Doença Inflamatória Intestinal cresce ao redor do mundo e tratamento é difícil

Nos últimos 30 anos, a ocorrência da Doença Inflamatória Intestinal (DII) aumentou em 50%, e hoje afeta cerca de cinco milhões de pessoas no mundo todo. Relacionados à Doença de Crohn, os sintomas da DII são banalizados e isso também dificulta o tratamento.

O médico Alexandre de Sousa Carlos, do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica melhor as causas dessa doença inflamatória e comenta possíveis tratamentos já utilizados pela medicina global.

O que é a DII?

Conforme explica Carlos ,a Doença Inflamatória Intestinal é uma moléstia complexa, a qual pode afetar todo o trato gastrointestinal, ou seja, o caminho da boca até o ânus. A DII é caracterizada por uma cascata de inflamação no trato, que causa diarreias e dores abdominais no início e pode evoluir para sintomas mais sérios. “A característica dessa doença é a reação exagerada do organismo”, conta o especialista, “é uma cascata inflamatória imensa com várias etapas. Eis a grande dificuldade no tratamento:  saber qual é a principal cascata que está afetando aquele paciente”.

O que causa?

Uma das maiores dificuldades relacionadas ao tratamento da DII é a identificação de causas. Como a cascata de inflamação é muito diversificada, saber exatamente o que a desencadeia se tornou um desafio para os pesquisadores. Contudo, explica Carlos, algumas causas gerais já são identificadas:
“Já existem vários trabalhos tentando identificar alguns gatilhos alimentares, a questão da poluição, a questão do nosso estilo de vida ocidental: o stress, tabagismo, o excesso de alguns medicamentos como anti-inflamatórios e o excesso de alimentos ultraprocessados. Tudo isso causa uma alteração da microbiota intestinal”.

Já existem tratamentos

As pesquisas para uma cura da DII perpassam diversas frentes, conta o médico. Uma delas é a terapia gênica, que busca identificar os genes de predisposição dessas doenças intestinais. Outra é o transplante fecal, para reequilibrar a flora intestinal dos pacientes. “Numa pessoa saudável, quanto mais diversificada for a flora intestinal, melhor. E a gente realmente vê isso nos pacientes, que a diversidade está diminuída ou tem menos bactérias do que o habitual.”

Esses tratamentos são de ponta, mas caros e de difícil acesso à população. Entender os fatores ambientais e genéticos, bem como desenvolver uma cura eficaz para a maioria dos casos, estão entre os grandes paradigmas da gastroenterologia atual.

FONTE: Jornal da USP

Traumas são experiências marcantes que podem promover adoecimento psíquico

Comumentemente, a palavra “trauma” é empregada para descrever situações aversivas que envolvem estresse e produzem uma experiência negativa. Segundo Álvaro Cabral Araújo, médico e professor convidado do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o termo é usado de forma frequente para descrever situações de estresse e frustrações cotidianas.

Para a psicologia e psiquiatria, entretanto, a palavra é usada para descrever experiências graves, potencialmente capazes de promover um adoecimento psíquico. “Os manuais diagnósticos de psiquiatria como a CID-11,  da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o DSM5, da Associação Americana de Psiquiatria, descrevem o trauma ou evento traumático como uma exposição a experiências graves, como episódios concretos, ou ameaças de morte, lesão grave ou violência sexual”, explica Araújo.

Consequências 

O psiquiatra explica que “trauma” não é o nome dado para um diagnóstico psiquiátrico ou para um transtorno psiquiátrico específico. A exposição a um evento traumático não implica, obrigatoriamente, no desenvolvimento de transtornos psiquiátricos. O sofrimento e os prejuízos experienciados por pessoas que sofrem algum trauma são variáveis, e a maioria das pessoas se recupera espontaneamente.

Entretanto, existem alguns transtornos que estão relacionados a traumas e a estressores, como o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), quadro que acomete aproximadamente 10% dos indivíduos expostos a um evento traumático. Araújo pontua que, em casos de TEPT, existem critérios específicos de diagnóstico e que é possível realizá-lo. Depois que um indivíduo é exposto a um trauma, ele pode apresentar alguns sintomas, segmentados em três grupos.

O primeiro diz respeito à revivescência do evento traumático – também conhecido como sintoma intrusivo. “Isso inclui lembranças frequentes sobre o trauma, são pensamentos intrusivos; não é que a pessoa se esforça para pensar sobre aquele tema, ela é invadida por essas lembranças. Isso pode acontecer também na forma de pesadelos e na forma de flashbacks”, exemplifica.

O segundo grupo de sintomas é o de evitação ou esquiva. A partir do momento em que o indivíduo desenvolve o quadro de Estresse Pós-Traumático, é normal que ele passe a evitar coisas relacionadas ao evento traumático. “Se uma pessoa sofreu um assalto caminhando em uma determinada rua, é possível que a pessoa evite passar por aquele lugar, evite estar em contato com pessoas que estavam presentes no dia do assalto, por exemplo”, explica o psiquiatra.

O terceiro grupo diz respeito a sintomas de hiperatividade ou hiperexcitação, em que os indivíduos afetados pelo transtorno, depois da exposição ao trauma, vivem em estado de alerta, assustam-se com mais facilidade e são mais reativos e irritados do que em condição normal.

Miriam Debieux Rosa, professora do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia (IP) da USP e coordenadora do Laboratório Psicanálise, Sociedade e Política (PSOPOL/IPUSP) e do Grupo Veredas: psicanálise e imigração (PSOPOL/IPUSP), pontua que o diagnóstico é decisivo para determinar o tipo de tratamento adequado para pessoas que sofreram com traumas.

Apagamento da memória 

Pessoas expostas a eventos traumáticos, estressores graves ou situações emocionais muito intensas podem apresentar manifestações de dissociação, como a amnésia dissociativa – quadro em que alguns indivíduos são incapazes de recordar aspectos relevantes do evento traumático vivenciado.

Segundo Mario Otero, psicólogo no Ambulatório de Transtornos Somáticos (Soma) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em alguns casos, essa amnésia afeta alguns momentos da vida do indivíduo, ou pode ser mais severa, caso em que a pessoa pode esquecer quem ela é, se tem família e o que faz profissionalmente, por exemplo. “Essa dissociação ocorre para proteger a pessoa das memórias e dos afetos ruins ligados a algum tipo de experiência que ela não conseguiu elaborar psiquicamente”, exemplifica.

Cabral explica que existem outras manifestações dissociativas, como desrealização – sensação de desconexão com o ambiente, como se ele não fosse real ou se algo estivesse modificado – ou despersonalização – situação em que o indivíduo se enxerga como se estivesse de fora da situação vivida.  “Esses fenômenos dissociativos podem ser descritos como uma desintegração das funções psíquicas, da consciência, das percepções, da memória. São fenômenos que podem ocorrer diante de estressores graves, provocando essa dissociação”, pontua.

Mesmo que memórias traumáticas sejam bloqueadas, situações como a reexposição a algum evento traumático ou o contato com detalhes da experiência vivida podem permitir que as lembranças sejam acessadas. No caso de uma pessoa que sofreu alguma violência sexual no final da infância ou início da adolescência, por exemplo, e passou boa parte da vida sem entrar em contato com aquela memória, é possível que esse conteúdo seja acessado novamente, caso ela experiencie outra situação abusiva, ou ouça algum relato sobre alguma violência.

Tratamentos 

Nos casos de dissociação, Otero explica que o tratamento desses quadros consiste em colocar o indivíduo afetado para relatar o que for possível e o que for lembrado e, à medida em que ele se abre para o analista, consegue acessar as experiências ruins e atribui um significado ao acontecimento. “Quando a pessoa vai se sentindo mais segura e mais forte para se aproximar dessas experiências ruins do passado, é quase como se a dissociação, essa separação daquele conteúdo ruim, não fosse mais tão necessária”, exemplifica o psicólogo.

Miriam aponta que o grau das situações traumáticas influencia na forma como o tratamento com os afetados deve ser realizado. “Situações violentas, por exemplo, vão ter vários níveis de elaboração, então há uma vida para lidar com as perdas, e principalmente essas muito intensas. Mas isso não significa que a pessoa tenha que viver em sofrimento o tempo todo”, exemplifica. Na própria psicanálise, segundo a professora, existem inúmeras abordagens a respeito do tipo de tratamento, mas dependem do modo como o indivíduo se defende na sua organização psíquica.

Para Araújo, é importante que os indivíduos que são expostos a uma situação traumática sejam acolhidos. “Tanto profissionais como familiares que vão prestar algum tipo de assistência no momento imediato, poucos dias após a exposição ao evento traumático, devem ter esse cuidado de não forçar a pessoa a lembrar ou contar detalhes da situação que aconteceu com ela, apenas se colocar ali à disposição, acolher e tentar fortalecer a rede de apoio”, explica.

Segundo o psiquiatra, cerca de 90% das pessoas expostas a eventos dessa natureza se recuperam completa e espontaneamente dentro de alguns dias. Entretanto, existem casos em que o indivíduo reconhece que, desde o evento traumático, apresenta prejuízos em sua função habitual. Nesses cenários é importante que busquem um tratamento psicológico com bons profissionais.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Jantar tardio pode gerar problemas à saúde

Estudo de cientistas norte-americanos aponta os malefícios das refeições noturnas e alerta que, tornar um hábito regular as refeições noturnas, especialmente pouco antes de dormir, pode trazer consequências indesejadas para a saúde. Laís Murta, nutricionista e doutoranda do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo, explica por que as refeições noturnas apresentam risco ao processo digestivo.

Rotina

Segundo a especialista, principalmente nos grandes centros urbanos, a rotina é uma das principais responsáveis por esse problema, já que muitas pessoas costumam omitir o café da manhã e postergam todas as outras refeições, inclusive o jantar, que passa a ser realizado após o horário de 21 horas. Ela conta que a omissão das refeições diurnas influencia também na quantidade calórica do jantar, já que o corpo sente a necessidade de consumir mais nutrientes para suprir o que não foi ingerido durante o dia.

“Protelar o horário das refeições, fazer o jantar mais tarde acaba sendo um momento de maior tranquilidade. Então, o momento em que a pessoa vai conseguir desfrutar dessa refeição de uma forma mais calma, tranquila, mas essa acaba sendo uma refeição mais calórica, que vai trazer com certeza uma série de consequências prejudiciais para a saúde”, esclarece.

Metabolismo

De acordo com a doutoranda, o corpo humano é projetado para que todos os processos biológicos e metabólicos, como digestão e produção de hormônios, sejam realizados durante o período diurno. Quando o jantar ocorre em um horário tardio, o processo metabólico é atrasado e a função das nossas células pancreáticas, que produzem insulina, acaba sendo menor e podem gerar risco de diabete.

Para a nutricionista, doenças cardiovasculares e surgimento de obesidade também podem ser provocadas por esse adiamento no jantar. Ela conta que alguns estudos mostram que as refeições pela manhã, mesmo hipercalóricas, têm impacto positivo nas funções cardiovasculares e auxiliam na perda de peso, enquanto as mesmas refeições à noite causam efeito contrário.

“A refeição hipercalórica pela manhã acaba tendo uma melhora em parâmetros cardiovasculares e acaba gerando perda de peso, enquanto a mesma refeição à noite provoca todo um efeito contrário. Isso, com o tempo, pode aumentar o risco de doença cardiovascular, o risco de diabete, entre outras consequências”, afirma.

Termogênese

Conforme Laís Murta, após as refeições, o corpo passa pelo processo de termogênese, no qual queima calorias para produção de calor. Nesse sentido, ela explica que é importante as refeições noturnas serem mais leves, para que o corpo não precise queimar tantas calorias no momento de dormir, o que interfere na qualidade do sono e pode causar acúmulo de gordura.

A especialista conta que o ideal é consumir alimentos até quatro horas antes de dormir, com o intuito de que o corpo consiga realizar o processo digestivo de maneira equilibrada. Ela conta que, já que a maioria das pessoas costuma dormir entre 22h e 23h, o mais correto é realizar a última refeição antes das 19 horas. “Não adianta a gente se importar apenas com a quantidade e com a qualidade. A gente tem que se preocupar também com o horário, isso é fundamental”, finaliza.

FONTE: Jornal da USP

Fórum Econômico Mundial acende alerta vermelho contra os alimentos ultraprocessados

O Fórum Econômico Mundial (FEM) de 2024 ocorre em Davos, na Suíça, e diferentes líderes políticos e empresariais discutem as questões mais importantes da atualidade. Nesta semana, durante a reunião, um estudo do fórum defende a transformação profunda na qualidade da alimentação, visando especialmente aos alimentos ultraprocessados, e alerta para o descompromisso das gigantes do setor agropecuário com as promessas de práticas regenerativas.

O professor Ricardo Abramovay, titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo, desenvolve sobre mudanças no sistema agropecuário atual que promovam mudanças significativas na alimentação da sociedade por meio da diminuição dos ultraprocessados e outros feitos.

Debate no fórum

Abramovay destaca a importância do FEM em ligar o sinal vermelho para esse tema, o qual, até dez anos atrás, era objeto de um gradualismo, quase sem repercussão nas práticas cotidianas. Ele expõe que isso ocorria devido à revolução verde, ocorrida a partir dos anos de 1960, que tinha o objetivo de combater a fome que assolava mais da metade da população mundial e se traduziu na concentração da produção — 75% das calorias consumidas globalmente estão divididas em seis tipos de alimentos: arroz, trigo, milho, soja, batata e cana-de-açúcar.

O docente afirma que esse cenário acabou: “Esse método funcionou durante 30 anos, só que a crise climática se materializou em eventos extremos cada vez mais recorrentes, como a seca na Argentina, no Cerrado até o Sul do Brasil ou nas grandes planícies europeias. Isso está mostrando a inviabilidade daquilo que foi o método pelo qual a humanidade conseguiu combater a fome, temos que encontrar outro método”.

Consequência para a saúde

De acordo com o especialista, o Brasil é pioneiro na pesquisa científica na área de Nutrição, com destaque para os professores da Faculdade de Saúde Pública da USP, e tem seu trabalho reconhecido internacionalmente como revolucionário. “Até então, todo o raciocínio se concentrava nos nutrientes da alimentação, o que essa equipe da FSP fez nos últimos 20 anos foi mostrar que mais importante do que o conteúdo de nutrientes e micronutrientes é a maneira como o alimento é transformado”, discorre.

Ele explica que existem quatro tipos de alimentos: naturais, minimamente processados, industrializados e, por último, os ultraprocessados — um conjunto que mal pode ser chamado de alimento, visto que são totalmente arranjados artificialmente pela indústria para ter sabor, textura, aroma, cor e aparência. Por exemplo, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, 60% das calorias consumidas pelos indivíduos correspondem a esse tipo de produto.

No entanto, o professor ressalta que isso não é especificidade das nações mais ricas, destacando que 62% da população que sofre de obesidade no mundo estão nos países em desenvolvimento. Isso ocorre por conta do alto custo para manutenção de uma dieta saudável, que obriga 42% das pessoas no mundo a recorrerem a esses produtos com deficiência nutricional, diante dos quais o corpo humano não está preparado evolutivamente para ingerir.

Frente a esse cenário, mais de 2 bilhões de indivíduos estão em situação de obesidade, ou sobrepeso, em conjunto a carências nutricionais em ferro, zinco e outros. Além disso, o Fórum Econômico Mundial aponta que esses alimentos ultraprocessados estão na origem das doenças que mais matam no globo, inclusive mais do que a fome, como as cardiovasculares e diferentes tipos de câncer: “A conclusão do FEM é que precisamos urgentemente diversificar o sistema agroalimentar, não só a alimentação, tem que diversificar o conjunto do sistema, inclusive no que se refere à oferta de produtos animais”, elucida o docente.

Mudanças no sistema

O Brasil, regente do G20 desde dezembro de 2023, por meio do seu presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enfatizou a luta contra a pobreza e a desigualdade, clima e governança global. Nesse sentido, o sistema agroalimentar é responsável por um terço das emissões de gases do efeito estufa, assim sendo, sua transformação é premissa para o avanço contra as desigualdades e a fome no mundo, afirma o especialista.

Abramovay comenta que o número de famintos no planeta aumentou em torno de 150 milhões de indivíduos, portanto, a conferência do G20 marcada para setembro deste ano no Brasil, deve focar nessa temática. Por fim, ele destaca uma reunião que acontecerá em fevereiro, entre os ministros das Finanças dos países do G20: “A USP, por meio de várias unidades, vai ter participação diversa no encontro e, em particular, vamos insistir nesse tema da urgência de superar a monotonia do sistema agroalimentar global como uma premissa para que a gente possa avançar na luta contra a fome e as desigualdades, pelo bem-estar animal e pelo desenvolvimento sustentável”.

FONTE: Jornal da USP

Você sabe o que é Cápsula Endoscópica?

Pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP analisaram a importância da cápsula endoscópica, nova técnica de imagem médica para o diagnóstico precoce de doenças nestes locais, e as novas possibilidades de uso que surgiram com a modernização do procedimento.

São chamadas de imagens médicas as variadas técnicas usadas na medicina para ver o que acontece dentro do corpo humano, como a ressonância magnética, a radiografia, a tomografia, a ecografia, feitas de forma externa, e a endoscopia, feita de forma interna. Os procedimentos endoscópicos funcionam com a inserção de uma pequena câmera no trato gastrointestinal dos pacientes, o que requer sedação. Tanto na endoscopia superior (captação de imagens do esôfago, estômago e início do intestino delgado) quanto na inferior (captação de imagens do intestino grosso e parte final do intestino delgado), o procedimento não consegue percorrer todo o sistema digestivo, deixando de fora grande parte do intestino delgado.

As cápsulas têm cerca de 2,6 cm de comprimento e 1,1 cm de diâmetro, com as laterais arredondadas, e são ingeridas por via oral, para seguir o caminho do trato digestório. São pequenos aparelhos em tamanho de medicamentos orais, equipados de câmera, fonte de luz, bateria e transmissor, que captam toda a extensão do sistema gastrointestinal. “Ela tem um sistema de iluminação branca, uma pequena câmera integrada, baterias para alimentar todos os sistemas e um sistema que transmite as imagens feitas”, diz João Paulo Carmo, professor da EESC. Além das cápsulas, são vendidos, para empresas de diagnóstico, aparelhos externos para recepção das imagens coletadas.

 

As diferentes endoscopias, alta, baixa e cápsula – Imagem: retirada do artigo

 

Essa tecnologia permite que o exame seja feito sem sedação — diferentemente de como são feitos os demais procedimentos endoscópicos — de forma indolor para o paciente. Além disso, toda a extensão do trato gastrointestinal é coberta. O trabalho resultou no artigo Endoscope Capsules: The Present Situation and Future Outlooks, publicado na revista Bioengineering, e, de acordo com os autores, a cápsula endoscópica é indicada para diagnóstico de doenças no esôfago, tumores intestinais, sangramento gastrointestinal, doença de Crohn e doença celíaca.

Por outro lado, há possibilidades de haver retenção da cápsula no organismo e lacunas de gravação. Também não é possível controlar a locomoção e a posição da cápsula, já que o aparelho segue os movimentos peristálticos do sistema digestivo, o que pode prejudicar os resultados do exame. Por isso, ainda é mais prático e barato, para diagnóstico de órgãos que são cobertos pelos métodos superior e inferior, usar a endoscopia convencional.

O estudo analisou também possíveis respostas para o controle dos movimentos, dentre eles o uso de campos magnéticos. “A própria Cápsula Endoscópica tem um pequeno ímã, fora do organismo podemos usar um ímã maior e mais forte que interage com a cápsula, o que, teoricamente, consegue controlar o movimento e a posição da cápsula. Nesse caso, a revolução vai ser drástica”, explica o pesquisador. Se esse problema for contornado, novas possibilidades de uso para a essa tecnologia podem ser aplicadas.

“Essa cápsula tem se mostrado um bom método diagnóstico, aliás, tem sido muito usada como diagnóstico de primeira linha. Antes dela, ou se fazia exames de raio-X e ressonância magnética, ou por cirurgia, abrir e ver o que se passa. A cápsula, nesse aspecto, é um auxiliar muito importante, tanto por não usar radiação e nem campos magnéticos intensos, e ainda tem a particularidade de ser um dispositivo minimamente invasivo”, explica Carmo.

Por causa desses fatores, segundo Carmo, a indústria farmacêutica viu um grande potencial de lucro nas cápsulas e hoje já existem outras empresas que também fornecem o aparelho. Assim, o objetivo do artigo era traçar as perspectivas para a tecnologia das cápsulas endoscópicas, vantagens e desvantagens e suas possíveis aplicações.

As cápsulas endoscópicas foram desenhadas em 1989, mas só começaram a ser comercializadas em 2000, pela empresa Given Imaging, nos Estados Unidos.

 

Sistema da cápsula – (a) cúpula (dome) óptica, (b) suporte físico para as lentes, (c) lente (com baixa distância focal), (d) LEDs de luz branca para iluminação, (e) sensor para aquisição de imagens, (f) baterias de óxido de prata para alimentação, (g) um emissor de radiofrequência (RF) para transmissão sem fios das imagens e (h) uma antena – Imagem: cedida pelo pesquisador

Imagens captadas no intestino delgado pela cápsula. (A) Angioectasia (vasos sanguíneos dilatados) sem sangramento, (B) sangramento ativo) – Imagem: retirada do artigo

Novas possibilidades da Cápsula Endoscópica

“Outra grande aplicação possível é a terapia fotodinâmica. Basicamente, essa terapia é feita com a injeção de um fotossensibilizador, uma substância que reage à luz”, diz Carmo. Cada fotossensibilizador reage a um comprimento de onda específico, na faixa de 400–760 nm. Quando a luz encontra o fotossensibilizador, “o fármaco é ativado e promove a formação de radicais livres de oxigênio, que vão provocar danos no nível celular em tecidos tumorais.”

Esses filtros ópticos específicos podem ser acoplados na cápsulas endoscópica para tratar doenças em áreas do intestino delgado, porém é necessário ter controle do movimento do aparelho para garantir que a terapia seja aplicada nos locais exatos, para não danificar tecidos saudáveis do organismo.

Atualmente, a terapia fotodinâmica já é usada para tratar tumores no esôfago, no estômago, no pâncreas e colorretal, e doenças hepatobiliares (fígado e bílis). “Nos locais onde já se faz terapia fotodinâmica é muito mais barato, rápido e expedito usar endoscópios convencionais. No dia em que surgirem no mercado cápsulas nas quais se consiga controlar os movimentos e posicionamento das cápsulas, será uma revolução realizar terapia fotodinâmica nas porções internas no intestino delgado.”

Segundo os autores do artigo, as cápsulas também podem ser adaptadas para procedimentos de endomicroscopia a laser (para obtenção de imagens de alta resolução dos órgãos), espectroscopia (para detectar mudanças físicas em tecidos) e imagens de banda estreita (imagens com visibilidade vascular).

Além de Carmo, também contribuíram com o trabalho Rodrigo Gounella, Talita Conte Granado, Daniel Luis Luporini e os professores Oswaldo Junior e Mário Gazziro.

Mais informações: e-mail jcarmo@sc.usp.br, com João Paulo Carmo

* Estagiária, sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiária, sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Oxigenoterapia hiperbárica mostra-se eficiente na recuperação de lesões no joelho

O Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas realizou um estudo mostrando que a oxigenoterapia hiperbárica pode contribuir com a recuperação de lesões musculoesqueléticas e aponta a eficácia da câmera hiperbárica na recuperação pós-cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado anterior no joelho.

A análise em desenvolvimento abriu novas linhas de pesquisa no tratamento de algumas doenças ortopédicas, como é exposto pelo líder do estudo e professor Marcos Demange, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFM) da Universidade de São Paulo.

A doença

A lesão no ligamento cruzado anterior do joelho é um dano comum entre os praticantes de esportes, que é ocasionado quando o atleta estoura o ligamento central do joelho, deixando-o instável. De acordo com o professor, o tempo de recuperação após o tratamento pode ser longo até que o ligamento fique novamente forte.

“Ocorre quando a pessoa trava o joelho no chão e gira o ligamento que está em seu centro, ele pode estourar e, quando isso acontece, a pessoa fica com o joelho sem estabilidade ou seja, ele afrouxa. O tratamento normalmente demanda uma cirurgia que tem um tempo longo de recuperação, de quase 26 meses até esse ligamento ficar resistente”, explica o especialista.

Oxigenoterapia hiperbárica

Inicialmente, a oxigenoterapia hiperbárica começou a ser usada em doenças compressivas, principalmente com mergulhadores que estão em profundidade no mar e sobem rápido para a superfície e em trabalhadores em plataformas de petróleo, há mais de 30 anos, afirma o professor.

Demange expõe que o tratamento passou a ser utilizado para cicatrizar tecidos em que a oxigenação era ruim e em que bactérias cresciam demasiadamente, gerando infecções, gangrenas ou feridas grandes. Utilizando a mesma lógica de tecidos que não possuem boa oxigenação e que, por isso, demoram para cicatrizar, o professor e sua equipe tiveram a ideia de utilizar a medicina hiperbárica no sistema esquelético.

“Estamos no ar ambiente, que tem em torno de vinte e poucos por cento de oxigênio e a nossa pressão no corpo é de uma atmosfera que está aí em cima da gente. Quando colocamos uma pessoa dentro de uma câmera hiperbárica, significa aumentar a pressão em uma ou duas vezes do que estaria na atmosfera, é como se fosse um mergulho de 20m no mar de pressão”, descreve o especialista

Além disso, coloca-se um oxigênio a 100% dentro da câmera hiperbárica e, em vez dos vinte poucos por cento que a gente está respirando, faz com que o oxigênio, além de ser transportado pela hemoglobina, corra pelo plasma, elevando o nível do oxigênio mais de seis ou sete vezes, ajudando a célula a crescer, explicita o professor.

Desenvolvimento do estudo

No estudo foi feita a divisão de dois grupos, em que um grupo ficou no ar normal e o outro ficou cinco dias seguidos recebendo uma hora e meia de oxigênio trapiperbárica. Após três meses, que é o tempo de recuperação do ligamento, foi analisado em exames de alta resolução um resultado promissor em que o ligamento estava bem mais resistente. Embora a terapia seja benéfica, existem algumas contraindicações.

“As duas contraindicações mais relevantes são, por exemplo, se uma pessoa está com glaucoma, que é o aumento de pressão dentro do olho, ela não pode se submeter a um tratamento desse tipo. Como também em pessoas que possuem claustrofobia muito forte e que possuam convulsões que não estão sendo controladas”, reitera o especialista.

Os estudos desenvolvidos ainda serão utilizados na prática; no momento, os estudos clínicos com os pacientes serão iniciados. A linha de pesquisa vai ser expandida para outros locais que não só do ligamento cruzado anterior, mas também para o menisco, a cartilagem, o tendão do ombro e em outras regiões com uma cicatrização ruim.

“Essa é uma linha de pesquisa que se abriu. Então, o que é muito interessante desse estudo que, aliás, foi publicado numa revista internacional super-relevante, é que abriu uma linha de pesquisa nova e uma vertente nova de tratamento para nós aqui na Faculdade de Medicina da USP”, destaca o especialista.

FONTE: Jornal da USP

Mortalidade após AVC é alta em pacientes com comorbidades que não fazem fono e fisioterapia

O acidente vascular cerebral (AVC) acontece quando há problemas nos vasos sanguíneos que alteram o fluxo de sangue no cérebro, o que causa a morte de células do sistema nervoso na região afetada. Classificado como acidente vascular isquêmico (vasos cerebrais entupidos) ou acidente vascular hemorrágico (rompimento dos vasos), o AVC é uma das doenças que mais matam no País, além de ser a principal patologia que causa incapacidade funcional (desempenho físico prejudicado) e cognitiva (comprometimento das funções encefálicas) no mundo. Segundo dados do Portal da Transparência do Centro de Registro Civil, em 2023, até novembro, foram registrados mais de 98 mil óbitos por AVC no Brasil.

Apesar dos números elevados de mortes e da grande prevalência na população brasileira, o AVC ainda é considerado uma doença negligenciada, e poucos estudos longitudinais de longo prazo investigaram seus fatores de risco durante um grande período. Pesquisadores da USP publicaram artigo com os resultados de um estudo derivado de 12 anos de acompanhamento de pacientes que sofreram AVC e procuraram o primeiro atendimento no Hospital Universitário (HU) da USP.

Em Cerebrovascular risk factors and their time-dependent effects on stroke survival in the EMMA cohort study, publicado na National Library of Medicine, se observou que o grau de incapacidade funcional pós-AVC, ou seja, dificuldade em executar tarefas cotidianas básicas, é o fator que mais influencia nas taxas de mortalidade e que a reabilitação para essas sequelas melhora o prognóstico (evolução da doença) dos pacientes em longo prazo.

O Estudo de Mortalidade e Morbidade do AVC (EMMA) se iniciou em 2006. Foram incluídos pacientes de 2006 a 2014, com acompanhamento dos sobreviventes ou informações sobre óbito até 2018. “Uma vez incluídos, fizemos um seguimento periódico anual via telefone, se o paciente estava vivo e se ele ou um acompanhante familiar poderia conversar conosco sobre o estado de saúde pós-AVC: se teve outro episódio, se ficou com alguma sequela, se estava fazendo reabilitação fisioterápica e fonoterápica, se tomava os remédios para os fatores de risco cardiovasculares, entre outros”, detalha Alessandra Carvalho Goulart, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e médica pesquisadora do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP.

Com as repostas obtidas, os pesquisadores compararam o efeito de variáveis ao longo do tempo — como idade, sexo, baixo nível educacional, comorbidades prévias, uso de medicamentos — durante o período de acompanhamento, e assim, conseguiram apontar os fatores que estão ligados a uma pior sobrevida pós-AVC.

Dos 1.378 casos observados pelo EMMA, o artigo analisou uma amostra de 632 pessoas que sofreram AVC isquêmico e estavam vivas pelo menos por seis meses após o acidente vascular. Dessa amostra final, houve 275 óbitos durante o seguimento.

“Observamos que o sexo masculino, o baixo nível educacional, não fazer uso contínuo de medicação para controle dos fatores de risco e algumas comorbidades prévias implicam um risco maior de morrer, porém o risco foi fixo, ao longo de 12 anos não mudou”, diz Alessandra Goulart. Apesar do risco fixo, se a pessoa não cuida desses fatores, há maior chance de morte.

Em contraste, o uso contínuo de medicamentos para controle dos fatores de risco cerebrovasculares reduziu o risco de mortalidade em 50% nos anos observados.

“A mortalidade é muito alta nas pessoas com comorbidades que não fazem reabilitação de fono e fisioterapia. Porque há um risco maior de broncoaspiração e de morrer de complicações infecciosas, como pneumonia aspirativa, por exemplo. Além do uso de medicações e a presença de comorbidades, o que realmente chamou atenção foi a questão da pessoa ainda se manter sequelada pós-AVC, com a incapacidade no mínimo moderada a grave de ter uma pior sobrevida em longo prazo”, diz a pesquisadora.

Em relação ao risco dependente do tempo pós-AVC, os pesquisadores observaram que o grau de incapacidade funcional (moderada a grave) e o envelhecimento tiveram maior impacto na mortalidade, principalmente entre seis meses e dois anos e meio após o acidente vascular.

Segundo Alessandra Goulart, os resultados demonstram a importância de investimentos em fisioterapia e reabilitação para os indivíduos que sofreram acidentes vasculares, uma vez que eles podem viver mais e sem sequelas. Ao mesmo passo que pessoas mais sequeladas pelo AVC apresentam uma taxa de mortalidade maior e têm mais complicações médicas, quem se recupera melhor das complicações tem um melhor prognóstico pós-AVC.

“É necessário melhorar a rede de atendimento de reabilitação, porque o AVC ainda configura uma das principais cargas de mortalidade e morbidade no mundo, principalmente nas populações mais carentes, como parte da região do Butantã [zona oeste de São Paulo, onde fica o HU]”, destaca a pesquisadora.

Mais informações: e-mail agoulart@hu.usp.br, com Alessandra Carvalho Goulart

*Estagiária sob supervisão de Fabiana Mariz

FONTE: Jornal da USP

O exercício da sexualidade na terceira idade é pouco estudado e comentado

A sexualidade na terceira idade apresenta desafios relacionados ao próprio envelhecimento. No entanto, o principal deles está atrelado à invisibilidade do assunto. Falar sobre sexo na juventude já é difícil e vem acompanhado de uma série de tabus, mas falar de sexo depois dos 60 ganha nas desvantagens. E o que muita gente não sabe é que a sexualidade continua latente até mesmo na velhice, e não falar sobre ela pode prejudicar os idosos que queiram manter uma vida sexual saudável.

É muito comum ouvir e observar estereótipos sobre os mais velhos, como, por exemplo, a ideia de que não podem trabalhar ou que são debilitados e que, por isso, não podem assumir responsabilidades ou ter a rotina na mesma intensidade de quando eram jovens, incluindo vida sexual ativa. De acordo com Flávia Raquel Rosa Junqueira, ginecologista e obstetra com área de atuação em Sexologia, formada pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, tanto homens quanto mulheres têm mudanças no corpo com o passar da idade e também na resposta sexual, mas o maior desafio é a invisibilidade. “O exercício da sexualidade nessa faixa etária ainda é muito pouco visto, estudado e falado. Temos uma crença coletiva de que é como se as pessoas mais velhas, as pessoas idosas não tivessem sexualidade, o que não é verdade”, declara.

Segundo Flávia, a sexualidade na terceira idade é a continuação dessa vivência praticada por toda a vida, associada com as modificações fisiológicas que a idade proporciona. “É uma fase da vida que precisamos realmente olhar com mais carinho e ter mais conhecimento. A sexualidade não deixa de existir, ainda que ela possa sofrer e passar por adaptações nesse período”, explica a especialista.

Mudanças fisiológicas

Assim como todo o corpo, os órgão sexuais também vão passar por transformações com o envelhecimento. De acordo com Flávia, no caso da mulher, essas alterações ocorrem na anatomia da região genital, da região pélvica, com a redução do tamanho do útero, a atrofia da mucosa do tecido vaginal e da vulva e o ressecamento dessa região. “Isso pode interferir na capacidade de lubrificação durante a relação sexual e pode levar, inclusive, à dor durante o ato sexual”, informa a médica.

No caso do homem, as alterações apontadas pela especialista estão relacionadas às dificuldades para alcançar a ereção, precisar de uma excitação mais demorada e a qualidade da ereção, que pode mudar com a diminuição da rigidez do pênis. “A questão da ejaculação também. Pode-se ter uma menor percepção desse momento que a ejaculação vai acontecer e uma redução da força e do volume do líquido ejaculado”, acrescenta.

Além disso, Flávia também explica as mudanças do orgasmo. Para as mulheres, a sensibilidade diminui ao longo do tempo, fazendo com que o orgasmo leve mais tempo e precise de mais estímulo, podendo ser, inclusive, de menor intensidade comparado à mulher quando mais jovem.

Da mesma forma, o orgasmo masculino pode ter uma resposta mais lenta e de contração da musculatura menos intensa e menos duradoura. “Há também um aumento do período refratário, que é o período entre o homem ter uma ejaculação do orgasmo e conseguir novamente reiniciar o ciclo de resposta sexual, com a ereção e um novo ciclo de ejaculação e orgasmo”, define a ginecologista.

Hábitos

Como outros aspectos do dia a dia, a sexualidade é reflexo de hábitos de toda a vida. Ainda segundo a especialista, é importante ter esse olhar ao longo da história, de que a sexualidade é fruto da nossa saúde como um todo. “Nosso estilo de vida vai impactar diretamente o exercício da nossa sexualidade no envelhecimento. Aquelas preocupações sobre a importância de uma alimentação saudável, da prática de exercício físico regular, a importância de um sono de qualidade, um adequado gerenciamento do estresse e evitar hábitos como o alcoolismo, o tabagismo, que podem interferir diretamente na sexualidade, é muito importante.”

A ginecologista reforça ainda que o envelhecimento é uma etapa da vida pela qual todos esperam passar e a importância de tratar a vida sexual nesse processo como algo natural e com carinho, até porque a sexualidade se mantém ainda que sem o mesmo desempenho sexual da juventude. “Um encontro sexual vai muito além da penetração. É reduzir demais acharmos que a sexualidade às vezes vai ser só essa questão em si. Essa expressão da sexualidade pode se manter ativa até o final da vida, assim como a satisfação sexual, independentemente das adaptações que eventualmente o envelhecimento possa trazer”, finaliza.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior

FONTE: Jornal da USP

“Solidão não é, necessariamente, sinal de sofrimento”

Um levantamento realizado pela associação Meta-Gallup mostrou que quase 1/4 das pessoas ao redor do mundo sentem solidão. A pesquisa foi conduzida em 142 países e não consultou a China – segundo país mais populoso do globo, o que poderia evidenciar um número ainda mais elevado. Quando perguntados o quão sozinhos os entrevistados geralmente se sentiam, 24% se classificaram como “muito”, 27% como “um pouco” e 49% como “nem um pouco”.

Os resultados mostraram que as taxas mais baixas de solidão foram relatadas por pessoas acima de 65 anos (17%), enquanto as taxas mais altas foram reportadas por jovens adultos, faixa etária que engloba dos 19 aos 29 anos (25%). Antônio de Pádua Serafim, professor do Instituto de Psicologia (IP) da USP, explica que a elevada porcentagem de jovens adultos que se sentem sozinhos pode ser explicada pelo processo de desenvolvimento biológico vivenciado por esse grupo.

“São aquelas pessoas que estão em um período de identificação, de definição, de transição, de buscas, de consolidação pessoal e profissional, muitas vezes acadêmica, e até relações interpessoais”, exemplifica o professor. Além disso, são indivíduos que planejam perspectivas de projeções futuras, e esse momento de transição pode gerar inseguranças.

Serafim pontua que existem evidências que mostram que, atualmente, parte da população mais jovem possui poucas habilidades nas interações sociais. “São pessoas com a configuração de mais insegurança e mais dificuldade de interagir, de se sentir confortável e mais confiante”, completa. Atualmente, para o professor, é como se houvesse um nível de exigência e aprovação elevados, o que pode gerar inseguranças e provocar um isolamento.

O que é solidão? 

De acordo com o professor, ao estudar o comportamento humano, pressupõe-se que existem relações de troca entre as pessoas. Do ponto de vista da psicologia, a solidão configura um comportamento em que o indivíduo está inserido em um contexto no qual não há uma relação ativa – presencial ou a distância – de interações interpessoais.

Além disso, a solidão pode acontecer através de um processo natural, em função da localização, como também pode ser uma escolha. “Solidão não é necessariamente sinal de sofrimento, mas você pode ter a solidão fruto da exclusão do ambiente, ou da própria autoexclusão – quando a pessoa se coloca nesse posicionamento”, explica Serafim.

Vivian Loietes de Oliveira Prado, pesquisadora do Instituto de Psicologia da USP, define a solidão – dentro de uma perspectiva psicológica – como uma resposta emocional sentida quando existe uma diferença entre a qualidade das relações obtidas e a qualidade que se deseja obter. “Em outras palavras, poderíamos pensar em solidão como uma indicadora de parâmetros insuficientes. Então, a solidão pode sinalizar a necessidade de formar conexões mais significativas e mais duradouras”, exemplifica.

De acordo com Vivian, os seres humanos são essencialmente sociais, o que cria uma necessidade inata de pertencimento e de se relacionar para estabelecer conexões – que acontecem através das interações. Pessoas que apresentam dificuldades de formar ou manter relações interpessoais satisfatórias, segundo a pesquisadora, podem se sentir mais propensas a vivenciarem a solidão, justamente por não terem suas necessidades psicológicas atendidas.

Perigos da solidão 

Segundo Serafim, a percepção do “estar só” gera um processo de análise cognitiva dessa condição – em que o indivíduo pode pensar, por exemplo, “por que estou sozinho?”, “não agrado ninguém?”, “não sou interessante?”, “não me sinto competente para realizar determinadas ações”, “acredito que tenho características que não serão aceitas por grupos sociais”. Esse fluxo de pensamento configura uma série de respostas emocionais que podem gerar conclusões negativas e, consequentemente, um conjunto de fatores negativos, como rebaixamento da autoestima e confiança.

O professor acredita que esse processo danifica a configuração de identidade do indivíduo e abre espaço para alterações no humor – classificadas por Serafim como os principais problemas psicológicos causados pela solidão. “Essas pessoas começam a se sentir cada vez mais desprestigiadas, desvalorizadas, e isso culmina com a redução do humor, surgindo a questão da depressão. Nesses aspectos, podem surgir outras comorbidades, como o uso de álcool, o uso de medicações excessivas para lidar com essa sensação, além de problemas de sono e problemas alimentares”, aponta.

Os altos índices de pessoas que se sentem sozinhas – evidenciados pela pesquisa conduzida pela associação Meta-Gallup – são motivo de preocupação e merecem atenção. “Quando você usa o próprio termo ‘1/4 da população se sente só’, está dizendo que ela se percebe sozinha, isso não está dizendo que elas estão bem sozinhas. Quando eu digo que ‘me sinto só’, estou dizendo, em outras palavras, que eu não tenho pessoas e que eu gostaria de estar próximo”, explica o professor. Dessa forma, é preciso entender quais são os fatores e condições que estão provocando esse sentimento nas pessoas.

Entretanto, a questão do “viver sozinho”, para Serafim, depende da configuração psíquica de cada um. Em alguns casos, pessoas apresentam formas de viver e estabelecer relações com elas mesmas, em que não depositam ou não dependem de troca com outras pessoas para nutrir a imagem de suficiência e de se bastarem. Dessa forma, “o estar sozinho” não indica, necessariamente, alguma problemática.

Medidas 

Em 2018, o governo do Reino Unido anunciou a criação de um ministério para tratar a solidão e suas possíveis consequências. Uma pesquisa, conduzida em 2017, que motivou a criação do órgão, mostrou que 9 milhões de britânicos sentiam-se sozinhos com certa frequência. Para Vivian, os impactos causados pela solidão na saúde emocional precisam ser pensados coletivamente, por meio da promoção de programas que visem à diminuição da solidão como uma questão dentro da saúde pública.

A pesquisadora acredita que a solidão também precisa ser pensada individualmente, e que o entendimento desse sentimento é importante para conseguir gerenciá-lo de forma mais saudável. “Para isso, você pode, por exemplo, investir melhor na sua rede de apoio e entender o que pode ser feito e oferecido para as pessoas que estão à sua volta. É através da intimidade e companheirismo que se criam conexões fortes e duradouras e, através disso, a gente alcança situações do dia a dia onde você pode se envolver mais, mostrando e recebendo um suporte mútuo recíproco”, exemplifica.

Vivian ainda ressalta a importância de aprender a viver melhor a solitude – definida por ela como uma capacidade pessoal de se estar sozinho e conseguir sustentar o próprio selfie, sempre com o objetivo de autoconhecimento, de saber reconhecer melhor os próprios sentimentos, as vontades, e fortalecer os aspectos da identidade. “E, se for preciso, busque um bom profissional de saúde mental que possa te ajudar e te guiar nessa busca de viver a solitude de uma forma saudável e te ajudar nessas habilidades de criar e manter relacionamentos saudáveis, de conexões que façam sentido, que atendam às suas necessidades afetivas, e que ao mesmo tempo te oferecem uma companhia qualificada”, explica.

Para Serafim, a criação de um órgão responsável apenas por propor ações, sem investigar profundamente o fenômeno, não ajuda a reduzir efetivamente a questão. “Por mais que se crie qualquer órgão, qualquer aspecto que vai pautar isso, desde que a base de atuação dele seja identificar os fatores de vulnerabilidade para que as pessoas se sintam só, aí eu entendo que é viável”, pontua.

De acordo com o professor, é normal que, em relações comportamentais, sejam criadas propostas sobre a demanda – muitas vezes intangíveis – sem entender efetivamente suas causas. Por isso, Serafim acredita que é preciso compreender o fenômeno em questão, entender o que mantém a condição analisada, para só depois se pensar em quais ações são mais efetivas para reduzir o cenário.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Os impactos da criação da pílula anticoncepcional na emancipação da mulher

Desde que o ser humano percebeu que a ejaculação intravaginal pode resultar em uma gravidez, existe uma preocupação em prevenir que ela aconteça. Desde a década de 1940, segundo Edson Ferreira, médico da Divisão de Ginecologia do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), pesquisadores começaram a estudar maneiras de sintetizar hormônios em laboratórios – que antes eram extraídos de fontes animais.

De acordo com o especialista, Margaret Sanger, enfermeira norte-americana e criadora do termo “controle de natalidade”, foi responsável por persuadir Katharine McCormick, filantropa dos Estados Unidos, a realizar uma doação financeira aos laboratórios que fizeram pesquisas para a criação da primeira pílula anticoncepcional. Alguns anos depois, em 1960, a primeira pílula responsável pela regulação do ciclo menstrual passou a ser comercializada.

Contexto histórico 

A pílula anticoncepcional surgiu após a Segunda Guerra Mundial (1937-1945), que causou uma mudança profunda na economia mundial. Carmita Abdo, psiquiatra, professora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas, explica que esse cenário ajudou na efetiva inserção feminina no mercado de trabalho. “A mulher iniciou sua vida profissional mais efetivamente, em massa, a partir do momento em que só o homem não conseguia prover os gastos domésticos da situação pós-guerra de penúria e de muito desequilíbrio econômico-social”, aponta.

Na época, já existiam alguns métodos responsáveis por controlar a natalidade, mas nada tão efetivo quanto o efeito do anticoncepcional. A ciência, então, percebeu a necessidade de buscar uma solução mais resolutiva para que mulheres conseguissem realizar um planejamento familiar e assim trabalharem de forma mais regular – e não serem surpreendidas por gestações inesperadas. Dessa forma, Carmita explica que a necessidade de um trabalho externo à casa esteve acompanhada da necessidade de criação de um método anticoncepcional mais confortável, e não que a pílula ajudou as mulheres a trabalharem mais fora do lar.

Foi nesse momento também em que o sexo reprodutivo e o sexo erótico passaram a ser separados de forma definitiva. “Usava-se a pílula quando o sexo a ser feito era especialmente no sentido do prazer, do erotismo, de algo que não tivesse a finalidade de reprodução”, pontua a psiquiatra. Ficou claro para as mulheres que a maternidade é algo que pode, ou não, ser desejado em um dado momento da vida. Além disso, com o advento da pílula, foi possível que o planejamento familiar – e o planejamento da vida da mulher para além da família – acontecesse de maneira mais efetiva.

Emancipação feminina? 

Existe um discurso que classifica a criação da pílula anticoncepcional como um marco da emancipação sexual feminina. Carmita aponta que esse processo, à primeira vista, não pareceu ser pensado propositalmente. A criação desse método contraceptivo aconteceu no momento em que as mulheres precisavam sair para trabalhar. “Ela acabou achando interessante essa emancipação, não deixou passar essa oportunidade, mas a pílula veio em consequência de uma necessidade dela não ficar mais só com o trabalho doméstico”, exemplifica.

É nesse cenário em que a dupla jornada de trabalho é criada. A psiquiatra explica que, com a criação da pílula anticoncepcional, e quando as mulheres começaram a trabalhar, não necessariamente elas deixaram de exercer outras jornadas; existe uma composição de tarefas que pode chegar a ser até uma “tripla jornada”, que configura os cuidados com a casa, o trabalho e cuidados com a prole.

Eva Alterman Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, explica que, já no ano de sua criação, a pílula anticoncepcional não era recomendada pelas mulheres participantes de movimentos feministas, que alegavam um excesso de hormônios na composição do contraceptivo.

Além disso, outro ponto considerado pela professora diz respeito ao poder masculino na tomada de decisões. Há uma relação direta entre as concepções políticas e demográficas; isto é, as sociedades são influenciadas pela teoria malthusiana, que propõe que existe um crescimento exacerbado da população e um desequilíbrio dos bens disponíveis para alimentar essa população.

Na tentativa de reverter esse cenário, criam-se mecanismos voltados para o controle populacional. “Por exemplo, no Brasil, foi criada a Bemfam (Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil), que funcionou bastante e que difundiu o controle populacional e a distribuição de pílulas sem o devido acompanhamento do uso no corpo da mulher”, explica.

A pílula anticoncepcional na atualidade 

Atualmente a tecnologia das pílulas anticoncepcionais mudou e os motivos para sua utilização também. Ferreira explica que, quando um indivíduo apresenta interesse em implementar algum método contraceptivo é recomendado que um profissional da saúde converse com o paciente para saber qual seu objetivo, qual a duração do uso dos métodos, se as pessoas apresentam acne, períodos de TPM, e histórico familiar de doença, por exemplo. Dessa forma, os médicos conseguem determinar tratamentos contraceptivos mais adequados para cada caso particular.

Na medicina, não existem práticas sem risco de eventos adversos. As decisões tomadas pelos médicos, segundo Ferreira, levam em consideração a alternativa que oferecerá mais benefícios do que riscos, e com os métodos contraceptivos não é diferente. Existem anticoncepcionais que afetam o ciclo menstrual –  o que pode ser visto como efeito terapêutico por pessoas que desejam alterar o volume da menstruação, por exemplo –, que podem modificar a oleosidade facial, ou que, dependendo do médico e do quadro clínico apresentado pelo indivíduo podem aumentar as cólicas sentidas no período menstrual.

Ainda existem alguns eventos mais graves relacionados à utilização de contraceptivos – principalmente métodos “combinados”, aqueles que possuem estrogênio em sua composição –, como a trombose venosa profunda e embolia pulmonar. Ferreira ressalta que esses são casos extremamente raros na população geral e que são aumentados pelo uso de métodos que contêm estrogênio, mas esse é um aumento da ordem de dois a quatro casos a cada 10 mil pessoas/ano utilizando.

Entretanto, o médico elucida que a ampliação dos métodos anticoncepcionais permitiu que, nos últimos 20 anos, houvesse uma redução de 40% na mortalidade obstétrica e perinatal. “Quando a gente programa o momento de engravidar, quando a gente espaça uma gestação da outra, aumentando o intervalo entre os partos, estamos reduzindo a ocorrência de mortes de causa obstétrica e também de morte de recém-nascido, justamente porque pôde-se fazer um planejamento reprodutivo de maneira adequada”, exemplifica.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP