isso demonstra a importância vital do sono para a manutenção da vida”.

Eckeli diz que a redução da qualidade, extensão ou regularidade do sono pode provocar diversos problemas: “Repercute em todo o nosso metabolismo e no nosso funcionamento mental, pode trazer prejuízos quanto à nossa memória, nossa cognição, prejuízos quanto ao nosso humor, deixando-nos mais deprimidos e predispostos a ter fadiga. Também pode alterar nosso ciclo de fome e saciedade, ou seja, aumentando a fome e reduzindo a saciedade”.

O sono é imprescindível para a atividade cerebral, em especial por conta do líquido cefalorraquidiano, líquido que banha o cérebro. “Quando a gente adormece, ele penetra dentro do parênquima cerebral, ou seja, ele entra dentro do cérebro e tira as impurezas do metabolismo cerebral. Esse fenômeno de limpeza do nosso cérebro acontece quase que exclusivamente durante o sono”, aponta o professor.

Durante o sono, as substâncias que atrapalham o funcionamento do cérebro são descartadas. Eckeli cita, como exemplo, a substância neurotóxica beta-amiloide, que está associada ao Alzheimer: “Quando o líquido cefalorraquidiano penetra dentro do cérebro e faz essa limpeza, ele retira a beta-amiloide. Então, uma das funções do sono é promover essa limpeza cerebral, que está relacionada ao melhor metabolismo, à melhor homeostase dos neurônios, das células e de toda a estrutura do nosso sistema nervoso central”.

Dormir de forma irregular é prejudicial em diversos aspectos para a saúde humana. “A curto prazo, dormir pouco, uma, duas, três horas por noite vai trazer sintomas relacionados à sonolência, cansaço, fadiga, mau humor e redução da nossa capacidade de empatia. Essa redução aguda de sono também pode aumentar o apetite, porque altera alguns hormônios relacionados à fome e à saciedade”, indica o professor.

O sono é imprescindível para a atividade cerebral – Foto: Reprodução/Freepik

Outro problema é o aumento das chances de causar acidentes, dormir pouco compromete os estímulos e respostas psicomotoras, assim como pode afetar a memória, por vários motivos, como conta Eckeli: “Quando dormimos mal, ficamos desatentos e, se não prestamos atenção, não aprendemos. O sono é essencial para a consolidação da memória, porque se você estiver se expondo pouco ao sono o processo de consolidação da memória não vai ser tão efetivo”.

Regularidade do sono

O professor destaca o período considerado ideal para o sono. Dormir pouco ou dormir em excesso são situações nocivas para a saúde humana. “Os dois extremos estão associados à mortalidade, fortalecendo para a gente a ideia que existe uma faixa de tempo total do sono ideal ou próxima do ideal, algo entre seis e nove horas, pendendo mais para sete horas. É claro que isso é muito individual, mas do ponto de vista populacional, dormir pouco ou dormir demais pode estar associado à mortalidade”, descreve.

Eckeli comenta sobre os perigos da apneia do sono, doença recorrente no Brasil: “Essa doença pode causar infarto, AVC, arritmias cardíacas e pode ocasionar acidentes. As breves reduções na regularidade do sono vão produzir sintomas, mas não necessariamente doenças, que podem ser parcialmente recuperados se você dormir bem nas noites seguintes. Entretanto, se você ficar exposto a reduções prolongadas do tempo total e da qualidade do sono, você tem um aumento de risco de morte e de outras condições clínicas.”

Outro risco é a possibilidade do desenvolvimento de cânceres. ”A piora da qualidade do sono pode alterar a expressão de alguns oncogenes, que promovem mutações que podem gerar um câncer. Essas alterações no sono também podem inibir outros oncogenes, que seriam protetores para evitar os nossos cânceres, causando um desequilíbrio favorável à incidência de câncer”, salienta o professor.

Eckeli reitera a necessidade de um sono saudável: “Qualquer função cerebral importante o sono modula, ele é essencial para a cognição, ele é essencial para a memória. Não existe um bom funcionamento cognitivo se a pessoa não dorme bem, a gente precisa ter um bom sono, seja de qualidade, seja de quantidade ou regularidade. Isso volta à importância do sono como um agente homeostático que mantém o equilíbrio do organismo e o sono como uma função vital para a manutenção da vida”.

Texto: João Dall’ara
Arte: Adrielly Kilryann

FONTE: Jornal da USP

Chocolate com alto teor de cacau contribui no estado nutricional e conforto de idosos com câncer

Ao apontar associação entre o consumo do alimento e a melhora do estado nutricional, estudo destaca o papel da assistência nutricional – respeitando as preferências pessoais – para pacientes com câncer em cuidados paliativos.

Considerado um dos doces mais queridos em todo o mundo, o chocolate também pode oferecer benefícios para a saúde, especialmente para idosos com câncer em cuidados paliativos, ou seja, sem possibilidade de cura. É o que aponta um estudo de pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP que sugere que o consumo de chocolate com maior teor de cacau pode contribuir para a melhora do estado nutricional, da funcionalidade e a diminuição de sintomas nesses pacientes.

“Nós queríamos fazer um trabalho de pesquisa que fosse útil para o público-alvo, promovendo melhora nos problemas nutricionais, conforto e prazer. Foi assim que pensamos em estudar o chocolate, que tem uma história antiga na sociedade e que é alvo de estudos na área cardiovascular”, comenta Nereida Kilza da Costa Lima, médica geriatra, professora da FMRP e orientadora do estudo Effect of chocolate on older patients with cancer in palliative care: a randomised controlled study.

A pesquisa foi realizada com 46 pacientes idosos com câncer em cuidados paliativos em tratamento no Serviço de Oncologia e Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas da FMRP (HCFMRP). Todos os voluntários receberam tratamento padrão e foram divididos em três grupos, um com pessoas que não receberam chocolate, outro de pessoas que consumiram 25 gramas diárias de chocolate com 55% cacau e, por último, aquelas que ingeriram a mesma quantidade de chocolate branco.

“Nós coletamos os dados sociodemográficos e informações do estado de saúde, com exames laboratoriais e da avaliação nutricional dos participantes antes e após quatro semanas da intervenção, usando ferramentas específicas e validadas na comunidade científica”, explica Josiane Cheli Vettori, que é nutricionista, doutora pela FMRP e primeira autora do estudo.

Os voluntários tinham média de 67 anos de idade e 43,5% estavam em risco de desnutrição ou estavam desnutridos antes do início do trabalho. “No final do estudo, observamos que os índices das avaliações nutricionais foram aumentados significativamente. A elevação teve significância clínica e não houve indivíduo classificado como desnutrido após a intervenção, evidenciando que, possivelmente, a intervenção nutricional pode ser capaz de reduzir a perda de peso em pacientes com câncer em estágio avançado melhorando o estado nutricional”, conta.

Alimentação como conforto em cuidados paliativos

O câncer é a segunda principal causa de mortes no mundo, com 9,6 milhões de vítimas em 2018, de acordo com dados da Organização Pan-Americana da Saúde. “Diante desse cenário, cresce a preocupação com o impacto da nutrição em pacientes com câncer em cuidados paliativos. Assim, a alimentação como preservação do estado nutricional, prevenção da desnutrição e promoção de conforto são importantes”, conta a nutricionista Josiane.

Além de nutrir o corpo, a alimentação está associada às memórias, conexão com amigos, autonomia e prazer. “O suporte nutricional deve ser adaptado para atender às necessidades e desejos de cada paciente, pois eles são únicos quanto aos valores, história, desejos, lembranças e necessidades nutricionais e emocionais”, ressalta.

Ela ainda conta que a assistência nutricional é importante para o controle dos sintomas durante o tratamento oncológico e deve ser realizada pela equipe de saúde junto com o paciente, familiares e cuidadores. Para isso, é preciso que os profissionais de saúde tenham criatividade e sensibilidade para respeitar as preferências, verificar o acesso a determinado alimento e outras necessidades envolvidas no ato de se alimentar, como dentição e controle motor para segurar talheres.

“Antes de recomendar o chocolate, é importante observar as preferências alimentares, que são altamente pessoais, e pensar em conjunto com a equipe multiprofissional, familiares e paciente para entender se faz sentido no tratamento, se é algo que ele gosta e se tem acesso”, reforça a nutricionista.

Chocolate branco pode não ser um vilão

Há quem diga que o chocolate branco não é chocolate por ele ser produzido com a manteiga do cacau e não com a massa usada na fabricação do chocolate ao leite e daqueles com mais teor de cacau. Apesar do rótulo de vilão, cientistas buscam entender quais são os efeitos do alimento e quais propriedades podem ser benéficas.

“Nos surpreendeu que o chocolate branco, que é sempre visto como sem efeito, contribuiu para a melhora dos voluntários do nosso estudo. Ele demonstrou ter efeito benéfico no estresse oxidativo, que causa danos celulares; melhora na inflamação e nas reservas corporais. Agora a comunidade científica precisa continuar pesquisando quais são e os impactos de possíveis componentes positivos desse tipo de chocolate”, diz a professora Nereida.

O estudo Effect of chocolate on older patients with cancer in palliative care: a randomised controlled study foi publicado em janeiro na BMC Palliative Care. Além de Nereida e Josiane, o trabalho conta com autoria de Luanda G. da Silva, Karina Pfrimer, Alceu A. Jordão, Paulo Louzada Junior, Júlio C. Moriguti e Eduardo Ferriolli.

Texto: Giovanna Grepi
Arte: Rebeca Fonseca

FONTE: Jornal da USP

Bactéria encontrada no mangue produz matéria-prima para plástico biodegradável

Identificada nas águas do mangue de Cubatão, na Baixada Santista, a bactéria Methylopila oligotropha produz grãos de um material biodegradável, chamado de PHAs, para armazenar energia, com propriedades similares a alguns tipos de plásticos, como a maleabilidade, o que viabilizaria seu uso em grande escala como matéria-prima para substituir plásticos derivados do petróleo, reduzindo a poluição ambiental – Fotos: Cedidas pela pesquisadora

Com propriedades similares a alguns tipos de plásticos, material tem potencial para substituir derivados do petróleo e reduzir poluição ambiental.

Nas águas do mangue da Baixada Santista existe uma bactéria chamada Methylopila oligotropha que, para acumular energia, produz grãos microscópicos de reserva na forma de poli-hidroxialcanoatos, ou simplesmente PHAs, um material biodegradável com propriedades similares a alguns tipos de plásticos. Em pesquisa do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia da USP, a bactéria foi isolada e cultivada para avaliar o potencial da produção de PHAs em grande escala, a fim de ser usados como matéria-prima nas indústrias, com o objetivo de substituir os plásticos produzidos a partir do petróleo, de forma a reduzir a poluição ambiental. O estudo teve apoio do Research Center for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), centro de pesquisa em engenharia sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP que reúne pesquisadores de diversas instituições nacionais e estrangeiras.

“Os PHAs são atraentes comercialmente pela possibilidade de serem substitutos para os derivados do petróleo, pois possuem propriedades similares a vários termoplásticos e elastômeros”, aponta ao Jornal da USP a professora Elen Aquino Perpétuo, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista, que coordenou a pesquisa. Os elastômeros e termoplásticos são dois tipos de plásticos que podem ser moldados e transformados por meio de processos de injeção, extrusão e sopro, de acordo com a temperatura em que são aquecidos. “A variabilidade da composição dos PHAs determina suas propriedades mecânicas e permite seu uso em diversas aplicações, como na produção de biopolímeros, usados nas áreas de farmácia e medicina para confecção de suturas, implantes e fixações ósseas, sendo absorvidos pelo organismo na mesma escala de tempo em que ocorre a regeneração do tecido.”

O projeto foi objeto da dissertação de mestrado de Esther Cecília Nunes da Silva, no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia da USP. Na pesquisa, que procurava identificar linhagens bacterianas produtoras de materiais de origem natural como os PHAs, a bactéria Methylopila oligotropha foi isolada do mangue da Baixada Santista, na cidade de Cubatão, através da coleta de amostras no próprio local. “Posteriormente, as amostras passaram por um processo de enriquecimento seletivo, onde somente o metanol foi adicionado como fonte de carbono”, explica a professora. “Assim, foi possível transferir uma parte desse cultivo para uma placa de Petri, a fim de isolar colônias bacterianas, para posterior identificação molecular.”

De acordo com Elen, já existiam alguns relatos sobre a possibilidade da Methylopila oligotropha acumular PHB, um tipo de PHA. “No entanto, a grande novidade desta pesquisa foi verificar e quantificar a capacidade desta bactéria em produzir, além de PHB, também o copolímero PHB-HV”, relata Elen, “que apresenta melhores propriedades mecânicas, pois é menos cristalino e mais flexível, facilitando o seu processamento industrial”.

Produção

Os pesquisadores analisaram o conteúdo interno da bactéria, na forma de grânulos, que indicavam a produção de PHB. “A produção de PHAs por bactérias, de modo geral, ocorre em cultivos com excesso de carbono e deficiência de algum nutriente, como, por exemplo, nitrogênio, fósforo e potássio”, afirma a professora. “Especificamente, a indução do PHB-HV foi feita a partir do cultivo bacteriano em excesso de fonte de carbono, no caso, metanol, e limitação do nitrogênio, além da adição de um co-substrato, o ácido valérico.”

Segundo Elen, para chegar à produção industrial de PHAs, é necessário que haja estudo de escalonamento. “Há somente uma empresa no Brasil que produzia PHB microbiano, mas hoje trabalha somente sob demanda e ainda assim toda a produção é exportada”, ressalta. “Tudo isso porque o PHB ainda tem um custo elevado para o mercado interno.”

“No entanto, para além do escalonamento, é também necessário que haja incentivo fiscal e políticas públicas voltadas para a diminuição do uso de plásticos derivados de petróleo, principalmente aqueles de ‘uso único’”, destaca a professora. “A Alemanha já fez isso em 2021, quando proibiu a venda de plásticos descartáveis, entre eles pratos, copos, canudos, talheres, aplicando uma diretiva europeia destinada a proteger os oceanos da poluição.”

O projeto foi desenvolvido no Bio4Tec Lab do Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema) da Escola Politécnica (Poli) da USP, em Cubatão, e teve apoio do Research Center for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), um centro de pesquisa em engenharia (CPE) que é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com patrocínio da Shell, através de recursos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Coordenado pelo professor Júlio Meneghini e sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP, o RCGI conta com atuação de pesquisadores de várias universidades nacionais e internacionais.

Mais informações: e-mail elen.aquino@unifesp.br, com a professora Elen Aquino Perpétuo

Texto: Júlio Bernardes
Arte: Adrielly Kilryann

FONTE: Jornal da USP

Pesquisa da USP traz dados inéditos sobre malária na gestação

Pesquisa teve o objetivo de preencher uma lacuna envolvendo a falta de dados sobre a repercussão da doença nas gestantes. Com informações de mais de 60 mil mulheres, foi possível identificar os principais pontos de atenção para malária gestacional, chamados de hotspots, e assim definir quais regiões e Estados requerem mais esforços sanitários para o seu controle – Foto: Reprodução/Pixnio e Flickr

Cientistas do Instituto de Ciências Biomédicas analisaram dados de 2004 a 2018 e fizeram mapeamento das regiões mais afetadas pela doença no País. Estudo oferece subsídios ao Ministério da Saúde para a tomada de decisões.

Um estudo feito por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP revelou dados importantes para o combate da malária gestacional no Brasil. A pesquisa, publicada na Lancet Regional Health – Americas, analisou a série histórica da doença na região da Floresta Amazônica durante um período de 15 anos, descobrindo as áreas mais afetadas, os grupos de maior risco e informações sobre os tratamentos receitados aos pacientes.

Coordenado pelo professor Claudio Romero Farias Marinho e realizado pela pesquisadora Jamille Gregório Dombrowski, ambos do Laboratório de Imunoparasitologia Experimental, o trabalho teve o objetivo de cobrir uma lacuna da falta de um conhecimento amplo sobre o problema para viabilizar o planejamento de políticas públicas. “Até então, os estudos que forneciam dados sobre a doença eram pontuais e não apresentavam um panorama do número de casos de uma forma mais ampla; agora podemos transformar esses dados em informações que possam subsidiar o Ministério da Saúde na tomada de decisões”, afirma Marinho.

A malária é uma doença infecciosa causada pelo protozoário Plasmodium e transmitida pelo mosquito Anopheles, com duas espécies prevalentes: a Plasmodium vivax, a mais incidente na região, e a Plasmodium falciparum. Junto das crianças menores de cinco anos, as gestantes são consideradas o principal grupo de risco para a doença, devido às mudanças fisiológicas e à presença do parasita na placenta. Além dos sintomas característicos (febre alta, calafrios, tremores, sudorese e dor de cabeça) serem mais intensos nelas, a doença aumenta os riscos de anemia materna, partos prematuros, baixo peso da criança no nascimento, abortos espontâneos e até microcefalia.

Levantamento amplo – Na pesquisa, foram utilizados modelos estatísticos para mapear a incidência de casos na região no período entre 1º de janeiro de 2004 e 31 de dezembro de 2018. Depois, foi rastreado o número de grávidas entre 10 e 49 anos e feito o mapeamento da população dos locais analisados com base em dados do Serviço de Informação de Vigilância Epidemiológica de Malária do DataSUS.

Com informações de mais de 60 mil mulheres, foi possível identificar os principais pontos de atenção para malária gestacional, chamados de hotspots, e assim definir quais regiões e Estados requerem mais esforços sanitários para o seu controle.

Áreas e grupos de risco – Ao longo dos anos, os números apontaram uma incidência significativa de malária gestacional em municípios dos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Pará. Destacam-se neste contexto as cidades de Mâncio Lima (Acre), situado na microrregião do Juruá, que fica entre o Acre e o Amazonas; Anajás, Bagre, Breves, Curralinho, Limoeiro do Ajuru, Muaná, Oeiras do Pará, São Sebastião da Boa Vista e Cachoeira do Piriá, no Pará; e São Gabriel da Cachoeira, Japurá, Santa Isabel do Rio Negro, Barcelos, Fonte Boa e Maraã, no Amazonas.

O estudo também mostra que a maior prevalência da doença se dá entre gestantes de 15 a 24 anos de idade. “Isso ocorre porque é nessa faixa etária que se observa o maior número de primigestas [mulheres que engravidaram pela primeira vez], pois é o grupo que, na maioria dos casos, ainda não foi infectado, fator que as deixa mais suscetíveis à infecção. É também um grupo que sofre muito com os efeitos mais graves da doença”, explica a pesquisadora.

O grupo de maior risco é o das grávidas mais jovens e a pesquisa aponta que a situação é preocupante. “Quando se considera a falta de imunidade, as alterações fisiológicas associadas à gestação e a infecção por Plasmodium, o resultado é muito preocupante. Infelizmente, não é raro encontrar meninas de 10 a 14 anos grávidas nessas regiões. Durante o período analisado, tivemos 2.674 casos, um número que totaliza mais de 4% do total de notificações”, afirma Dombrowski.

Medicação equivocada –
 Por ser de notificação compulsória, os pesquisadores obtiveram dados sobre o esquema de tratamento utilizado e descobriram que, em alguns, houve o registro de distribuição da primaquina para as gestantes, um medicamento utilizado no tratamento de malária, mas contraindicado para grávidas porque pode acarretar abortos espontâneos. “Como nosso trabalho foi desenvolvido com informações secundárias, provenientes de um banco de dados, não é possível afirmar que essa medicação foi realmente prescrita. Pode ter havido erro no preenchimento da ficha de notificação ou o profissional escolheu a medicação que mais se aproximava da que foi de fato prescrita, por exemplo”, aponta ela.

Apesar dos problemas encontrados, os pesquisadores observaram uma melhora na notificação correta do tratamento. “Para avançarmos ainda mais é fundamental que tenhamos mais treinamentos e capacitações dos profissionais para o correto preenchimento da ficha de notificação, pois é um documento importante para os programas de controle e eliminação da doença”, afirma a pesquisadora.

A capacitação de profissionais de saúde na região é fundamental para a correta atuação no acompanhamento de gestantes que contraíram a doença – Foto: Reprodução/Freepik

Redução de casos

O estudo mostrou que houve uma redução de cerca de metade dos casos de malária gestacional ao longo do período analisado. Este fato deve-se à ampliação da rede de diagnóstico e tratamento em toda a região. Além disso, a partir de 2006, foram inseridos no tratamento os combinados de artemisinina, um fármaco com ação potente contra a doença. Porém, a tendência de queda sofre o empecilho da descentralização das ações públicas para o combate à malária. Os municípios possuem autonomia para lidar com os casos e podem sofrer perdas com a alternância de equipes vinculadas aos órgãos de saúde a cada nova eleição.

Apesar da redução do número de casos, a doença permanece sendo um grande problema de saúde pública. “Os índices de malária caíram devido a uma série de medidas adotadas para o controle da doença, mas continuam oscilando, ainda que apresentem uma tendência de queda”, pondera Dombrowski.

Diagnóstico precoce

Em anos anteriores, o laboratório voltou seus esforços para desenvolver novas terapias contra a doença por meio do sequenciamento de genomas e do bloqueio de receptores envolvidos no processo inflamatório decorrente da infecção. Agora, com o aspecto epidemiológico já completo, o foco das pesquisas será em ações de diagnóstico precoce. Atualmente, por mais que as gestantes não apresentem sintomas, elas podem estar com o parasita na placenta (malária placentária). Na maioria dos casos, a constatação da doença só é feita após o nascimento do bebê, sem a possibilidade de intervenção ou tratamento. “Estamos trabalhando com a identificação de biomarcadores para a detecção da malária placentária no sangue periférico da mãe”, conta a pesquisadora.

A malária placentária é uma das consequências graves da malária gestacional que acontece em cerca de 20% a 50% dos casos. Como as gestantes geralmente não apresentam sintomas, trata-se de um dos principais desafios para os programas de triagem e tratamento da doença. “A identificação de biomarcadores é fundamental para o diagnóstico precoce dessa complicação, melhorando o cuidado com a gestante e o bebê. A molécula ou as moléculas candidatas devem ser de rápida mensuração, bem como ter um custo razoável para ser acessível e introduzido à rotina de pré-natal”, afirma Dombrowski.

Da Assessoria de Comunicação do ICB

Texto: Redação
Arte: Adrielly Kilryann

FONTE: Jornal da USP