No futuro, tratamento contra o câncer deve combinar dois tipos de imunoterapia

A imunoterapia contra o câncer é, atualmente, uma das abordagens mais eficazes para o tratamento de pacientes. Nela, as células cancerígenas são combatidas pelo próprio sistema imunológico do organismo. Apesar do sucesso clínico, nem todas as pessoas respondem satisfatoriamente a esse tipo de intervenção ou, se respondem, apresentam apenas respostas de curto prazo, além de muitos efeitos colaterais.

Mas uma revisão sistemática da literatura, realizada por Rafaela Rossetti, doutoranda pelo Programa de Oncologia Clínica, Células-Tronco e Terapia Celular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, observou que a combinação de dois tratamentos (conhecidos como bloqueio do checkpoint imunológico e transferência adotiva de células T geneticamente modificadas) pode trazer resultados promissores.

O artigo Combination of genetically engineered T cells and immune checkpoint blockade for the treatment of cancer foi publicado em janeiro de 2022 no jornal Immunoterapy Advances.

“Esses estudos fornecem ensinamentos sobre possíveis abordagens para potencializar a atuação das células do sistema imunológico contra o câncer, tornando-as mais resistentes aos mecanismos imunossupressores [que reduzem a atividade desse sistema] impostos pelo microambiente tumoral”, explica Rafaela Rossetti ao Jornal da USP.

Já as T-CARs são células T geneticamente modificadas em laboratório para produzir um tipo de proteína conhecida como CAR (que significa Receptor de Antígeno Quimérico) antes de serem cultivadas e “devolvidas” à pessoa doente. Existem seis produtos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) –  agência de regulação americana para medicamentos – para uso clínico e disponíveis no mercado.

“O uso dessas células tem fornecido resultados impressionantes para o tratamento de câncer no sangue. Por outro lado, ainda existem limitações na sua eficácia contra tumores sólidos”, afirma Lucas Eduardo Botelho, coordenador do Laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro de Ribeirão Preto e pesquisador associado do Centro de Terapia Celular (CTC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

“A ineficiência se deve, em parte, aos mecanismos de imunossupressão empregados pelos tumores para escapar do ataque mediado por células do sistema imunológico”, diz Botelho.

Já o bloqueio do checkpoint imunológico baseia-se em um grupo de proteínas presentes na superfície dos linfócitos T que precisam de ser ativadas ou inativadas para desencadearem uma resposta imunológica. Estudos anteriores, liderados por americanos e japoneses, mostraram que as células do câncer estimulam a expressão dessas proteínas (chamadas de checkpoints) e seus ligantes (acionadores) no tecido tumoral. Com isso, os tumores “desligam” o sistema imunológico, o que favorece o crescimento do câncer. Os mesmos cientistas também demonstraram que o uso de anticorpos capazes de inibir a interação entre os checkpoints e seus ligantes restaura a resposta antitumoral de defesa, permitindo a reativação dos linfócitos T.

“Esta revisão teve como objetivo avaliar se o bloqueio dos checkpoints imunológicos seria um caminho promissor para aumentar a eficácia terapêutica das células T geneticamente modificadas contra neoplasias sólidas”, resume Botelho.

Terapia para câncer com Células T-CAR

Ensaios pré-clínicos e clínicos

A revisão sistemática é um método de pesquisa que busca reunir estudos semelhantes avaliando-os criticamente em sua metodologia e reunindo-os numa análise estatística. Ao sintetizar estudos semelhantes e de boa qualidade, é considerado o melhor nível de evidência para tomadas de decisões sobre tratamentos, de acordo com a Cochrane, rede global de pesquisadores especializada em trabalhos de revisão sistemática.

Para realizar esta revisão, Rafaela e Botelho delimitaram os principais pontos a serem abordados e cada um deles contribuiu para a busca bibliográfica, contextualização e redação sobre os tópicos escolhidos. “Nessa revisão, buscamos trazer um compilado de estudos que forneceram conhecimentos importantes, bem como estudos pré-clínicos e clínicos publicados recentemente”, explica Rafaela Rossetti.

“O objetivo foi fornecer uma visão mais completa do cenário atual do uso de inibidores de checkpoints imunológicos em combinação com a infusão de células T geneticamente modificadas para o tratamento contra o câncer.” Ao final, 112 artigos foram selecionados para o trabalho da pesquisadora.

Na avaliação dela, este trabalho contribuiu para enriquecer o conhecimento na área e permitiu refletir sobre possíveis implementações em pesquisas que atualmente abordam principalmente células T geneticamente modificadas para o tratamento do câncer, visando a uma melhoria na eficiência dessas células.

Trabalhos no CTC

O Centro de Terapia Celular foi o pioneiro no Brasil a estabelecer uma infraestrutura para estudo e aplicação clínica de células-tronco e, há alguns anos, houve a incorporação do uso de células T modificadas geneticamente para reconhecer e destruir células tumorais nas áreas de pesquisa e desenvolvimento.

Como resultado, foi estabelecida uma plataforma para produção e uso clínico de células T expressando receptores quiméricos de antígenos contra a proteína CD-19 (expressa em leucemias e linfomas de células B). “Esse estudo resultou na primeira aplicação bem-sucedida de células T-CAR anti CD-19 para o tratamento compassivo de pacientes com linfoma na América Latina”, diz Botelho.

Já o laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro de Ribeirão Preto está empenhando esforços para contribuir com a ampliação da plataforma de produção e uso clínico das células CAR-T por meio da criação de ferramentas moleculares de controle de qualidade e ensaios pré-clínicos, além de desenvolver novas construções genéticas e estratégias para melhorar a eficácia e o acesso dos pacientes a esse tipo de terapia.

Botelho conta que, atualmente, existem projetos em andamento para avaliar construções genéticas contra três novos alvos expressos por células tumorais, incluindo tumores sólidos. Além disso, uma plataforma de edição gênica para geração de células T de uso alogênico está em fase de implementação.

Essa estratégia pode reduzir drasticamente os custos dessa tecnologia, e permite modificações celulares capazes de elevar sua eficácia por meio de deleção de genes que limitam sua atividade antitumoral, por exemplo.

“O levantamento que fizemos reforça a ideia de que utilizar ferramentas de edição genética para deletar os circuitos moleculares envolvidos nessa interação pode resultar em um produto mais eficaz, por não mais sofrer a ação supressora do microambiente tumoral”, ressalta o último autor do estudo. “Certamente essas informações serão incorporadas ao nosso esforço de desenvolver a próxima geração de imunoterapias celulares anticâncer”, conclui.

Mais informações: e-mail rafaelarossetti@usp.br, com Rafaela Rossetti; e-mail lucasebsouza@usp.br, com Lucas Eduardo Botelho

Reportagem: Fabiana Mariz
Arte: Guilherme Castro

FONTE: Jornal da USP

Oswaldo Cruz enfrentou três epidemias simultâneas

A Revolta da Vacina é um assunto que faz parte do currículo escolar, mas um detalhe que nem sempre é lembrado é que as transformações sanitárias que ocorriam no Rio de Janeiro do início do Século XX eram lideradas por um jovem Oswaldo Cruz de pouco mais de 30 anos. Nesta sexta-feira (5), dia que marca 150 anos de seu nascimento, a Agência Brasil relembra como esse audacioso sanitarista assumiu o principal órgão de saúde pública do país, em 1903, com a promessa de derrotar três epidemias simultâneas que assolavam a capital federal: a peste bubônica, varíola e febre amarela.

Recém saído do Império, o Brasil queria mostrar ao mundo uma imagem moderna e promissora, mas trazer visitantes e imigrantes ao Rio de Janeiro, sua capital, era uma tarefa difícil, já que a cidade tinha fama de ser “túmulo dos estrangeiros”. O motivo eram as doenças infecciosas que assolavam a população carioca, que vivia em péssimas condições de higiene e saneamento, com cortiços e ruelas que cresciam em uma urbanização acelerada e desordenada.

O presidente da República da época, Rodrigues Alves, nomeou o engenheiro Pereira Passos prefeito do Rio de Janeiro para que realizasse uma ampla reforma urbana que abrisse largas avenidas e permitisse a melhoria do saneamento básico e da ventilação. Em uma frente complementar, coube à Oswaldo Cruz a elaboração das estratégias para enfrentar as doenças infecciosas, e o jovem médico foi nomeado diretor-geral de saúde pública, cargo que, na época, poderia ser comparado ao que hoje é o ministro da Saúde.

O historiador Bruno Mussa, do Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), explica que, apesar de novo, Oswaldo Cruz teve uma formação sólida, tendo sido o primeiro brasileiro a estudar no Instituto Pasteur, centro de pesquisa de Paris que era a maior referência da época no Ocidente sobre microbiologia e saúde. Ao retornar ao Brasil, em 1899, ele participou de uma missão científica que identificou um surto de peste bubônica no Porto de Santos. Esse trabalho fez com que ganhasse notoriedade para assumir a diretoria técnica e depois a chefia do Instituto Soroterápico Federal, embrião do que seria a Fiocruz. O passo seguinte foi acumular o cargo com a diretoria em que se tornou célebre pelas políticas implantadas no país.

“A partir dali, a Diretoria-Geral de Saúde Pública vai assumir um espaço cada vez maior e mais significativo, e a saúde pública vai se tornar um ponto cada vez mais relevante no Brasil”, avalia o historiador. “Em tudo que ele planejava, ele pensava na implementação de um projeto de trabalho duradouro. Se a Fundação Oswaldo Cruz hoje em dia é uma instituição estratégica, é uma consequência da visão de futuro desse personagem”.

Febre Amarela

Maior problema de saúde pública da cidade, a febre amarela foi o primeiro foco de Oswaldo Cruz como diretor de saúde pública. Sob desconfiança da classe médica da época, o sanitarista trouxe para o Rio de Janeiro a ideia de que a doença era transmitida por mosquitos, enquanto a tese mais aceita no Brasil era de que o contágio seria a partir de pessoas já doentes.

Oswaldo Cruz criou brigadas sanitárias que percorriam a cidade com inseticidas, em busca de locais onde houvesse larvas de mosquitos, incluindo casas, cujos donos podiam ser intimados a realizar reformas ou até demolições se fossem consideradas insalubres.

A estratégia teve sucesso, e a doença que matava cerca de mil pessoas por ano em 1902 já não era mais uma epidemia em 1907, o que rendeu ao sanitarista o prêmio principal do 14º Congresso de Higiene e Demografia de Berlim, realizado na Alemanha naquele ano.

“Esse reconhecimento internacional foi importantíssimo para produzir essa chancela que o Oswaldo Cruz passou a ter a partir de então”, destaca Mussa. “Ele passa a ser reconhecido no Brasil depois do reconhecimento que ele teve no exterior”.

Uma das maiores provas desse reconhecimento foi a mudança do nome do instituto que ele dirigia para Instituto Oswaldo Cruz (IOC), que existe até hoje como parte da Fundação Oswaldo Cruz. O pesquisador também se tornou um imortal da Academia Brasileira de Letras, em 1913.

Peste Bubônica

Organizado o combate à febre amarela, Oswaldo Cruz e sua diretoria de saúde pública se voltaram, em 1903, contra a peste bubônica, doença transmitida pelas pulgas de ratos contaminados.

Mussa explica que, além de estar presente na memória coletiva pela trágica epidemia que matou milhões na Europa, a doença também tem um forte impacto impacto econômico, já que a disseminação se dá muitas vezes por ratos em navios, de porto em porto, o que chega a obrigar o fechamento de uma cidade com contaminações.

“A peste bubônica não chegou a ser um problema gigantesco no Rio de Janeiro, mas o diagnóstico gera uma série de ações para que ela não prosperasse”. afirma. “Era uma doença que veio de fora e poderia gerar um impacto muito grande na economia”.

Mais uma vez, Oswaldo Cruz adotou a estratégia de combate aos vetores, com uma caçada aos ratos do Rio de Janeiro. Funcionários da diretoria de saúde pública receberam a meta de apresentar pelo menos 150 ratos por mês, sob ameaça de demissão, e o governo passou a comprar ratos de qualquer pessoa que os matasse.

Além da desratização, o sanitarista promoveu a vacinação da população nas áreas mais afetadas da cidade e o Instituto Soroterápico Federal produziu o soro para o tratamento dos doentes, cujos casos passaram a ter notificação compulsória. Esse conjunto de ações impactou fortemente a mortalidade por peste bubônica na cidade, que caiu mais de 20 vezes entre 1903 e 1909, segundo a Fiocruz.

Varíola

As remoções da população pobre forçadas pela reforma urbana, a truculência das brigadas sanitárias e as tensões políticas da república recém proclamada criaram um clima de tensão crescente na capital federal no governo Rodrigues Alves. Em meio a esse cenário, a varíola teve um pico de casos em 1904, e cerca de 3,5 mil pessoas morreram no Rio de Janeiro.

A tragédia levou Oswaldo Cruz à drástica proposta de fazer cumprir a vacinação obrigatória, com exigência de comprovação até mesmo para a realização de casamentos. Além disso, a lei aprovada no Congresso, apelidada pelos opositores de “Código de Torturas”, previa que serviços sanitários poderiam entrar nas residências para vacinar os moradores.

O historiador explica que esse foi o estopim para o caldeirão de insatisfação explodir, e a Revolta da Vacina durou 10 dias, nos quais houve protestos nas ruas e insurreição de militares. O resultado foram 30 mortos, 110 feridos e 945 presos, sendo quase a metade exilada no Acre, onde foram submetidos a trabalhos forçados.

Apesar de ter retomado o controle da capital, o governo decidiu suspender a vacinação obrigatória, o que representou uma derrota para a prevenção da varíola e possibilitou uma epidemia ainda mais mortal em 1906, com mais de 6 mil vítimas.

Mussa destaca que mesmo que a vacina da varíola já fosse utilizada mundo afora e fosse comprovadamente eficaz, o clima de tensão foi aproveitado pela oposição ao governo enquanto o analfabetismo generalizado e a escassez de canais de comunicação dificultaram uma campanha de conscientização.

“Esse processo todo apresenta na história do Brasil o momento em que se demonstra a relevância de se fazer uma boa comunicação pública da ciência e um bom desenvolvimento dos debates científicos com a sociedade, porque foi a ausência disso e muita aplicação de determinações por decreto e pela força que contribuiu muito para a animosidade e para a revolta que aconteceu”.

Legado

Assim como seus grandes feitos, a morte chegou cedo para Oswaldo Cruz, que morreu aos 44 anos, em 1917. O sanitarista foi vítima de insuficiência renal, causada por uma nefrite, mesma doença que vitimou seu pai.

Para a diretora do Instituto Oswaldo Cruz, Tania Araújo-Jorge, o maior legado do sanitarista foi incluir a pesquisa como elemento fundamental na política de saúde pública. Ela lembra que, anos depois de assumir o Instituto Soroterápico Federal, o médico o transformou em um instituto de patologia experimental, dedicado à pesquisa médica voltada à saúde coletiva.

“A saúde pública tem um antes e um depois de Oswaldo Cruz. Sem pesquisa, você não consegue fazer um bom enfrentamento de qualquer desafio de saúde”, afirma ela. “Não só a gente do Instituto Oswaldo Cruz, mas todo pesquisador brasileiro se sente inspirado pela visão dele de que você tem que fazer formação, tem que fazer pesquisa e que isso tem que estar comprometido com a melhoria da saúde do povo brasileiro”.

Tania avalia que, diante dos desafios na Diretoria-Geral de Saúde Pública, o jovem Oswaldo Cruz teve energia para fazer os enfrentamentos da época, e à frente do instituto de pesquisa, colaborou para a transmissão do conhecimento que ocorre até hoje na fundação.

“O fato de ele implantar a pesquisa e a formação de novos pesquisadores foi muito importante. Todos eles morriam muito jovens, e você tinha que passar o legado adiante. Quem teve que enfrentar a epidemia de gripe espanhola no Brasil? Já não foi Oswaldo, ele morreu em 1917, e a epidemia começou em 1918. Foi Carlos Chagas, que tinha aprendido tudo com ele. O Carlos Chagas foi aluno do Oswaldo Cruz, e ele foi formando uma geração de cientistas, e a gente tem 122 anos de formação de cientistas”.

FONTE: Agência Brasil

Gordura no fígado pode regredir com atividades físicas e alimentação balanceada

Débora Terrabuio fala sobre a doença hepática gordurosa não alcoólica, a qual é considerada epidemia global e pode evoluir para casos de fibrose no fígado, cirrose, câncer, infarto, derrame e até AVC

Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), também conhecida como esteatose hepática, já atinge 30% dos brasileiros e representa atualmente uma epidemia global. Ela é considerada uma manifestação hepática da síndrome metabólica, composta por obesidade ou sobrepeso, pré-diabete ou diabete, hipertensão e alterações de colesterol. Segundo a hepatologista e coordenadora da Clínica de Transplante Hepático do Hospital das Clínicas (HC) da USP, Débora Terrabuio, pessoas que possuem pelo menos três desses problemas têm mais risco de desenvolver a esteatose: “Nos pacientes com diabete, a prevalência pode chegar até 60%”.

Consequências da doença

A DHGNA ainda pode evoluir para uma esteato-hepatite com o passar do tempo, facilitando que o paciente acometido desenvolva fibrose no fígado, cirrose ou até câncer, sendo necessário, em alguns casos, realizar transplante hepático. De acordo com Débora, de um a dois pacientes em cada dez podem progredir para esse quadro. Além disso, a esteato-hepatite também está associada ao aumento do risco de infarto, derrame e AVC, ou seja, é uma doença com comprometimento sistêmico.

A hepatologista informa que as doenças do fígado são, geralmente, pouco sintomáticas: “A gente só descobre que tem algum problema no fígado quando o olho amarela, quando aparece água na barriga, quando a plaqueta, que é responsável pela coagulação do sangue, baixa além do valor normal em um exame de hemograma ou quando [o paciente] vai fazer um ultrassom e já tem um fígado de tamanho diminuído”.

Diagnóstico

Para ver se a esteatose está ou não comprometendo o fígado, é considerado o sexo do paciente, sua idade e comorbidades. “Começamos fazendo ultrassom e depois os exames de sangue do fígado, para ver como esse paciente está, com as enzimas do fígado alteradas ou não”, diz a especialista.

Por se tratar de uma doença progressiva, é importante atuar nas diversas partes da evolução da doença e fazer o diagnóstico precoce para obter mais chances de reverter o quadro. Conforme explica Débora, estudos mostram que aproximadamente 40% dos pacientes acometidos com hepatite sabem do seu diagnóstico e estão comprometidos com o tratamento, contra menos de 5% dos que possuem a esteatose hepática.

Tratamento e prevenção

Se um indivíduo possui a esteatose grau três no fígado, é preciso que ele mude seus hábitos de vida a partir da diminuição do consumo de produtos industrializados e da intensificação da atividade física, já que, perdendo cerca de 10% do peso quando é dado o diagnóstico, e controlando a síndrome metabólica, há uma melhora significativa da gordura no fígado. Aumentar o consumo de café sem adição de açúcar também pode diminuir a inflamação.

Débora reforça a importância de o paciente conversar com seu médico endócrino para avaliar a possibilidade de realizar ultrassom de abdômen e exames do fígado em casos em que ele possui outras doenças, como diabete e hipertensão. Para o público leigo, há ainda diversos formulários científicos feitos pela Sociedade Brasileira de Patologia e pelo site Tudo Sobre Fígado, o qual disponibiliza informações sobre a DHGNA.

FONTE: Jornal da USP

Atividade intelectual pode melhorar o desempenho cerebral

A especialista diz que “a construção da reserva cognitiva é feita ao longo de toda a vida, desde a infância, com uma boa alimentação, atividade intelectual, uma boa estimulação e através da escolarização, nível educacional e atividades cognitivas”

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A reserva cognitiva é de extrema importância para o nosso dia a dia e nos ajuda a viver melhor, principalmente na terceira idade. Mas antes de explicar vamos entender primeiro o que é a reserva cerebral. É justamente o espaço físico que existe no cérebro, com todos os seus neurônios e estruturas. A médica Sônia Brucki, professora de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP (FM) e coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas, explica que “reserva cerebral é uma reserva estrutural do cérebro, número de neurônios, por exemplo, uma pessoa que tem um acidente vascular cerebral vai ter como sequela uma menor reserva cerebral do que outra que não teve porque vai ter uma região do cérebro que foi afetada e que não vai ter mais os neurônios e as outras estruturas que tem no cérebro normal”, diz.

Sendo assim, a reserva cognitiva é a funcional, construída ao longo da vida com boas condições de saúde, trata-se de um estilo de vida. “Podemos dizer que é um conceito mais funcional em que você vai construindo essa reserva cognitiva ao longo de toda sua vida, desde a infância, com uma boa alimentação, uma boa estimulação e também através da escolarização. O nível educacional que o indivíduo alcança é importante para todas as suas atividades cognitivas intelectuais durante a vida.

Quanto mais você ler, estudar e fazer coisas diversificadas melhor para a sua reserva cognitiva e consequentemente aumenta o número de sinapses neuronais entre as células. O termo reserva cognitiva descreve a resistência da mente às lesões do cérebro, AVC e Alzheimer” explica Sônia.

A professora comenta que é importante desenvolver essas reservas cognitivas, como se fosse um exercício mental. A atividade intelectual vai melhorar o desempenho cerebral. Existem algumas dicas que valem para a vida toda. A primeira delas é que sempre há tempo de melhorar a cognição, independentemente da idade. Jogos de tabuleiros, hábito de leitura, aprender outro idioma, tocar um instrumento musical, palavras cruzadas, algo que desperte a curiosidade.

Por Sandra Capomaccio

FONTE: Jornal da USP

Estudo aponta sistema de enzimas antioxidantes como alvo para o desenvolvimento de antibióticos

Pesquisadores do Instituto de Biociências indicam o sistema formado pelas proteínas Ohr (uma enzima antioxidante) e OhrR (seu fator de transcrição) como um potencial alvo a ser explorado na busca por novos antibióticos

Em artigo de revisão publicado na revista Free Radical Biology and Medicine, pesquisadores brasileiros apontam o sistema formado pelas proteínas Ohr (uma enzima antioxidante) e OhrR (seu fator de transcrição) como um potencial alvo a ser explorado na busca por novos antibióticos.

O trabalho foi coordenado por Luis Netto, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP e integrante do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Há mais de 20 anos o grupo de Netto tem estudado esse sistema proteico, que desempenha papel central na defesa de patógenos contra danos oxidativos. No trabalho recentemente publicado, os pesquisadores descrevem aspectos da estrutura, catálise, filogenia, regulação e papéis fisiológicos das proteínas. O objetivo foi sistematizar informações que estavam dispersas na literatura.

Segundo os autores, o sistema Ohr-OhrR desempenha importantes funções na interface entre patógenos como Xylella fastidiosaPseudomonas aeruginosaChromobacterium violaceum e Bacillus cereus e seus hospedeiros – entre eles mamíferos e plantas vasculares. No entanto, os mecanismos envolvidos nessas interações são complexos e os papéis desempenhados por Ohr e OhrR nesses processos variam muito entre as diversas bactérias.

Como não são encontradas em animais vertebrados nem em plantas vasculares e têm características estruturais únicas, dizem os pesquisadores, as proteínas Ohr e OhrR podem ser alvos para o desenvolvimento de novos antibióticos – algo muito relevante, considerando o alarmante fenômeno das bactérias multirresistentes. Além disso, essas proteínas desempenham outras funções fisiológicas, como proteger bactérias simbióticas fixadoras de nitrogênio do estresse oxidativo associado a esse processo.

Para Netto, a pouca atenção dada ao sistema Ohr-OhrR é de certa forma surpreendente e poderia ser explicada por razões históricas. Enquanto as enzimas antioxidantes mais conhecidas foram descobertas a partir de 1937, a primeira Ohr só foi descrita em 1998, como uma proteína envolvida na resposta de bactérias ao estresse induzido por hidroperóxidos orgânicos, sendo que, em 2000, cientistas brasileiros identificaram o gene que codifica essa proteína no genoma da Xylella fastidiosa, bactéria que causa uma doença chamada clorose variegada dos citros (CVC), provocando grandes prejuízos à agricultura no Estado de São Paulo.

“Quando apareceu a Ohr no genoma da Xylella, não se sabia a atividade bioquímica dessa proteína. Como eu já tinha trabalhado com peroxirredoxinas, vi que a Ohr tinha duas cisteínas que eram muito conservadas. Aí surgiu a ideia: talvez seja uma peroxidase”, conta Netto, que fez parte do grupo responsável pelo sequenciamento do genoma da bactéria. O primeiro trabalho do grupo sobre a Ohr foi publicado em 2003, no Journal of Biological Chemistry, e demonstrou que, de fato, Ohr é um tipo de peroxidase.

Resumo gráfico – Foto: Reprodução

O pesquisador enfatiza, no entanto, que a Ohr não é uma peroxirredoxina como descrito em alguns artigos. “A Ohr tem propriedades muito diferentes, como a sequência primária, a estrutura, a especificidade para redutor e oxidante e a dinâmica ao longo do ciclo catalítico.” As peroxirredoxinas (Prx), que também são foco de estudo do grupo de Netto, são proteínas antioxidantes consideradas sensores celulares de peróxido de hidrogênio.

Em 2020, o grupo elucidou seis estruturas cristalográficas da proteína Ohr do patógeno oportunista Chromobacterium violaceum, incluindo a estrutura do complexo entre a Ohr e seu substrato biológico, a di-hidrolipoamida (DHL). Os pesquisadores identificaram intermediários do ciclo catalítico da enzima e reforçaram as evidências de que Ohr e Prx pertencem a classes diferentes de proteínas. Além disso, mostraram que a Ohr tem um colar hidrofóbico ao redor de seu sítio ativo, uma característica estrutural única que explica a especificidade dessa enzima para peróxidos orgânicos.

Inflamação

A resposta inflamatória é uma estratégia dos hospedeiros para combater microrganismos patogênicos e envolve a produção de várias moléculas oxidantes. Portanto, se uma inflamação demora para terminar, pode causar danos ao próprio hospedeiro. Hidroperóxidos orgânicos de ácidos graxos são oxidantes que também podem atuar como sinalizadores de processos tanto inflamatórios quanto anti-inflamatórios.

“A sinalização envolvida nesses processos de inflamação e de resolução da inflamação é bastante complexa, envolvendo diferentes hidroperóxidos de ácidos graxos, como dos derivados de ácido araquidônico”, conta Netto.

A hipótese levantada pelos pesquisadores é de que a Ohr poderia estar envolvida de alguma forma na virulência de patógenos via controle dos níveis desses hidroperóxidos lipídicos. “Acredito que o envolvimento biológico da Ohr poderia estar relacionado com o processo de resolução [finalização] da inflamação. Contraintuitivamente, se a bactéria tem muito antioxidante [no caso, a enzima Ohr], acaba sendo ruim para ela e bom para o hospedeiro por, entre outros motivos, facilitar o recrutamento de células fagocitárias. Mas essa é uma hipótese ainda especulativa, que requer evidência experimental”, afirma o pesquisador.

A OhrR é a proteína que controla a transcrição do gene da Ohr. Para que a enzima antioxidante (Ohr) seja produzida, o gene que a codifica precisa ser transcrito para o RNA mensageiro correspondente. A OhrR quando está reduzida se liga ao DNA e impede a transcrição. Quando a célula está sob estresse oxidativo e é exposta ao peróxido orgânico, a OhrR é oxidada e sofre uma mudança estrutural que libera o DNA para ser transcrito e depois traduzido na proteína Ohr.

Como explica Netto, o próprio fator de transcrição é regulado por um processo redox (oxidação ou redução). “E ele vai induzir ou reprimir a expressão de uma proteína que tem propriedades que interferem no metabolismo dos hidroperóxidos orgânicos.”

Diversos grupos do Cepid Redoxoma estão envolvidos em estudos com hidroperóxidos orgânicos derivados de ácidos graxos, como os liderados pelos pesquisadores Sayuri Miyamoto e Paolo Di Mascio, bem como em estudos de cinética envolvendo a Ohr e a OhrR, como os grupos dos pesquisadores Ohara Augusto e Daniela Truzzi, ou ainda em estudos estruturais, como o grupo do pesquisador Marcos Antonio de Oliveira.

Em 2021, um grupo de pesquisadores chineses identificou o primeiro inibidor contra Ohr da bactéria Acinetobacter baumannii ATCC19606. O tratamento desse microrganismo com o inibidor de Ohr potencializou a atividade antibacteriana de antibióticos como canamicina e gentamicina. O grupo chinês entrou em contato com Netto, para colaboração no sentido de identificar moléculas com atividade microbicida mais potente.

O artigo Ohr – OhrR, a neglected and highly efficient antioxidant system: Structure, catalysis, phylogeny, regulation, and physiological roles pode ser acessado no link.

* Com informações da Assessoria de Imprensa do Redoxoma.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Texto: Agência Fapesp
Arte: Adrielly Kilryann

FONTE: Jornal da USP

Impacto do acúmulo de gordura nas artérias no desempenho cognitivo é maior em pessoas brancas

Os participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) acompanhados entre 2008 e 2018 que apresentaram maior espessura das carótidas tiveram pior desempenho cognitivo, principalmente entre as pessoas brancas

Estudo da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) avaliou a relação entre a espessura das paredes internas das artérias carótidas e a cognição. A medida indica acúmulo de gordura nos vasos que pode levar a infartos ou derrames, tendo como causa colesterol alto, tabagismo, diabete, hipertensão e até fatores genéticos. Os participantes foram acompanhados entre 2008 e 2018. Os resultados mostraram que aqueles com medida maior dessa espessura no início do estudo apresentaram mais perda cognitiva nos quatro domínios avaliados (memória, fluência verbal, função executiva e domínio global) ao longo dos oito anos de acompanhamento.

Essa relação já havia sido observada em outras pesquisas internacionais, mas a amostra do Elsa-Brasil pôde mostrar, devido à sua maior diversidade, algo inédito: essa associação é maior entre as pessoas brancas que participaram do estudo do que entre as pessoas negras. Ainda são necessários mais estudos para averiguar os motivos dessa diferença.

A pesquisa, conduzida pela pós-doutoranda da FMUSP, Naomi Vidal, usou os dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), levantamento epidemiológico nacional de longo prazo que tem a maior amostra e tempo de avaliação da performance cognitiva no País.

Os resultados estão sendo apresentados na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, que acontece entre 31 de julho e 4 de agosto, em San Diego, nos Estados Unidos.

Além de Naomi, o artigo Association between common carotid artery intima media thickness and cognitive decline differs by race também é assinado pelos pesquisadores Laiss Bertola, da Unifesp; Itamar Santos, Alessandra Goulart, Marcio Bittencourt e Isabela Judith Martins Bensenor, do Hospital Universitário da USP; Sandhi Maria Barreto e Luana Giatti, da UFMG; Paulo Caramelli, da UEMG; Paulo Lotufo, da Faculdade de Saúde Pública da USP, e Claudia Suemoto, da Faculdade de Medicina da USP.

Na conferência em San Diego, as pesquisadoras também vão apresentar um outro artigo que mostra a relação entre o consumo de ultraprocessados e o declínio cognitivo ao longo do tempo – leia a matéria completa aqui.

Futuros estudos e a importância do Elsa-Brasil

O Elsa-Brasil é um estudo epidemiológico nacional realizado desde 2008 em parceria com várias instituições como USP, UFES, Fiocruz, UFBA, UFMG e UFRGS que acompanha o estado de saúde de cerca de 15 mil funcionários. A ideia é investigar a incidência e fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares (acidente vascular cerebral, hipertensão, arteriosclerose, infarto) e outras associadas. Os participantes, com idades entre 35 e 74 anos, são de várias regiões do País.

Cláudia Suemoto, médica graduada pela FMUSP e pesquisadora do Elsa-Brasil especializada em demências e suas associações com doenças cardiovasculares, diz ao Jornal da USP que todos os estudos do projeto devem ser replicados para o formato longitudinal, de forma que a evolução dos participantes possa ser acompanhada e analisada ao longo do tempo. Ela também cita que está nos planos do projeto começar fazer avaliações cognitivas mais detalhadas com os participantes que apresentarem resultados alarmantes que permitam diagnosticar casos de demência.

O acompanhamento longo é especialmente importante porque as principais demências, como a doença de Alzheimer, se desenvolvem ao longo do tempo, então quanto maior o período analisado, maior a nossa capacidade de isolar o efeito de uma variável que realmente aumenta o risco da doença”, afirma.

Além disso, ela conta que o grande número de participantes do Elsa permitiu estabelecer padrões cognitivos normais de acordo com idade e escolaridade que podem ser usados como referência em outros estudos. E fazer essa análise no Brasil, especificamente, é muito importante devido às particularidades da nossa população.

A amostra brasileira permite investigar como os fatores de risco interagem com baixos índices socioeconômicos e de escolaridade, por exemplo. Outra questão importante, como o estudo sobre a espessura das artérias ilustra, é a diversidade racial. Isso porque, apesar de existir literatura científica apontando para uma maior prevalência de demência entre pessoas negras (devido a questões relacionadas às desigualdades econômicas e vulnerabilidades sociais ligadas ao racismo estrutural), a maior parte dos estudos na área é feita com amostras majoritariamente brancas.

No próximo mês de agosto, os participantes do Elsa-Brasil serão novamente convocados para entrevistas e exames.

Veja, neste link, outras pesquisas realizadas pelo Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil).

Mais informações: Claudia Suemoto, em cksuemoto@usp.br, Naomi Vidal Ferreira, em naomivferreira@gmail.com, e Natália Gonçalves, em natalia.g@fm.usp.br

Texto: Sebastião Moura
Arte: Adrielly Kilryann

FONTE: Jornal da USP

Fake news sobre uso do flúor colocam em risco saúde bucal de brasileiros

“Justificativas para adição do flúor na água são válidas; é o método de menor custo per capita”. A avaliação é do professor Wilson Mestriner, da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, contra o movimento antifluoretação das águas de abastecimento público que tem ganhado força no País. O movimento espalha fake news e preocupa autoridades sanitárias, principalmente, pela prevalência de doenças bucais relacionadas à desigualdade social.

Segundo Mestriner, “graças à fluoretação da água de abastecimento público, nós temos a redução do índice de cáries”, fato que só é “observado através do censo nacional, dos levantamentos epidemiológicos para avaliar a condição de saúde bucal da população brasileira”. E a desigualdade social, persistente no País, justifica a conduta de adicionar flúor à água da população já que, apesar das conquistas das últimas décadas, a quantidade de desdentados no País ainda é grande, como mostra a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A condição brasileira faz com que, baseados na ciência, especialistas da USP defendam os benefícios da lei federal (lei 6.050 de 24 de maio de 1974), enquanto as fake news engrossam o movimento antifluoretação no Brasil. Em publicação recente, pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, analisaram conteúdos de 297 sites e redes sociais e identificaram mais de 300 publicações falsas na área de odontologia com impactos na saúde da população.

O movimento é contra a utilização do íon flúor na água de consumo diário e também nos produtos odontológicos para prevenção da doença dentária cárie. Iniciado nos Estados Unidos, o movimento ganha força no Brasil através do compartilhamento de informações falsas pela internet e mídias sociais.

Utilizam “argumentos verdadeiros, como a possibilidade de neurotoxicidade do flúor, entretanto de forma descontextualizada, então não leva em consideração a concentração do flúor e que é utilizada em águas de abastecimento ou em produtos odontológicos”, comenta o professor Thiago Cruvinel, líder da equipe da FOB.

De adeptos naturalistas a profissionais da odontologia

Os resultados do estudo da FOB indicam que a chegada desse movimento no Brasil ocorre através de pessoas com conhecimento da língua inglesa que consomem esses conteúdos provenientes dos Estados Unidos. Esses indivíduos, segundo Cruvinel, disseminam através de suas mídias sociais e na internet os conteúdos que incentivam outras pessoas a se tornarem antifluoretos.

“O que nós temos percebido nas nossas pesquisas é que essas pessoas normalmente têm um estilo de vida ligado a hábitos naturalistas, como, por exemplo, a não utilização de produtos industrializados ou cosméticos que contêm produtos artificiais na sua composição”, destaca o professor sobre o perfil dos publicadores de fake news na odontologia. Como se trata de um comportamento de risco que parte de pessoas com práticas adequadas de saúde, as falsas notícias se tornam “um problema, porque a partir disso surgem outras formas de pensar a odontologia e outras formas de combater doenças bucais que não são pautadas em evidências científicas”, analisa Cruvinel.

E as justificativas utilizadas pelas pessoas que participam desses movimentos são diversas. “Dentre elas, podemos observar justificativas relacionadas à toxicidade do flúor e também baseando-se em teorias da conspiração, como, por exemplo, uma política adotada por Hitler durante o nazismo ou ainda uma política que é utilizada por governos para controlar as mentes das pessoas. Existem também teorias ligadas à espiritualidade, como a calcificação da glândula pineal, que levaria à impossibilidade de conexão com Deus, com o criador”, diz o professor.

Nem os profissionais da área de odontologia ficam de fora. “É importante salientar que esse movimento não ocorre somente entre leigos, existem também profissionais hoje que acreditam nessa questão da necessidade de não utilização do flúor por sua toxicidade”, conta Cruvinel, afirmando que se trata de adeptos de uma pseudociência chamada “odontologia biológica”.

Fluoretação da água 

A adição mundial do flúor na água de abastecimento público começou na primeira metade do século 20, quando o dentista norte-americano Frederick McKay comprovou a atividade do íon flúor, na concentração ideal e segura, na prevenção da doença cárie. No Brasil, estudos similares apareceram na segunda metade do século 20. “O primeiro estudo desenvolvido, um estudo também de caráter epidemiológico, foi no Baixo Guandu, no Espírito Santo, em 1953, através da concentração regular do íon flúor na água de abastecimento público. Nós conseguimos a redução em torno de 60% da atividade da doença cárie”, conta Mestriner.

 

Uso de fluoretos nas águas auxilia na prevenção da cárie dentária – Foto: Edson Lopes Jr/A2 fotografias via Fotos Públicas

 

A fluoretação da água de abastecimento público em todo o País começou a partir de lei federal em 1974 que, adianta o professor Mestriner, indica a concentração ideal do íon flúor: deve estar no intervalo de 0,60 a 0,80 miligramas por litro ou partes por milhão (ppm) em função da temperatura. O controle desses níveis, continua o professor, é realizado simultaneamente pelos serviços de saneamento municipais, órgãos cadastrados e laboratórios credenciados no acompanhamento periódico.

Fake news na saúde

As fake news estão presentes nas mais diversas áreas, porém quando ligadas à saúde podem causar danos irreparáveis. Elas geralmente circulam nas mídias sociais e na internet com o intuito de atingir um grande número de pessoas.

Essas desinformações utilizam diversas técnicas para atrair e manipular o usuário como distorcer informações verdadeiras e apresentá-las junto com inverdades, explica o especialista no estudo das fake news João Henrique Júnior, do Instituto de Estudos Avançados da USP em Ribeirão Preto.

“Utilizam também teorias da conspiração ajustadas à narrativa em questão, produzindo mensagens com forte apelo emocional tentando provocar sentimentos como medo e ódio. Aproveitam-se, ainda, das brechas das empresas de tecnologia, que priorizam o lucro em vez da qualidade, para disseminar esse conteúdo de modo orquestrado, coordenado e em larga escala. Esse movimento contínuo, quando não é enfrentado e moderado efetivamente, consegue ao longo do tempo conquistar novos adeptos e radicalizar os mais antigos”, comenta Henrique Júnior.

Para o especialista, “essas campanhas de desinformação podem, no curto e no médio prazo, levar o indivíduo a utilizar produtos ou tratamentos nocivos à sua saúde, colocando até mesmo sua vida em risco. Já no longo prazo, as informações falsas podem abalar a confiança do usuário gerando descrédito em relação às fontes confiáveis como a imprensa profissional, centros de pesquisa e órgãos de governo, podendo prejudicar inclusive políticas públicas de saúde”.

Varíola dos macacos: entenda a transmissão, os sintomas e a vacina

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, há seis dias, a varíola dos macacos como emergência de saúde pública de interesse internacional. Conhecida internacionalmente como monkeypox, a doença, endêmica em regiões da África, já atingiu neste ano 20.637 pessoas em 77 países.

No Brasil, são 978 casos, sendo 744 apenas em São Paulo. Considerando a importância da informação para combater o avanço do surto, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realizou, nesta quinta-feira (28), um encontro onde especialistas apresentaram o que já se sabe sobre a doença e também responderam dúvidas de participantes presenciais e online.

“Esse vírus nós conhecemos e sabemos como lidar com ele. Temos todos os elementos para fazer sua erradicação”, disse o médico Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ e consultor do Ministério da Saúde.

Segundo ele, como já existem muitos estudos sobre a monkeypox, é uma situação diferente da covid-19, que surgiu como uma doença nova. No entanto, o pesquisador alerta que o sucesso no combate ao surto dependerá do compromisso do poder público.

monkeypox é causada por um poxvírus do subgrupo orthopoxvírus, assim como ocorre por outras doenças como a cowpox e a varíola humana, erradicada em 1980 com o auxílio da vacinação. O quadro endêmico no continente africano se deve a duas cepas distintas.

Uma delas, considerada mais perigosa por ter uma taxa de letalidade de até 10%, está presente na região da Bacia do Congo. A outra, com uma taxa de letalidade de 1% a 3%, encontra-se na África Ocidental e é a que deu origem ao surto atual.

No entanto, segundo o médico, o vírus em circulação sofreu um rearranjo gênico que contribuiu para sua capacidade de transmissão pelo mundo. “Ele teve uma evolução disruptiva, sofreu uma mutação drástica”, afirmou. O pesquisador afirmou que casos graves não são recorrentes. A preocupação maior abrange os grupos de risco que incluem imunossuprimidos, crianças acima de 13 kg e gestantes.

“A taxa de letalidade tem relação com o sistema de saúde local. No surto atual, até o momento, não tivemos óbitos fora das áreas endêmicas. Isso mostra que o vírus da monkeypox é de baixa letalidade”, salientou a virologista Clarissa Damaso, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da UFRJ e assessora da OMS.

Transmissão e sintomas

A varíola dos macacos foi descrita pela primeira vez em humanos em 1958. Na época, também se observava o acometimento de macacos, que morriam. Vem daí o nome da doença. No entanto, no ciclo de transmissão, eles são vítimas como os humanos. Na natureza, roedores silvestres representam o reservatório animal do vírus.

“Não há reservatórios descritos em locais fora da África. Uma das maiores preocupações no surto atual é impedir o vírus de encontrar um reservatório em outros países. Se isso acontece, é muito mais difícil a contenção”, explicou Clarissa.

Sem um reservatório animal, a transmissão no mundo vem ocorrendo de pessoa para pessoa. A infecção surge a partir das feridas, fluidos corporais e gotículas do doente. Isso pode ocorrer mediante contato próximo e prolongado sem proteção respiratória, contato com objetos contaminados ou contato com a pele, inclusive sexual.

O tempo de incubação do vírus varia de cinco a 21 dias. O sintoma mais característico é a formação de erupções e nódulos dolorosos na pele. Também podem ocorrer febre, calafrios, dores de cabeça, dores musculares e fraqueza.

“As lesões são profundas, bem definidas na borda e há uma progressão: começa como uma mancha vermelha que chamamos de mácula, se eleva tornando-se uma pápula, vira uma bolha ou vesícula e, por fim, se rompe configurando um crosta”, explicou o infectologista Rafael Galliez, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Pelo protocolo da OMS, devem ser considerados suspeitos os casos em que o paciente tiver ao menos uma lesão na pele em qualquer parte de corpo e se enquadrar em um desses requisitos nos últimos 21 dias: histórico de viagem a país com casos confirmados, contato com viajantes que estiveram nesses país ou contato íntimo com desconhecidos.

Diagnóstico e tratamento

O Laboratório Molecular de Virologia da UFRJ se firmou como um dos polos nacionais para diagnóstico da doença. O primeiro caso no estado do Rio de Janeiro foi detectado em 14 de junho, cinco dias depois da primeira ocorrência no país ser confirmada em São Paulo. De lá pra cá, já são 117 resultados positivos no estado do Rio. Outros estados também têm enviado  amostras para análise na UFRJ.

Essas análises são realizadas em fluidos coletados diretamente das lesões na pele, usando um swab [cotonete estéril] seco. Existe a expectativa de que a população tenha, em breve, acesso a testes rápidos de detecção de antígenos, similar aos que foram feitos para a covid-19.

Mesmo nos quadros mais característicos, o exame é importante para confirmar análise clínica. Um desafio para a detecção da doença é a semelhança de suas lesões com as provocadas pela varicela, doença popularmente conhecida como catapora e causada por um vírus de outro grupo. A mudança de perfil dos sintomas também tem levantado um alerta de especialistas. Na varíola dos macacos, as erupções costumavam surgir mais ou menos juntas e evoluíam no mesmo ritmo.

“Começamos a ver casos com lesões únicas, às vezes na região genital ou anal, às vezes no lábio, às vezes na mão. E também vemos lesões que aparecem em momentos diferentes, de forma mais parecida com a catapora. Esse padrão é diferente do que se estudava sobre monkeypox“, disse o infectologista Rafael.

Uma vez detectada a doença, o tratamento se baseia em suporte clínico e medicação para alívio da dor e da febre. Um antiviral chamado tecovirimat, que bloqueia a disseminação do vírus, já é usado em alguns países, mas ainda não está disponível no Brasil.

Segundo o médico, 10% dos pacientes têm sido internados para o controle da dor, geralmente quando há lesões no ânus, nas partes genitais ou nas mucosas orais, dificultando a deglutição.

Prevenção e vacinas

A vigilância para a rápida identificação de novos casos e o isolamento dos infectados são fundamentais para se evitar a disseminação da doença. Pode ser necessário o período de até 40 dias para a retomada das atividades sociais. Mesmo que o paciente se sinta melhor, deve se manter em isolamento enquanto ainda tiver erupções na pele. “Na catapora, a lesão com crosta já não transmite o vírus. Na varíola dos macacos, essa lesão transmite”, acentuou Rafael.

O infectologista alertou para a importância de se evitar contato com as pessoas que integram os grupos de risco. Segundo ele, embora existam poucos estudos de casos envolvendo gestantes, os resultados não são bons. “Há uma letalidade pediátrica alta. Existe o que a gente chama de transmissão vertical, isto é, o acometimento do feto com danos graves: perda das estruturas da placenta e abortos espontâneos. Com o pouco que se sabe, é considerada uma doença obstétrica grave. Suspeitos de estarem contaminados devem ser orientados a evitar contato com qualquer pessoa que possa estar grávida”, alertou.

Os especialistas da UFRJ também observaram que o uso de preservativo não previne a infecção, já que o intenso contato e a troca de fluidos corporais durante o ato sexual oferece diversas oportunidades para a transmissão do vírus. Por outro lado, há indícios de que as pessoas vacinadas contra a varíola humana tenham proteção contra a monkeypox.

Também sabe-se que sistema imunológico desenvolve proteção cruzada contra os diferentes orthopoxvírus. Isso significa que quem já foi contaminado com a varíola humana ou com a vaccinia, por exemplo, e possivelmente possui imunidade para a varíola dos macacos. Foi com base nesse conhecimento que se criou a vacina antivariólica. Embora voltado para combater a varíola que acometia exclusivamente humanos e possuía uma alta taxa de letalidade entre 30% e 40%, o imunizante foi desenvolvido a partir do vírus da vaccinia, doença que costuma infectar o gado leiteiro e os ordenhadores.

Com a erradicação da varíola, a vacinação foi suspensa em todo o mundo por volta de 1980. No Brasil, campanhas mais robustas ocorreram até 1975, mas até 1979 o imunizante era aplicado nos postos de saúde. Os indícios apontam que quem nasceu antes dessa data e foi vacinado está protegido contra a monkeypox. A média de idade dos contaminados está abaixo dos 38 anos.

Embora já existam vacinas para ajudar no combate ao surto da varíola dos macacos, não há previsão quanto a uma campanha para imunização em massa.

A OMS orienta que se garanta a proteção de profissionais de saúde e pesquisadores laboratoriais. Para os demais grupos populacionais, a imunização deve ser após a exposição. Segundo a virologista Clarissa, trata-se de usar a estratégia de vacinação em anel: são vacinadas pessoas que vivem e que tiveram contato com um paciente positivo na tentativa de bloquear a disseminação do vírus. “Essa vacina funciona muito bem até quatro dias pós-infecção”, observou.

Clarissa acrescenta que não há, neste momento, vacina para todos e a produção mundial vai levar tempo. “Os fabricantes não tinham previsão de produção para uma doença que afetasse o mundo todo. A produção era exclusivamente para estoque estratégico de países que têm programas de biodefesa. O Brasil, como várias outras nações, não tem isso”, explicou. Segundo Rafael, estudos já mostraram a eficácia da estratégia de vacinação em anel em determinados cenários de surto.

Perfil dos infectados

Homens com menos de 40 anos representam a grande maioria dos infectados. Estudos no Reino Unido constataram que muitas vítimas se declaram homossexuais ou bissexuais. Os especialistas, no entanto, alertam que a varíola dos macacos pode acometer qualquer pessoa e não apenas aquelas do sexo masculino com vida sexual ativa. Mulheres e adolescentes já foram diagnosticados com a doença pelo Laboratório Molecular de Virologia da UFRJ.

O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, aconselhou esta semana que homens que fazem sexo com homens reduzam, neste momento, o número de parceiros sexuais. Ao mesmo tempo, alertou que “estigma e discriminação podem ser tão perigosos quanto qualquer vírus e podem alimentar o surto”.

Segundo o médico Amilcar Tanuri, a desinformação pode deixar a sociedade despreparada para lidar com o surto. “Isso nos remonta à história da AIDS e do HIV. No começo, ficou um estigma que só atrapalhou a prevenção da doença. Isso ocorre porque quando o vírus entra por um grupo inicial leva um tempo até se disseminar para outros grupos. Com o HIV começou assim. Depois se percebeu que os hemofílicos estavam com HIV, que as crianças nasciam com HIV. Não existe nenhuma evidência biológica de que o vírus da varíola dos macacos seja específico para um sexo. Aliás, não sei que vírus tem essa especificidade”, disse.

Por Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro

FONTE: Agência Brasil